Apesar de ter surgido antes, foi a insegurança resultante da 2.ª Guerra Mundial que emergiu como um ideal de segurança económica. A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra-a como direito humano básico. Em Portugal, a Constituição afirma o seu carácter universal quando estabelece que «todos têm direito à segurança social».
A Segurança Social Pública combina o princípio da solidariedade entre gerações com a solidariedade nacional. Os trabalhadores no activo, ao mesmo tempo que formam a pensão, que virão a receber no futuro, financiam as pensões dos actuais pensionistas. E financiam, através de impostos, as prestações pagas pelo Sistema de Protecção Social de Cidadania. Por exemplo, pensões sociais, Rendimento Social de Inserção (RSI) e apoios às pessoas com deficiência. Num mundo em que as forças neoliberais propagam o individualismo, a Segurança Social Pública tem um papel essencial no reforço da coesão da sociedade.
O Sistema Previdencial e o Sistema de Protecção Social de Cidadania
Deve-se separar, embora estejam interligados, os dois principais sistemas que compõem a Segurança Social Pública: o Sistema Previdencial e o Sistema de Protecção Social de Cidadania.
O Sistema Previdencial assenta nas contribuições dos trabalhadores, pelo que existe uma relação directa com o trabalho. É por isso que há países que vêem as pensões contributivas como uma forma de salário.
Já o Sistema de Protecção Social de Cidadania tem por objectivo garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão social. Este subsistema é financiado por impostos.
A não comparação entre os dois sistemas é, muitas das vezes, usada para atacar a Segurança Social Pública, com a tese de que as prestações de natureza não contributiva, pagam, entre outras, as prestações dos que «não querem trabalhar, mas antes viver à custa de impostos». Actualmente, visa-se sobretudo o IRS.
A Segurança Social Pública tem um papel na redistribuição dos rendimentos, o que é óbvio no caso das prestações não contributivas. Mesmo no Sistema Previdencial existe redistribuição, para além das pensões mínimas. Por exemplo, os trabalhadores de mais baixos rendimentos beneficiam mais na taxa de formação da pensão.
Segurança Social Pública e pobreza
Vejamos agora a relação entre segurança social e pobreza. A Segurança Social Pública de carácter contributivo não tem como objectivo a luta contra a pobreza, mas antes a substituição de rendimentos do trabalho, como na doença, no desemprego e na velhice.
A taxa de risco de pobreza e de exclusão social, na linguagem oficial, foi de 20,1% em 2022. Sem a Segurança Social Pública, a pobreza atingiria um valor muito superior: 41,8% em 2022, mais 2,9 p.p. do que em 2021, informa o Instituto Nacional de Estatística (INE).
O Sistema de Protecção Social de Cidadania (ou regime não contributivo) é, por natureza redistributivo, sendo financiado por impostos, embora a sua missão não se confine ao combate à pobreza. Mas, este sistema tem uma função ampla englobando a acção social, a solidariedade e a protecção familiar.
Não se pretende desvalorizar o papel da Segurança Social Pública, sobretudo o regime não contributivo, no combate à pobreza, uma vez que abrange prestações como as pensões sociais, o RSI, o subsídio social de desemprego, entre outras. Mas, o essencial passa por políticas globais e articuladas para combater a pobreza. Está em vigor a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, mas, em grande parte, não está a ser aplicada.
Novos argumentos e Relatório da OCDE
O ataque ao sistema de Segurança Social Pública é hoje feito com base em novos argumentos: recurso a sistemas complementares, através da contratação colectiva, apoiadas pelo Estado; baixa da Taxa Social Única, cavalo de batalha do patronato, entre outras. Isto, para além de se insistir na inviabilidade financeira do sistema, em que se distingue Jorge Bravo1.
Trata-se agora de generalizar os esquemas de capitalização, ganhando este maior fôlego já que as pensões representam a maior despesa da Segurança Social. Uma tal medida subverteria o sistema de Segurança Social Pública, desviaria mais fundos para os privados, aumentaria as desigualdades e introduziria a lógica da capitalização. O objectivo é também a redução da despesa com as pensões porque a população está envelhecida. (A propósito, importa alertar que, para efeitos de sustentabilidade financeira, as pensões devem ser expressas em % do PIB, como a professora Clara Murteira muito bem explica.)
Estamos, pois, numa batalha entre capitalização e repartição, entre mercado e Segurança Social Pública, entre individualismo e solidariedade entre gerações. Neste sentido, considera-se preocupante que Pedro Nuno Santos defenda sistemas complementares de pensões que seriam poupanças apoiadas pelo Estado.
Jorge Bravo integra na Segurança Social os valores da Caixa Geral de Aposentações (CGA) para concluir da inviabilidade do sistema de Segurança Social Pública. Ora estes sistemas são radicalmente diferentes. No financiamento, a maior diferença reside no facto de não haver contribuições sociais a pagar pelos empregadores públicos, existindo apenas uma transferência do Estado para a CGA. Se a CGA recebesse as contribuições que a Segurança Social paga (23,75%), obteria contribuições muito mais elevadas pelo que o Estado prejudicou as contas da CGA, como demonstram as contas feitas por Eugénio Rosa2.
Apesar dos ataques à Segurança Social Pública, não devemos perder a confiança. Por exemplo, o Relatório de Sustentabilidade afirma que o sistema tem potencialidades e que não está ultrapassado. Este Relatório prevê que de 2022 a 2070 o crescimento económico é de apenas 1,2%. A economia estagna. Admitamos que todas as projecções estão certas, o que, até agora, nunca aconteceu. Neste caso, haveria imenso tempo para reforçar o financiamento da segurança social.
Uma nota final sobre o Relatório da OCDE. A OCDE critica a ligação entre a esperança de vida e as pensões, porque a duração de vida das pessoas depende do nível de escolaridade. A diferença entre a escolaridade baixa e a escolaridade era de 3,2 anos, o que constitui uma injustiça social, que a OCDE reconhece. As pessoas com nível de instrução superior vivem mais 3,2 anos que as de nível de instrução mais baixo, o que representa uma profunda desigualdade social. A OCDE diz que a ligação entre a esperança de vida e as pensões sobrestima a pensão para os pensionistas com pensões baixas e subestima-a para as pensões elevadas.
- 1. Jorge Bravo é economista, foi membro externo da Comissão Interministerial da Reforma do Sistema da Segurança Social, entre 2014 e 2015, durante o governo de Pedro Passos Coelho e um dos coordenadores do Conselho Nacional Estratégico do PSD, durante o mandato de Rui Rio. É consultor científico de grandes seguradoras nas áreas de gestão de risco e sistema de pensões.
- 2. Eugénio Rosa é Licenciado em Economia e Doutorado pelo ISEG. Ex-membro do Conselho Diretivo da ADSE.
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