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|mobilidade e transportes

Ferrovia vs. aviação: Greenpeace, uma visão eurocêntrica e pouco ecológica

Um estudo da Greenpeace, recentemente divulgado, compara o custo das viagens de avião e de comboio «na Europa», em que na maioria dos casos o avião é mais barato, apesar de ser a opção mais poluente.

Avião sobrevoa comboio junto ao entroncamento de Weaver Junction, perto de Liverpool, Reino Unido 
Avião sobrevoa comboio junto ao entroncamento de Weaver Junction, perto de Liverpool, Reino Unido CréditosAndrew ARG / Flickr

Não está em causa a validade dos dados do estudo, que conclui pela necessidade de um conjunto de medidas para corrigir esta situação, mas ao permitir-se uma abordagem eurocentrada – e no fundo eurocêntrica – o estudo passa completamente ao lado das verdadeiras causas do problema e, necessariamente, da correcta definição das suas soluções. A maioria das «soluções» propostas, centram-se em carregar de impostos o transporte aéreo, proibir determinadas ligações aéreas, parar o investimento no sector aéreo, e canalizar esses recursos para a ferrovia.

E onde a coisa é diferente? Foi por aplicar as soluções agora propostas?

Olhando para a Rússia, China, Vietname e Uzbequistão, para dar alguns exemplos aferidos, chega-se a uma conclusão oposta: o comboio, mesmo o de alta velocidade, é quase sempre a solução mais barata nesses países.

Ora as «soluções» propostas pela Greenpeace – várias variações do tema carregar o sector da aviação com mais impostos – não são a explicação para os países acima referidos terem uma relação de preços ferrovia/aviação mais ecológica que a do jardim de Borrell. Nem explicam o facto de esses países, particularmente na China, terem conseguido investir na ferrovia e simultaneamente na aviação. A diferença, está no grau de avanço dos processos de liberalização, mercantilização e participação pública na gestão e exploração da ferrovia, e na forma como são priorizados os investimentos públicos. Aliás, também seria interessante fazer um estudo que comparasse a realidade «da Europa» nos anos 90 com a realidade actual nessa parte da Europa que gosta de se chamar «Europa». Isto é, comparar a situação antes e depois dos processos de liberalização e mercantilização da ferrovia e da aviação, impostos a partir da União Europeia (UE). O resultado seria completamente diferente: o preço do comboio era então, quase sempre, inferior ao do avião.

O facto de o único país que tem desenvolvido exponencialmente a ferrovia ser a República Popular da China, ao contrário da UE e dos EUA, também pode ser estudado. Bem como a destruição da ferrovia no espaço soviético com a recuperação capitalista nos anos 90 do século passado. Olhar apenas para uma Europa que segue um caminho essencialmente comum, ensina pouco e dificulta ver o erro.

A dimensão ecológica é apenas uma das dimensões de um gigantesco falhanço: o processo de liberalização e mercantilização da ferrovia e da aviação civil na UE. Um falhanço cheio de sucessos: capitalistas que estão a ganhar fortunas; Estados centrais que viram o seu peso estratégico aumentar; um processo federal que avançou; multinacionais que concentram o essencial de um mercado antes partilhado por dezenas de operadores nacionais; organizações que fazem sucesso através da ecologia fiscal. Trata-se, visto de outra perspectiva, de um sucesso que falha em tudo o que é verdadeiramente importante para os povos.

A culpa é das low-costs? Só?

O estudo da Greenpeace aponta o dedo, com força e razão, às ditas low-costs, que seriam as responsáveis primeiras por essa diferença de preços. Mas estas são um produto das regras da liberalização. É verdade que operam nas faixas de maior rentabilidade, sem qualquer outra preocupação que não seja a obtenção de lucros, que chantageiam os detentores da infraestrutura, para reduzir preços, e os Estados para ganhar apoios «a novas rotas». Mas, não é exactamente isso que está a começar a acontecer na ferrovia, por exemplo, na Alta Velocidade em Espanha? Não é esse o modelo que a UE quer impor também na ferrovia?

Acontece que, se algum dia as low-costs ferroviárias dominarem as ligações ferroviárias internacionais nesta parte da Europa, desaparecerá uma parte do problema identificado pela Greenpeace – os preços na ferrovia poderão descer como desceram na aviação. Isso já acontece na ligação Barcelona-Madrid. Nesse dia, o essencial da ferrovia europeia teria desaparecido ou sobreviveria em empresas públicas altamente dependentes, pois todas as ligações com interesse comercial estariam nas mãos de meia dúzia de multinacionais mais a DB alemã e a SNCF francesa. Esse é o caminho que está a ser construído, também para a ferrovia. 

O problema não está nas low-costs porque fazem os preços da aviação menores que os da ferrovia. A questão está na razão de essas low-costs poderem fazer uma tal redução de preços. Entretanto, o que temos de pensar é se queremos um mundo organizado pelo modelo low-cost, que é a consequência inevitável da liberalização. Mais uma vez, a Greenpeace falha o alvo. Apesar da excelente e sintética critica que até apresenta às low-costs aéreas e da certeira resposta que dá à pergunta «Por que as operadoras de baixo custo são mais baratas?», apontando para: um número de trabalhadores, salários e condições de trabalho reduzidos ao mínimo legal; maior repressão da organização dos trabalhadores; fuga e elisão fiscal; multiplicação dos custos extras para os passageiros; acumulação de subsídios das autoridades locais e dos aeroportos; fuga a todas as responsabilidades perante os clientes; inclusão muito limitada e prioridade aos lucros, mesmo que à custa do planeta, do clima, dos trabalhadores e dos clientes.

Mais uma vez, é o processo de liberalização e mercantilização que fez nascer as low-costs na aviação e fará nascer as low-costs na ferrovia. Quem desceu o número legal mínimo de trabalhadores? Quem tem imposto uma crescente «flexibilidade» nas relações laborais? Quem aprovou as directivas de liberalização do transporte aéreo? E da assistência em escala? Etc. É esse processo que tem de ser parado e revertido. A inconsequência da crítica da Greenpeace leva depois à completa inconsequência das suas propostas.

Não há nada de mágico na forma como a liberalização do sector aéreo fez baixar alguns preços, nomeadamente à custa de clientes, dos trabalhadores e dos Estados. A Greenpeace reconhece-o, mas é preciso dizê-lo, concluí-lo e tê-lo em conta nas propostas. É preciso ser consequente. 

Claro que é muito difícil apontar o dedo às linhas mestras do processo europeu, desta «Europa» que é essencialmente o poder das multinacionais e do grande capital, um processo de centralização e concentração de capitais e da consequente federalização política. Principalmente se se pretende continuar a receber apoios para realizar estes e outros estudos.

E sobre Portugal?

O estudo do Greenpeace refere algumas situações nacionais. Conclui, e bem, que «Portugal está extremamente mal ligado por comboio a outros países», e que a «única ligação ferroviária a Espanha funciona apenas duas vezes por dia, do Porto a Vigo.» Esquece que houve uma ligação de Lisboa a Madrid, até 2020, mas lembra-se de exigir a reabertura da ligação Lisboa-Hendaye. Valoriza o facto de a ligação Lisboa-Porto ser mais barata em comboio que em avião, mas fala em «proibir esta rota inútil», esquecendo que, se é inútil na alternativa comboio/avião, o mesmo não se passa na ligação do Aeroporto do Porto ao hub da TAP em Lisboa (e como é evidente, não pode haver um hub com centenas de destinos em cada aeroporto). Fala também em proibir outra «rota inútil», as ligações entre Faro e Porto. Aponta para os cerca de um milhão de passageiros que voaram entre o Porto e Madrid em 2019, não contabiliza os muitos que voaram entre Lisboa e Madrid, e sublinha a importância de construir rotas ferroviárias de ligação a Madrid.

Como acontece muitas vezes nestes trabalhos, eles pecam essencialmente por uma abordagem demasiado curta de vistas, que acaba por ser pouco ecológica. Sendo uma evidência a necessidade de melhorar as ligações ferroviárias entre Lisboa, Porto, Faro, Madrid, Hendaya e outras cidades ibéricas, e de construir uma oferta capaz de ser uma alternativa ao avião, é um disparate proibir completamente esse tipo de ligações aéreas, pois elas fazem falta a um modelo de navegação aérea que não pode desaparecer, nem ser novamente destinado ao usufruto exclusivo das classes mais abastadas.

O mesmo tipo de «curtas vistas» revelam as declarações de Herwig Schuster, porta-voz da Greenpeace para a campanha Mobilidade para Todos,  citadas no Público: «Face à crise climática, nenhum país devia estar a fazer planos destes [construir um novo aeroporto]. A Greenpeace pede ao Governo português que cancele este projecto e, em vez disso, invista na reabertura de linhas de comboio nacionais e introduza serviços internacionais, que possam substituir as deslocações aéreas, pelo menos para Espanha e Sul de França».

Totalmente de acordo quanto à necessidade de dar prioridade à ferrovia, mas nem as ligações aéreas nacionais se limitam a Espanha ou ao Sul de França, nem a construção de um novo Aeroporto se realiza apenas ou essencialmente para aumentar a utilização do transporte aéreo, nem as verbas que têm faltado na ferrovia estão a ser gastas na rede aeroportuária (onde não há investimento desde a privatização da ANA). E há excelentes e ecológicas razões para que os aeroportos não estejam no centro das cidades. Ora, o que a Vinci e a Greenpeace querem é que o Aeroporto de Lisboa continue dentro da cidade de Lisboa. De forma muito pouco ecológica. E inaceitável.

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