Um traço fundamental em países que viram o seu aparelho produtivo ser desmantelado é a desmesurada aposta no turismo. Portugal não escapa a esse fenómeno, sendo que a nível de receitas turísticas, e de acordo com dados do Banco de Portugal, no acumulado dos 12 meses de 2022, o país alcançou 21,1 mil milhões de euros, montante 109,7% acima do verificado em 2021 e 15,4% superior ao registado em 2019.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), da Conta Satélite do Turismo (CST), estima-se que, em 2022, o consumo turístico tenha representado 15,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e 8,9% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) superando os níveis de 2019. Estamos assim perante níveis nunca antes vistos, o que demonstra uma evolução cada vez maior da dependência no Turismo.
Em relação a 2023, até Junho, ou seja, nos primeiros seis meses do ano, a receita do turismo subiu mais de 31,8%, o equivalente a 2,5 mil milhões de euros (dados do INE). Falamos de uma subida muito significativa num contexto de estrangulamento das famílias, de aumento de custo de vida e grandes dificuldades com os aumentos das taxas de juro.
É com isto em mente que surge então um dado curioso: a histórica tendência para a concentração do turismo por parte dos portugueses era a região do Algarve, no entanto, segundo o INE, esta é agora a única região a registar quedas nas dormidas no primeiro semestre enquanto que paralelamente, concentrou quase 30% dos proveitos do sector.
Em Junho, o Algarve registou 2,26 milhões de dormidas e apesar de se manter como a principal região turística do país no Verão, esse número fica 7% abaixo do que registou em Junho de 2019. É aqui que entra a questão da contradição dos discursos: a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) diz que «a redução está a ser compensada pelo aumento dos preços médios praticados», já a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) disse ao ECO que o Algarve poderá estar a «descolar a imagem de destino barato» e que isto só se consegue com «menor pressão da ocupação».
Olhos onde o dinheiro está
Trocado por miúdos, num contexto em que se verificou uma desvalorização real dos salários em Portugal e num país sem instrumentos de soberania com uma cada vez maior dependência do turismo, o sector em questão acompanhou a inflação e direccionou a oferta para onde está concentrado o dinheiro, ou seja, apostou no estrangeiro. Basta analisar os números do INE divulgados pelo Turismo de Portugal em Março do presente ano.
Os dados indicam, então, que foram registados 26,5 milhões de hóspedes em 2022, dos quais 15,3 milhões eram estrangeiros. Estes números levaram a um total de 69,5 milhões de dormidas, das quais 46,6 milhões foram de estrangeiros e 22,9 milhões de dormidas de nacionais. Neste sentido, relativamente às dormidas, nos cinco principais países temos: o Reino Unido com 8,9 milhões de dormidas; a Alemanha com 5,4 milhões; a Espanha com 5 milhões; a França com 4,4 milhões; e por fim os Estados Unidos com 3,4 milhões.
Seguindo esta linha, olhando para as receitas turísticas, de acordo com dados do Banco de Portugal, no acumulado dos 12 meses de 2022 foram alcançados 21,1 mil milhões de euros, e os principais mercados para Portugal foram: o Reino Unido com uma receita de 3,29 milhões de euros; França com 2,90 milhões de euros; Espanha com 2,38 milhões de euros; Alemanha com 2,36 milhões de euros; e os Estados Unidos com 1,87 milhões de euros.
Observando estes números, o sector do turismo limitou-se a juntar as evidências e viu facilmente que em 2023, o salário médio por mês no Reino Unido é de 2590 euros; em França é de 2610 euros; em Espanha é de 2086 euros; na Alemanha é de 5671 euros; e nos Estados Unidos é de 5687 euros. Já em Portugal, de acordo com o INE, o salário médio é de 1400 euros brutos, enquanto o salário mínimo é de 760 euros.
Para contrariar a redução do poder de compra dos portugueses, o sector do turismo, procurando sempre mais lucros, direccionou a sua oferta para países onde, apesar de também se ter registado uma redução do tal poder de compra, no quadro dos preços praticados em Portugal, o nosso país continua a ser barato. Ou seja, um aumento de 100 euros não significa o mesmo para um português ou para um alemão.
Quando a AHRESP diz que o Algarve poderá estar a «descolar a imagem de destino barato» não é somente porque procurou aumentar os preços. É porque ao «descolar», procurou elitizar o turismo e adaptou a sua oferta para onde há dinheiro.
«Turismo de massas, essa coisa de pobre»
Numa entrevista a Pinto Balsemão, Paula Amorim falou um pouco da sua vida. Começou a trabalhar aos 19 anos e foi privada da sua juventude. Falamos de uma vida tão dura que o neo-realismo teria dificuldade em retratar. Não cresceu em Alhandra, também não fez parte da geração que trabalhava nos esteiros do Tejo nem foi amiga e companheira de Gaitinhas, Gineto ou Sagui, mas aos 19 anos parou de estudar para se dedicar à «holding familiar». Paula Amorim é assim a CEO e nunca foi menina devido à dureza de um conselho de administração que a forjou. Foi no podcast de Francisco Pinto Balsemão, no Expresso, sintomaticamente chamado «Deixar o Mundo Melhor» que surgiu a pergunta se Paula Amorim sentia especial responsabilidade por ter nascido numa família com dinheiro e mordomias. No tom pesado do sofrimento, a empresária diz que começou a trabalhar cedo, com uma educação muito baseada nos princípios do trabalho, na criação de valor e na importância do legado: uma vez que é da quarta geração da família que assumiu o «grupo familiar», que tem cerca de 150 anos anos. Esperou menos que o Rei Carlos III, apesar da semelhança da forma como passa lento o tempo, o ramo de negócios é diferente. Enquanto a dinastia Winsdor está no ramo da chefia de um Estado por desígnio divino, a família Amorim está no ramo do condicionamento da chefia de um Estado por desígnio de classe. A classe não é divina, mas essa gigantesca riqueza foi herdada daqueles que se apropriaram do trabalho dos muitos que a produziram. Foi por via da sua mãe, herdeira do marido Américo Amorim, que Paula Amorim figura na lista dos mais ricos do mundo, coligida pela revista Forbes, com um património avaliado nos 4,7 mil milhões de dólares. Uma vida dedicada à apropriação do trabalho de muitos milhares de trabalhadores que certamente não tiveram nunca uma vida que desse o justo valor ao seu contributo. Paula Amorim não se encaixa bem no perfil da geração retratada por Soeiro Pereira Gomes nos Esteiros, e nunca se viu confrontada com o facto de não ter o que calçar, mas foi certamente este duro trabalho de apropriação que a permitiu investir em roupa de luxo. Podemos até admitir que actualmente pode não sofrer na pele com o aumento do preço dos combustíveis provocados pela especulação, mas foi o trabalho árduo, em direcções de empresa, que a permitiu chegar a presidente do conselho de administração da Galp. Ser presidente de uma holding que tem participações na Galp Energia, na Corticeira Amorim, na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Banco Luso-Brasileiro, na Sivarol Brasil e representa a Tom Ford deve ser dificíl, especialmente quando a Amorim Energia B.V está sediada em Amesterdão (simplesmente para partilhar a criação de valor com outros países e não pagar sequer os devidos impostos no seu). Infelizmente, Paula Amorim foi privada de estudar e da sua juventude. Nem tudo é mau, os que trabalham nas suas empresas não sofrem tantas pressões familiares: podem não conseguir meter os seus filhos a estudar, mas não por imperativo do clã, somente porque Paula Amorim não lhes paga salários melhores. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
Paula Amorim, a CEO que nunca foi menina
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Não é por acaso que Paula Amorim, presidente e acionista do Grupo Américo Amorim, que tem procurado investir no sector das marcas de luxo, recentemente investiu no sector do turismo, e numa entrevista dada a Pinto Balsemão disse que «Portugal está, sem dúvida, no radar do turismo e dos investidores. Mas não tem dimensão para turismo de massas». A empresária quis com isto dizer que o turismo de massas, aquele que as famílias da classe trabalhadora fazem todos os verões, não dá dinheiro. O que dá dinheiro, num país pequeno como Portugal, é a elitização do turismo.
É por isso que quando se pesquisa o nome de Paula Amorim e os seus investimentos na Comporta, rapidamente se encontram títulos como «Paula Amorim e o marido tornam-se nos novos reis da Comporta» ou «Comporta: o paraíso dos ricos onde já não dá para brincar aos pobrezinhos». É para aqui que se dirige o turismo do Algarve, para quem pode pagar e é por isso que há menos 7,4% de turistas portugueses no Algarve este Verão.
Se antes, como forma de contentar os trabalhadores que não podiam viajar para fora do país, se dizia «vá para fora cá dentro», agora, face ao aumento das dificuldade e face ao aumento da elitização do turismo, dizem aos trabalhadores «vá para fora cá dentro»… mas de casa.
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