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Fascismo, Revolução e Contra-Revolução – o Serviço Nacional de Saúde

A primeira coisa que é preciso ter presente quando se fala do SNS e, em geral, do acesso à Saúde dos portugueses, é o imenso salto em frente que a Revolução de 25 de Abril permitiu dar.

Créditos / RTP

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) começa a ser uma reivindicação popular no final da ditadura, integrando, por exemplo, o conjunto de reivindicações resultantes do III Congresso da Oposição Democrática. Ele faz parte, indirectamente, do programa do MFA, onde este aponta para «Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida de todos os portugueses». Mas será na Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de Abril de 1976, que o SNS começa a ganhar corpo, no seu artigo 64º: 

«ARTIGO 64.º

(Saúde)

1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

2. O direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito, pela criação de condições económicas, sociais e culturais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo.

3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

b) Garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país;

c) Orientar a sua acção para a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos;

d) Disciplinar e controlar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde;

e) Disciplinar e controlar a produção, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico.»

Reparemos que o texto Constitucional não exclui a existência de uma saúde privada, mas coloca-a subordinada à pública. Antes, em Dezembro de 1974, num Decreto-Lei com a assinatura de Vasco Gonçalves e Maria de Lurdes Pintassilgo, os hospitais das Misericórdias são integrados na rede nacional, criando-a de facto. Em 1978,  por despacho do ministro da Saúde, António Arnaut, é aberto o acesso aos Serviços Médico-Sociais a todos os cidadãos. E em Setembro de 1979, é primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo, num governo de iniciativa presidencial, é criado o SNS. 

Mas o que importa destacar é que o SNS é filho da Revolução portuguesa de 25 de Abril, conquista histórica do povo português.

A situação herdada do fascismo era muito má. O acesso à saúde era negado à maioria do povo português. As classes dominantes – fossem as grandes famílias ou a elite burocrática que geria o Estado fascista – tinham acesso a bons cuidados de saúde. Mas o povo não.

Não por acaso, Portugal é o país da Europa que regista o maior crescimento da esperança de vida desde 1974, uns extraordinários 20%! Cada português vive hoje em média mais quase 14 anos que no tempo do fascismo! E já agora, em jeito de rodapé, ultrapassámos todos os países então socialistas, que com a restauração capitalista sofreram verdadeiras hecatombes sociais. 

Assim, a primeira coisa que é preciso ter presente quando se fala do SNS, e em geral, do acesso à Saúde dos portugueses, é o imenso salto em frente que a Revolução de 25 de Abril permitiu dar. Bem visível nestes dados sobre o sistema de saúde existente então e actualmente.

Mas não pode ser ignorado que desde 1976 o país é governado por partidos contra-revolucionários, ao serviço da reconstrução do capitalismo monopolista, sendo o desenvolvimento económico e social marcado por dois impulsos, um de sentido progressista, sempre com origem na Revolução e no povo, e outro de sentido reaccionário, partindo das forças que em 1976 retomaram o controlo da situação política e encetaram o processo de reconstrução, no essencial, do capitalismo monopolista.

Ora, um dos grandes negócios no mundo é o negócio da doença (as quatro maiores empresas do negócio da doença nos EUA têm um volume de negócios – cada – superior ao PIB português). É esse negócio da doença que procura desviar para si as partes mais lucrativas do sector da saúde – aquelas onde a procura e a rentabilidade estão asseguradas – ao mesmo tempo que pretende que o Estado suporte a restante operação – não solvente –, seja de forma directa ou através de subsídios à própria actividade privada.

Foram essas forças que aproveitaram uma revisão constitucional para introduzir o princípio do «tendencialmente gratuito», que como a vida comprovou, significou que o acesso à saúde começou a ser tendencialmente pago. Passo a passo, ano após ano, os sucessivos governos iam abrindo fatias maiores do sector à iniciativa privada, aumentando os custos para o Estado e para as famílias. Sectores essenciais da prestação de cuidados de saúde – produção, distribuição e venda de medicamentos, realização de análises e exames de diagnóstico e os meios auxiliares de terapêutica, por exemplo – eram abandonados pelo Estado e passavam a ser subcontratados ao sector privado. Essas transferências tinham duas consequências: aumentavam os custos para o Estado (pois passa a suportar, além dos custos de produção, as margens de lucro das empresas privadas e a vida luxuosa de uns quantos intermediários); e aumentavam os custos para as famílias (que deixam de ter a saúde gratuita, e eram crescentemente chamadas a contribuir para o sistema, directamente ou através da contratação de seguros de saúde – 1156 milhões de euros em 2022). 


«É esse negócio da doença que procura desviar para si as partes mais lucrativas do sector da saúde – aquelas onde a procura e a rentabilidade estão asseguradas –, ao mesmo tempo que pretende que o Estado suporte a restante operação – não solvente –, seja de forma directa ou através de subsídios à própria actividade privada.»

Reparem, no quadro acima, como o Estado garante metade da receita dos hospitais privados (e as famílias a outra metade), mas na prestação de Cuidados de Saúde em Ambulatório, as famílias já garantem dois terços da receita dos privados.  

Alguns subsectores estratégicos – como toda a saúde dentária – estiveram sempre colocados fora da esfera de actuação pública, carregando o orçamento das famílias. Mas nos restantes sectores, passo a passo, o sector privado vai-se instalando, sempre financiado pelo Estado e sempre contando que o Estado garante tudo o que não for lucrativo. O sector privado parasita o público de duas formas: por um lado, recebe deste uma renda garantida que de outra forma os utentes não poderiam pagar; por outro, garante a prestação de serviços que seriam demasiado caros serem assegurados pelo privado (um exemplo: os seguros de saúde baratos que tantos portugueses estão a subscrever, não dão acesso às operações, às cirurgias, aos medicamentos que serão necessários se ficarmos doentes, mas nessa altura tem-se acesso prioritário ao SNS, porque se está doente, e será este a suportar esses custos). 

«Alguns subsectores estratégicos – como toda a saúde dentária – estiveram sempre colocados fora da esfera de actuação pública, carregando o orçamento das famílias. Mas nos restantes sectores, passo a passo, o sector privado vai-se instalando, sempre financiado pelo Estado e sempre contando que o Estado garante tudo o que não for lucrativo.»

Paralelamente, no sector privado, as multinacionais vão ganhando peso, e substituindo os grupos capitalistas nacionais. Nos seguros de saúde, as principais companhias são de capital chinês, franco-belga, italiano, alemão e francês. Na prestação de cuidados de Saúde, o primeiro grupo ainda é de capital português, mas seguido de perto por um grupo de capital chinês e outro de capital francês. Na distribuição grossista de medicamentos, o capital norte-americano e alemão domina as duas maiores empresas nacionais. Na produção de medicamentos, os primeiros seis fabricantes são de capital estrangeiro. Este crescente peso das multinacionais é um sucesso dos processos de liberalização e ajuda a perceber o porquê de estas políticas serem impostas a partir da União Europeia.

Uma das medidas com origem na União Europeia e que mais estragos tem realizado na Administração e Sector Público são as limitações à contratação de pessoal e à realização de investimento público. Essas limitações por vezes são indirectas (nos critérios para apuramento do défice permitido por exemplo) ou directas (como as que impuseram com o acordo das troikas). Mas os seus resultados são sempre a redução da possibilidade do Estado contratar directamente os trabalhadores de que necessita para garantir uma determinada resposta operacional ao mesmo tempo que é facilitada a subcontratação dessa resposta operacional a um prestador de serviços privado. O que é impressionante é que uma medida destinada a dificultar a capacidade de funcionamento do Estado português seja ideologicamente assimilada pela maioria dos Partidos portugueses.  

«Uma das medidas com origem na União Europeia e que mais estragos tem realizado na Administração e Sector Público são as limitações à contratação de pessoal e à realização de investimento público.»

A gritante falta de pessoal no SNS, desde os médicos de família que não existem para 1726 milhões de utentes, aos debilitados quadros de pessoal dos hospitais, tem origem nessas orientações comunitárias e na cegueira dos que cá dentro a elas se submetem. 

No negócio da morte, os medicamentos e o preço dos medicamentos joga um papel muito importante. Em Portugal o preço dos medicamentos não é tão elevado como noutros países (o Medicine Price Index de 2019 coloca Portugal no 33.º lugar (de 50 países estudados), com preços menores que todos os países da União Europeia, excepto a Suécia). Para isso contribui a política de genéricos e o facto de os preços não estarem liberalizados. Nos últimos anos tem havido crescentes falhas de mercado, provocando a falta de medicamentos, com o negócio da doença a exigir (e conseguir, em parte) do Governo autorização para aumentar os preços. A ameaça de uma maior liberalização do preço dos medicamentos – com o consequente e inevitável aumento de preços – é bem real.

A Revolução portuguesa possibilitou a construção de um Serviço Nacional de Saúde, que melhorou e prolongou a vida do povo português. Mas a crescente liberalização está a transformar num negócio o que deve ser um serviço público. A cada problema criado pela liberalização a resposta dos governos tem sido sempre a mesma: é preciso mais liberalização. Quando o que é preciso é romper com a liberalização e socializar em vez de mercantilizar o acesso à saúde pelos portugueses. As verbas que o país investe na Saúde até são suficientes para um serviço de muito maior qualidade, elas estão é mal direccionadas (o total de despesas em cuidados de Saúde em 2021 foi de 23,9 mil milhões, financiados em 15,7 mil milhões pela Administração Pública e 6,9 mil milhões directamente pelas famílias). A que há que somar os quase dez mil milhões em medicamentos, pagos, no essencial, entre as famílias e a Administração Pública.

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