O problema do alojamento estudantil não é novo. É uma espécie de bola de neve que vai ganhando expressão à medida que desce a montanha. Para ser um problema agora significa que foi uma questão negligenciada no passado pela tutela. O subfinanciamento do sector que se tornou crónico é apenas uma das explicações, mas isso é somente uma expressão da opção política tomada.
Com o elevado preço dos quartos, os estudantes começaram a ser cada vez mais confrontados com a escassa quantidade de residências universitárias. A luta intensificou-se e o governo foi obrigado a mexer-se. Em 2018 foi criado o Plano Nacional para o Alojamento de Estudantes do Ensino Superior (PNAES). A pompa e circunstância no anúncio da criação do tal plano, que era somente a constatação do óbvio, poderia fazer lembrar Arquimedes a gritar «Eureka!» ao descobrir como calcular o volume do ouro da coroa do rei Hierão sem a derreter.
Hoje conseguimos ver que o PNAES foi uma forma muito ardilosa de sossegar o descontentamento estudantil. Veja-se que no documento que é lançado para apresentar o plano surgiam logo uns problemas. Um primeiro era o facto do então ministro Manuel Heitor apresentar logo o que poderia ser classificado como problema conceptual, já que referia-se ao PNAES como «programa» e não como «plano», enganando-se no nome. Um segundo problema é que ao lermos a introdução escrita pelo ministro entendemos hoje que não passou de um conjunto de promessas.
Escreveu Manuel Heitor que «a prioridade ao conhecimento como desígnio nacional implica alargar e democratizar o acesso ao ensino superior, assim como garantir a sua internacionalização maciça, o que passa necessariamente pela modernização, expansão e adequação das condições de alojamento de estudantes a preços adequados e devidamente regulados» e que «certamente que, reconhecendo os benefícios individuais e coletivos que a participação no ensino superior facilita, este desafio exige reduzir os custos directos das famílias com o ensino superior, sobretudo, dos estudantes social e economicamente mais vulneráveis».
Para o ministro, o PNAES era então «um plano concreto de intervenção a médio prazo» e que vinha «contribuir claramente para este desígnio, em associação com a opção de considerar o conhecimento como um “bem público”». Segundo o mesmo, com o PNAES, «o Estado respondeu com uma solução integrada, com respostas a curto, médio e longo prazo, de forma a preparar e dotar as instituições de ensino superior, os municípios e as autarquias locais de instalações adequadas para o alojamento de estudantes» e que o plano representava «um trabalho sem precedentes em Portugal, respondendo a um problema complexo com respostas planeadas, privilegiando o investimento e a requalificação de edificado existente».
A audacidade não se ficava pela escolha de palavras que transformavam o PNAES numa obra semelhante à Odisseia de Homero, ia também às promessas comprometedoras, ao ser afirmado que o objectivo seria «duplicar a oferta de alojamento para estudantes do ensino superior na próxima década, criando no período 2019-2022 cerca de 12 mil novas camas, distribuídas por todo o território nacional».
A palavra «mentira» é forte, mas deve ser usada para classificar o que foi dito. Corre o ano de 2023, já saíram as colocações para o ano lectivo 2023/2024 e nada se alterou. Esse espaço de tempo que traria consigo 12 mil novas camas serviu apenas para fazer mais promessas. Existem 15 mil camas agora, como existiam 15 mil em 2018 aquando da criação do PNAES.
Mas há coisas que mudaram. Do ano passado para este a oferta de quartos disponíveis para arrendamento a estudantes caiu 14% e os preços aumentaram, no mesmo período, 10,5%. No último ano e meio começou uma espiral inflacionista com poucos precedentes que, ao funcionar para aumentar a velocidade da transferência de rendimentos do trabalho para o capital, colocou famílias com a corda ao pescoço. Muda tudo, menos a opção política do Governo.
O Governo, esse mantém a teia de promessas. Diz a nova ministra, Elvira Fortunato, que serão criadas mais 15 mil camas para estudantes do Ensino Superior até final de 2026. Simultaneamente usa as pousadas da juventude para tapar o problemas com peneira, e coloca esses quartos a alugar a partir de 220 euros por mês, como se barato fosse.
O problema do alojamento estudantil é um entre vários que os estudantes enfrentam, mas é, juntamente com as propinas, aquele que mais facilmente coloca os estudantes a abandonarem o Ensino. Uma coisa é certa, o Governo poderá sempre vangloriar-se que não despeja milhares de estudantes até porque para isso era preciso um alojamento que esses nunca tiveram.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui