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|1.º de Maio

Afinal, como é que se protesta?

Não participando, perde-se a capacidade de ligação à vida que é a nossa, porque as nossas sensações, as nossas dores e expetativas acabam por parecer satélites que se afastam do coração dos acontecimentos.

Manifestação da CGTP-IN por melhores salários e mais direitos, durante o Dia Internacional do Trabalhador, em Lisboa, a 1 de Maio de 2023
CréditosMiguel A. Lopes / LUSA

Entre o excesso daquilo que nos chega pelos meios de comunicação e o cansaço que se sente nas pequenas comunidades onde vivemos, o protesto parece estar debaixo de um feroz ataque, exposto por grelhas de análise que preferem medi-lo de forma moral e menos da forma como ele deve ser encarado: como a expressão das nossas sensações perante o mundo em que vivemos. 

Pesará mais a presença de dois milhões de pessoas nas ruas de França ou o facto de, em Paris, terem existido confrontos entre uma ínfima parte dos manifestantes e as forças policiais? Terá mais importância destacar os espaços vazios entre os grupos de pessoas presentes na Alameda ou a mensagem que estes transportam na representação de tantos que não podem ali estar porque, exatamente no Dia do Trabalhador, estarem a trabalhar? O que pensa o jovem jornalista que prepara a peça que destaca as propostas de quem pretende reduzir os impostos daqueles que têm ordenados médios não alcançando qualquer alteração no salário mínimo que leva para casa? 

O protesto não pode nunca ficar apenas por uma análise meramente qualitativa – porque se prende à visão ideológica do meio que o analisa –,  nem por uma análise apenas quantitativa – porque ignora a realidade concreta dos números que pensa estar a destacar. É a conjugação das suas diferenças que cria a riqueza desse momento. 

É, no entanto, inevitável que a maioria das pessoas tenda a construir a sua ideia sobre os protestos e manifestações, não pela experiência vivida, mas pela mediatização das mesmas. Não participando, perde-se a capacidade de ligação à vida que é a nossa, porque as nossas sensações, as nossas dores e expetativas acabam por parecer satélites que se afastam do coração dos acontecimentos. Sentado no sofá, o mundo faz-se de uma digestão de estímulos, entre as imagens de violência, de caixotes do lixo e um carro a arder, numa capital estrangeira, e as imagens de satisfação de quem caminhava numa rua da nossa capital. Mas estaremos, dessa forma, prontos a entender quais as distâncias que ali se formulam? Não correremos o risco de olhar para a televisão e para o telemóvel, e começar a acreditar que aquilo que é episódico e diverso se transforma numa realidade única, fechada? De repente, o protesto parece ser algo negativo, em claro contraste com o nosso desejo de pacificação do quotidiano. 

«O protesto não pode nunca ficar apenas por uma análise meramente qualitativa – porque se prende à visão ideológica do meio que o analisa –, nem por uma análise apenas quantitativa – porque ignora a realidade concreta dos números que pensa estar a destacar.»

É tudo isto consequência de uma construção de comunidades cada vez mais digitais e especializadas, onde mergulhamos por completo numa bolha que nos protege porque vive apenas daqueles que se identificam totalmente com as nossas opiniões, mas não nos transporta para experiências de diversidade e confronto que nos levem a entender a real dimensão humana de cada acontecimento. Por um lado, sofre-se nos meios de comunicação de uma tendência pelo evento-espetáculo, que transtorna a realidade do que aconteceu para favorecer a dimensão teatral do mesmo. A informação é uma diversão, no seu duplo sentido, do que diverte e do que distrai. Por outro lado, sofre-se do lado dos recetores da incapacidade para aderir a momentos onde podemos compreender a raiz dos diferentes protestos, a dimensão dos mesmos e a sua diversidade, a forma realmente compensadora como podemos aderir a um momento de vivência política ou sindical de forma aberta e disponível, para entender aquilo que nos aproxima e aquilo que nos separa.

Acabamos então a perguntar, afinal como é que se protesta? Se na ânsia de remeter à destruição daquilo que nos oprime, quebrando a moral vigente nos órgãos de comunicação, se na pacífica adesão a um protesto local, que vive essencialmente da construção da microcomunidade, na conversa, na partilha de experiências, na amizade que aí se gera. Se na adesão aos grandes desfiles de uma capital, onde se constrói um impacto visual que pode servir para interpelar quem nos governa, se no encontro realizado no âmbito de uma associação ou de uma atividade cultural onde se geram momentos de confiança e adesão à reflexão. Quando nos demoramos tempo a mais a pensar como podemos protestar, esse protesto perde razão de ser. Mas quando nos decidimos a vivê-lo, encontrando a comunidade onde nos sentimos bem e as pessoas que estão dispostas a conversar connosco, o protesto parece conquistar um nexo que nos afasta da desilusão do caminho. Mesmo que essa escolha acabe por não passar na televisão. 


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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