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|Parentalidade

Adaptação de bebés à creche e pais trabalhadores

Não se compreendem, à luz da situação epidémica actual, as novas normas da DGS para as creches, que desprotegem os bebés e agravam a angústias de famílias e trabalhadores no ano lectivo que se inicia.

Criança e educadora, esta usando máscara protectora, brincam em creche do Porto, a 18 de Maio de 2020
Criança e educadora, esta usando máscara protectora, brincam em creche do Porto, a 18 de Maio de 2020CréditosEstela Silva / Agência Lusa

As recentes orientações aprovadas pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) nesta matéria prolongam a angústia que já se vive há mais de ano e meio em creches, de pais e profissionais, e deixam marcas no desenvolvimento dos bebés e crianças. Por isso mesmo já foram objecto de fortes críticas por especialistas da área, da psicologia à pedagogia, passando por pediatras, sendo muitos os que as contestam – para além dos pais, claro. Se há coisas positivas como o rastreio aos profissionais, por via de testes à Covid-19 mesmo a quem já esteja vacinado, parece que as autoridades de saúde não quiseram ter em conta o extenso rol de críticas a que foram sujeitas aquando da aprovação das orientações relativas ao funcionamento das creches no ano passado, que pareciam redigidas por alguém que não conhecia o dia-a-dia neste contexto.

Todavia, é de aproveitar para relembrar que, para além do momento actual de epidemia, há questões de sempre, que se prendem com os direitos de parentalidade dos trabalhadores em Portugal, que só se resolvem com outras políticas, quer laborais, quer no apoio à primeira infância.

De facto, o mês de Setembro é particularmente marcado pelos chamados períodos de adaptação de bebés e crianças aos infantários e creches. Mas este é um daqueles temas cuja abordagem não pode ser feita fora da discussão a fazer do quadro político-social em que vivemos, e de outro diferente, que podemos construir colectivamente enquanto sociedade.

«Uma mudança de mentalidades só ocorrerá se for baseada numa efectiva política de natalidade, de apoio às famílias durante a infância»

Neste novo ano lectivo, ainda marcado pela pandemia, mas num contexto de alívio geral das medidas mais restritivas de saúde pública (Portugal já ronda 80% da população com a vacinação contra a Covid-19 completa), têm já sido muito discutidas, em alguns órgãos de comunicação social, e em particular nas redes sociais, as recentes orientações da DGS que, entre outras questões, recomendam que os pais fiquem à porta das instituições, sem poderem acompanhar os bebés que vão pela primeira vez à creche. Basta pensar no que isto pode significar para uma família, com bebés e pais desamparados, com a quebra do vínculo afectivo bebé-cuidador a impor-se de forma violenta. Mas também para os profissionais, pois muitos ficarão certamente angustiados por não conseguirem responder às necessidades de cada um destes bebés.

Mas há outras normas que preocupam, se foram aplicadas em sentido estrito pelas instituições: «deve ser maximizado o distanciamento físico entre as crianças quando estão em mesas, berços e/ou espreguiçadeiras» ou a recomendação de que, «sempre que possível», as crianças não devem partilhar objectos.

Filipa Jardim da Silva, psicóloga e investigadora, referia ao Público que estamos perante os «bebés da pandemia» que, no último ano e meio, estiveram muito tempo em casa com os pais e que algumas destas medidas atropelam «a segurança emocional» e a «saúde psicológica da criança», uma vez que a ansiedade por causa da separação pode ter efeitos no cérebro destas crianças.

No mesmo artigo, Tânia Gaspar, psicóloga e professora universitária, defendia que os pais deveriam poder entrar na sala onde o bebé vai ficar, por ser «securizante para a criança e facilitar a sua integração».

São muitas as vozes que fazem duras críticas a orientações que, mais uma vez, desconsideram todos os valores que têm de ser tidos em conta nesta ponderação pois, para além das medidas de controlo da pandemia, não podem ser esquecidos outros princípios ponderosos, como o facto de o saudável desenvolvimento dos bebés e crianças fazer-se com vinculação aos seus principais cuidadores e pela interacção social livre com brinquedos e de partilha com os seus pares.

Romper com o paradigma de culpabilização latente sobre as mães trabalhadoras

São várias as páginas e influencers nesta área que, sempre em nome do bem-estar da criança, promovem conteúdos sobre a adaptação dos bebés e crianças, não raras vezes pecam por falta de ligação à vida real das mães e pais trabalhadores em Portugal. São de louvar as iniciativas que propõem que os pais não se resignem com este tipo de recomendações e que encontrem alternativas. Mas, quase sempre que me deparo com estes conteúdos, ficam a faltar questões essenciais que têm de ser tidas neste debate:

- o tempo e a remuneração do período de licença de parentalidade vigentes;

- os baixos salários e os horários de trabalho para a maioria dos pais trabalhadores;

- a falta de estabilidade nos empregos dos pais;

- a falta de uma verdadeira rede de creches e infantários, com problemas de vagas que impedem, muitas vezes, que os pais possam escolher;

- a pressão patronal sobre os pais, e em particular sobre as mulheres, para que não exerçam os seus direitos de acompanhamento aos filhos nas suas múltiplas vertentes.

«para além das medidas de controlo da pandemia, não podem ser esquecidos outros princípios ponderosos, como o facto de o saudável desenvolvimento dos bebés e crianças fazer-se com vinculação aos seus principais cuidadores e pela interacção social livre com brinquedos e de partilha com os seus pares»

Para além disso, parece sempre prevalecer uma certa culpabilização latente, a pesar sobretudo sobre as mães, que têm de deixar os filhos na creche, que têm de ir trabalhar, como se todos pudessem (ou quisessem) mudar de vida. Esta ideia, da culpabilização da mulher/mãe, que dava para um novo artigo, tem muito peso na dimensão da maternidade. Elas há as que não querem prolongar o tempo de licença em que estão com os filhos, porque querem regressar ao seu trabalho. E há muitas outras que, se pudessem, estariam mais tempo com os bebés antes de os colocarem em contexto de creche, mas que não têm outra opção por força das suas condições de vida, que as impedem, por exemplo, de usufruir de uma licença alargada (recorde-se que o gozo de uma licença alargada a partir do sétimo mês implica que a mãe ou o pai apenas receba 25% do seu salário) e até pelas imposições patronais, que ameaçam mais ou menos directamente quem o faz. A precariedade e os baixos salários, o desconhecimento dos direitos e o receio de perder o emprego jogam um peso esmagador nesta questão. Para não falar dos horários de trabalho e da rede de transportes públicos que obrigam a que as crianças passem muito mais horas do que as que seriam desejáveis na creche.

Em algumas destas publicações online sobre o tema até se chama a atenção dos decisores políticos, mas sempre no abstracto e aliando-se sempre à tónica na mudança de mentalidades e no empreendedorismo «das mães» para uma mudança de vida. É óbvia a necessidade de se trabalhar uma mudança de mentalidades, mas esta só ocorrerá se for baseada numa efectiva política de natalidade, de apoio às famílias durante a infância e de promoção efectiva de políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular no trabalho.

Assim, perante as referências à articulação dos pais com as creches para solucionar estas questões, e em que se insiste no indispensável e constante diálogo entre ambos, importa também que haja quem promova o esclarecimento junto dos pais trabalhadores dos seus direitos e da importância de lutar para se ir mais longe – e aqui é de louvar o papel particular dos sindicatos afectos à CGTP-IN que promovem campanhas regularmente sobre esta matéria.

No contexto da natalidade e da parentalidade há muito a fazer, mas há também muitos direitos já existentes por cumprir. Vivemos no País em que grandes empresas impedem as suas trabalhadoras do direito a um horário compatível com o acompanhamento aos filhos. E onde ainda, em entrevistas de trabalho, se pergunta sobre a intenção de constituir família. Quantas não são as mães trabalhadoras a quem é negado, na prática, o direito ao horário reduzido por amamentação ou aleitamento?

É um País em que a exploração sobre quem trabalha é evidente e isso tem expressão sobre a natalidade, sobre os bebés e as famílias. Por isso, soa-me a contradição falar de uma questão, sem abordar a outra. E é essa a ausência mais notória ao que se lê por aí: não é possível uma sociedade mais equilibrada e justa para os bebés e crianças senão houver uma libertação dos trabalhadores e trabalhadoras.

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