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|Dia Internacional da Mulher

8 de Março: «há ainda um longo combate pela igualdade»

Para assinalar o Dia Internacional da Mulher, o AbrilAbril foi à conversa com Tânia Mateus, que há mais de duas décadas dá muito do seu tempo à luta pela igualdade. Tem desempenhado, nos últimos anos, um papel de dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e fala-nos da actualidade da luta das mulheres pela igualdade na lei e na vida.

Créditos / AbrilAbril

O MDM é uma organização com um percurso ímpar na luta pela emancipação da mulher em Portugal. Este ano não foi diferente e o movimento organizou um programa vasto para assinalar o Dia Internacional da Mulher, sob o lema «Não há desculpas para violências! Viver direitos, vencer violências».

O que te levou a dares parte do teu tempo ao activismo pelos direitos das mulheres? Há quanto tempo te dedicas a esta luta?

Sou membro do MDM há mais de 20 anos. Em 2008 integrei o seu conselho nacional e, em 2018, passei a estar na direcção e no secretariado nacional. Porque aderi a este movimento? Bem, a resposta não é fácil. Talvez porque venho de uma família com duas fortes figuras femininas diametralmente opostas, que são resultado de contextos diferentes: uma viveu durante o fascismo, uma época de opressão e subjugação da mulher, de profundas desigualdades, de miséria (e como isso marcou a sua vida!), e outra que viveu plenamente o 25 de Abril e as portas que a Revolução abriu às mulheres desde então.

«A actual situação das mulheres tem vindo a sofrer agravamentos e retrocessos que não são de hoje»

Estas figuras maternas (duais), que têm uma imensa força e garra pela vida e lutam pela melhoria das condições de vida, despertaram em mim, desde cedo, esta noção de que não temos todos a mesma vida, nem os mesmos direitos. As mulheres sofrem discriminações específicas, que importa combater e prevenir, e queestão intimammente relacionadas com o contexto, com as condições socio-económicas, porque a vida das mulheres não é igual. A vida da Beyoncé não é igual à minha, nem à da esmagadora maioria. Há problemas e reivindicações diferentes que vão além do papel homem-mulher na sociedade.

E foi isso que me levou a procurar o MDM. Por ser uma organização de mulheres que olha para o contexto, para as condições socio-económicas, que não diaboliza o homem, e que luta pela emancipação das mulheres, a todos os níveis, e não só na esfera privada.

O lema que o MDM adoptou para assinalar o Dia Internacional da Mulher relaciona-se com a actual situação de pandemia?

O que nos levou a esta afirmação, «Não há desculpas para retrocessos! Viver direitos, vencer violências», está enraizado em contexto anteriores. A actual situação das mulheres tem vindo a sofrer agravamentos e retrocessos que não são de hoje. Aliás, podemos dizer que as condições socio-económicas das mulheres têm assistido a um agravamento que vem de trás, dos tempos da Troika, dos PEC e até de antes.

Neste contexto, tem havido uma série de ataques aos direitos das mulheres em diversas vertentes. Ataques aos direitos e aos rendimentos, agravando as suas condições socio-económicas. Portanto, sempre houve desculpas para não cumprir a legislação no que se refere ao direito ao trabalho, ao salário igual, aos mecanismos de protecção e prevenção de violência doméstica. É ver que, nos planos de igualdade promovidos por diversos governos, muitas têm sido as desculpas, ao longo dos anos, para não se cumprir a legislação e garantir a igualdade na lei e na vida.

Aquilo que sentimos é que a Covid-19 serve como mais uma desculpa, a somar a muitas outras anteriores, para agravar as condições de vida das mulheres. E, nas conversas e debates que temos tido num registo online, vem muito esta ideia de que, de facto, a pandemia tem servido de desculpa para colocar as mulheres novamente em casa, com salários muito baixos ou sem salários, a não conseguirem conciliar a vida familiar com a vida profissional, com a sobrecarga de somar a sua actividade profissional com a assistência à família, seja aos filhos, seja aos ascendentes ou outros familiares.

Este é um contexto de extrema dificuldade, que veio acentuar desigualdades e dificuldades. Nós não temos todos as mesmas vidas, não estamos todos em igualdade de circunstâncias, não estamos todos confinados em casas com as mesmas condições de habitabilidade, para poder trabalhar, estudar, viver, comer e até fazer algum exercício físico. Não temos todos o conforto térmico desejável para aguentar esta permanência. Não temos todos os mesmos meios informáticos para trabalhar em casa, nem todas as crianças têm as condições tecnológicas que lhes permitam acompanhar as aulas em casa. Nem tão-pouco todos têm pais com disponibilidade e condições efectivas de os apoiar na escola em casa.

É essencial esta afirmação de que não podemos aceitar mais desculpas e, por isso, exigimos a concretização dos direitos das mulheres para vencer as violências, no plano individual, no contexto familiar, na prostituição e na exploração no trabalho. É ver que a pandemia está a servir com uma desculpa para nos empurrar novamente para casa com, passo a expressão, um «salariozinho» ou um «trabalhazinho». Isto é a oposição da emancipação das mulheres, e liga-se com a história do Dia Internacional da Mulher.

Li outro dia numa rede social que as mulheres «conseguem fazer tudo mas não conseguem fazer tudo ao mesmo tempo» e talvez seja o que muitas de nós estão hoje a sentir, no quadro de um último ano de crise social e económica associada à pandemia, em que as mulheres foram particularmente afectadas. Como é que, segundo o MDM, é possível às mulheres libertarem-se?

Antes de mais, quem é que disse que temos de ser super-mulheres? E que, ainda por cima, temos ser super-mulheres sem direitos? Quem é que disse? É óbvio que há interesses em jogo para nos venderem o papel de que nós temos que ser super-mulheres, super-profissionais, estar sempre com uma aparência esbelta, sempre prontas e aprumadas, e temos que ser mães e filhas maravilhosas. Essa exigência de um patamar de quase super-mulher está ligada à impossibilidade, cada vez maior, da conciliação da vida familiar e da vida profissional. Impossibilidade porquê? Essa conciliação seria possível, mas, de facto, conciliar uma actividade profissional com ser mãe, activista, filha, amiga tem de partir primeiro do pressuposto de que existe igualdade na vida, e que existe um quadro de direitos que me protege.

Porém, o que ouvimos nestas conversas online que temos vindo a desenvolver vai no sentido de que as mulheres de diversos sectores, desde bolseiras de investigação, trabalhadoras de supermercado, professoras, enfermeiras e outras profissionais da área da Saúde, sofrem uma intensa a exploração no trabalho.

«a pandemia tem servido de desculpa para colocar as mulheres novamente em casa, com salários muito baixos ou sem salários, a não conseguirem conciliar a vida familiar com a vida profissional»

Se observarmos que são as mulheres que maioritariamente ganham o salário mínimo nacional, se verificarmos as desigualdades salariais entre homens e mulheres, e que essa desigualdade salarial aumenta quanto maior a qualificação, se associarmos a isto o facto de ainda se perguntar, no local de trabalho, se somos ou se queremos ser mães, é óbvio o desequilíbrio. Fica demonstrado que o facto de haver uma lei que nos protege não é suficiente, porque a igualdade não existe, ainda, na vida.

Em muitas famílias, quando chega a hora de decidir quem é que fica em casa a tomar conta dos filhos porque adoecem ou porque não há vaga na creche pública, ou quem é que fica a cuidar de outro familiar, porque não há um lar da rede pública em condições, a decisão do casal sobre qual o salário de que se abre mão, se é do mais alto ou do mais baixo, em regra, recai sobre a mulher. Veja-se que foram maioriatiariamente mulheres que recorreram ao apoio à família, para dar assistência à família no quadro dos confinamentos. E o mesmo acontece com o gozo da licença de parentalidade, pese embora haja passos muito significativos. É que os direitos de parentalidade não começam, nem terminam, no nascimento da criança. Há um conjunto de apoios e direitos do pai e da mãe que não são cumpridos, especialmente por força de uma grande pressão das entidades patronais, que muitas vezes consideram estes direitos como um luxo. São estes factores que tornam tão difícil ou quase impossível esta conciliação.

O papel e a acção do MDM têm sido muito intensos, contra a violência doméstica, violência no namoro e prostituição. Esta actividade notável que tem o objectivo de aumentar a convergência nestas questões também encontra quem, dizendo que defende os direitos das mulheres, assuma posições que são contra a sua emancipação.

É essencial recuperarmos os objectivos do MDM. É um movimento de opinião, de intervenção política, de luta pelos direitos das mulheres, pela igualdade entre homens e mulheres nas suas mais variadas expressões. Tendo isto presente, é óbvio que, ontem como hoje, é actual e necessário manter, de forma organizada, a luta pela defesa dos nossos direitos e pela igualdade.

As áreas às quais o MDM tem dado especial atenção estão intimamente relacionadas com problemas específicos das mulheres, nomeadamente na área do trabalho, dos salários, na área da violência doméstica, que tem especial incidência sobre as mulheres, até mesmo no tráfico de seres humanos, e na questão da prostituição.

Estas são matérias sobre as quais o MDM actua desde a sua criação, em 1968. Há diversas expressões de violência e exploração contra as mulheres, e que ferem a sua dignidade. Nós sabemos que há diversas opiniões de outras organizações, mas eu só me vou pronunciar sobre a posição do MDM. O que defendemos em relação à violência doméstica, nomeadamente com todo o trabalho que tem sido feito, incide muito na perspectiva da sensibilização de que a prevenção e o combate à violência doméstica tem de ser feito de forma transversal, quase holística, e pensar que a violência doméstica é muito mais do que o agressor e a vítima. Estão em causa diversos factores, e não se trata de fazer qualquer juízo ou consideração sobre os contextos, mas, trata-se sim, de entender que, para superar a violência doméstica, é preciso garantir trabalho com direitos, salários dignos e habitação, assim como é determinante haver equipamentos de resposta pública e uma Justiça célere, porque todas estas dimensões são essenciais para apoiar as mulheres no contexto de violência. E eu acho que nenhuma mulher gosta de ser vítima ou de estar no papel de vítima. Diversas mulheres com quem tenho falado, que já estiveram num contexto de violência doméstica, rejeitam o seu papel de vítima. Para sair da espiral de violência em que está, a mulher tem de ter força, ânimo e confiança para poder tomar as acções necessárias para poder sair desse contexto de violência. E para isso tem de ter um conjunto de apoios e serviços que lhe permitam, com confiança e segurança, sentir que há alternativa.

Em relação à prostituição, nós rejeitamos uma visão romântica de que a prostituição é um trabalho. Não é um trabalho. Há algum tempo, vi um vídeo francês na internet, em que um casal ia, com a sua filha, falar com a conselheira educativa da escola sobre o futuro e as suas opções profissionais. Uma das possibilidades de profissão que era aconselhada era a de a rapariga tirar um curso profissional para ser prostituta. E os pais estavam chocados porque, objectivamente, mesmo quem advoga esta visão romântica da prostituição não recomendaria aos filhos a opção de se prostituir.

O MDM não faz nenhuma consideração sobre as mulheres que se vêem confrontadas com esta necessidade, mas entendemos que a prostituição é uma violência e uma exploração das mulheres. E não dissociamos isto da necessidade de existirem trabalhos dignos, soluções de habitação e de equipamentos de resposta pública. Porque, de facto, se houver alternativas, se houver acesso à saúde, se houver apoio para os filhos, se houver uma habitação digna a preços acessíveis, as opções das mulheres são outras. Nenhuma mulher que decida prostituir-se relata a sua experiência com essa visão romântica de que é um paraíso, de que não é uma violência, de que não é uma exploração.

Portanto, eu acho que esta é marca distintiva do MDM em relação a outras organizações: é que nós consideramos que há um aspecto essencial que é o da dignidade do ser humano e da vida.

Continuaremos também a batalha contra a descriminalização do lenocínio, porque efectivamente quem lucra com o negócio da prostituição não são as mulheres prostituídas, são efectivamente os proxenetas e aqueles que comercializam as mulheres e o seu corpo. E isto não tem nada a ver com liberdade sexual. Há cada vez mais organizações a juntarem-se ao MDM, porque entendem que a prostituição não é um trabalho, e só pode ser considerada como violência e exploração, para além de estar ligada ao negócio do tráfico de seres humanos e de crianças.

Para terminar, o que gostarias de dizer sobre o futuro do MDM?

Ontem, como hoje, mantém-se, com grande actualidade, o papel de organizações como o MDM na luta organizada das mulheres. Num contexto diferente do da sua criação, mantém-se premente esta exigência de igualdade na lei e na vida. Hoje, em pleno contexto pandémico, não há outra solução que não seja a de cumprir os direitos das mulheres, a de garantir o seu acesso ao Serviço Nacional de Saúde, e a de garantir o rendimento e o trabalho das mulheres, para que possam sentir-se seguras. Há igualdade na lei, mais há ainda um longo combate pela igualdade na vida, e é essa a actualidade do nosso trabalho e de todas as mulheres.

No nosso dia-a-dia, sentimos as desigualdades e descriminações, às vezes escamoteadas, branqueadas, que continuam a ser velhas formas de subjugação da mulher com uma roupinha nova e mais moderna, mas que escondem exactamente a mesma exploração que existia no tempo da criação do MDM.

A defesa dos direitos das mulheres só será plena se houver uma luta organizada das mulheres em Portugal e no mundo, e é esse o papel do MDM. E, por isso, estivemos ontem no Porto, numa manifestação com mais de 700 mulheres, hoje estamos em diversas acções por todo o País, e dia 13, realizamos nova manifestação em Lisboa.

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