|Raquel Ribeiro

PS em Lisboa: o andarilho de que Moedas precisa

O exercício de desonestidade de João Costa precisa de um pequeno truque inicial que é a sua trave-mestra: no seu texto, a cidade de Lisboa foi inaugurada em 2021, quando foi ungido de poder absoluto o rei Carlos Moedas.

João Costa, ministro da Educação 
CréditosManuel de Almeida / Agência Lusa

Em plena campanha eleitoral, quando se esperava que as forças à esquerda se concentrassem na batalha decisiva de desmontar a propaganda de Carlos Moedas e denunciar as consequências dos quatro anos desastrosos de governação da cidade, o que faz um ex-ministro e destacada figura do PS nas páginas do Expresso? Decide escrever um artigo a atacar violentamente… a esquerda.

E fá-lo com as armas típicas de quem assim se posiciona. O ataque pessoalizado, as omissões selectivas, a mentira descarada. Para concluir na mais óbvia chantagem anti-democrática: o voto útil.

Mas o exercício de desonestidade de João Costa precisa de um pequeno truque inicial que é a sua trave-mestra: no seu texto, a cidade de Lisboa foi inaugurada em 2021, quando foi ungido de poder absoluto o rei Carlos Moedas. É sobre esta trave que se pode permitir fazer um retrato da cidade sem por um momento atribuir qualquer responsabilidade ao PS no estado a que esta chegou.

Só neste exercício de manipulação pode afirmar que «a cidade abraçou o turismo sem que o executivo se preocupasse em avaliar, prevenir e acautelar». Se esta foi sem dúvida a cidade de Moedas, não a foi menos de António Costa e Fernando Medina, com a total liberalização do uso do solo no seu PDM (não revisto) de 2012, aprovado também pelo PSD. Só neste jogo de omissões selectivas pode João Costa falar de turistificação, escondendo que foi com o PS que a cidade chegou a 2018 com dois hotéis e 107 alojamentos locais por quilómetro quadrado, que foi com o PS que a gentrificação, as negociatas, a explosão do alojamento local, hotéis rua sim, rua sim, crimes como o hospital da CUF com o selo de Manuel Salgado, fecho de associações, cultura reduzida ao mercado do turismo, e até o património público para fazer ainda mais hotéis se tornaram prática corrente da CML. E sim, até os «unicórnios» como «política económica» foram inaugurados pelo PS.

«Só neste exercício de manipulação pode afirmar que "a cidade abraçou o turismo sem que o executivo se preocupasse em avaliar, prevenir e acautelar". Se esta foi sem dúvida a cidade de Moedas, não a foi menos de António Costa e Fernando Medina, com a total liberalização do uso do solo no seu PDM (não revisto) de 2012 aprovado também pelo PSD.»

 

Só neste jogo de ocultação pode João Costa referir a falta de avaliação sobre a carga turística, omitindo que quer PSD quer PS deixaram na gaveta essa proposta da CDU. Só assim pode esconder que o seu PS aprovou irrestritamente todas as licenças de novos hotéis nos últimos quatro anos, votos essenciais num executivo onde Moedas não foi nenhum rei absoluto pois estava em minoria.

Só neste jogo de ocultação pode João Costa falar «de deslumbramentos com eventos brilhantes para quem não é de cá (os summits, as Tribecas e os unicórnios…)», sem referir que não só a Web Summit e os milhões que lá despeja a CML anualmente são legado do PS intocado por Moedas, como a aprovação dessa política nestes anos só foi possível porque o PS a assinou de cruz. Incluindo aqueles infames quatro milhões da Carris para a «summit».

Só nesta Lisboa inventada de João Costa é que não foi o PS a viabilizar quatro orçamentos de Moedas, com todas as consequências para a cidade; a aprovar a privatização do serviço de iluminação pública e continuar a devolver (já era política sua) o IRS que entrega mais 150 milhões de euros de dinheiro público aos 4% mais ricos do país.

Só nesta cidade sem memória é que pode João Costa tentar rasurar que o seu PS não foi apenas a muleta de que a direita gosta, mas o andarilho de que um Moedas minoritário tanto precisou. Só assim pode João Costa dizer que o PCP «não leu o contexto».

Depois vem o ataque pessoal a João Ferreira e as insinuações sobre o seu compromisso com a cidade. Não é só um ataque particularmente patético, nestes dias em que ficou à vista de todos o conhecimento profundo de João Ferreira sobre a cidade (admitido pelo próprio João Costa!), como é ainda mais ridículo vindo de quem se propõe defender um partido (o PS) que acaba este mandato na CML sem nenhum (!) dos vereadores eleitos em 2021 em funções. Deve ser este o tipo de «compromisso total com Lisboa» que João Costa defende.

E, finalmente, a chantagem do voto útil. Saltando todo o cheirinho anti-democrático que tal chantagem implica, vamos primeiro aos números: em 2021, os votos somados de PS/Livre, BE e PAN foram 102 548. A coligação de Carlos Moedas (PSD/CDS), com os votos somados da IL, teve 93 401. A coligação Viver Lisboa de Alexandra Leitão teria à partida uma vantagem de mais 9000 votos. Qual então a necessidade deste ataque à CDU? De que tem medo a coligação do PS? De perder milhares de votos para aquele que os próprios designam de «pior Presidente de Lisboa»? De não terem propostas mobilizadoras que consigam recuperar os mais de 20 mil votos perdidos entre 2017 e 2021? Porque se empenha tanto João Costa, e outros destacados membros e amigos do PS, em atacar a CDU, enquanto, simultaneamente e à vez, lhe vaticina a morte ou irrelevância?

O problema de João Costa é que a candidatura da CDU não só não permite aos Joões Costa vender sem resistência a narrativa dessa Lisboa «virgem» pré-2021, como a sua (da CDU) não cedência ao oportunismo funciona como um espelho que reflecte toda a cobardia daqueles que gostariam de passar um pano em cada posicionamento traído, cada abstenção cirúrgica, cada privatização de equipamentos públicos (Maria Matos, Capitólio), cada tentativa de concessão de praças a privados (Martim Moniz, Adamastor), para que a cidade se tornasse num continuum tribeca-kalorama-summit de permanentes consumidores.

«O problema de João Costa é que a candidatura da CDU não só não permite aos Joões Costa vender sem resistência a narrativa dessa Lisboa "virgem" pré-2021 (...).»

 

O problema de João Costa (e de outros) é, em suma, o PCP e a CDU existirem e se apresentarem à cidade de cara levantada, com uma equipa que a cidade conhece, com um projecto de ruptura feito da ligação à vida da cidade. E isso fica tanto mais claro no recado que, no final do texto, João Costa «aconselha» ao PCP: ser pequeno, comedido, acantonado.

O problema de João Costa é que, a cada linha do seu texto, fica mais claro que há quem se possa dar ao luxo de querer apenas tirar de lá Moedas. E há mesmo quem precise de derrotar as suas políticas – e de mudar realmente a cidade, e não apenas as caras do executivo.

A CDU mostra, para aparente desespero de João Costa, que a cidade com memória, a que ainda vive e trabalha cá (e não na bolha do comentariado nacional), a cidade que o PS ajudou a expulsar aos milhares, precisa muito mais do que um mero «não ser Moedas». E para ser mais do que um não-Moedas precisa ser muito mais do que um Medina ou um António Costa, aplaudido por um mandatário como António Vitorino.

Mas este breve resumo não podia acabar sem fazer notar de forma vincada que talvez a expressão «triste», que João Costa usa amiúde, seja mesmo a mais indicada para o facto de um ex-ministro e figura destacada do PS tentar conotar o PCP com expressões do fascismo português («orgulhosamente só») ou comparar João Ferreira ao líder da extrema-direita. Um tipo de insulto que Jorge Sampaio jamais fez e, estou certa, jamais aceitaria.

Raquel Ribeiro é candidata da CDU à Câmara Municipal de Lisboa

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