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Problemas com ascensores de Lisboa começaram com a privatização da manutenção

Desde 2006, data do acidente com o elevador da Bica, que os trabalhadores da Carris alertam para o risco de entregar a manutenção dos históricos ascensores de Lisboa a empresas privadas. 

CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

O dia 3 de Setembro de 2025 será, de agora em diante, uma data negra para a cidade de Lisboa e para o mundo do trabalho. As conclusões das inspecções ao descarrilamento do Ascensor da Glória, que fez até ao momento 16 vítimas mortais, entre elas o guarda-freios que também trabalhava no Elevador de Santa Justa, e 23 feridos, vão demorar a ser conhecidas. Mas os alertas que os trabalhadores da Carris tornam públicos, há quase duas décadas, deixam perceber que esta era uma tragédia anunciada, só negligenciada pela gestão liberal da empresa que se mantém pública dada a correlação de forças na Assembleia da República, com as legislativas de 2015.  

Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, integrava o governo do PSD e do CDS-PP (Passos e Portas) que tentou privatizar os transportes públicos, nomeadamente a Carris e o Metropolitano de Lisboa, que chegou a concessionar à espanhola Avanza.

Na primeira declaração à imprensa após o acidente, o presidente da Carris, Pedro Bogas, admitiu que a manutenção é assegurada «há 14 anos» por uma empresa externa. Mas já em 2006 a Comissão de Trabalhadores da transportadora denunciava a subcontratação da manutenção. Nesse ano, e devido a uma avaria dos travões, o elevador da Bica foi embater num camião de recolha do lixo. Do acidente não resultaram vítimas, mas a Comissão de Trabalhadores da Carris colocava o dedo na ferida: externalizam-se os serviços de manutenção das máquinas centenárias, mas as empresas não têm conhecimento suficiente para os fazer, e as avarias e imobilizações acontecem.

Simultaneamente, a estrutura lamentava o facto de a transportadora desvalorizar o capital de experiência dos seus funcionários, tendência que se estendeu a outras empresas, como a CP, em que a manutenção deixou de ser feita pelos seus técnicos oficinais, resultando na perda de conhecimento e numa ameaça à prestação do serviço público.

Na sequência do desastre desta quarta-feira, também Manuel Leal, dirigente sindical da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) e do Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (Strup), ambos afectos à CGTP-IN, admitiu que os trabalhadores da Carris apresentaram «queixas sucessivas» sobre a necessidade de manutenção dos elevadores.  

«Os próprios trabalhadores iam reportando, de facto, estas diferenças em termos daquilo que a manutenção que há uns anos era feita pelos trabalhadores da Carris e as diferenças para a manutenção que é feita hoje, nomeadamente com queixas sucessivas dos trabalhadores que lá laboram quanto ao nível de tensão dos cabos de sustentação destes elevadores», revelou.

Desvalorizar funcionários públicos tem sido a campanha liberal com que nos confrontam há várias décadas, recorrendo a artimanhas semânticas, como a das famosas «gorduras do Estado». A tragédia desta quarta-feira na Calçada da Glória, devido à quebra do cabo que liga as duas cabines, ilustra o estado a que o País chegou em várias áreas. Na saúde, revela o Expresso, a urgência de trauma do Hospital de Santa Maria estava fechada no dia de ontem e no Hospital de São José havia apenas um especialista de serviço.

Já no Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), responsável pela elaboração de relatórios detalhados sobre os acidentes na ferrovia e na aviação, e que irá investigar o acidente de ontem, «só há um inspector para todo o País», adiantou o Público. Segundo o diário, «este organismo público tem-se queixado de forma frequente nos últimos relatórios de falta de pessoal e meios, algo que atrasa a investigação deste tipo de acidentes», e também não os previne. 

Entretanto, uma das composições do Ascensor da Glória já tinha descarrilado em 2018, mas «ninguém disse nada». «O desgaste da roda era quase total, o que levou a que os rodados do ascensor saltassem para fora dos carris», denunciou então o Público, destacando a «falha grave de manutenção», que levou a que o serviço, muito procurado também pelos turistas que visitam Lisboa, fosse interrompido cerca de um mês. Entre 26 de Agosto e 30 de Setembro de 2024, o icónico ascensor, que liga a Praça dos Restauradores ao Bairro Alto, esteve fora de serviço para «reparação».

Desde 2002 que o popular Elevador da Glória, inaugurado em 1885, está, juntamente com Elevador de Santa Justa, o Ascensor da Bica e o Ascensor do Lavra, todos na capital e com mais de um século de história, classificado como Monumento Nacional. Anualmente, o elevador que os Rádio Macau ajudaram a notabilizar transporta cerca de três milhões de pessoas. 

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