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SS e a sua trupe de prestidigitadores

Tornou-se um delito de opinião associar o nazi-banderismo ao nazismo hitleriano que lhe serviu de ovo. O regime de Kiev ganhou estatuto de “democrático” e ai de quem se atreva a dizer o contrário.

CréditosPresidência da Ucrânia / Agência Lusa

Nós libertámo-los… Eles nunca nos perdoarão por isso

(Gueorgui Jukov, marechal soviético, herói das batalhas de Leninegrado, Stalinegrado, Kursk e de recuperação da Ucrânia, comandante das tropas da URSS que entraram em Berlim em 1945)

As palavras irónicas contidas nesta frase do lendário marechal Jukov, a quem se devem vitórias heróicas e decisivas, como as de Stalinegrado e Kursk, que proporcionaram a travagem da ofensiva das tropas hitlerianas para leste e o princípio do fim do pesadelo nazi, são de uma actualidade flagrante e certamente sentidas como insultuosas por quem não consegue, não tenta ou não quer colocar-se fora do redil onde vigora a opinião única sobre o que se passa no mundo. A qual omite, quando não inverte, o papel determinante, insubstituível, decisivo da União Soviética no esmagamento da Alemanha nazi.

Jukov e os seus camaradas que comandaram o Exército Vermelho e o povo soviético na defesa do país, na resistência às hordas invasoras – que pareciam imparáveis – e acabaram a persegui-las até à rendição na capital alemã, libertando pelo caminho infernais campos de morte, viraram o sentido da Segunda Guerra Mundial. Tornaram possível que os países da frente ocidental fizessem a sua parte no arranque para a vitória total.

Até então, devido à prioridade dada por Hitler à frente leste, as elites dos aliados ocidentais foram moldando as suas estratégias em função dos acontecimentos na Operação Barbarossa contra a União Soviética; como hoje se percebe, no círculo dos poderes ocidentais havia quem desejasse que os hitlerianos concretizassem aquilo que eles próprios muito ambicionavam (e ambicionam) – a desagregação da União Soviética, da Rússia. Um objectivo replicado através da História, acumulando insucessos desde o séc. XIII, quando suecos e alemães esbarraram contra Alexandre Nevsky; ou em 1812, quando Napoleão bebeu champanhe em Moscovo e depois “foi a pé para Paris”, recorrendo à imagem preciosa do major-general Agostinho Costa; e também na primeira metade dos anos quarenta do século passado, quando os nazis acabaram derrotados e perseguidos até Berlim.

No lado soviético ficaram 26 milhões de mortos (26 milhões, é possível imaginar a dimensão dessa carnificina, duas vezes e meia a população de Portugal?), além da destruição de grande parte de um país que ainda estava em construção. Nos territórios da antiga União Soviética é praticamente raro ainda hoje encontrar uma pessoa que não tenha perdido pelo menos um parente na tragédia. E nenhum país foi amputado, nem de perto, de tantos dos seus cidadãos.

Por isso, passados que são quase 80 anos, os russos e alguns outros povos que estiveram integrados na União celebram a vitória como nenhuns outros. Para eles não foi a “Segunda Guerra Mundial” mas a Grande Guerra Pátria ou Patriótica. A derrota imposta ao nazismo permitiu a sobrevivência das suas nações: não foi apenas uma guerra, foi um combate existencial. Tal como hoje.

A consciência vívida dessa memória torna compreensível que os russos se sintam acossados porque nos últimos 25 anos têm vindo a ser cercados pelo maior aparelho militar mundial e também, mais recentemente, pelo recrudescimento do nazi-fascismo nas suas vizinhanças; ao mesmo tempo que, na Europa e na América do Norte, se manifestam ainda com maior intensidade os sentimentos de russofobia, uma degeneração xenófoba que nada tem de rigorosamente justificável à luz da nunca comprovada ameaça militar ou económica por parte da Rússia.

As imensas riquezas naturais, energéticas e de capacidades humanas do país, essas sim são cobiçadas pelas oligarquias e respectivos serventuários políticos e militares do chamado Ocidente global através de uma mistificação apresentada segundo contornos indisfarçáveis de cruzada política, democrática e civilizacional. O assalto em termos políticos e económicos ao espólio da União Soviética funcionou durante os anos noventa do século passado por um período demasiado curto para satisfazer as ganâncias imperiais, pelo que a opção militar começou a tornar-se ostensiva e associada a intenções confessadas de mudar o regime político de Moscovo e desmantelar o país em várias entidades “independentes”. Afinal, o velho desígnio ocidental de extirpar o cancro russo mantém-se vivo apesar dos seus vetustos oito séculos, desde a Idade Média aos tempos da “pós-verdade”. Como previu o marechal Juvkov, limitando-se a ler a História, “nós libertámo-los… Eles não nos perdoarão”. Podendo acrescentar-se, sem deturpar o sentido do raciocínio, que “eles não desistirão”.

«No lado soviético ficaram 26 milhões de mortos (26 milhões, é possível imaginar a dimensão dessa carnificina, duas vezes e meia a população de Portugal?), além da destruição de grande parte de um país que ainda estava em construção. Nos territórios da antiga União Soviética é praticamente raro ainda hoje encontrar uma pessoa que não tenha perdido pelo menos um parente na tragédia. E nenhum país foi amputado, nem de perto, de tantos dos seus cidadãos.»

Em suma, os russos, tendo presentes as suas entranhadas memórias, somaram dois e dois, sobretudo a partir do momento em que os Estados Unidos e a União Europeia tomaram conta da Ucrânia, em 2014, aplicando uma estratégia golpista para restauração operacional e do protagonismo de correntes políticas e terroristas que historicamente engendraram uma independência ucraniana à boleia da invasão nazi da União Soviética. À aposta ocidental sub-reptícia no nazismo alemão para liquidar a URSS sucede hoje a reactivação do nazi-banderismo de inspiração hitleriana como tropa de choque para provocar uma guerra que culmine, desejam os seus mentores, no desmembramento da Rússia. Uma continuação, afinal, do desmembramento da União Soviética em 1991.

É fundamental perceber, para uma leitura abrangente e objectiva do que está a acontecer nesta guerra entre a NATO e a Rússia, que a reimplantação fronteiriça do nazismo – na Ucrânia e em países bálticos – desperta as mais negras memórias entre os russos, determinando inevitavelmente que se mobilizem, respondam e actuem. Não existem, por isso, quaisquer dúvidas sobre quem provocou quem.

No entanto, tornou-se um delito de opinião, um crime imperdoável, associar o nazi-banderismo, ao qual foi outorgada pela NATO a missão de gerir nominalmente a Ucrânia, ao nazismo hitleriano que lhe serviu de ovo; o regime de Kiev ganhou estatuto de “democrático” e ai de quem se atreva a dizer o contrário.

A quina excursionista

Quem não tolera que se manifeste qualquer dissonância em relação à verdade oficial sobre o que se passa na Ucrânia é essa singular figura da classe política portuguesa – melhor dizendo, do federalismo e do natismo – que se chama Santos Silva (ou SS para encurtar espaços), que depois de desempenhar o papel de ministro dos Negócios Estrangeiros como qualquer delegado do Departamento de Estado norte-americano foi promovido a presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado em que isto está, também chamada a “casa da democracia”.

Sem grandes explicações às opiniões pública e publicada, como autêntico dono da democracia na casa da democracia, SS montou uma delegação de cinco membros do Parlamento, contando com ele, para empreender uma gesta solidária ao encontro do regime da Ucrânia Ocidental. Ora tratando-se de uma equipa para visitar as figuras coroadas de um sistema autocrático-democrático sustentado por uma minoria terrorista nazi-banderista, parece mais natural designá-la como “quina”, conceito inspirado na estrutura hierárquica da velha Mocidade Portuguesa propício a que anfitriões e visitantes pudessem conviver em plataformas equilibradas, proporcionando um diálogo fluído e produtivo.

E uma vez que os membros da delegação lusitana foram chamados a cumprir a missão árdua, dir-se-ia impossível, de fundir a ditadura na democracia e vice-versa, parece mais adequado qualificá-los como prestidigitadores. São necessários extraordinários poderes mágicos, talvez nem ao alcance de David Copperfield ou Luís de Matos, para ter êxito em número tão exigente.

Constituiu-se para o efeito uma trupe plural, como seria desde logo aconselhável para compensar um hipotético défice democrático resultante do facto de no outro lado não haver qualquer pluralismo. Seguiram viagem além do presidente, do PS, os deputados Eurico Brilhante Dias (PS), João Paulo de Oliveira (PSD), Cotrim de Figueiredo (Iniciativa Liberal) e Isabel Pires (Bloco de Esquerda). Em princípio, nada a opor. O PS é o PS, expoente da democracia logo grande inimigo da Rússia e amigo incondicional da Ucrânia, ainda que governada por banderistas. Que dizer do PSD? Os namoricos de outrora com os retintos salazaristas e os de hoje com os neo-salazaristas facultam-lhe a possibilidade de estar no mesmo comprimento de onda dos nazis de Kiev. Quanto a Cotrim e respectiva IL, quem melhor do que um admirador de Pinochet, Thatcher e dos sociopatas dos Chicago Boys para confraternizar com os ucranianos afins? Há, porém, quem manifeste estranheza pela presença do Bloco de Esquerda neste grupo excursionista solidário com o regime institucionalmente racista e xenófobo que há nove anos lançou uma limpeza étnica noutra região do país, o Donbass, para erradicar cidadãos “impuros”, “de segunda”; uma região onde, no dizer do ex-presidente Porochenko, as crianças de origem russa “devem estudar em subterrâneos” enquanto os filhos dos verdadeiros ucranianos aprendem “em escolas alegres e com as melhores condições”. Uma réplica da criativa parábola do inatacável democrata Borrel sobre o nosso “jardim” e a “selva” do resto do mundo.

«E uma vez que os membros da delegação lusitana foram chamados a cumprir a missão árdua, dir-se-ia impossível, de fundir a ditadura na democracia e vice-versa, parece mais adequado qualificá-los como prestidigitadores.»

Não há, vistas bem as coisas, nada que estranhar. É patente a confusão entre a designação do grupo, “Bloco de Esquerda”, e a autêntica prática de esquerda. Em política externa, a tentação pelo federalismo e as afinidades com as motivações invocadas pela NATO, já desde os tempos da sangrenta e arrasadora invasão da Líbia, há muito que sintonizaram o agrupamento com a grande irmandade da classe política que usurpou a democracia de Abril. Acresce, como alívio da consciência cívica bloquista, que SS deverá ter executado os procedimentos necessários para que as despesas da viagem a Kiev não saíssem do orçamento do Estado ou dos bolsos dos contribuintes, agora que existe um imenso e generoso saco azul ocidental preenchido com as toneladas de ouro roubado à Venezuela, os 300 mil milhões de dólares em reservas no exterior surripiados à Rússia e pelo menos dez mil milhões de dólares desviados dos fundos do certamente desafogado Banco Central do Afeganistão. Pudemos testemunhar, em vários episódios, a dedicação extremosa de Santos Silva na constituição do precioso tesouro à custa dos marginais que se desviam das regras desta tão democrática e equitativa ordem internacional baseada em regras. Nada como usá-lo para financiar uma nobre excursão ao coração do nazi-banderismo democrático.

É certo que a trupe de prestidigitadores poderia ter sido enriquecida com algumas outras presenças que, sem dúvida, lhe garantiriam valor acrescentado.

O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (III)

O chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados.

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 
Créditos / UNIAN

3. Zelensky, a marioneta perigosa de um Ocidente em desespero 

«Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que não vêem, cegos que, vendo, não vêem»

(José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira)

Os governantes dos Estados Unidos e os seus subordinados, os dirigentes da União Europeia, veneram uma marioneta chamada Volodymyr Zelensky, manipulada pelos senhores da guerra, pelos oligarcas planetários, pela indústria da morte, pelos esbirros do nazifascismo como ideologia de sonho do neoliberalismo globalista.

Foi inventado como presidente da Ucrânia por um oligarca chamado Ihor Kolomoysky, que financiou a sua transição de um papel de ficção televisiva para uma realidade gerida por uma estrutura nazi que nunca renegou de maneira convincente a herança de Hitler e dos seus colaboracionistas genocidas ucranianos. O mesmo oligarca que pagou a criação e sustenta os grupos de assalto e de choque nazis como frente terrorista e de guerra do regime. Zelensky é um irresponsável inchado como o sapo da fábula que leva perigosamente a sério o papel em que é sustentado e manobrado por gente com poder mundial ainda mais irresponsável que ele – e que joga com a existência do planeta e a sobrevivência da humanidade.

Volodymyr Zelensky, a criatura, dá sinais de querer escapar pontualmente aos seus criadores brincando com as toneladas de instrumentos de morte e os milhões de milhões de dólares/euros que estes lhe enfiaram nos bolsos, boa parte em trânsito para negócios imobiliários e contas offshore; agora parece ter tomado o freio nos dentes e arriscar tudo numa fuga suicida para a frente. Ao seu serviço, generosamente pagos com dinheiro nosso, estão mais de centena e meia de fabricantes transnacionais de mentiras, fake news e estratégias de engano designados como «agências de comunicação».

A tournée do desespero

A mais recente visita do ditador de Kiev aos principais areópagos da «democracia europeia» foi uma ópera bufa onde ressoou a cacofonia dos desencontros mútuos na perseguição cada vez mais desesperada de um objectivo que balança perigosamente entre o fracasso e o elevadíssimo risco de um extermínio humano nunca visto no planeta. Entre os uivos de perseguição contra quem ainda resiste à zombificação da opinião única lançados pela autocrata Von der Leyen, o Parlamento Europeu serviu de palco ao puxão de orelhas a toda a União Europeia que Zelensky não se coibiu de dar no papel de «defensor da democracia» e de «toda a Europa». A marioneta dos nazis que governam a Ucrânia fala e esbraceja sem limites, satura as comunicações por Zoom e outras plataformas do género para arengar as falas de um guião escrito por mentirosos profissionais em parlamentos e onde quer que se juntem mais de dois chefes de Estado e de governo de qualquer continente; e, em boa verdade, os sociopatas de Bruxelas e das capitais dos 27 começam a não saber muito bem o que fazer com ele, soterrados, além disso, sob o diktat de Washington.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

Tipo de Artigo: 
Opinião
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A revelação feita pelo veterano jornalista Simon Hersh da maneira metódica e minuciosa como os Estados Unidos fizeram explodir os gasodutos Nord Stream I e II – num ostensivo acto de guerra contra a Alemanha perante a cobardia (a cumplicidade) de Berlim – revela bem até que ponto chegou a postura rastejante dos dirigentes da União Europeia como simples apêndices da oligocracia imperial.

A operação terrorista, preparada, segundo Hersh, pelo conselheiro presidencial de segurança Jake Sullivan, o secretário de Estado Blinken e a golpista-chefe de Maidan, Victoria Nuland, teve como mandante o próprio presidente Biden. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, não apenas continua calado e imóvel como aceita enviar dinheiro, tanques e outras armas para uma guerra através da qual o poder imperial norte-americano procura subjugar ainda mais a Europa. São políticos assim, sem qualquer dignidade e sentido humanista, que minam os países europeus como uma peste.

O Ocidente em desespero, na verdade aglutinando apenas 15% da população da Terra, admite assim uma estratégia do caos e de autêntica guerrilha interna para tentar conservar o domínio mundial, o estatuto de poder colonial globalista gerido por uma única potência, depositando nas mãos de um inconsciente e transtornado aprendiz de feiticeiro a vida dos cidadãos do planeta. Fez dele um «herói» do circo de manipulação social corporativa, ignorando ostensivamente que não passa de um refém de um bando de chefes nazis movidos por uma crença mística na criação de um Estado ucraniano de «raça pura e homogénea».

Levando em consideração estes chefes omnipresentes nas movimentações políticas, paramilitares e militares na sociedade ucraniana desde a independência, em 1991, não surpreende que os grupos nazis, fiscalizando e pressionando o funcionamento do Estado de Kiev, actuem de acordo com o seu fundamentalismo nacionalista herdado da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos) e da UPA (Exército Insurgente Ucraniano) e que tem os seus fundamentos nos anos 20 do século passado, solidificados depois em aliança com a Alemanha do III Reich.

Negação criminosa

A responsabilidade ocidental nesta trágica convulsão não é de agora. Desenvolveu-se em paralelo com o nascimento, maturação e sobrevivência da ideologia nacionalista integral de influência directa nazi alemã que é a componente dominante do actual Estado ucraniano dirigido a partir de Kiev. Negá-lo é uma falsificação da História e das circunstâncias em que vivemos, assim transpostos para uma realidade paralela onde a mentira se tornou uma virtude.

Documentos secretos da CIA, divulgados muito recentemente, revelam que os serviços secretos ocidentais canalizaram para os sectores independentistas ucranianos que mantiveram as referências ideológicas nacionalistas integrais da OUN e da UPA o seu apoio à actuação clandestina e propagandística contra a União Soviética. O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia. O Ocidente assegurou assim a sobrevivência do banderismo depois de derrotado juntamente com o nazismo alemão1.

Stepan Bandera, Yaroslav Stetsko, Dmytro Dontsov e outros «heróis nacionais» de hoje transitaram directamente, não o esqueçamos, do colaboracionismo hitleriano para os quadros dos serviços secretos ocidentais, especialmente norte-americanos, alemães e canadianos. Tal como durante o III Reich, Munique foi uma das «capitais» do nacionalismo integral ucraniano desde o fim da Guerra Mundial à dissolução da União Soviética.

«O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia.»

Daí que, com toda a naturalidade, as correntes de inspiração nazi-banderista se tenham imposto desde logo como vectores determinantes da independência da Ucrânia quando se deu a implosão da União Soviética. Leonid Kuchma, o primeiro presidente ucraniano, deslocou-se à capital bávara durante o seu mandato para homenagear postumamente Yaroslav Stetsko, o primeiro primeiro-ministro do efémero Estado ucraniano criado em 1941, em Lviv, sob cobertura hitleriana.

O Partido Nacional-Social, do qual emergiram todos os principais dirigentes banderistas/nazis responsáveis pela formatação do regime de Kiev em vigor, foi uma das entidades mais influentes na estruturação do Estado logo desde o início da independência, em 1991. Não em termos eleitorais, porque a grande maioria dos cidadãos nunca se identificaram com um fundamentalismo passadista que então lhes dizia pouco, mas no sentido da capacidade para determinar o funcionamento dos centros de decisão do regime. No fundo, o Partido Nacional-Social, os seus antecessores da OUN e UPA e os seus subprodutos nazis que marcaram espaço determinante em Kiev eram e são os fundamentos do caminho ditatorial que a Ucrânia tomou e agora se materializou em pleno. Com a conivência indisfarçada do Ocidente colectivo e a sua papagueada e esvaziada «democracia liberal».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

Terror em acção

O Movimento-Batalhão Azov será talvez o mais conhecido grupo paramilitar – e agora militar – de inspiração nazi, essencialmente pela deificação dos seus membros feita pela comunicação e propaganda ocidentais, sobretudo na altura em que combatiam para manter a cidade de Mariupol em seu poder usando os civis e as suas residências como escudos. O jornal norte-americano The Nation considera-o «um centro da supremacia branca» estendendo os tentáculos no estrangeiro através, designadamente, da movimentação permanente da secretária internacional do «Corpo Nacional» do Azov, Olena Semeniaka2, que não tem qualquer pudor em deixar-se fotografar fazendo a saudação nazi junto a bandeiras com as cruzes suásticas.3

A embaixadora do Azov foi convidada a integrar Portugal nos seus périplos em Maio de 2019, para participar no «Fórum Prisma Actual» – de âmbito ibérico, segundo os promotores – organizado pelo «Escudo Identitário», parte da nebulosa fascista que já abocanhou fatia importante do hemiciclo da Assembleia da República.

O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista. As suas milícias urbanas e grupos paramilitares, réplicas de esquadrões da morte, actuam como polícias municipais nas principais cidades do país – aterrorizando as populações definidas como «não-ucranianas» –, chantageiam e ameaçam os centros de decisão e, como parte das Forças Armadas, controlam efectivamente e sem qualquer contemplação o comportamento das forças regulares e respectivos corpos de oficiais.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado.

Manifestantes neonazis do Svoboda (Liberdade) e Pravyi Sector (Sector de Direita) protestam em Kiev
Créditos / REUTERS

2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»

«Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)

«Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

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Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos.

Os resultados da complacência perante o nazismo alemão e até a esperança de que liquidasse o grande inimigo ocidental de então – a União Soviética – originou a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Além de irresponsáveis perante tão retintas manifestações de nazismo a que assistimos, os dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia são profundamente ignorantes em História, arrastando-nos para a tragédia latente que decorre dessa inconsciência.

Batalhão SS 201 Schutzmannschaft, constituído por nazis ucranianos e alemães. Roman Shukhevych é o segundo à esquerda, na primeira fila. A unidade distinguiu-se pela repressão de judeus e partisans bielorussos  Créditos

Continuando o desfile de «heróis nacionais» ucranianos com um passado «patriótico» e exterminador, esbirros que estiveram ao serviço de Hitler e desejaram uma Ucrânia independente totalitária e etnicamente «pura», Roman Shukhevych é outro dos venerados pelos terroristas de Kiev. Na Ucrânia de hoje tem estátuas, um museu memorial, moedas cunhadas em sua honra, o nome de importantes ruas em várias cidades e até em dois estádios1 – Lviv e Ternopil2.

A última pessoa a ser o seu contacto operacional, já durante a acção clandestina contra a União Soviética guiada pelos serviços secretos ocidentais, e na sequência da qual Shukhevych viria a morrer em 1950, foi Daria Gusyak, falecida o ano passado. Gusyak fez parte da direcção do Congresso dos Ucranianos Nacionalistas, partido neonazi fundado em 1993 por Slava Stetsko3 e, a pedido desta, fundou uma organização do actual regime seguidora do nacionalismo integral, designada Liga das Mulheres Ucranianas, que dirigiu até ao fim da vida.

Shukhevych comandou operacionalmente a OUN (B) (Organização dos Nacionalistas Ucranianos, facção Bandera) e a UPA (Exército Insurgente Ucraniano) na segunda metade da invasão alemã da União Soviética, período durante o qual a limpeza étnica do território ucraniano e de áreas da Bielorrússia4 teve alguns dos seus episódios mais sangrentos. Por exemplo a chacina de Huta Pieniacka, em 28 de Fevereiro de 1944, na qual as hostes de Shukhevych e a 14.ª Divisão das SS ucranianas mataram mais de mil pessoas. Vinte e cinco mil a trinta mil polacos foram assassinados durante essa fase na região da Galícia Oriental.

Enquanto ordenava, através do comando da UPA, que «combatam os polacos impiedosamente, ninguém deve ser poupado, nem mesmo os casamentos mistos», Shukhevych declarava em 25 de Fevereiro de 1944: «Devido ao êxito das forças soviéticas é preciso acelerar a liquidação dos polacos, eles devem ser totalmente exterminados, as suas aldeias queimadas».

Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a Wehrmacht;  contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos, Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis.

O historiador sueco-americano Anders Rudling, da Universidade de Lund, deixou uma pergunta que mereceria reflexão, até dos donos da verdade, sobre o desenvolvimento do nacionalismo integral ucraniano e a sua relação com os acontecimentos dos dias que vivemos6: «Será possível fazer de Shukhevych um herói nacional sem legitimar a ideologia da organização que dirigiu?». Uma resposta consciente faria estilhaçar mitos cultivados irresponsavelmente e que deixam a humanidade à beira da maior das fatalidades.

Dois soldados SS colaboracionistas ao serviço dos alemães, diante de judeus assassinados, no ghetto de Varsóvia. Nacionalistas ucranianos participaram na liquidação do ghetto de Varsóvia, em 1943. Créditos

Branquear o que não tem branqueamento

Os historiadores oficiais ucranianos tentam actualmente branquear a biografia de Shukhevych e de outros terroristas colaboracionistas, alegando que converteu o programa da OUN ao pluralismo político, constituiu uma plataforma de unidade com outros movimentos ucranianos e abandonou o extermínio de judeus. Faltam, porém, dados e documentos convincentes que comprovem essas versões7

Em 2006, na sequência da «revolução laranja» promovida pelos Estados Unidos, o presidente Yushenko, qualificado como «pró-europeu», designou o alegado historiador Volodymyr Viatrovych como chefe dos arquivos centrais dos Serviços ucranianos de Segurança8. A sua missão foi a de adaptar as biografias dos «heróis nacionais» venerados pelo regime actual, tornando-as mais compatíveis com um tipo de discurso tolerável pelos aliados e protectores de Kiev9. Situações e ocorrências como o anti-semitismo da OUN e os massacres de polacos, designadamente, quase desapareceram das biografias oficiais de Shukhevych, Bandera e outras figuras. Nelas figuram praticamente em exclusivo os papéis desempenhados por conta de serviços secretos ocidentais contra a União Soviética10.

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Parlamento ucraniano aprova a proibição dos partidos da oposição

Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial.

Volodymyr Zelensky 
Créditos / Serviços de imprensa ucranianos

A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia».

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Zelensky suspende a actividade de 11 partidos políticos na Ucrânia

A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade.

Volodymyr Zelensky, presidente da república da Ucrânia, reúne com os homólogos da República Checa, Polónia e Eslováquia. Kiev, Ucrânia, 15 de Março de 2022 
CréditosGoverno da Ucrânia / EPA/Agência Lusa

«Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky.

Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes.

O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos».

No princípio de Fevereiro o partido ucraniano "Socialistas" ainda celebrava a maioria absoluta de António Costa nas últimas eleições legislativas. O partido, que há muito denunciava os atentados do regime de Kiev contra a liberdade de imprensa e liberdades políticas, foi agora proibido sob a acusação de "pró-russo" - um chapéu usado nos últimos anos para extinguir as vozes da oposição democrática e meios de imprensa adversos no país. Kiev, 20 de Março de 2022 Créditos

A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve.

A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão.

No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais.

O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país,  enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky.

O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia.

Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos.

A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia.

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Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição.

Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia».

Quando dá jeito, qualquer opositor é «pró-russo». Por seu lado, a extrema-direita prossegue, intocável

A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados.

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Combate à glorificação do nazismo volta a não contar com o apoio de EUA e aliados

A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO.

Créditos / peacekeeping.un.org

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções.

Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO.

Quadro com a votação da resolução de combate à glorificação do nazismo, esta quinta-feira, na Assembleia Geral da ONU / @RussiaUN

A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia.

Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS.

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Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga

Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha».

Marcha do Dia do Legionário, em Riga, capital da Letónia (16 de Março de 2019)
Créditos / Sputnik

O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS).

A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz.

A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!»

Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".»

A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade.

Glorificação do nazismo e reescrita da história

A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos.

Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas.

Repúdio da Rússia

Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta».

Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo.

Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas.

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Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

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A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky.

Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido.

Uma democracia não-representativa

A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida.

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(Neo)fascismo, antifascismo e transição autoritária

Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.

Manifestação antifascista e antirracista em Lisboa, a 6 de junho de 2020 (foto de arquivo)
CréditosManuel de Almeida / LUSA

O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista).

«Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)»

Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI?

Continuidades ou diferença?

Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo.

«se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?»

Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)?

Para que serve dar um nome ao que vivemos?

Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»...

Antifascismo sem (neo)fascismo?

E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6

«Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.»

Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade.

Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Manuel Loff, "O nosso século é fascista!" O mundo visto por Salazar e Franco (1936-1945), Porto: Campo das Letras, 2008.
  • 2. Daniel Woodley, Fascism and Political Theory. Critical Perspectives on Fascist Ideology, Londres/NY: Routledge, 2010.
  • 3. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. História breve do século XX, 1914-1991, Lisboa: Presença, 1996.
  • 4. Der Untergang des Abendlandes: Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, 2 vols., Viena: Braumüller, 1918, e Munique: C. H. Beck, 1922. Edição em português: A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
  • 5. Enzo Traverso, Las nuevas caras de la derecha, trad. esp., Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2018, pp. 12, 18 [a edição original, contudo, intitula-se Les nouveux visages du fascisme, Paris: Textuel, 2017].
  • 6. O conceito de «antifascismo contrarrevolucionário» que Michael Seidman aplica àquelas três personagens e ao conjunto dos setores sociais que, nos EUA e nos Impérios britânico e francês, se empenharam na derrota dos nazis mas que, ao modo de Fukuyama, só teriam «[obtido] uma vitória completa quando o comunismo soviético se derrubou em 1989»(Antifascismos, 1936-1945. La lucha contra el fascismo a ambos lados del Atlántico, trad. esp., Madrid: Alianza, 2017, p. 27), parece-me essencialmente ahistórico por omitir a natureza de disputa imperial presente na guerra de Hitler contra as potências ocidentais.
  • 7. Engin F. Isin (2004), «The neurotic citizen», Citizenship Studies, 8:3, pp. 217-235.
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Com a republicação deste artigo de Manuel Loff assinalamos, neste dia 9 de Maio, os 79 anos da derrota do nazi-fascismo, na qual o Exército Vermelho e a União Soviética tiveram um papel determinante.
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Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram.

Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores).

Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar.

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Porém, as instituições de memória nacional da Polónia, pouco respeitadas pelo regime da NATO em vigor em Varsóvia, registam que a OUN (B), também sob o comando de Shukhevych, decidiu em Fevereiro de 1943 expulsar todos os polacos da região da Volínia para obter um «território etnicamente puro», incitando a «matar polacos e judeus-moscovitas».
E se, por hipótese remota, Shukhevych se converteu ao «pluralismo», devemos então deduzir que os seus herdeiros de hoje, comandados nominalmente pelo herói ocidental Zelensky, regrediram nesse aspecto. O regime, como se sabe, proibiu todos os partidos de oposição11 – o último foi o Partido Socialista – supostamente por terem apoiado os acordos de paz de Minsk, assinados pelo governo de Kiev. Recorda-se que a glorificação da violência foi um dos princípios fundadores do Estado ucraniano em Junho de 1941, em Lviv, sob o alto patrocínio de Stepan Bandera e dos ocupantes alemães.

O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que controlam as rédeas do Estado.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».

Dois dos 18 trabalhos do artista Roman Bonchuk, «Judeu com um porco» (na foto) e outro quadro representando um monstro a fatiar uma Torah como shawarma foram retirados após um protesto da comunidade judaica local. Ivano-Frankivsk, Fevereiro de 2022 Créditos / Twitter

Nazismo à solta

No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13.
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA, admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza da raça» que remetem para a inspiração hitleriana. 
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council, subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas; e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e acabar com a sua impunidade».

Militantes do movimento neo-nazi C-14 desfilam para assinalar o 76.º aniversário da fundação da UPA, em Kyiv, a 14 de Outubro de 2018  CréditosOleg Petrasiuk / Kyiv Post

A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos Estados Unidos»15.

O próprio New York Times costumava qualificar os terroristas ucranianos como «abertamente neonazis», definição que adoçou muito recentemente para «organizações ultranacionalistas» quando uma delegação do Azov, chefiada por um «sobrevivente de Azovstal», em Mariupol, visitou os Estados Unidos, onde participou em sessões públicas de homenagem «e se avistou com mais de cinquenta congressistas», de acordo com um dos membros da missão. O Azov, organização treinada por militares na reserva norte-americanos, correspondendo aos interesses manifestados pela NATO, ainda é considerado oficialmente em Washington como «um grupo nacionalista de ódio».

A negação, no Ocidente, da existência de nazis e banderistas na Ucrânia é uma patética tentativa de esconder da opinião pública o gigantesco apoio a um regime que cultiva a herança de Hitler e de colaboradores ucranianos do III Reich no extermínio de centenas de milhares de pessoas, em nome de um «Estado homogéneo e puro», entre os quais se destaca o «herói nacional» Stepan Bandera.

«Eu também sou um banderista», proclamou no Facebook o chefe da Polícia Nacional, Serhiy Kryazev; «trabalho no Ministério do Interior, sou banderista e estou orgulhoso disso», declarou Zoryan Shkyriak, conselheiro do Ministério do Interior; Anton Shevchenko, porta-voz do Ministério do Interior e da Polícia Nacional, fez a mesma profissão de fé.

O vice-ministro do Interior, Vadim Troyan, veterano do Azov e do grupo Patriota da Ucrânia, declarou-se igualmente banderista, soltou um «Slava Ukraina» e pediu oficialmente «desculpas», em nome do Ministério, quando um oficial da polícia dispersou um ajuntamento de nazis e chamou «banderista» a um deles.

As informações foram divulgadas por Christopher Miller, jornalista da Rádio Europa Livre e do site Bellingcat, um dos órgãos oficiosos da NATO16. Michael Colborne, também um profissional deste site, definiu o Azov como «um perigoso movimento extremista nazi» com «ambições globais».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

A verdade da ditadura

A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT que disse isto».

Multiplicam-se os exemplos de que o Estado ucraniano, com Volodymir Zelensky – tal como aconteceu com o seu antecessor Petro Porochenko –, está minado por organizações nazis de inspiração banderista/nacionalista integral, que actuam através da presença de membros nas estruturas de influência dos órgãos de decisão, reforçada, quando é caso disso, por acções de intimidação e chantagem que não poupam o próprio presidente. Essas nomeações não seriam possíveis sem o aval dos chefes dos departamentos mais determinantes na hierarquia do Estado17.

Azov, Aidar, Dniepr 1 e Dniepr 2, Tridente, Batalhão Donbass, Sector de Direita, C-14 e mais alguns são grupos que, em última análise, exprimem através da acção o que algumas vezes tentam desmentir no discurso oficial, isto é que são inspirados pelos «heróis» do Estado nacionalista integral fundado em 1941 sob a cobertura das tropas alemãs invasoras da Ucrânia Soviética. Uma parceria que as instituições oficiais de «memória» tentam agora esfumar através da censura de livros e do argumento segundo o qual os colaboracionistas também foram vítimas dos alemães. Desconhecem-se, porém, as provas de que alguma vez as organizações banderistas como a OUN ou a UPA tenham atacado forças militares hitlerianas.

Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica.

«Yevgeny Konovalets , fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica»

Primeiro presidente da OUN, Konovalets dirigira antes, a partir de 1920, a Organização Militar Ucraniana (UVO), dedicada à acção armada contra o poder soviético e também contra a Polónia, depois do fracasso da chamada «República Popular da Ucrânia» (1917-1920). Foi também precursor da aliança entre a Alemanha e os nacionalistas integrais ucranianos, mas não chegou a integrar operacionalmente os grupos colaboracionistas porque em 1938 foi vítima mortal de um atentado na Holanda, atribuído aos serviços secretos soviéticos18.

Os restos mortais de Konovalets estão hoje ao lado dos de Bandera, Melniuk e outros «heróis nacionais» da OUN/UPA numa secção especial do cemitério de Lychakivskiy, em Kiev, dedicada à «luta pela independência nacional da Ucrânia».

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado desde a independência, em 1991. Apesar de a participação nos centros de decisão ser hoje mais discreta, conduzida sobretudo nos bastidores e não tanto em cargos executivos directos, o seu poder determina as linhas de rumo do aparelho estatal no sentido nazi/banderista – o que aliás não é difícil de perceber através da institucionalização, de facto, de um sistema ditatorial: adopção de um apartheid oficial (lei dos povos indígenas), apoiado em teorias de «purificação da raça»; a supressão dos partidos de oposição; a destruição de milhões de livros ao estilo hitleriano; a violência terrorista contra os direitos de opinião, de expressão e manifestação; a homofobia e a perseguição das minorias em geral; as operações de limpeza étnica na região do Donbass; as restrições sindicais e laborais; a proibição de línguas minoritárias – e não apenas o russo; o encerramento de jornais e de cadeias de rádio e televisão, acompanhado pela imposição de uma programação única às restantes sob as ordens dos serviços de segurança; uma polícia política (SBU) sem freios; e a circulação de uma lista inquisitorial contendo os dados pessoais dos «inimigos do Estado» a neutralizar, se necessário eliminar – como tem acontecido frequentemente.

Os nazis ucranianos não inventaram a roda; os seus protectores ocidentais é que, arrastados pela necessidade de não perderem o domínio mundial, assumem o totalitarismo e a ditadura como expressões da «democracia liberal», talvez porque, como proclama o inconfundível Borrell, existem efectivamente dois pesos e duas medidas no cenário internacional. Ou, como disse o veterano criminoso de guerra Henry Kissinger, os Estados Unidos apoiam este ou aquele ditador «porque são os nossos ditadores».

Os «nossos» homens em Kiev

Andriy Biletsky, Dmytro Yarosh, Andriy Parubi, Oleh Tyahnybok e Yehvan Karas são alguns nomes da estrutura nazi que envolve e influencia os órgãos de poder ucranianos.

Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan. Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi.

A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers.

«A missão histórica da nossa nação, neste momento crítico, é liderar as raças brancas do Mundo numa cruzada pela sua sobrevivência. A cruzada contra os sub-humanos conduzidos por semitas»

Andriy Biletsky

Andriy Biletsky é conhecido como «o führer branco» e tem um elucidativo cartão de apresentação: a missão da nação ucraniana é «liderar as raças brancas na cruzada final contra os sub-humanos conduzidos pelos semitas», escreveu no livro que se tornou a bíblia dos acampamentos juvenis onde crianças e adolescentes recebem formação doutrinária nacionalista e treino militar. É um dos fundadores do Partido Nacional-Social e, posteriormente, dos seus derivados Svoboda e Patriota da Ucrânia. Mais tarde, na vertigem nacionalista integral do golpe de Maidan, Biletsky fundou o Azov e as respectivas milícias paramilitares que se incorporaram em órgãos de vigilância municipais, verdadeiros grupos de assalto e, por fim, na Guarda Nacional.


Biletsky tornou-se um dos assessores principais do primeiro-ministro Arsen Avakov, designado na sequência do golpe de Maidan pelos norte-americanos Victoria Nuland, do Departamento de Estado, e Geoffrey Pyatt, embaixador em Kiev, sob a batuta do então vice-presidente Joseph Biden, beneficiário de lucrativos negócios nos combustíveis fósseis ucranianos através do filho Hunter Biden.

A estrutura do primeiro governo depois da mudança de regime incluiu dez membros de partidos e grupos nazis. A operação golpista custou cinco mil milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, segundo informações divulgadas pela própria senhora Nuland.

Como assessor do chefe do governo, Biletsky atribuiu ao então recém-fundado Batalhão Azov a missão de «Polícia de Patrulha de Tarefas Especiais». A organização criou para isso uma unidade nacional de vigilância territorial designada Druzhina, uma réplica das SA hitlerianas que prestou juramento perante o próprio fundador do Partido Nacional-Social.

Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe permitisse travar uma guerra contra a Rússia.

Dmytro Yarosh foi um dos cofundadores do Partido Nacional-Social e depois encabeçou uma das suas derivações, o Sector de Direita. Os destacamentos deste grupo de orientação nazi têm-se distinguido na retaguarda das tropas ucranianas envolvidas na guerra, «desencorajando», e mesmo fuzilando, os militares que em situação crítica perante a superioridade operacional russa tentam salvar a vida desertando.

Yarosh foi o organizador do massacre na Casa dos Sindicatos, em Odessa, em 2 de Maio de 2014. O Sector de Direita incendiou o edifício onde se tinham refugiado dezenas de manifestantes contra o golpe de Maidan e pelo menos 48 pessoas perderam a vida. Segundo o chefe dos terroristas, tratou-se de um acto «para defender toda a Ucrânia dos ocupantes internos» e «realizar a revolução nacional». Yarosh chegou a ser colocado na lista dos procurados pela Interpol inserida no site desta organização; num golpe de magia, porém, o seu nome desapareceu rapidamente do rol.

Integrando a estrutura que supervisiona na sombra o comportamento do presidente, do governo e do aparelho de Estado, Yarosh, tal como Biletsky, tem Zelensky sob mira. Foi marcante a sua declaração segundo a qual «Zelensky disse no discurso inaugural que estava pronto a perder audiência, popularidade, força (no caso de fazer acordo com a Rússia). Não», acrescentou, «ele perderia a vida, seria pendurado numa árvore qualquer em Khreschatyk no caso de trair a Ucrânia e as pessoas que morrem na revolução e na guerra. É muito importante que ele entenda isso».

Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós, ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz a qualquer custo são perigosas para nós».

Quanto ao futuro, Yarosh quer dedicar-se à escrita «para ajudar nacionalistas e patriotas ucranianos a ter uma nova visão sobre o país numa base ideológica sólida: o legado» de figuras como Dontsov, Konovalets, Stepan Bandera, entre outros.

Oleh Tyahnybok fazendo a saudação nazi Créditos / Twitter

Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender» as mensagens do chefe do Sector de Direita.

Andriy Parubiy é outro dos nacionalistas integrais admiradores de Stepan Bandera que fez o percurso do Partido Nacional-Social até ao Movimento Azov, passando pelo Svoboda e pelo Patriota da Ucrânia.
Em 2016, invocando sempre Stepan Bandera como referência, tornou-se chefe do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia. Foi igualmente presidente da Rada (Parlamento) através do partido do presidente Petro Porochenko, também ele ferozmente segregacionista, como se percebe consultando os seus discursos. O facto de Parubiy, oriundo do Azov, ter sido eleito pelos deputados da Rada como presidente da instituição é relevante para se perceber como o regime da Ucrânia, sobretudo pós-Maidan, atribui alguns dos mais altos cargos do Estado a banderistas confessos.

A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde participou ostentando simbologia nazi.

É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento, assegurou que não abdicou dos seus «valores».

Oleh Tyahnybok19 é outro membro da superestrutura nazi que controla o Estado ucraniano. Chefia o Svoboda desde 2004, enquanto é aliado de Yarosh no Sector de Direita, depois de ter participado na fundação do Partido Nacional-Social em 1991; em 1998 foi integrado no Conselho Supremo da Ucrânia. Esteve nas cogitações de Biden e Nuland para chefiar o governo ucraniano pós-Maidan e tornou-se deputado.

O então vice-presidente Joe Biden cumprimenta Oleh Tyahnybok durante um encontro no parlamento, em Kiev, a 22 de Abril de 2014 CréditosAnastasia Sirotkina / REUTERS

Ao longo da carreira nunca escondeu as suas simpatias pela geração ucraniana colaboradora do regime de Hitler e exibe-se como personagem de destaque das manifestações anuais em honra de Bandera nas quais se grita «fora os judeus», «enforquem-se os russos». Fotos destes acontecimentos captaram-no a fazer a saudação nazi em cima do palanque instalado no final de um dos desfiles. Em Abril 2014, pouco depois do golpe de Maidan, o então vice-presidente Joe Biden mostrava-se sorridente ao encontrar-se em Kiev com o nazi Tyhanybok.

O chefe do Svoboda trabalhou activamente para o reconhecimento da importância do papel da UPA na história da Ucrânia. Ainda muito antes do golpe de Maidan fez um discurso junto às sepulturas de oficiais daquela organização: «Vocês são aqueles que a máfia judaica-moscovita que governa a Ucrânia mais teme; vocês lutaram contra os moscovitas e os judeus». Tyahnybok pediu em 2005 ao presidente Yushenko, entronizado depois de uma «revolução cor-de-rosa» organizada por Washington, a realização de uma investigação sobre «as actividades criminosas do judaísmo organizado na Ucrânia». Jura que não é anti-semita.

José Goulão, exclusivo AbrilAbril

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Um dos grupos menos conhecidos, mas não menos interventivo ao nível das esferas de decisão, é o C-14, agora renomeado Fundação Futuro. Trata-se da organização juvenil do partido Svoboda e tem uma acção intensiva na doutrinação racista dos jovens ucranianos «puros», sobretudo na educação do ódio aos russos, definidos como «sub-humanos». O «14» presente na denominação da organização relaciona-se com as 14 palavras da expressão programática originalmente divulgada pelo neonazi norte-americano David Lane: «Temos de assegurar a existência do nosso povo e o futuro para as crianças brancas».

O C-14 ou Fundação Futuro – o Svoboda também usa, significativamente, a designação Sociedade do Futuro – é chefiado por Yevhen Karas e tem uma actividade diversificada, em grande parte subsidiada pelo governo. É o caso dos projectos de «educação nacional-patriótica» elaborados pelo seu Conselho de Educação e que são financiados pelo Ministério da Juventude e Desportos. Entre as iniciativas incluem-se campos de juventude para doutrinação ideológica e treino militar, competições desportivas apenas para crianças «brancas», a promoção de concertos com bandas nazis e negacionistas do Holocausto, como o grupo Sakyra Peruna. Num dos espectáculos promovidos em 2019 com a actuação desta e outras bandas afins estiveram presentes o então primeiro-ministro Oleksiy Honcharuke, envergando uma camisa negra, e a ministra dos Assuntos dos Veteranos, Oksana Koliada.

Destruição e saque de acampamentos de ciganos (seis em dois meses durante 2018), operações nas quais contam frequentemente com apoio policial; operações de polícia municipal e violentas patrulhas de rua no oblast (província) de Kiev; decoração de edifícios públicos com símbolos e bandeiras nazis, ataques contra manifestações LGBT e de organizações de oposição ao regime são acções em que o C-14 particularmente se distingue. Um dos assaltos a um acampamento de ciganos foi programado para 20 de Abril de 2018, de maneira a coincidir com a data de nascimento de Hitler.

«O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista.»

Nesse mesmo ano, Serhiy Bondar, um dos chefes do grupo, proferiu uma conferência sobre Segurança da Comunidade na America House de Kiev, uma instituição oficial norte-americana. Segundo fontes de oposição, os serviços secretos SBU recorrem ao C-14 para a execução de «tarefas» à margem das leis em vigor, da mesma maneira que os Estados Unidos «deslocalizam» as práticas de tortura para prisões secretas em países aliados. Um dos resultados prováveis dessa «delegação de poderes» foi o assassínio do jornalista Oles Buzina, liquidado a tiro perto de casa em Abril de 2015.

O C-14 e o Movimento-Batalhão Azov foram integrados no Conselho Público do Ministério dos Assuntos dos Veteranos.

Dmytro Riznychenko, um dissidente do grupo, revelou à «Rádio Svoboda» que «no C14 são todos nazis». O Ocidente «dá-nos armas para nos divertirmos a matar», costuma proclamar o chefe da organização, Yevhen Karas.

«O nacionalismo é exactamente o que a Ucrânia precisa», assegurou Anne Applebaum, destacada jornalista norte-americana de origem judaica galardoada com um prémio Pulitzer e casada com Radoslaw Sikorski, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do regime nacional-fundamentalista da Polónia. Sikorski voltou momentaneamente à ribalta há dias quando defendeu que a Ucrânia devia possuir armas nucleares e usá-las contra a Rússia.

O Congresso Mundial Judaico, o Memorial do Holocausto nos Estados Unidos e 57 congressistas norte-americanos não partilham da opinião de Applebaum e condenam «a glorificação nazi» sob o regime de Kiev.

Zelensky e a moral da história

Zelensky é judeu, portanto não pode ser nazi, ouve-se na União Europeia e nos Estados Unidos da boca de quem parece querer aliviar a consciência (se a tivesse) pelo fornecimento de toneladas de armas e milhares de milhões de euros e dólares a um regime dominado por um aparelho aparentado com o terror hitleriano.

O silogismo é absurdo. A sua invocação pode até criar um problema existencial ao próprio Aristóteles, tentado assim a rever o seu Organon.

O presidente em exercício da Ucrânia costumava brincar com a ascendência judaica, que dizia não ter qualquer influência na sua vida: «O facto de ser judeu não chega a ser a vigésima na minha longa lista de falhas». Isto foi antes de entender que seria útil e oportuno invocar essa circunstância para tentar repelir as acusações de que estava à cabeça de um regime nazi.

Será Volodymyr Zelensky originalmente um nazi convicto como Biletsky ou Yarosh, proeminentes figuras do aparelho que controla o regime? Assumamos a improvável hipótese de não ser, de não passar de uma figura do showbiz bacoco, apesar disso com talento para a comunicação – o que não é difícil quando se é levado ao colo por 160 agências transnacionais da especialidade, com enorme experiência em mentiras, manipulação, estratégias de engano, sound bites para vender desde detergentes a discursos de primeiros-ministros.

Andriy Biletsky (centro), fundador do Batalhão Azov  Créditos

O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais. Deram-lhe o mundo para brincar, como fazia o outro, incarnado, porém, por um genial actor em O Grande Ditador, e agora está o planeta e estamos todos à beira do mais negro dos abismos. O maior irresponsável, na verdade, não é o próprio, mas os que lhe movem os cordelinhos, lhe oferecem armas «para nos divertirmos a matar», como diz Karas, o chefe do C-14, e vão até ele prestar vassalagem levando milhões de milhões roubados cinicamente aos cidadãos, sabe-se lá com que destino final.

Em abono da verdade deve dizer-se que Zelensky não necessitou de um talento especial para transformar a sua carreira de actor de ficção no papel de chefe da junta golpista de Kiev. Mudou de palco, mas continuou na área do fingimento e do faz de conta, temperados agora com a mentira inerente à actividade dos mentores políticos. A sua campanha eleitoral baseou-se no estabelecimento da «paz» no país, designadamente através da aplicação dos Acordos de Minsk, estratégia que lhe valeu obter no martirizado Donbass a enorme maioria para derrotar amplamente o seu rival, conhecido nesta região como «Porochenko o fascista».

A população da Ucrânia não se revia no clima de guerra criado com o golpe de Maidan, que derrubou um governo democraticamente eleito, seguido do assalto das forças regulares e dos grupos nazis contra a população maioritariamente russa do Leste e Sudeste do país. Foi esse facto, conjugado com as promessas de «reconciliação», que catapultou a eleição de Zelensky.

«O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais.»

Ora Zelensky, da mesma maneira que os tutores ocidentais, certamente sabia que os acordos de Minsk não eram para aplicar, como já garantia o próprio Porochenko e Merkel e Hollande agora confirmaram; pelo que a campanha do candidato vencedor assentou sempre numa ilusão, uma rábula como quaisquer das suas performances como actor – esta tendo, porém, como consequência bem real e dramática a chacina de centenas de milhares de seres humanos.

Como ficámos a saber muito recentemente, o ditador de Kiev nunca pensou, de facto, em respeitar os acordos de Minsk. Montou a campanha eleitoral com base numa fraude, driblando Porochenko porque conseguiu mentir mais e melhor, ou não se tratasse de um especialista em fazer de conta. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, publicada em 9 de Fevereiro último, o chefe do regime de Kiev confessou que «fingiu apoiar os Acordos de Minsk para uma troca de prisioneiros com a Rússia e dar tempo ao país para se preparar para a guerra». Acrescentou que revelou isso mesmo à chanceler Merkel e ao presidente Macron porque «as concessões» contidas nos acordos, mesmo que transformadas em resolução das Nações Unidas, eram «inaceitáveis». «Não podemos implementá-los», assegurou. A França e a Alemanha anuíram, da mesma maneira como posteriormente o Reino Unido e toda a NATO invalidaram as possibilidades de entendimento entre a Ucrânia e a Rússia que chegaram a ser desenhadas em Istambul, em Março de 2022. Como explicou agora o próprio Zelensky perante o Parlamento Europeu.

De facto, torna-se quase impossível negociar e fazer valer acordos com esta gente, sempre de mentira e má-fé em riste.

A realidade da Ucrânia pós-Maidan, e mesmo pós-independência em versão mais benigna, acabou por arrasar todas hipóteses apresentadas como bem-intencionadas, mesmo as mais estrambólicas.

Se Zelensky não era originalmente nazi, as circunstâncias do mito de uma Ucrânia nórdica, branca, pura e homogénea transportado até hoje pelas almas sangrentas de Dontsov, Bandera, Setsko, Shukhevych e outros «heróis nacionais», colocaram-no ao serviço de um sistema nazi. O que, em termos práticos, não faz qualquer diferença.

Comemoração do 114º aniversário de Stepan Bandera, junto ao monumento do líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), em Lviv, Ucrânia, 1 de Janeiro de 2023 CréditosMykola Tys / EPA

Sendo Zelensky judeu nada o impede, como está à vista de todos, de encabeçar um regime de inspiração nazi-banderista. Não faltam na História os casos de colaboração de judeus com o Reich e com ideologias nazi-fascistas. O depois primeiro-ministro israelita Menahem Begin não teve pejo em recorrer a formadores hitlerianos para tornar operacional o seu grupo terrorista Irgun, um dos pilares em que assentou posteriormente o actual exército de Israel. Zelensky tem obrigação, apesar do diletantismo mais ou menos alienado de grande parte da sua vida, de conhecer o caso de Zeev Jabotinsky, destacadíssima figura sionista de origem ucraniana, também ele um dos fundadores do Irgun, que se colocou ao lado dos nazis alemães por ocasião da invasão da União Soviética; chegou, apesar disso, a administrador Congresso Mundial Judaico e os seus restos mortais foram acolhidos com todas as honras em Israel, terra de apartheid, tal como a Ucrânia de hoje. O secretário pessoal de Jabotinsky foi o pai de Benjamin Netanyahu, o conhecido e eterno primeiro-ministro de Israel, por sinal o maior amigo de Volodymir Zelensky na clique governante do sionismo.

E como será que os seguidores do mito segundo o qual o presidente ucraniano sendo judeu não pode ser nazi resolverão esta intrigante equação: o facto de Kolomoysky, o patrão mediático e financiador da campanha presidencial de Zelensky, que ajudou a fundar e sustenta com verbas principescas os grupos nazis ucranianos, entre eles o Azov, ser também o presidente da Comunidade Judaica Unida da Ucrânia? A memória da chacina de dezenas de milhares de judeus pelo nacionalismo integral que governa o seu país certamente não o incomoda.

A farsa durou pouco

Entretanto, as virtuais boas intenções «pacifistas» de Zelensky usadas na campanha de mentira dissiparam-se logo que tomou posse. A partir daí a superestrutura nazi-banderista que manda em Kiev decidiu que era tempo de acabar com a rábula e os fingimentos

Bastou a primeira deslocação presidencial para Leste depois das eleições, com destino a Zolote, na chamada zona cinzenta de separação entre os dois lados em conflito, para as dúvidas se dissiparem.

Recebido pelos comandantes do Azov e outros agrupamentos nazis envolvidos na campanha «Não à capitulação» – contra os Acordos de Minsk e outras iniciativas para atenuar as tensões militares -, Zelensky chegou ainda a defender uma redução dos armamentos presentes na linha da frente, de modo a gerar um ambiente de confiança, ainda que ténue, susceptível de prolongar por mais algum tempo o período sem guerra aberta. A resposta dos comandantes nazis foi de extrema dureza contra o presidente e os vídeos da altercação rapidamente correram os meios de comunicação nacionalistas e as redes sociais, gerando uma poderosa vaga de intimidação e chantagem contra o novo titular nominal do poder em Kiev.

Andriy Biletsky prometeu mobilizar novos contingentes de milhares de paramilitares para contrariar as sugestões de Zelensky e depois comandou a marcha sobre Kiev contra hipotéticos esforços de paz; um deputado do partido de Porochenko fez uma intervenção parlamentar ameaçando que uma granada lançada por um membro de um grupo «patriótico» poderia explodir em qualquer lado, até junto do presidente; Dmytro Yarosh afirmou, recorda-se, que as supostas intenções de paz do chefe de Estado «são perigosas para nós» – e também para o próprio, que poderia ser «pendurado numa árvore».

Tudo voltou então aos tempos de Porochenko, segundo o qual o governo da região ocidental da Ucrânia nunca pensou em cumprir os Acordos de Minsk, assinados apenas para «ganhar tempo» e reforçar a guerra contra o Donbass. Entre Porochenko e Zelensky diluíram-se as diferenças, mesmo que improváveis; e em Kiev continuaram a mandar os mesmos de sempre.

Foi isso que aconteceu a partir do momento em que Zelensky ficou refém da teia nazi envolvendo o Estado ou então se converteu definitivamente à «ordem nacional» herdada de Dontsov, Bandera e outros nacionalistas integrais homens de mão do expansionismo do III Reich.

Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida «ordem internacional baseada em regras». Nacionalismo integral ucraniano e nazismo, uma velha parceria, como sempre útil às tentações hegemónicas, sejam da Alemanha de Hitler ou do império ocidental comandado pelo regime dos Estados Unidos da América. Afinal, o verdadeiro Estado pária e terrorista, como mais uma vez ficou demonstrado ao bombardear os gasodutos Nord Stream.

«Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida "ordem internacional baseada em regras".»

Zelensky tornou-se inimigo da paz até ao sacrifício do último ucraniano; transforma sistematicamente os colaboracionistas nazis em «heróis nacionais», acha que os ucranianos têm todo o direito a ser banderistas porque isso «é fixe», deixou a sua assinatura na lei racista dos «povos indígenas» ou autóctones, eliminou os partidos de oposição, esvaziou as bibliotecas ao destruir milhões de livros, permitiu que se criasse aquilo que a Rádio Europa Livre – imagine-se! – qualifica como «uma atmosfera arrepiante para os jornalistas».

Para não deixar dúvidas quanto à sua posição, negando totalmente o que prometera na campanha eleitoral, Zelensky convocou em Outubro de 2019 uma reunião de trabalho com o pleno dos grupos terroristas nazis. «Encontrei-me hoje com os veteranos», explicou o presidente. «Estiveram todos presentes, o Corpo Nacional, o Azov, toda a gente». Anote-se a veneração e o respeito que Zelensky expressou em relação aos interlocutores, tratando-os como «veteranos».

Em 1 de Dezembro de 2021, o chefe nominal do regime da Ucrânia condecorou como «herói nacional», em pleno Parlamento, o comandante do Sector de Direita, Dmytro Kotsubaylo. O seu grupo fuzila os soldados ucranianos quando tentam desertar; Kotsubaylo costuma «brincar» com os jornalistas dizendo que «os meus homens alimentam-me com ossos de crianças que falam russo». É-lhe atribuído o lançamento da campanha «Não à capitulação».

Pouco antes desse acto, Zelensky fez-se representar, tal como o seu ministro da Defesa, no funeral de Orest Vaskoul, antigo membro do ramo ucraniano das SS alemãs. A alma do falecido criminoso de guerra foi encomendada ao Senhor pela Igreja Autocéfala da Ucrânia, entidade responsável pelas doutrina e liturgia de uma religião de Estado assente nos mitos nacionalistas integrais, enquanto os esbirros do regime destroem templos e perseguem politicamente os dignitários da Igreja Cristã Ortodoxa, a mais seguida pelos ucranianos religiosos, com o senão de ter sede em Moscovo. A urna do SS Vaskoul foi coberta com a bandeira da Ucrânia.

E chega o Colar da Liberdade para o ditador

É a um sociopata capaz de gestos doentios como estes, cujo conhecimento está bem à disposição de quem tem espírito livre para avaliar todos os ângulos de causas, efeitos e comportamentos, que o venerando chefe de Estado de Portugal, recuando para a obscenidade de atitudes próprias do seu antecessor Thomaz, decidiu entregar a Ordem da Liberdade. Uma consagração da qual não são dignos, segundo os critérios de Belém, tantos dos corajosos militares que fizeram o 25 de Abril.

Não bastava o inqualificável Zelensky ter perorado em S. Bento em pleno período das comemorações do 25 de Abril, aliás para insultar este mesmo movimento libertador comparando-o ao golpe fascista de Maidan. Agora, o chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados, livros eram impublicáveis, retirados de circulação ou destruídos, os meios de comunicação censurados, sujeitos a uma programação única, jornalistas presos; e a PIDE, inspirada e treinadas pela Gestapo nos alvores da sua existência, revive hoje na SBU ucraniana, que tem iguais mestres e metodologias.

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O 25 de Abril e o convidado neonazi

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

CréditosManuel de Almeida / EPA

Vamos ver se nos entendemos.

Sem meias palavras, sem reticências, sem redundâncias nem floreados.

Exactamente 48 anos depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, que derrotou o fascismo em Portugal, a Assembleia da República, dita «a casa da democracia», decidiu convidar para discursar o chefe nominal de um aparelho de poder nazi.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não é um democrata. Foi designado em eleições não democráticas uma vez que parte significativa do eleitorado não teve condições para votar devido à guerra imposta pelo regime do mesmo Zelensky em várias regiões do país.

O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs em chacinas de milhares de polacos, judeus e cidadãos soviéticos – ucranianos e russos. Stepan Bandera, um dos colaboracionistas hitlerianos mais carismáticos dos anos quarenta, é hoje o «herói nacional» da Ucrânia de Zelensky e a figura de referência dos grupos políticos, militares e dos esquadrões da morte que sustentam o regime.

«O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs»

O regime dirigido por Volodymyr Zelensky proibiu o Partido Comunista da Ucrânia. Já depois disso interditou mais 11 partidos. Aleksander e Mikhail Kononovich, dirigentes da União da Juventude Comunista Leninista (organização proibida) estão presos às ordens da polícia política (SBU) e há notícias de terem sido torturados. Denis Kirev, membro da delegação ucraniana às negociações em curso com a Rússia, foi assassinado numa rua de Kiev pela polícia política depois de ter sido designado como «suspeito de traição». Recentemente foi a vez de Viktor Medvedchuk, um dos dirigentes do partido de oposição Plataforma de Oposição – Pela Vida, com a prisão do qual Zelensky atingiu o grau da ignomínia, propondo entregar à Rússia o seu adversário, um cidadão ucraniano, em troca de compatriotas seus feitos prisioneiros pelos russos.

O actual chefe da contra-espionagem do SBU, Oleksandr Poklad, nomeado por Zelensky em 2021, conhecido por «Estrangulador» devido à sua forma favorita de torturar prisioneiros, é uma personagem comprovadamente ligada ao crime organizado, aos vários grupos nazis que orbitam na presidência, e acusado de execuções extrajudiciais. Foi condecorado por Zelensky com a «Ordem da Coragem». O presidente ucraniano também agraciou recentemente, em pleno Parlamento de Kiev, o comandante do Batalhão nazi Azov, um corpo integrado na Guarda Nacional, que compareceu ao acto envergando farda de combate.

Entre as mais recentes nomeações de Zelensky destaca-se a de Dmitry Yarosh, fundador e dirigente de organizações nazis, designadamente o Sector de Direita, como conselheiro do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valerii Zalushnyi. A 1 de Março passado o presidente ucraniano substituiu o governador regional de Odessa por Maksym Marchenko, um ex-comandante do neonazi Batalhão Aidar que está acusado de crimes de guerra cometidos na região do Donbass.

Sobre a relação do regime de Zelensky com a democracia, a população do país e as opiniões divergentes pode ler-se num Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: «O ACNUDH documentou alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e incomunicáveis, tortura e maus-tratos perpetrados com impunidade por polícias ucranianos, principalmente por elementos do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Também um relatório publicado pelo Departamento de Estado norte-americano reconhece o seguinte: «A ONU observou deficiências significativas nas investigações sobre abusos de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança do governo […] em alegações de tortura, desaparecimentos forçados, detenção arbitrária e outros abusos supostamente perpetrados pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Ou ainda, segundo o mesmo relatório: «Nenhuma justiça, verdade ou reparação foi alcançada para qualquer uma das vítimas de desaparecimento forçado, detenção secreta e tortura de civis pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) e nenhum suspeito foi processado».

Descrições que fazem lembrar singularmente as práticas de Pinochet e de outros regimes afins. Os quais, ainda que com algum pudor, são qualificados como fascistas pela generalidade dos poderes ocidentais.

O nacionalismo ucraniano, de que Volodymyr Zelensky é presentemente o representante nominal máximo, assenta ideologicamente no conceito de «nação pura» defendido pelo integralismo fundador e reproduzido actualmente na obra de Andryi Biletsky, fundador do Batalhão Azov, sobre a necessidade de uma «cruzada branca», no imediato contra os «negros da neve», uma das designações usadas para os ucranianos de origem russa. As suas ideias servem de base doutrinadora nos acampamentos da juventude organizados por entidades governamentais e nos quais se ministra treino militar às crianças.

As marchas com tochas organizadas regularmente em Kiev e Lvov para homenagear a memória do nazi e «herói nacional» Stepan Bandera, com numerosas estátuas e nomes de avenidas em todo o país, fazem-se ao som de gritos de «enforquem os russos», «morte aos russos».

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 Créditos

Zelensky e Putin

O domínio nazi sobre o aparelho governamental de Zelensky é minimizado, branqueado ou mesmo ridicularizado pelas castas dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia, que assim se tornam cúmplices das suas acções. O nazismo ucraniano não é branqueável, não deixa de existir por não ser noticiado e não se torna inofensivo por assim ser tratado pela propaganda de guerra. Nem se torna democrático pelo facto de as suas organizações e grupos de extermínio serem treinados por instrutores de países da NATO e armados por governos de países da NATO, incluindo Portugal, situação que já não é possível negar.

Dar foco a esta realidade é uma atitude qualificada em tempos de censura, opinião única e coacção ideológica como um apoio às práticas criminosas do regime russo chefiado por Vladimir Putin.

Trata-se de uma das mais sujas e intelectualmente desonestas manobras de propaganda de guerra e de instrumentalização das populações norte-americana e europeias no interesse do globalismo neoliberal e do seu sector de ponta – a produção e tráfico de material de guerra.

Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa. A invasão russa da Ucrânia, iniciada oito anos depois, é uma nova fase da guerra, alegadamente para proteger essas populações na iminência de um novo assalto de Kiev. Moscovo afirma que se trata de uma operação inspirada no conceito R2P, Responsability to Protect (Responsabilidade de Proteger), criado para justificar guerras lançadas pela NATO, designadamente na ex-Jugoslávia e na Líbia.

«Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa»

Não, escrever o que ficou escrito não significa «estar do lado» da Rússia.

A invasão russa é criminosa. Viola o Direito Internacional. Torna as populações civis inocentes de toda a Ucrânia – e não desta ou daquela região – reféns de interesses oligárquicos, ocidentais e orientais, que tiram proveito da guerra.

Vladimir Putin chefia uma corte de oligarcas. Não é um democrata, manipula eleições; é um político nacionalista, um autoritário de extrema-direita, anticomunista e antissocialista que tem vindo a ganhar peso reactivando raízes tradicionalistas e ideologicamente reaccionárias da Rússia profunda. Putin e o seu regime estão fechados aos direitos das minorias, às acções e lutas que derrubam velhos tabus sociais, culturais e de género; o Kremlin recria uma mentalidade czarista com suporte numa economia neoliberal instalada por assessores e conselheiros norte-americanos que rodearam o presidente Ieltsin logo a seguir à extinção da União Soviética. Foi a época do saque e da rapina do aparelho soviético – que afinal não parecia ser tão «obsoleto» como diziam – da qual a Rússia ainda está longe de se recuperar e que deixou a esmagadora maioria da população à mercê dos interesses da casta oligárquica estrangeirada que efectivamente criou Putin.

Putin é um senhor da guerra. Biden, Stoltenberg, Von der Leyen serão senhores e senhora da paz? E Borrell, chefe da política externa da União Europeia, para quem a guerra só tem solução militar? Apoia soluções negociadas como boicotou os Acordos de Minsk?

Este quadro não faz de Zelensky um democrata nem iliba o seu regime das responsabilidades pela guerra no Leste do país, da limpeza étnica, da xenofobia contra as populações russófonas, de ser um instrumento de um sistema nazi inerente às raízes nacionalistas ucranianas.

Zelensky é um produto da oligarquia ucraniana que tomou conta da independência do país. Comediante de origem, é um político formado na ficção televisionada, uma criação do oligarca e banqueiro nazi Ihor Kolomoysky, que por sinal tem igualmente nacionalidade israelita o que demonstra como o mundo dá muitas voltas e os interesses pessoais e de casta são maleáveis.

A situação na Rússia também não serve de argumento sustentável para que a NATO, ao longo dos anos, tenha cercado o país com tropas e moderno material de guerra através de sucessivas operações ofensivas apresentadas, como habitualmente, sob chancela «defensiva». A mesma NATO que nos últimos dias da União Soviética prometeu a Gorbatchov que não iria expandir-se para oriente da linha Oder-Neisse e que depois disso engoliu quase todos os países até às fronteiras ocidentais russas. Uma das excepções foi a Ucrânia – o busílis da questão, como sabemos. Outros estão na calha, reforçando as provocações e ameaças atlantistas, a confirmarem-se os próximos pedidos de adesão da Suécia e da Finlândia.

A criação deste cenário não augurava e não augura nada de bom. Para já, as vítimas são os ucranianos, sejam quais foram as suas origens nacionais, com os quais nem as oligarquias russas nem ocidentais se incomodam, a não ser como peças de uma propaganda suja, desumana e orwellianamente manipuladora. Por este andar, se as forças da paz de todo o mundo, mas principalmente da Rússia e da Europa, não travarem uma tão insana vertigem de irresponsabilidade, as próximas vítimas seremos todos nós.

Cravos vermelhos sobre as bancadas vazias do Parlamento durante a sessão solene comemorativa dos 46 anos da Revolução de 25 de Abril na Assembleia da República, em Lisboa, a 25 de abril de 2020. As comemorações do 25 de Abril no Parlamento realizaram-se este ano com número reduzido de presenças devido à pandemia em curso. CréditosTiago Petinga / LUSA

Uma agressão ao 25 de Abril

É neste contexto que a Assembleia da República decide receber o instrumento do nazismo na presidência da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Precisamente 48 anos depois do 25 de Abril a «casa da democracia» assinala a queda do fascismo com um convidado oriundo das sombras do nazismo. Em que país estamos? O que se passa pela cabeça dos deputados? Zelensky traz mensagens de democracia e liberdades enquanto o seu regime autocrata e xenófobo persegue, tortura, assassina e faz desaparecer cidadãos – o que acontece desde que foi implantado e nada tem a ver com a agressão russa?

O regime de Kiev é o que é, uma aberração da democracia, características inerentes e ancestrais que são independentes da invasão russa em curso.

«Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo»

Em recente presença no Parlamento grego, o mesmo Volodymyr Zelensky deu voz a dois nazis do Batalhão Azov para elogiarem organizações fascistas e terroristas da História da Grécia. E agora? Teremos outros convidados do presidente ucraniano elogiando a Pide e a Legião Portuguesa na Assembleia da República?

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

As chamadas «democracias liberais» são historicamente complacentes com o fascismo e acabam por sofrer às mãos da besta, como Bertold Brecht bem lembrou. A democracia portuguesa, porém, tem – ou deveria ter – raízes mais profundas uma vez que nasceu de lutas constantes e de um levantamento heróico precisamente contra o fascismo.

Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo.

Há uma particularidade da situação tão ou mais abjecta que esta. A chamada «classe política» e a comunicação social corporativa escolhem como alvos privilegiados da sua propaganda ao serviço do regime de Kiev os deputados e o partido, o PCP, que mostram como o rei vai nu, defendem as soluções de paz de maneira consequente e decidiram não prestar vassalagem ao convidado nazi. Parece ser esse, afinal, um pecado contra a democracia – tal é o ponto a que propaganda consegue chegar para inverter a realidade.

Certamente a «classe política» e a mesma comunicação domesticada deve achar natural que a embaixadora de um aparelho nazi reúna alguns capangas, indivíduos estrangeiros acolhidos de boa-fé, para provocar, desrespeitar, insultar e ameaçar nas ruas de Portugal o partido português que mais se tem batido contra o fascismo, ontem como hoje.

Afinal em que país estamos? Em nome da dignidade, do patriotismo, da democracia e do 25 de Abril os portugueses não podem permitir que uma situação como esta se mantenha. É hora de afirmar, sem peias nem hesitações, que há limites para a subserviência, para a mentira, para as ingerências, os abusos de confiança, as manobras que pretendem identificar a verdadeira luta pela paz, a autêntica denúncia da guerra, independentemente de quem a provoca, com o apoio às campanhas criminosas de Putin. Entre a Rússia e a Ucrânia escolhe-se a paz: não há outro caminho.

Já é altura de mobilizar esforços para combater de maneira afirmativa, desassombrada e eficaz a cortina de ferro da propaganda de guerra e da instrumentalização de opiniões. O silêncio, o conformismo e a inacção dos portugueses perante a sucessão de aberrações que estamos a viver são fatais para a democracia.

José Goulão, AbrilAbril

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Com esta decisão anunciada, o Chefe de Estado insulta o 25 de Abril, agride os portugueses, humilha os antifascistas. Sabemos que o homem «dos afectos», com a veia populista entranhada de uma maneira indisfarçável por qualquer manobra de imagem e marketing, não nutre carinho especial pelo movimento libertador de há quase 50 anos. Confirma-se por estes dias aquilo de que fortemente se suspeitava: Marcelo não era um corpo estranho no reino de Marcello; afinal a «democracia orgânica» do padrinho confunde-se, através do afilhado e da classe política novembrista, com a «democracia liberal» em que vegetamos. Será que o processo de hipnotização da sociedade está tão arreigado e capaz de permitir que passe em claro e sem resposta este gesto presidencial autocrático, aberrante e anacrónico?

Já depois de iniciada a acção militar russa na Ucrânia tendo como um dos objectivos proclamados pelo presidente russo, Vladimir Putin, a «desnazificação» deste país, em 22 de Abril de 2022 o caçador de nazis e director do Centro hebraico Simon Wiesenthal para investigação do nazismo, Ephraim Zuraff, declarou: a intenção declarada por Moscovo «não é propaganda russa, longe disso; existem neonazis na Ucrânia (…) é um absurdo ignorá-lo».

Os dirigentes ocidentais, incapazes de viver sem a arrogância elitista, o espírito autoritário de seita globalista e a cleptomania colonial/imperial não poupam armas, dinheiro, mentiras e a sanidade mental dos cidadãos para apoiar e sustentar um indivíduo como Volodymir Zelensky e a teia terrorista neonazi que lhe mexe os cordelinhos. É sina das chamadas democracias liberais abrirem as portas ao nazismo, ontem como hoje, sem medirem as consequências, convictas de que outros podem alcançar o que tanto desejam: aniquilar a União Soviética através dos nazis alemães; destruir a Rússia por via dos nazis ucranianos. É sina dos povos sofrerem as trágicas consequências de tamanho obscurantismo, de tanta inconsciência e irresponsabilidade ao serviço da ganância de minorias que nunca estarão satisfeitas. Ganância confundida, como sintoma da degeneração dos comportamentos ocidentais dominantes, com «uma forma superior de civilização».

Desta feita, porém, essas minorias põem em risco a existência da humanidade e do próprio planeta. E desmantelam qualquer legitimidade «democrática». O que aliás está implícito no comportamento da não eleita e autocrática Comissão Europeia, seguido pelos governos dos Estados membros, de Leste a Oeste.

A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver. É a cegueira induzida como um dos sustentáculos da opinião única e um meio de asfixiar a liberdade de observar, pensar e formar juízo próprio. É o autoritarismo avançando ao ritmo da aposta transnacional no fascismo/nazismo, o mundo ideal e totalitário da plenitude neoliberal. As chamadas crises da inflação e energética são apenas danos colaterais no caminho para uma tragédia que está apenas no início e que os cidadãos ainda podem barrar – se acordarem a tempo ou conseguirem sacudir a cegueira em que, passivamente, aceitaram mergulhar. «Livres são aqueles que pensam, não aqueles que obedecem», ensinou-nos o eterno Eduardo Galeano.

«A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver.»

Afinal, Zelensky é apenas um palhaço rico canastrão que tem como pièce de résistance da sua arte o número de tocar piano com os genitais. Os verdadeiros criminosos são os que fazem dele um herói e atacam os seus próprios povos para o instrumentalizar e manterem uma ordem que lhes permite continuarem a assaltar o mundo. Há sinais de que a garotice birrenta, sempre reivindicativa, insatisfeita e exigente do presidente ucraniano, letal para o seu povo, começa a impacientar e constranger os seus donos, até mesmo em Washington, ao ritmo dos maus resultados militares para a NATO e da crise que revolta cada vez mais as populações. O ambiente de velório em que decorreu a recente cimeira do Fórum Económico Mundial de Davos foi um indício revelador. Mas não existem quaisquer sinais de correcção da rota suicida.

Com as contradições de governantes venais perante Zelensky podem os cidadãos bem; os autocratas que tentam sequestrar a democracia talvez estejam a pressentir, sem o assumirem, o fracasso da estratégia de guerra – a guerra nunca é solução, asseguram, com razão, os defensores da paz, tão vilipendiados mas que teimam, continuarão a teimar e nunca desistem. Importantes, sim, são as reacções dos povos da Europa, que começam a sair do imobilismo autodestrutivo. É um passo importante, cada vez mais determinante, e que pode ser decisivo para derrotar o nazifascismo uma vez mais.

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Faltou Ventura, por exemplo. Ao que se diz por “castigo” do próprio SS por causa do comportamento arruaceiro dos neo-salazaristas durante a visita de Lula da Silva à Assembleia da República. Reacção injusta, prepotente mesmo do presidente parlamentar, uma vez que os protestos indignados dos deputados neofascistas se deveu a uma defesa intransigente da Ucrânia de Kiev, uma causa ameaçada com a visita de tão perigoso “pacifista”. Dir-se-á, recorrendo aos saberes da Psicologia, que SS teve uma reacção “em espelho” com o seu rival populista da ala direita do hemiciclo. Nessa matéria ambos competem, sem hipóteses, com o venerando Chefe de Estado; é o populismo sarrafeiro contra a sua variante elegante, com “afectos” e um savoir faire que vem do berço. Que melhor prova desse fosso do que a outorga de uma das mais importantes condecorações portuguesas ao presidente do regime ucraniano? Não há competição possível.

Outra omissão desnecessária no grupo excursionista foi a do deputado Tavares, especialista em liberdades. Sem dúvida que a diligência em Kiev desenvolvida em nome da Casa da Democracia poderia, e deveria, ter sido enriquecida com o contributo abalizado, um case study do eminente historiador federalista sobre o banderismo democrático, fusão vanguardista entre o nazismo e a democracia. Enfim, um talentoso prestidigitador indevidamente esquecido.

Talvez por ser pensada à pressa, a delegação não incluiu o caceteiro Mário Machado. Nestas operações, é sempre uma ajuda recorrer a facilitadores que são profundos conhecedores do ambiente de Kiev comandado por entidades como os batalhões Azov, Aidar, Sector de Direita, C-14 e alguns outros. Um tradutor familiarizado com as práticas nazis em nove anos de acção no terreno seria muito útil. Uma falha de SS.

Faltou também Juan Guaidó, esse fascista protegido político de Santos Silva, reconhecido temporariamente como presidente da Venezuela sem ter sequer concorrido a eleições, apenas porque assim o determinou a Casa Branca. Dizer que o actual presidente da Assembleia da República e o governo de que então fazia parte foram coniventes com uma tentativa de golpe em Caracas é um disparate, porque se tratou apenas de tentar repor a ordem democrática para corrigir a decisão equivocada do povo venezuelano ao eleger de maneira legítima e transparente alguém que, segundo as regras do Ocidente global, nunca poderia ser presidente.

Guaidó estaria certamente disponível para a viagem, aborrecido como se sente no exílio em Miami depois de ter sido expulso da Colômbia agora que o seu amigo e comparsa Duque, um dos operacionais da tentativa de golpe, foi apeado por vontade dos colombianos. A propósito, estará SS em condições de informar finalmente os portugueses sobre os resultados do inquérito ao estranho desembarque de Guaidó em Lisboa, num avião da TAP, acompanhado por um familiar transportando engenhos perigosos e inadmissíveis num voo civil? Ou afinal nem sequer se fez o logo prometido inquérito?

Uma missão colonial

As fronteiras da Ucrânia “são as da liberdade e segurança”, sentenciou SS depois do encontro da sua quina com o presidente Volodymyr Zelensky, uma figura com que há sempre muito a aprender em matéria de integridade política porque foi eleito defendendo activamente os acordos de paz de Minsk sabendo que nunca iria aplicá-los, como confessou depois. Na esteira de Merkel, François Hollande e do seu antecessor Porochenko, subscritores de má-fé de um tratado de paz com o objectivo de fazer a guerra, tal como a que aí está.

«Dizer que o actual presidente da Assembleia da República e o governo de que então fazia parte foram coniventes com uma tentativa de golpe em Caracas é um disparate, porque se tratou apenas de tentar repor a ordem democrática para corrigir a decisão equivocada do povo venezuelano ao eleger de maneira legítima e transparente alguém que, segundo as regras do Ocidente global, nunca poderia ser presidente.»

Liberdade e segurança: dir-se-ia que as mesmas buscadas por Hitler quando as suas tropas foram enviadas para destruir a União Soviética. Além disso, assegurou Santos Silva, a Ucrânia e Portugal são ambos países “europeus e ocidentais”, uma genial e poética imagem de patética transmutação geográfica; e, acrescentou, a Rússia “não tem de sentir-se ameaçada com o alargamento da NATO”. Parece ser um pouco colonial esta mentalidade de dizer aos outros, escaldados com invasões distribuídas por oito séculos, como devem sentir-se quando cercados pelo mais agressivo aparelho militar alguma vez reunido – agora ainda reforçado com a inclusão, de facto, da imensa e vizinha Ucrânia colocada em mãos nazis; mas assim funciona a ordem internacional baseada em regras que faz mover o presidente da Assembleia da República, sempre às ordens de Washington.

O que foi um quase imperceptível tique de colonizador transformou-se logo a seguir numa aberta operação colonial com a qual a quina lusitana ficou comprometida. SS prometeu ao chefe do regime da Ucrânia Ocidental que implicará a “democracia portuguesa” no esforço para fazer mudar a opinião dos países africanos e da América Latina sobre a guerra ucraniana. Parece que eles sentem o assunto “distante” e “apenas europeu”, lamentou Santos Silva, provavelmente incapaz de julgar possível que outros pensem e actuem de maneira soberana, segundo os seus interesses específicos e de acordo com as próprias cabeças.

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NATO estende a guerra da Ucrânia à Síria

As actividades de guerra contra a soberania síria têm potencial para ser rastilhos de uma provocação anti-russa que os belicistas da NATO, empenhados em transformar a situação na Ucrânia numa «guerra sem fim», considerem necessária.

Membros do grupo terrorista denominado Maghawir al-Thawra treinam na região síria de al-Tanf, ilegalmente ocupada pelos EUA, junto à fronteira com o Iraque e a Jordânia (imagem de arquivo) 
Créditos / PressTV

Segundo relato recente da revista norte-americana Newsweek, dois caças F-16 da Força Aérea dos Estados Unidos interceptaram dois aviões de combate russos SU-34 quando estes se preparavam para atacar instalações onde terroristas do ISIS ou «Estado Islâmico» fabricam bombas para alimentar a guerra na Síria. A missão antiterrorista da aviação da Rússia ficou por cumprir.

A guerra da Síria está «quase resolvida» a favor de Damasco, isto é, do governo legítimo do país, reconhece também a Newsweek, que chega a defender a retirada dos efectivos militares norte-americanos dos territórios e das bases que ocupam ilegalmente.

Pressente-se, porém, que amanhã não será a véspera do dia em que se cumprirá a inusitada mas significativa sugestão dessa revista «de referência» da rede mundial de informação corporativa. Existem indícios indisfarçáveis de uma reactivação em território sírio dos grupos terroristas com franquias da al-Qaida e do ISIS, embora sob outras designações. Foram branqueados através de operações de rebranding tecnocrático produzidas em Washington e Londres para continuarem as suas missões de banditismo como braços da NATO, organização que tenta, cada vez com maior insucesso, esconder essa «clandestinidade» da opinião pública. Tal como fez com as operações «stay behind», como a Gladio, ao longo da sua história.

«A situação na Síria, porém, é de uma delicadeza extrema, embora tenha parecido estagnada durante os tempos mais recentes – uma imagem deturpada pela falta de interesse da comunicação social dominante quando percebeu que o governo de Damasco não foi derrotado.»

O incidente entre os aviões russos e norte-americanos, um inquietante episódio de enfrentamento militar entre as duas grandes potências, não foi o primeiro, e não será certamente o último, no teatro de guerra sírio. Existem, é certo, canais próprios entre os contingentes dos dois países de modo a tentar evitar que situações desse tipo evoluam para choques directos susceptíveis de gerar a escalada belicista pretendida por alguns lunáticos neoconservadores que gerem a administração Biden. Esses canais funcionaram recentemente, recorrendo de novo à Newsweek, quando aviões russos bombardearam acampamentos de mercenários do ISIS acolhidos e treinados na base norte-americana de al-Tanf. A guarnição dos Estados Unidos foi avisada previamente e não se registou qualquer baixa entre os efectivos do Pentágono.

Situação propícia

A situação na Síria, porém, é de uma delicadeza extrema, embora tenha parecido estagnada durante os tempos mais recentes – uma imagem deturpada pela falta de interesse da comunicação social dominante quando percebeu que o governo de Damasco não foi derrotado.

As importantes vitórias conquistadas pelas tropas sírias durante os últimos anos, sobretudo a partir do momento em que Damasco solicitou o apoio militar da Rússia, em 2015, deslocaram decisivamente o fiel da balança de guerra para o lado da soberania síria. Muitas foram as ocasiões em que os agressores ocidentais reconheceram a derrota militar – mais uma – inclusivamente em Washington, mas o quadro geral resultante não ficou plenamente clarificado. Embora o poder de Damasco se exerça na maior parte do território, a soberania síria não se estende ainda a todo o país. Mantém-se alguma fragmentação, circunstância que cumpre parcialmente um dos principais objectivos originais da agressão cometida pelos Estados Unidos e a NATO através dos mercenários «fundamentalistas islâmicos», seus procuradores.

«A diminuição da actividade militar russa na Síria na sequência do envolvimento militar de Moscovo na Ucrânia está a ser aproveitada pelos Estados Unidos e pela Turquia para tentarem recuperar de algumas perdas sofridas no auge da guerra.»

A situação geral tem, portanto, muitos ingredientes que, de um momento para o outro, podem reactivar o conflito em proporções há muito não registadas. Além disso, segundo desenvolvimentos que se percebem no terreno, a Síria pode vir a servir como uma reserva estratégica de guerra a explorar pela NATO em conformidade com o andamento do conflito na Ucrânia.

Existe pelo menos um resultado imediato da coexistência dos dois conflitos. A diminuição da actividade militar russa na Síria na sequência do envolvimento militar de Moscovo na Ucrânia está a ser aproveitada pelos Estados Unidos e pela Turquia para tentarem recuperar de algumas perdas sofridas no auge da guerra.

Ancara alimenta continuamente a interligação entre as suas tropas no terreno e os efectivos terroristas do Hayat Tahrir al-Sham (al-Qaida) na província de Idlib, um enclave sírio ocupado e governado pela NATO através deste grupo. O Hayat Tahrir al-Sham é efectivamente um heterónimo da al-Qaida, repaginado como «moderado» a partir do momento em que o seu chefe, Abu Mohammad al-Jolani, conhecido pelos crimes bárbaros contra civis, envergou um fato ocidental para ser entrevistado no programa «Frontline» da cadeia pública de televisão dos Estados Unidos PBS, uma emanação propagandística da CIA. Foi um happening para consumar a regeneração milagrosa de um criminoso sanguinário, testemunho inquestionável dos prodígios apenas ao alcance de uma «civilização superior» como é a ocidental.

A Turquia e os Estados Unidos continuam a aproveitar a ocupação terrorista de Idlib como alfobre de mercenários transferíveis para outras áreas de conflito. Isso aconteceu anteriormente na Líbia para impedir que as milícias do governo da região da Cirenaica concluíssem a sua ofensiva até Trípoli, onde pontifica um governo da Irmandade Muçulmana protegido por Ancara.

Nos últimos meses, Ancara e Washington injectaram um número avultado de terroristas da al-Qaida/Tahrir al-Sham na Ucrânia, onde têm combatido em ligação operacional com as milícias nazis de Kiev. Mercenários «fundamentalistas islâmicos» foram detectados, por exemplo, nos combates por Mariupol – e alguns deles acabaram detidos pelas tropas russas quando abandonaram a siderurgia de Azovstal.

«Nos últimos meses, Ancara e Washington injectaram um número avultado de terroristas da al-Qaida/Tahrir al-Sham na Ucrânia, onde têm combatido em ligação operacional com as milícias nazis de Kiev.»

Nem só de Idlib se deslocaram terroristas «islâmicos» para a Ucrânia. Aconteceu movimento semelhante com efectivos reciclados do ISIS que têm sido acolhidos e treinados na base norte-americana de al-Tanf e em outros redutos ocupados ilegalmente por tropas dos Estados Unidos na Síria. Também estes grupos do «Estado Islâmico» receberam uma reconversão de fachada. Agora actuam sob a designação de Magavir al-Saura, não deixando de ser o que são – terroristas do ISIS.

Como se percebe, a ocupação ilegal de áreas da Síria por tropas da NATO pode vir a servir de reserva estratégica em interligação com o envolvimento directo da aliança na defesa do regime ucraniano de tutela nazi.

Outras actividades de guerra contra a soberania Síria prosseguem no terreno. Todas elas têm potencial para ser rastilhos de uma grande provocação anti-russa que os belicistas da NATO, empenhados em transformar a situação na Ucrânia em mais uma «guerra sem fim», possam considerar necessária – nem que seja como fruto do desespero suscitado pela derrota de Kiev em desenvolvimento. Depois do fracasso militar no Afeganistão e dos insucessos no Iraque; tendo em conta a situação na Síria, ainda assim um grande falhanço da agressão ocidental; e perante as fragorosas derrotas no Donbass às mãos de efectivos russos, que representam uma percentagem menor do poder militar total de Moscovo, a administração Biden e os falcões neocons agregados ao Partido Democrata necessitam de qualquer coisa em grande que supostamente os ajude nas eleições intercalares de Novembro. A previsível perda da maioria no Congresso será terrível para uma administração Biden em estado de desgraça.

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A cimeira do desespero e do terror

A Cimeira da NATO em Madrid teve o que é de esperar dos que ainda se julgam donos do mundo para ditar aos súbditos na Terra como vai funcionar a «ordem internacional baseada em regras». Não disfarçaram, porém, um alarmado desespero.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky (no ecrã), fala durante a Cimeira da NATO em Madrid, a 29 de Junho de 2022 
CréditosJuan Carlos Hidalgo / EPA

Foi um desfile de arrogância, ameaças, irresponsabilidade, insensibilidade para com as pessoas, alto risco para o planeta – de terror. A Cimeira da NATO em Madrid teve tudo o que é de esperar dos donos do mundo (ou que, pelo menos, ainda se julgam como tal) para ditarem aos súbditos na Terra como vai funcionar a partir de agora, mas sempre sob chuvas de balas e de mísseis, a «ordem internacional baseada em regras». A peça e a encenação, com fausto aristocrático – e repercussões mentais a condizer – servidas por uma oligarquia globalista recolhida numa bolha virtual mais e mais instável, não disfarçaram, porém, um alarmado desespero, maleita que afecta seriamente a organização expansionista pela primeira vez na sua história.

Além desse desespero, e apesar da parafernália de estruturas e meios exibidos para dar ao evento as tonalidades dramáticas de tropas em campanha, a Cimeira da NATO padeceu também de um comprometedor anacronismo, afinal mais uma expressão da teimosia negacionista com que encara as transformações em curso num mundo onde são cada vez mais frequentes (e eficazes) os sinais de irreverência, distanciamento e afirmação soberana. Estas tendências manifestam-se principalmente no interior da esmagadora fracção de mais de 85% do planeta, que tem estado submetida, em maior ou menor grau, à arbitrariedade colonial e imperial – a tal «ordem baseada em regras» usada para subverter o direito internacional e o conceito básico e elementar de igualdade entre países e povos.

«as tais "regras", "valores" e "democracia" fundi[ram-se] num único conceito económico e político, o neoliberalismo selvagem, e numa exclusiva actividade, a da guerra»

As «regras» são, afinal, os «nossos valores partilhados», a «democracia liberal» e outras muletas de oratória esvaziadas de conteúdo e transformadas em ferramentas de propaganda que servem essencialmente para cultivar o medo inibidor e o primado da violência militar à escala global. Daí que as tais «regras», «valores» e «democracia» se tenham fundido num único conceito económico e político, o neoliberalismo selvagem, e numa exclusiva actividade, a da guerra, que o chamado «mundo ocidental» – menos de 15% do planeta – manipula agora desesperadamente, de maneira perigosa e suicida, para travar as transformações internacionais que, por linhas direitas e linhas tortas, já estão a fazer o seu caminho.

O efeito Ucrânia

A causa próxima do desespero entranhado na Cimeira da NATO em Madrid é a maneira como está a correr a guerra que a organização atlantista trava com a Rússia através da transformação cruel da Ucrânia num país mártir, com desprezo absoluto pelo seu povo.

Depois das derrotas humilhantes no Afeganistão e no Iraque, do flagrante insucesso na operação para desmantelar a Síria, da caótica e sangrenta situação deixada na Líbia por uma criminosa agressão militar, a NATO está a perder a guerra na Ucrânia. É um contexto desastroso para a organização que tem como missão garantir o «excepcionalismo» ocidental para grandeza e usufruto dos Estados Unidos da América.

E a única saída que a aliança continua a cultivar, como se percebeu na reunião na capital espanhola, é a acumulação de incentivos de guerra em cima da guerra para prolongar artificialmente um conflito que, segundo um número cada vez maior de analistas militares sérios e objectivos, deveria passar imediatamente à fase de negociações para que uma entidade ucraniana possa continuar a existir e, sobretudo, não se percam mais vidas humanas.

«A organização que se considera o braço armado e global da democracia e dos direitos humanos está disposta a mergulhar os povos dos Estados-membros na pobreza e numa crise económica e social profunda para sustentar um regime nazi, corrupto e falido em Kiev, com um exército em frangalhos.»

Para a NATO, porém, a Ucrânia é terra queimada. A organização que se considera o braço armado e global da democracia e dos direitos humanos está disposta a mergulhar os povos dos Estados-membros na pobreza e numa crise económica e social profunda para sustentar um regime nazi, corrupto e falido em Kiev, com um exército em frangalhos. É uma insistência desgovernada no objectivo declarado de «enfraquecer a Rússia» e mudar o regime político em Moscovo acreditando que assim conseguirá travar a ordem multipolar em construção.

A NATO confirmou em Madrid que ficou encurralada num beco sem saída ao apostar tudo na Ucrânia para derrotar a Rússia. A estratégia está a atingir extremos inimagináveis: Scott Ritter, antigo oficial de inteligência dos Marines norte-americanos e que actuou no Iraque como inspector de controlo de armas ao serviço da ONU, explicou num dos seus últimos artigos que a quantidade de peças de artilharia e de sistemas de lançamento múltiplo de foguetes pedida pelo regime do idolatrado Zelensky à NATO excede o stock de serviço activo do Exército e do Corpo de Fuzileiros dos Estados Unidos juntos; e que os 500 tanques de batalha igualmente solicitados por Kiev superam os stocks combinados da Alemanha e do Reino Unido. Ao mesmo tempo, a República Checa advertiu que já enviou para a Ucrânia todo o material de guerra que tinha desde os tempos do Tratado de Varsóvia. Será que a NATO aposta o que tem e o que não tem à mão numa vitória de Kiev que parece cada vez mais distante enquanto a Rússia continua a progredir no Donbass recorrendo a um dispositivo e a uma estratégia de guerra que correspondem a menos de um quinto das suas forças militares totais?

Se assim for, o desespero atlantista é compreensível, mas também da sua única e exclusiva responsabilidade. Uma notícia que a propaganda oficial naturalmente escamoteou dá conta do gesto repugnante de Zelensky de pedir autorização ao parlamento, o que vale por um decreto porque na «democracia» ucraniana ocidental a oposição está proibida, para que até os cidadãos portadores de deficiências físicas sejam recrutados para as forças de reserva territorial que estão a ser deslocadas, sem qualquer preparação operacional militar, para a frente de combate à medida que as tropas regulares e especiais são aniquiladas. O presidente ucraniano, pelos vistos, ainda não assimilou bem o conceito de direitos humanos e «valores partilhados», mas isso não é problema para a NATO, trancada no seu beco sem saída, uma vez que continua a desconhecer o que são negociações diplomáticas, da mesma maneira que ignorou a existência dos Acordos de Minsk, a chave que teria fechado a porta à tragédia ucraniana.

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NATO actualiza os conceitos: Rússia é «ameaça» e China «desafio»

O convite para a integração de Suécia e Finlândia, o reforço do militarismo e a aprovação de uma estratégia de confrontação com Rússia e China foram elementos centrais da Cimeira da NATO em Madrid.

Chefes de Estado e de governo posam para a fotografia na Cimeira da Nato em Madrid, a 29 de Junho de 2022 
Créditos / PressTV

De acordo com o «Conceito Estratégico» agora aprovado, a Rússia passa a ser designada como a «principal e mais directa ameaça» aos 30 estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).

O bloco militar, que considera a União Europeia (UE) como «um parceiro único e essencial», afirmou que os seus membros decidiram aumentar a presença militar na Europa e, para tal, usam a actual situação de conflito na Ucrânia como pretexto.

No entanto, obliteram os alertas reiterados por parte de Moscovo relativamente ao avanço da NATO para leste. Da mesma forma, a NATO insiste em apresentar-se como uma aliança «defensiva», cujos países-membros ou valores são ameaçados pelas acções de outros.

Tal afirmação passa por cima do bombardeamento da Jugoslávia em 1999 ou, no que respeita à Ucrânia, de relatórios e documentos divulgados na imprensa – emitidos por fontes próximas do Pentágono – que dão conta da intervenção de países da NATO na Ucrânia desde o golpe fascista de Maidan, bem como de «receitas» para provocar e desafiar a Rússia.

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Ucranianos podem continuar a morrer: NATO admite que não quer a paz

A Aliança Atlântica deixou claro que, para defender os seus interesses geopolíticos e debilitar a Rússia, está disposta «a lutar até ao último ucraniano». O WaPo foi explícito e o jornalista Ben Norton também.

Imagem de Mariupol, na região do Donbass 
Créditos / slavyangrad.es

De uma forma que Norton considera «escandalosamente franca», The Washington Post (WaPo) reconheceu que alguns estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) querem que «os ucranianos continuem a lutar e a morrer» para evitar que a Rússia obtenha ganhos políticos.

Numa peça publicada a 5 de Abril último sobre as conversações de paz entre a Ucrânia e a Rússia, o jornal norte-americano revelou que a NATO teme que Kiev ceda a algumas das exigências de Moscovo.

O jornal escreveu: «Para alguns na NATO, é melhor que os ucranianos continuem a lutar e a morrer do que alcançar uma paz que chega demasiado cedo ou a um custo demasiado alto para Kiev e o resto da Europa.»

Tendo em conta «as questões mais importantes de segurança global em jogo», os que apoiam a Ucrânia no Ocidente sublinharam que «há limites para o número de compromissos que alguns na NATO irão apoiar para ganhar a paz», escreveu o jornal, acrescentando que estão dispostos a prolongar a guerra para evitar que as preocupações da Rússia com a segurança sejam satisfeitas.

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EUA provocaram a crise na Ucrânia, defende jornalista norte-americano

Um relatório da Rand Corporation, um dos think tanks que o Departamento da Defesa mais tem em consideração, «receitou» as provocações contra a Rússia e previu as acções de Moscovo.

Créditos / multipolarista.com

Ao analisar o relatório da Rand – publicado em 2019 e intitulado «Overextending and Unbalancing Russia» (esgotar e desequilibrar a Rússia) –, o jornalista norte-americano Rick Sterling afirma que o objectivo dos EUA era minar a Rússia, tal como o fez com a União Soviética no período da guerra fria.

«Em vez de "tentar estar na vanguarda" ou tentar melhorar a situação dos Estados Unidos a nível interno e nas relações internacionais, a ênfase é colocada nos esforços e nas acções para minar o adversário designado, a Rússia», diz Sterling numa análise que publicou dia 27 no portal dissidentvoice.org e também acessível em english.almayadeen.net.

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Ucrânia, o rastilho da Europa

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / Telegraph.ua

A administração colonial formada pelos Estados Unidos e a União Europeia que desde 2014 gere a Ucrânia, com apoio em entidades nazis saudosas de Hitler, criou a maior plataforma de guerra e de provocação que ameaça toda a Europa ao mesmo tempo que transformou o país num espaço de miséria.

Desde 2014 que, à luz do golpe da Praça Maidan dado em nome «da democracia», que Washington e Bruxelas vêm militarizando a Ucrânia recorrendo, sem rebuço nem vergonha, a uma máfia política mergulhada em corrupção e em traficâncias neoliberais; criando assim condições para conduzir uma guerra interna contra as populações russófonas da região do Donbass e desenvolvendo uma atmosfera de hostilidade contra a Rússia e a Bielorrússia propícia às manobras agressivas e provocatórias da NATO.

Nas operações internas tem-se distinguido, pela crueldade exercida contra as populações civis, o instrumento de mão do regime, a Guarda Nacional, corpo criado a partir do golpe de 2014 integrando estruturas retintamente nazis, como é o caso do batalhão Azov. Notícias vindas regularmente a público, mas que não cabem nos pacotes propagandísticos da comunicação social corporativa, dão conta de que estes grupos hitlerianos frequentam as acções de formação ministradas por altos quadros militares norte-americanos e europeus em situação de reserva mas realmente integrados nas estruturas da NATO.

Já em Novembro deste ano o regime de Kiev recebeu mais 60 milhões de dólares em material militar, incluindo 80 toneladas de munições, da administração Biden – a quarta remessa desde Agosto enviada de Washington. Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan, recorrendo principalmente aos serviços de campo de Victoria Nuland, quadro superior do Departamento de Estado envolvida directamente na conspiração, na acção e na formação dos primeiros governos do regime. A propósito desta manobra, na qual os Estados Unidos fizeram questão de exercer exclusividade absoluta, Nuland pronunciou a célebre frase «fuck the UE», um escândalo diplomático entre «aliados» que Bruxelas, fiel à sua subserviência em relação a Washington, reduziu a um não-acontecimento. A expressão foi proferida numa conversa com o então embaixador norte-americano em Kiev, Geoffrey E. Pyatt, agora em Atenas conduzindo as acções de conspiração e provocação nos Balcãs.

«Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan (...)»

O actual presidente norte-americano tem uma forte ligação «sentimental» à Ucrânia. Utilizando o filho Hunter Biden como testa de ferro, Joseph Biden entrou em força nos negócios de petróleo e gás do país; no seu actual governo colocou na mais elevada das posições, a de secretário de Estado, o norte-americano e ucraniano Anthony Blinken. De 2014 para cá têm passado pela administração ucraniana vários ministros e ministras de nacionalidade e ascendência norte-americana, ou mesmo indivíduos com formação nos Estados Unidos e que já foram presidentes de outros países, como o caso do georgiano corrupto Shakashwili.

Desde o golpe de 2014, segundo o actual secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, os Estados Unidos injectaram na Ucrânia mais de 2500 milhões de dólares em material militar, incluindo recentemente os mísseis antitanque Javelin, que já foram utilizados na guerra contra o Donbass, de acordo com Kyrilo Budanov, chefe da espionagem militar de Kiev. Confirmando-se assim que o governo ucraniano tem como política a violação dos acordos de Minsk, que determinam uma solução política e não militar para o conflito na região.

Budanov foi mais longe e assegurou que os mísseis Javelin foram usados igualmente «contra forças russas». Esta afirmação deve ler-se, porém, à luz do facto de Kiev considerar as forças militarizadas de autodefesa do Donbass como «parte do exército russo». Uma asserção que faz parte do discurso provocatório oficial ucraniano.

De realçar ainda que o equipamento das forças militares de influência nazi da Ucrânia foi ainda reforçado recentemente com drones ofensivos Bayraktar, de fabrico turco. O ditador Erdogan é um dos pilares internacionais de sustentação do regime autocrático de Kiev, apesar da crescente degradação das condições económicas do seu país.

Provocação em curso

Há pouco mais de uma semana, os serviços de espionagem norte-americanos municiaram a Comissão Europeia com supostas «informações secretas», segundo as quais a Rússia se prepara para invadir a Ucrânia no início do próximo ano, designadamente a partir da Crimeia e da Bielorrússia.

Embora fazendo parte da alimentação permanente da hostilidade da União Europeia para com a Rússia, esta diligência pode traduzir um novo nível da agressividade da NATO em relação a Moscovo. Há poucos dias, tirando proveito da situação criada com o problema dos refugiados entre a Bielorrússia e a Polónia, a Aliança Atlântica reforçou com mais umas dezenas de tanques o seu dispositivo de guerra alegadamente contra Minsk mas que, em última análise, tem a Rússia como alvo principal.

Na sequência das mais recentes operações militares de Kiev contra o Donbass, utilizando nomeadamente os mísseis de fabrico norte-americano Javelin, como o chefe da espionagem militar ucraniana confirmou, o exército russo reforçou os dispositivos militares na fronteira ucraniana. Algo que Moscovo já fizera anteriormente e que dissuadiu então as forças de Kiev de prosseguirem uma das frequentes ofensivas contra o Leste do país.

Os Estados Unidos pretendem que se interpretem estas movimentações como uma ameaça iminente de invasão da Ucrânia pela Rússia. Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios. A Rússia, recorda-se, está cercada pela presença exorbitante de tropas da NATO nas suas fronteiras, oriundas até de nações muito distantes.

«Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios.»

As acusações de Kiev e da NATO pronunciadas a propósito de supostas intenções agressivas de Moscovo são entre outras coisas, e como é fácil de perceber, cortinas de fumo para tentar resolver militarmente a guerra contra o Donbass e para o reforço cada vez mais intenso do massivo dispositivo da Aliança Atlântica ameaçando a Rússia.

Um regime de miséria

Entre 2013 e 2021 a Ucrânia transformou-se, como um todo, numa das maiores bases militares da NATO. Os armamentos e as capacidades militares presentes no país são absolutamente desproporcionadas e insultuosas em relação às grandes necessidades da esmagadora maioria da população, cada vez mais desprovida de condições essenciais de vida e até de sobrevivência.

O sistema autocrático e castrense instituído em Kiev pela administração colonial de Washington e Bruxelas, em nome «da democracia» e da «ameaça russa», é um regime de autêntica miséria, com estratos sociais reduzidos a uma penúria degradante. A «libertação» consumada a partir da «revolução colorida» de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.

Através de dados recolhidos em fontes como o FMI, o Banco Mundial, o serviço oficial de estatísticas de Kiev e o Banco Central da Ucrânia é possível perceber o estado dramático do país, um cenário inversamente proporcional à riqueza das suas aptidões militares.

De 2013 até 2020, a população da Ucrânia reduziu-se de 45,5 milhões de pessoas para 30,1 milhões – ou mesmo para 28 milhões, segundo fontes diferenciadas.

Dessa redução de 15 milhões na população, cerca de 10 milhões deixaram o país em busca de melhores condições de vida em países da União Europeia e na Rússia. Grande parte dessas pessoas adquiriram já as nacionalidades dos países de acolhimento e chamaram as respectivas famílias. Deixaram, em grande parte, de contribuir para a economia ucraniana.

Os restantes cinco milhões de pessoas a menos traduzem o aumento de mortalidade em relação aos valores médios registados até 2013.

«A "libertação" consumada a partir da "revolução colorida" de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.»

Segundo elementos fornecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano desceu de 183 300 milhões de dólares em 2013 para 155 500 milhões em 2020, ou seja uma queda da ordem dos 15% desde a instauração «da democracia» por Washington e a UE.

O rendimento médio per capita caiu em média de 4030 dólares em 2013 para 3725 dólares em 2020 – 310 dólares por mês (menos de 300 euros). No entanto, a grande maioria da população, cerca de 70%, tem um rendimento mensal de 210 a 215 dólares, isto é, mais ou menos 200 euros. Naturalmente o poder de compra baixou cerca de 20%. Os preços da alimentação e dos medicamentos são os mais elevados em comparação com os dos países vizinhos.

Dados oficiais revelam ainda que um terço da população, 10 milhões de pessoas, sofre de subnutrição; e dois milhões passam fome num país onde as desigualdades continuam a crescer, como é próprio das ditaduras neoliberais.

A indústria ucraniana colapsou 25% e a dependência energética em combustíveis fósseis e electricidade continua a aumentar, sobretudo em relação à Rússia, país com o qual a Ucrânia se diz «em guerra», e à Bielorrússia, país contra o qual funciona como plataforma de conspiração e actividades subversivas.

Apesar de a Ucrânia se ter transformado num paraíso neoliberal, nem sequer se consegue afirmar como um farol para o investimento estrangeiro, antes pelo contrário: esse valor desceu de 5600 milhões de dólares em 2013 para 800 milhões de dólares em 2020, isto é, sete vezes menos do que antes do golpe.

Neste quadro verdadeiramente trágico, a publicação anual Doing Business do Banco Mundial conseguiu encontrar em 2020 um rating de «sucesso» para a Ucrânia. O resultado foi tão pouco convincente que o próprio Banco Mundial veio a considerá-lo depois como «distorcido», levantando assim suspeitas de que terá sido fabricado graças a incentivos financeiros irregulares. O regime ucraniano, de tão protegido pelos seus gestores internacionais, consegue até exportar corrupção, revelando grandes aptidões na matéria.

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO, mesmo sem pertencer formalmente à organização, transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Basta uma faúlha. E a NATO, com a colaboração prestimosa da União Europeia, parece andar à procura da maneira de a atear. Condições e marionetas não faltam na Ucrânia.

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A Rand, um think tank «quase governamental, que recebe três quartos do seu financiamento do Exército norte-americano», listou uma série de medidas anti-russas nas áreas económica, geopolítica, ideológica/informativa e militar.

Sterling destaca a importância da Ucrânia – a vários níveis – para a Rússia e, nesse sentido, afirma que se trata de uma «componente importante do esforço de EUA/NATO para minar a Rússia».

Por isso mesmo, Victoria Nuland, actual subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, disse que os Estados Unidos investiram cinco mil milhões de dólares, ao longo de 20 anos, para «virar» a Ucrânia para a sua esfera de influência.

O culminar desse processo – sublinha Sterling – foi o golpe de Fevereiro de 2014, também conhecido como golpe fascista de Maidan. «Desde 2015, os EUA têm treinado milícias ultra-nacionalistas e neonazis», afirma o jornalista, dando indicação de várias peças que o documentam.

Provocações sugeridas contra Moscovo

O think tank altamente financiado pelo Pentágono sugeriu uma série de provocações contra a Rússia, que foram de facto implementadas. Uma delas foi o aumento da ajuda militar à Ucrânia, que tem vindo sempre a crescer desde 2019. Segundo refere The Hill, no último ano, chegou aos mil milhões de dólares.

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Situação na Ucrânia é «guerra por procuração», admite ex-funcionário da Casa Branca

Um ex-funcionário do Departamento de Estado afirmou que existe uma «guerra por procuração» da NATO com a Rússia e que os soldados russos têm de «se render ou morrer» – «quantos mais e mais depressa, melhor».

Créditos / multipolarista.com

Eliot Cohen, que foi conselheiro de Condoleezza Rice entre 2007 e 2009, no Departamento de Estado da administração de George W. Bush, é conhecido como elemento da chamada «linha dura» entre os conservadores, tendo defendido a guerra contra o Irão e as agressões norte-americanas no Iraque e no Afeganistão.

Num artigo publicado dia 14 na revista The Atlantic, Cohen louva a administração liderada pelo actual presidente norte-americano, Joe Biden, pelo «trabalho admirável» que realizou até agora em diversas frentes, nomeadamente ao «vencer a guerra de informação, mobilizar os aliados da NATO e impor sanções incapacitantes (embora incompletas) à economia russa».

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NATO e nazismo, uma irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e os nazi-fascismos é um facto.

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos mainstream media ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi Wolfsangel na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.
Créditos / twitter

Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?

Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.

«Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália? Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte»

É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.

Vamos então a factos.

Os Irmãos da Floresta

A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer1.

Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.

Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos2.

«é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?»

Pois os Irmãos da Floresta são agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível «ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.

Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3

O regimento Azov

Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo «a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência».

Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe «democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .

O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.

Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.

A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.

Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».

Abdelhakim Belhadj

Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações «libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».

Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.

Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de «libertar Damasco».

Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.

A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.

Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de «democracia» em que vivemos.

Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –, Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.

O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.

Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.

Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.

O santuário nazi de Turim

Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.

O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.

Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.

Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.

A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.

É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.

A grande irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.

Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.

É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.

  • 1. Note-se que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela Alemanha nazi do que os próprios alemães.
  • 2. No período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953. O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua verdadeira natureza.
  • 3. Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
  • 4. O regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista, além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros, saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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E admite claramente que a NATO trava na Ucrânia uma «guerra por procuração», buscada pela Casa Branca. No entanto, critica a actual administração por não fazer o suficiente, defendendo que deve promover ainda mais a escalada do conflito.

Segundo refere o portal multipolarista.com, tendo por base informações divulgadas na imprensa dominante, a administração de Biden enviou para a Ucrânia mais de 17 mil armas anti-tanque, incluindo mísseis Javelin, e 2000 mísseis anti-aéreos Stinger – alguns dos quais foram parar directamente às forças neonazis do Batalhão Azov.

A mesma fonte indica que, depois de ter enviado para a Ucrânia, no final de Fevereiro, armas no valor de 350 milhões de dólares, a Casa Branca aprovou uma pacote de ajuda adicional no valor de 13,6 mil milhões de dólares, em Março, incluindo 6,5 mil milhões em apoio militar.

Uma «inundação» de armas

Para Eliot Cohen, isto não basta. «O fluxo de armas que entra na Ucrânia tem de ser uma inundação», escreveu em The Atlantic.

«Os Estados Unidos e os seus aliados da NATO estão envolvidos numa guerra por procuração com a Rússia», disse. «Estão a fornecer milhares de munições e, esperemos, fazendo muito mais – partilhando inteligência, por exemplo – com o objectivo de matar soldados russos».

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Activistas norte-americanos protestam contra o negócio da guerra

Um grupo de pessoas manifestou-se, esta segunda-feira, na sede da empresa de armamento norte-americana Raytheon Technologies, em Cambridge, Massachusetts, contra o negócio da guerra.

Acção contra o negócio da guerra na sede da Raytheon, em Cambridge, Massachusetts 
Créditos@resist_abolish

No cimo da sede da Raytheon, cinco pessoas penduraram panos em que pediam o fim de todos os conflitos bélicos e denunciavam que a empresa em causa, um dos gigantes da indústria do armamento, lucra com a morte no Iémen, na Palestina e na Ucrânia [vídeo].

Outras, mais abaixo, mostraram faixas em que denunciavam o lucro da empresa com o «genocídio» e que os seus «mísseis matam civis».

De acordo com a informação divulgada na conta de Twitter da organização Resist and Abolish the Military Industrial Complex (RAM INC), a Polícia deteve as pessoas envolvidas na acção de protesto – que foram mais tarde libertadas.

Por um protesto realizado o ano passado à entrada das instalações da Raytheon em Portsmouth, no estado norte-americano de Rhode Island, a organização enfrenta uma multa de 3000 dólares, segundo informa na mesma rede social.

A Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares, tem entre os seus clientes a Arábia Saudita, o Catar e os Emirados Árabes Unidos.

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Empresas de armamento lucram com o trabalho dos reclusos nos EUA

«Reclusos que ganham centavos fabricam armas multimilionárias», revela o MintPress News. As maiores empresas de armas dos EUA encontram novas formas de tirar proveito do complexo industrial das prisões.

Um grupo de reclusos regressa aos dormitórios, no regresso do trabalho, na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola, EUA 
CréditosGerald Herbert / innocenceproject.org

Um estudo do MintPress News indica que, «em muitos casos, as armas de guerra são fabricadas directamente com recurso a trabalho penitenciário sob coacção».

Centrada nas cem maiores empresas privadas contratadas pelo Departamento da Defesa norte-americano, a investigação mostra que 37% também lucram com norte-americanos reclusos, tanto em prisões como nos campos do Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE).

Entre os 25 maiores fabricantes de armas, 16 beneficiam do trabalho dos reclusos. A lista completa das 37 empresas que lucram com o «encarceramento massivo» pode ser consultada aqui (apresentada por ordem do valor dos contratos recebidos do Departamento da Defesa).

A lista, explica o jornalista Alan MacLeod, foi criada com base na recolha de dados do portal da administração norte-americana usaspending.gov. Os dados relativos às cem maiores empresas militares privadas contratadas no último ano fiscal completo foram comparados com uma base de dados de agentes do sector privado da indústria prisional, organizada pelo grupo Worth Rises, que defende o desmantelamento da indústria das prisões e o fim da exploração que ela implica.

«"historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo"»

Chris Hedges, jornalista e professor no sistema prisional a quem foi pedido um comentário, não ficou chocado com o facto de quase dois terços dos maiores agentes da indústria da defesa estarem bastante envolvidos no negócio das prisões. «O tecido da indústria da defesa, o Estado carcerário, a indústria da inteligência, está tudo interligado. E acho que estas descobertas o provam», disse.

O MintPress falou igualmente com a fundadora e directora executiva da Worth Rises, Bianca Tylek, que também não se mostrou surpreendida.

«Há uma sobreposição considerável entre as duas indústrias, o que não é surpreendente; são indústrias controversas. As empresas que operam numa indústria controversa não temem participar noutra. Onde vemos uma sobreposição particular é na tecnologia de segurança e vigilância. Na verdade, historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo», disse.

Não é uma indústria artesanal

Uma dessas empresas «controversas» é a Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares e que também recorre à vasta população prisional dos Estados Unidos como mão-de-obra barata quase infinita para fabricar alguns dos seus produtos mais caros.

Os reclusos, refere o texto, são obrigados a trabalhar por apenas 23 centavos por hora (menos impostos e outras taxas) para empresas subcontratadas que fabricam peças para mísseis Patriot que custam até 5,9 milhões de dólares (cada um), o que significa que um preso teria de trabalhar quase 3000 anos, 24 horas por dia, para ser capaz de pagar o que está a fazer.

«As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen»

A administração norte-americana autoriza a Raytheon e outros a venderem os seus produtos a alguns dos governos que mais violam os direitos humanos, afirma o MintPress News, incluindo nessa lista os da Arábia Saudita, do Catar e dos Emirados Árabes Unidos.

As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, criando aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares. Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas. «Se esta história foi notícia, há seguramente muitos outros casos semelhantes que nunca chegam ao público ocidental», frisa o portal.

Reclusos na Prisão Estatal de San Quentin, Califórnia (EUA) / VCG / CGTN

Exemplos de «promiscuidade» entre Defesa e sistema prisional

Reclusos nos EUA fabricam equipamentos electrónicos, ópticos e arneses para a BAE Systems, incluindo para o seu veículo de combate Bradley, um pilar do Exército norte-americano. Por este trabalho, os presos recebem cerca de 100 dólares por mês, segundo informação divulgada.

Várias subsidiárias da BAE Systems – incluindo o fabricante de equipamentos militares e policiais Armor Holdings (que fabrica a maioria das mochilas do Exército dos EUA) e a empresa de tecnologia de câmaras, segurança e espionagem Fairchild Imaging – também aparecem na lista de empresas que vendem para a indústria prisional, elaborada pela Worth Rises.

«Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional.»

BAE Systems, General Dynamics e Lockheed Martin estão entre as empresas que mais lucram com o trabalho prisional, segundo a Worth Rises, que as marca com «nota máxima» no índice de danos.

Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional. Um dos exemplos apontados pelo MintPress News é o da General Electric e das suas subsidiárias, envolvidas na construção e no equipamento das prisões, no fornecimento de alimentos e na supervisão dos cuidados de saúde.

Porventura, o agente mais importante na ligação da indústria prisional à militar é empresa estatal Unicor (também conhecida como Federal Prison Industries). Empregando 16 mil reclusos a nível nacional em 2021, a Unicor anunciou receitas de 528 milhões de dólares o ano passado.

Fabricando de tudo – desde têxteis até equipamentos de escritório e electrónicos –, a empresa presta um serviço vital ao complexo industrial militar, fornecendo-lhe um fluxo quase interminável de mão-de-obra cativa e praticamente gratuita para explorar, destaca o portal.

Ao contrário da Raytheon e da Lockheed Martin, que mantêm em silêncio a ligação a esta fonte controversa de trabalho, a Unicor parece orgulhar-se dela, ostentando-a na sua página de Internet.

Conversa progressista até falar o dinheiro

Muitas das 37 empresas listadas são conhecidas como fabricantes de armas, mas outras poderão não ser associadas à indústria das armas. A CACI International, por exemplo, está longe de ser um nome familiar, apesar de empregar mais de 22 mil pessoas em todo o mundo.

O principal cliente da CACI é o governo dos EUA, a quem fornece uma vasta gama de serviços profissionais e de tecnologias da informação. Localizada no Norte da Virgínia, é uma das muitas empresas que se banqueteiam com os contratos de guerra do Iraque e do Afeganistão.

«O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio.»

A CACI promove-se a si mesma como um «empregador progressista», e o seu portal está cheio de conversa sobre «diversidade» e «inclusividade», além de se vangloriar de estar na lista da Forbes do «top mais» das empresas «amigas das mulheres».

Mas esta conversa «progressista» dura até que o dinheiro fale. Em 2016, revela o MintPress, a CACI lançou uma oferta e ganhou um contrato de 93 milhões de dólares com o Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras para fazer a manutenção dos seus centros de detenção – edifícios que foram amplamente descritos como campos de concentração.

O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio. E tinha razão: em 2019, a CACI assegurou um contrato de 907 milhões de dólares, por um período de cinco anos, para «fornecer operações de inteligência e apoio analítico» às forças dos EUA no Afeganistão.

Além disso, em 2021, o Supremo Tribunal dos EUA rejeitou o recurso da CACI relativo ao processo instaurado por um grupo de iraquianos pelo alegado envolvimento da empresa em tortura e agressão sexual, na célebre prisão de Abu Ghraib.

Neoliberalismo e exploração nos cárceres

As condições prisionais nos Estados Unidos estão entre as piores do mundo desenvolvido, denuncia o MintPress News. A maior parte dos estados exige que os reclusos recebam uma compensação financeira pelo seu trabalho, mas os salários podem ser embargados para pagamento de pensões de alimentos, restituições à vítima e até alojamento e alimentação. Em cinco estados – Texas, Arkansas, Alabama, Geórgia e Florida – os reclusos são obrigados a trabalhar sem qualquer pagamento.

«Isto é trabalho em condições de servidão; não se pode organizar; não pode fazer greve; não pode protestar pelas más condições. O pagamento está muito abaixo do salário mínimo», disse Hedges ao MintPress.

Assim, a enorme população prisional satisfaz as necessidades das empresas norte-americanas de duas formas: primeiro, fornece uma gigantesca reserva de mão-de-obra barata e disciplinada para explorar, ajudando-as a competir com «fábricas de miséria» na Ásia; em segundo lugar, actua como uma ferramenta disciplinadora do «trabalho livre», ajudando a acabar com os sindicatos e a reduzir os salários e as condições de trabalho em todo o país.

A Worth Rises faz parte de um conjunto de organizações que consideram que parte do trabalho prisional se assemelha à escravidão, pelo que tem feito campanha para alterar a 13.ª Emenda, que permite que a escravidão seja usada como forma de punição de um crime.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas.»

Tendo em conta que a economia foi esvaziada e os empregos foram transferidos para o estrangeiro, grande parte da população trabalhadora do país tornou-se, aos olhos das empresas norte-americanas, excedentária em relação às necessidades económicas, afirma o MintPress News.

Já não são necessários para trabalhar nas fábricas e são efectivamente inúteis para gerar lucros para outros. Hedges encara a ascensão do complexo industrial prisional como uma resposta a isto.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas. Então, nesse sentido, é um continuum completo [desde a escravidão]», disse.

Com quase 2,3 milhões de pessoas atrás das grades numa rede de mais de 7000 instalações, os Estados Unidos têm de longe a taxa mais elevada de encarceramento do mundo, encarcerando os seus cidadãos a uma taxa dez vezes superior à de países europeus como a Suécia ou a Dinamarca e 17 vezes mais elevada que a do Japão.

A explosão da população prisional dos EUA reflecte de perto a ascensão do neoliberalismo como a ideologia dominante, afirma o portal, precisando que, antes da administração Reagan, os números das prisões norte-americanas eram comparáveis aos da Europa. No entanto, entre 1984 e 2005, uma nova cadeia foi construída, em média, a cada 8,5 dias, atingindo o pico em 2009.

Tylek, da Worth Rises, criticou fortemente o custo e o desperdício do empreendimento. «Em muitos lugares, as populações prisionais caíram nos últimos anos. E, no entanto, os orçamentos dessas agências continuam a aumentar. Nada o justifica», disse.

A indústria prisional «para lá dos limites» tornou-se tão normalizada que é objecto de entretenimento ligeiro. Em 2020, um novo jogo, chamado «Prison Empire Tycoon», tornou-se viral, convertendo-se no jogo de estratégia número um na App Store da Apple.

O objectivo do jogo é supervisionar e administrar uma prisão com fins lucrativos. Durante o tutorial, no início, um guarda empunhando um bastão instrui os jogadores, dizendo-lhes que «o Estado paga bom dinheiro» para lidar com os «criminosos».

Reclusos na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola (EUA) / Gerald Herbert / MintPress News

A pagar a dívida?

Uma forma de gerar mais lucro, tanto no jogo como na realidade, é transferir os custos para os próprios reclusos. As pessoas encarceradas agora têm de pagar regularmente artigos essenciais como sabão, pasta de dentes e champô, bem como chamadas para os seus entes queridos. A outros exigem-lhes co-pagamentos para consultar um médico ou para despesas de alojamento, a serem descontadas dos salários ganhos.

«Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos.»

Muitas vezes, apenas o facto de se ser enviado para um estabelecimento prisional implica uma «taxa de processamento» de 100 dólares, que os reclusos têm de pagar, enquanto aos visitantes são cobradas regularmente quantias por verificações de antecedentes. Amigos e familiares dos presos transferem 1,8 mil milhões de dólares para estabelecimentos prisionais todos os anos.

Sem outra opção, são forçados a aceitar taxas de transferência de dinheiro até 45%. Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos. Tylek disse ao MintPress: «Estar preso é muito caro. É tão caro que endivida muitas famílias que apoiam pessoas que estão encarceradas.»

Trazer as guerras para casa

Hedges, que passou muito tempo a ensinar no sistema penitenciário de New Jersey, também observou as semelhanças entre as prisões e os militares, comentando que os guardas são frequentemente recrutados nas Forças Armadas ou na Guarda Nacional. Cada vez mais, os guardas parecem-se com as equipas SWAT, com armas letais de alta tecnologia. «Tudo é militarizado», disse Hedges. E acrescentou:

«Dirigem-se a ti pelo teu número, não pelo teu nome. És obrigado a andar em fila indiana pelos corredores. Qualquer infracção […] pode fazer com que acabes por ser espancado ou atirado para a solitária e despojado dos poucos privilégios que tens. É o microcosmo perfeito do Estado totalitário.»

«À medida que os impérios decaem (...), muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro»

Por seu lado, Tylek disse que, «em muitos casos, o governo está a reagir ao crime a nível nacional da mesma forma que responde à guerra internacional. E isto deve-se ao facto de que muitos dos mesmos fornecedores estão a facultar equipamento tecnológico para esses dois ambientes».

À medida que os impérios decaem – argumentou Hedges –, muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro, usando na população nacional tácticas aprimoradas para reprimir a dissidência estrangeira.

Hoje, as comunidades pobres nos EUA estão a ser governadas de uma forma cada vez mais militarizada, nota o MintPress News, enquanto os oprimidos pelo complexo industrial prisional no país são coagidos a fornecer o seu trabalho para reforçar o complexo industrial militar no estrangeiro. E, a cada passo, as empresas norte-americanas continuam a lucrar.

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As suas armas têm sido fundamentais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, ajudando a criar aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares, segundo refere o MintPress News.

Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas.

A indústria de armamento dos EUA também tem lucrado bastante com a actual situação na Ucrânia, tendo como base os contratos celebrados com países ocidentais que estão a aumentar as suas despesas na área da defesa.

Segundo revelou o diário The Hill na semana passada, o valor das acções da Lockheed Martin disparou quase 25% desde o início do ano, enquanto o de outras empresas do sector como Raytheon, General Dynamics e Northrop Grumman subiu cerca de 12%, cada qual.

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«Para vergar a vontade da Rússia e libertar a Ucrânia da conquista e da subjugação, muitos soldados russos têm de fugir, render-se ou morrer, e, quantos mais e mais depressa, melhor», acrescentou o apoiante das invasões do Iraque e do Afeganistão, que também pedia a guerra com o Irão.

Embora não esteja directamente no governo, Cohen trabalha para o think tank neoconservador Center for Strategic and International Studies (CSIS), que recebe fundos do governo, da indústria de armamento e das empresas de combustíveis fósseis.

De acordo com o portal norte-americano, a «perspectiva ultra-belicosa de Cohen é bastante representativa dos falcões [da guerra] em Washington» e «o seu artigo em The Atlantic permite vislumbrar de forma honesta como os planificadores imperialistas norte-americanos encaram a crise na Ucrânia: uma oportunidade para usar o povo ucraniano como carne para canhão numa guerra por procuração» contra a Rússia.

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Das muitas sugestões da Rand, Sterling destaca reposicionar os bombardeiros a uma distância de ataque fácil dos alvos estratégicos russos; colocar mais armas nucleares tácticas em locais da Europa e da Ásia; aumentar a presença das forças navais norte-americanas e dos seus aliados nas zonas de operações da Rússia (Mar Negro).

Ainda a realização de exercícios de guerra da NATO junto às fronteiras da Rússia; e a retirada de Washington do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF).

De acordo com Sterling, a alternativa, que podia ter evitado a actual intervenção militar russa, teria sido declarar a Ucrânia não apta para a NATO. «Mas isto teria sido o oposto da intenção de Washington de pressionar, provocar e ameaçar deliberadamente a Rússia», refere.

Em Dezembro do ano passado, refere, a Rússia propôs a celebração de um tratado com os Estados Unidos e a NATO, e a proposta central era um acordo, por escrito, segundo qual a Ucrânia não se tornaria membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).

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Rússia insta países ocidentais a travar avanço para leste

Com vista a garantir a segurança da Europa e impedir o avanço da NATO para leste, a diplomacia russa defende negociações imediatas e a celebração de acordos juridicamente vinculativos.

Um tanque norueguês participa em exercícios militares na Polónia (imagem de arquivo)  
CréditosSean Gallup / RT

Na sequência do encontro recentemente mantido entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Joseph Biden, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirma que «o diálogo é urgentemente necessário», tendo em conta a «linha crítica» para que caminham as relações entre a Federação Russa e o Ocidente.

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Ucrânia oferece o seu território para instalar sistema de defesa aéreo dos EUA

O apelo da Ucrânia aos EUA para que enviem tropas e sistemas anti-mísseis para o país foi classificado pela Rússia como uma «provocação grosseira», que não ficará «sem retaliação».

Créditos / PressTV

Numa reunião em Washington com o presidente da Jamestown Foundation, Glen Howard, o vice-ministro ucraniano para a Reintegração dos Territórios Não Controlados, Alexei Reznikov, abordou aquilo a que chamou a necessidade de expandir o pacote de segurança para a Ucrânia.

Para esse efeito, sugeriu a instalação de meios de defesa anti-aérea dos Estados Unidos e mesmo o destacamento de unidades de tropas norte-americanas, refere a agência TASS.

Reznikov defendeu que a legislação ucraniana permite o destacamento de tropas estrangeiras no país e disse estar preocupado com a alegada intenção da Rússia de colocar armas nucleares na Crimeia.

Reagindo a estas «especulações» do lado ucraniano, o presidente da Comissão para os Assuntos Externos da Duma Estatal, Leonid Slutsky, recorreu à rede social Telegram para afirmar que o destacamento de sistemas norte-americanos de defesa anti-mísseis na Ucrânia poderia alterar o equilíbrio de forças na região e fora dela, informa a agência russa.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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O responsável russo classificou o pedido de Reznikov como «uma provocação grosseira» e sublinhou que a presença dos sistemas de defesa aérea dos EUA «perto das fronteiras com a Rússia irá sem dúvida merecer uma resposta da parte de Moscovo». «As tensões vão simplesmente aumentar», alertou Slutsky.

«É lamentável que as leis da Ucrânia permitam privá-la do que ainda resta da sua soberania e aos seus cidadãos de uma oportunidade para viver em segurança. Os políticos ucranianos estão dispostos a sacrificar tudo isto para prolongar a sua participação no projecto anti-Rússia», afirmou o funcionário russo.

As relações entre Kiev e Moscovo deterioraram-se bastante na sequência do golpe fascista de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a Ucrânia a assumir um posicionamento consistente pró-NATO, UE e EUA e anti-russo, a acusar a Rússia de envolvimento na guerra antifascista na região do Donbass e a reclamar a recuperação da Crimeia, depois de os habitantes do território terem votado num referendo esmagadoramente a favor da reintegração na Rússia, em Março de 2014.

A Ucrânia tem acolhido no seu território, de forma recorrente, manobras militares organizadas pelos países da NATO, tanto em terra como no Mar Negro.

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«Aumentar o confronto com o nosso país é absolutamente inaceitável», afirma o governo russo num comunicado emitido dia 10, onde defende a adopção de um acordo juridicamente vinculativo que garanta que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não avança mais para leste ou instala armamento de ataque nos países que fazem fronteira com a Rússia.

Também insiste em receber uma resposta da NATO a propostas previamente formuladas com vista à diminuição das tensões na Europa, nomeadamente sobre a realização de exercícios operacionais a uma distância acordada da linha de contacto Rússia-NATO; a coordenação da aproximação de navios e aviões de combate, para prevenir actividades militares perigosas, sobretudo nas regiões do Báltico e do Mar Negro; a renovação do diálogo regular entre os ministérios da Defesa nos formatos Rússia-EUA e Rússia-NATO.

Negociações devem começar «imediatamente»

Sobre a conversa telefónica mantida esta segunda-feira entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o gabinete de imprensa do Kremlin refere que a Rússia expôs a necessidade urgente de negociações, que devem ter início «imediato», para estabelecer acordos internacionais que impeçam qualquer expansão adicional do bloco militar.

No decorrer da conversa, Johnson manifestou preocupação com um «alegado movimento de tropas russas em larga escala junto à fronteira com a Ucrânia», a que o chefe de Estado russo respondeu com a sua visão da situação actual no país vizinho, de acordo com a nota do Kremlin, a que a RT faz referência.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

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Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
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Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Putin deu exemplos concretos de decisões tomadas por Kiev com o objectivo de desmantelar os acordos de Minsk, com vista a encontrar uma solução para o conflito no Leste da Ucrânia, e acusou as autoridades de Kiev de estarem a agravar a situação no Donbass, recorrendo a armamento pesado e drones de ataque, e de discriminarem a população russo-falante no país.

O Kremlin acusa também o Ocidente de estar a utilizar como pretexto a situação na Ucrânia, um país onde «se empenhou no incentivo à russofobia e em justificar as acções do regime de Kiev para minar os acordos de Minsk [de 2015] e se preparar para um cenário militar no Donbass».

«Os países da NATO estão a empurrar Kiev para medidas agressivas. A militarização do território da Ucrânia e o fornecimento de armas estão em curso», lê-se na nota emitida dia 10, na qual a Rússia advoga que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não deve estar à margem das discussões que dizem respeito à segurança no continente.

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O relatório da Rand refere-se a um eventual «acordo de paz desvantajoso» e Sterling questiona para quem é que a paz traria desvantagens, lembrando a perda de vidas na Ucrânia por causa do conflito, agora, e as mais de 14 mil no Donbass, desde o golpe de 2014.

Em seu entender, um acordo de paz que garantisse os direitos fundamentais de todos os ucranianos e a neutralidade do país seria «vantajoso para a maioria dos ucranianos».

Aqueles que «não tirariam vantagens» seriam o complexo industrial mediático-militar dos EUA e os ultra-nacionalistas na Ucrânia, afirma o jornalista.

O relatório da Rand Corporation «mostra como a política dos Estados Unidos se centra em acções para prejudicar a Rússia e manipula a terceiros países (Ucrânia) com vista a essa tarefa», sublinha.

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De acordo com o jornal, que se refere a fontes da aliança militar, alguns membros são «particularmente cautelosos» no que respeita a dar «ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, qualquer aparência de vitória».

Neste sentido, comenta o jornalista Ben Norton, num artigo agora publicado em english.almayadeen.net, para alcançar os seus objectivos a NATO está mais que disposta a manter os ucranianos na «picadora».

Ainda sobre as negociações, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, referiu que a equipa de Zelensky mantinha uma estreita coordenação com Washington e que estava em «contacto quase diário» com funcionários da Casa Branca. Para Norton, isto deixa bem claro quem é que de facto manda.

WaPo, Bezos e administração dos EUA

Ben Norton destaca a estreita relação existente entre The Washington Post, propriedade do multimilionário Jeff Bezos – também conhecido como presidente executivo da Amazon –, que tem contratos no valor de milhares de milhões de dólares com a CIA, o FBI, o Pentágono, o Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE) e outras agências governamentais norte-americanas.

«Se The Washington Post está a revelar estas informações sobre a NATO, com citações de altos funcionários da Casa Branca, é óbvio que tem luz verde dos seus responsáveis em Washington», afirma Norton.

Para o jornalista norte-americano, editor do portal multipolarista.com e colaborador em diversos projectos de linha anti-imperialista, a peça publicada dia 5 no WaPo é «uma confirmação semi-oficial de que a NATO vê os ucranianos como carne para canhão na sua guerra imperialista por procuração contra a Rússia», algo que, lembra, alguns representantes ocidentais já afirmaram abertamente.

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Situação na Ucrânia é «guerra por procuração», admite ex-funcionário da Casa Branca

Um ex-funcionário do Departamento de Estado afirmou que existe uma «guerra por procuração» da NATO com a Rússia e que os soldados russos têm de «se render ou morrer» – «quantos mais e mais depressa, melhor».

Créditos / multipolarista.com

Eliot Cohen, que foi conselheiro de Condoleezza Rice entre 2007 e 2009, no Departamento de Estado da administração de George W. Bush, é conhecido como elemento da chamada «linha dura» entre os conservadores, tendo defendido a guerra contra o Irão e as agressões norte-americanas no Iraque e no Afeganistão.

Num artigo publicado dia 14 na revista The Atlantic, Cohen louva a administração liderada pelo actual presidente norte-americano, Joe Biden, pelo «trabalho admirável» que realizou até agora em diversas frentes, nomeadamente ao «vencer a guerra de informação, mobilizar os aliados da NATO e impor sanções incapacitantes (embora incompletas) à economia russa».

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NATO e nazismo, uma irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e os nazi-fascismos é um facto.

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos mainstream media ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi Wolfsangel na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.
Créditos / twitter

Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?

Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.

«Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália? Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte»

É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.

Vamos então a factos.

Os Irmãos da Floresta

A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer1.

Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.

Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos2.

«é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?»

Pois os Irmãos da Floresta são agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível «ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.

Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3

O regimento Azov

Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo «a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência».

Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe «democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .

O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.

Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.

A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.

Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».

Abdelhakim Belhadj

Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações «libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».

Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.

Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de «libertar Damasco».

Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.

A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.

Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de «democracia» em que vivemos.

Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –, Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.

O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.

Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.

Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.

O santuário nazi de Turim

Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.

O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.

Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.

Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.

A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.

É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.

A grande irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.

Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.

É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.

  • 1. Note-se que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela Alemanha nazi do que os próprios alemães.
  • 2. No período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953. O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua verdadeira natureza.
  • 3. Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
  • 4. O regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista, além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros, saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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E admite claramente que a NATO trava na Ucrânia uma «guerra por procuração», buscada pela Casa Branca. No entanto, critica a actual administração por não fazer o suficiente, defendendo que deve promover ainda mais a escalada do conflito.

Segundo refere o portal multipolarista.com, tendo por base informações divulgadas na imprensa dominante, a administração de Biden enviou para a Ucrânia mais de 17 mil armas anti-tanque, incluindo mísseis Javelin, e 2000 mísseis anti-aéreos Stinger – alguns dos quais foram parar directamente às forças neonazis do Batalhão Azov.

A mesma fonte indica que, depois de ter enviado para a Ucrânia, no final de Fevereiro, armas no valor de 350 milhões de dólares, a Casa Branca aprovou uma pacote de ajuda adicional no valor de 13,6 mil milhões de dólares, em Março, incluindo 6,5 mil milhões em apoio militar.

Uma «inundação» de armas

Para Eliot Cohen, isto não basta. «O fluxo de armas que entra na Ucrânia tem de ser uma inundação», escreveu em The Atlantic.

«Os Estados Unidos e os seus aliados da NATO estão envolvidos numa guerra por procuração com a Rússia», disse. «Estão a fornecer milhares de munições e, esperemos, fazendo muito mais – partilhando inteligência, por exemplo – com o objectivo de matar soldados russos».

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Activistas norte-americanos protestam contra o negócio da guerra

Um grupo de pessoas manifestou-se, esta segunda-feira, na sede da empresa de armamento norte-americana Raytheon Technologies, em Cambridge, Massachusetts, contra o negócio da guerra.

Acção contra o negócio da guerra na sede da Raytheon, em Cambridge, Massachusetts 
Créditos@resist_abolish

No cimo da sede da Raytheon, cinco pessoas penduraram panos em que pediam o fim de todos os conflitos bélicos e denunciavam que a empresa em causa, um dos gigantes da indústria do armamento, lucra com a morte no Iémen, na Palestina e na Ucrânia [vídeo].

Outras, mais abaixo, mostraram faixas em que denunciavam o lucro da empresa com o «genocídio» e que os seus «mísseis matam civis».

De acordo com a informação divulgada na conta de Twitter da organização Resist and Abolish the Military Industrial Complex (RAM INC), a Polícia deteve as pessoas envolvidas na acção de protesto – que foram mais tarde libertadas.

Por um protesto realizado o ano passado à entrada das instalações da Raytheon em Portsmouth, no estado norte-americano de Rhode Island, a organização enfrenta uma multa de 3000 dólares, segundo informa na mesma rede social.

A Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares, tem entre os seus clientes a Arábia Saudita, o Catar e os Emirados Árabes Unidos.

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Empresas de armamento lucram com o trabalho dos reclusos nos EUA

«Reclusos que ganham centavos fabricam armas multimilionárias», revela o MintPress News. As maiores empresas de armas dos EUA encontram novas formas de tirar proveito do complexo industrial das prisões.

Um grupo de reclusos regressa aos dormitórios, no regresso do trabalho, na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola, EUA 
CréditosGerald Herbert / innocenceproject.org

Um estudo do MintPress News indica que, «em muitos casos, as armas de guerra são fabricadas directamente com recurso a trabalho penitenciário sob coacção».

Centrada nas cem maiores empresas privadas contratadas pelo Departamento da Defesa norte-americano, a investigação mostra que 37% também lucram com norte-americanos reclusos, tanto em prisões como nos campos do Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE).

Entre os 25 maiores fabricantes de armas, 16 beneficiam do trabalho dos reclusos. A lista completa das 37 empresas que lucram com o «encarceramento massivo» pode ser consultada aqui (apresentada por ordem do valor dos contratos recebidos do Departamento da Defesa).

A lista, explica o jornalista Alan MacLeod, foi criada com base na recolha de dados do portal da administração norte-americana usaspending.gov. Os dados relativos às cem maiores empresas militares privadas contratadas no último ano fiscal completo foram comparados com uma base de dados de agentes do sector privado da indústria prisional, organizada pelo grupo Worth Rises, que defende o desmantelamento da indústria das prisões e o fim da exploração que ela implica.

«"historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo"»

Chris Hedges, jornalista e professor no sistema prisional a quem foi pedido um comentário, não ficou chocado com o facto de quase dois terços dos maiores agentes da indústria da defesa estarem bastante envolvidos no negócio das prisões. «O tecido da indústria da defesa, o Estado carcerário, a indústria da inteligência, está tudo interligado. E acho que estas descobertas o provam», disse.

O MintPress falou igualmente com a fundadora e directora executiva da Worth Rises, Bianca Tylek, que também não se mostrou surpreendida.

«Há uma sobreposição considerável entre as duas indústrias, o que não é surpreendente; são indústrias controversas. As empresas que operam numa indústria controversa não temem participar noutra. Onde vemos uma sobreposição particular é na tecnologia de segurança e vigilância. Na verdade, historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo», disse.

Não é uma indústria artesanal

Uma dessas empresas «controversas» é a Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares e que também recorre à vasta população prisional dos Estados Unidos como mão-de-obra barata quase infinita para fabricar alguns dos seus produtos mais caros.

Os reclusos, refere o texto, são obrigados a trabalhar por apenas 23 centavos por hora (menos impostos e outras taxas) para empresas subcontratadas que fabricam peças para mísseis Patriot que custam até 5,9 milhões de dólares (cada um), o que significa que um preso teria de trabalhar quase 3000 anos, 24 horas por dia, para ser capaz de pagar o que está a fazer.

«As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen»

A administração norte-americana autoriza a Raytheon e outros a venderem os seus produtos a alguns dos governos que mais violam os direitos humanos, afirma o MintPress News, incluindo nessa lista os da Arábia Saudita, do Catar e dos Emirados Árabes Unidos.

As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, criando aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares. Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas. «Se esta história foi notícia, há seguramente muitos outros casos semelhantes que nunca chegam ao público ocidental», frisa o portal.

Reclusos na Prisão Estatal de San Quentin, Califórnia (EUA) / VCG / CGTN

Exemplos de «promiscuidade» entre Defesa e sistema prisional

Reclusos nos EUA fabricam equipamentos electrónicos, ópticos e arneses para a BAE Systems, incluindo para o seu veículo de combate Bradley, um pilar do Exército norte-americano. Por este trabalho, os presos recebem cerca de 100 dólares por mês, segundo informação divulgada.

Várias subsidiárias da BAE Systems – incluindo o fabricante de equipamentos militares e policiais Armor Holdings (que fabrica a maioria das mochilas do Exército dos EUA) e a empresa de tecnologia de câmaras, segurança e espionagem Fairchild Imaging – também aparecem na lista de empresas que vendem para a indústria prisional, elaborada pela Worth Rises.

«Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional.»

BAE Systems, General Dynamics e Lockheed Martin estão entre as empresas que mais lucram com o trabalho prisional, segundo a Worth Rises, que as marca com «nota máxima» no índice de danos.

Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional. Um dos exemplos apontados pelo MintPress News é o da General Electric e das suas subsidiárias, envolvidas na construção e no equipamento das prisões, no fornecimento de alimentos e na supervisão dos cuidados de saúde.

Porventura, o agente mais importante na ligação da indústria prisional à militar é empresa estatal Unicor (também conhecida como Federal Prison Industries). Empregando 16 mil reclusos a nível nacional em 2021, a Unicor anunciou receitas de 528 milhões de dólares o ano passado.

Fabricando de tudo – desde têxteis até equipamentos de escritório e electrónicos –, a empresa presta um serviço vital ao complexo industrial militar, fornecendo-lhe um fluxo quase interminável de mão-de-obra cativa e praticamente gratuita para explorar, destaca o portal.

Ao contrário da Raytheon e da Lockheed Martin, que mantêm em silêncio a ligação a esta fonte controversa de trabalho, a Unicor parece orgulhar-se dela, ostentando-a na sua página de Internet.

Conversa progressista até falar o dinheiro

Muitas das 37 empresas listadas são conhecidas como fabricantes de armas, mas outras poderão não ser associadas à indústria das armas. A CACI International, por exemplo, está longe de ser um nome familiar, apesar de empregar mais de 22 mil pessoas em todo o mundo.

O principal cliente da CACI é o governo dos EUA, a quem fornece uma vasta gama de serviços profissionais e de tecnologias da informação. Localizada no Norte da Virgínia, é uma das muitas empresas que se banqueteiam com os contratos de guerra do Iraque e do Afeganistão.

«O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio.»

A CACI promove-se a si mesma como um «empregador progressista», e o seu portal está cheio de conversa sobre «diversidade» e «inclusividade», além de se vangloriar de estar na lista da Forbes do «top mais» das empresas «amigas das mulheres».

Mas esta conversa «progressista» dura até que o dinheiro fale. Em 2016, revela o MintPress, a CACI lançou uma oferta e ganhou um contrato de 93 milhões de dólares com o Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras para fazer a manutenção dos seus centros de detenção – edifícios que foram amplamente descritos como campos de concentração.

O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio. E tinha razão: em 2019, a CACI assegurou um contrato de 907 milhões de dólares, por um período de cinco anos, para «fornecer operações de inteligência e apoio analítico» às forças dos EUA no Afeganistão.

Além disso, em 2021, o Supremo Tribunal dos EUA rejeitou o recurso da CACI relativo ao processo instaurado por um grupo de iraquianos pelo alegado envolvimento da empresa em tortura e agressão sexual, na célebre prisão de Abu Ghraib.

Neoliberalismo e exploração nos cárceres

As condições prisionais nos Estados Unidos estão entre as piores do mundo desenvolvido, denuncia o MintPress News. A maior parte dos estados exige que os reclusos recebam uma compensação financeira pelo seu trabalho, mas os salários podem ser embargados para pagamento de pensões de alimentos, restituições à vítima e até alojamento e alimentação. Em cinco estados – Texas, Arkansas, Alabama, Geórgia e Florida – os reclusos são obrigados a trabalhar sem qualquer pagamento.

«Isto é trabalho em condições de servidão; não se pode organizar; não pode fazer greve; não pode protestar pelas más condições. O pagamento está muito abaixo do salário mínimo», disse Hedges ao MintPress.

Assim, a enorme população prisional satisfaz as necessidades das empresas norte-americanas de duas formas: primeiro, fornece uma gigantesca reserva de mão-de-obra barata e disciplinada para explorar, ajudando-as a competir com «fábricas de miséria» na Ásia; em segundo lugar, actua como uma ferramenta disciplinadora do «trabalho livre», ajudando a acabar com os sindicatos e a reduzir os salários e as condições de trabalho em todo o país.

A Worth Rises faz parte de um conjunto de organizações que consideram que parte do trabalho prisional se assemelha à escravidão, pelo que tem feito campanha para alterar a 13.ª Emenda, que permite que a escravidão seja usada como forma de punição de um crime.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas.»

Tendo em conta que a economia foi esvaziada e os empregos foram transferidos para o estrangeiro, grande parte da população trabalhadora do país tornou-se, aos olhos das empresas norte-americanas, excedentária em relação às necessidades económicas, afirma o MintPress News.

Já não são necessários para trabalhar nas fábricas e são efectivamente inúteis para gerar lucros para outros. Hedges encara a ascensão do complexo industrial prisional como uma resposta a isto.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas. Então, nesse sentido, é um continuum completo [desde a escravidão]», disse.

Com quase 2,3 milhões de pessoas atrás das grades numa rede de mais de 7000 instalações, os Estados Unidos têm de longe a taxa mais elevada de encarceramento do mundo, encarcerando os seus cidadãos a uma taxa dez vezes superior à de países europeus como a Suécia ou a Dinamarca e 17 vezes mais elevada que a do Japão.

A explosão da população prisional dos EUA reflecte de perto a ascensão do neoliberalismo como a ideologia dominante, afirma o portal, precisando que, antes da administração Reagan, os números das prisões norte-americanas eram comparáveis aos da Europa. No entanto, entre 1984 e 2005, uma nova cadeia foi construída, em média, a cada 8,5 dias, atingindo o pico em 2009.

Tylek, da Worth Rises, criticou fortemente o custo e o desperdício do empreendimento. «Em muitos lugares, as populações prisionais caíram nos últimos anos. E, no entanto, os orçamentos dessas agências continuam a aumentar. Nada o justifica», disse.

A indústria prisional «para lá dos limites» tornou-se tão normalizada que é objecto de entretenimento ligeiro. Em 2020, um novo jogo, chamado «Prison Empire Tycoon», tornou-se viral, convertendo-se no jogo de estratégia número um na App Store da Apple.

O objectivo do jogo é supervisionar e administrar uma prisão com fins lucrativos. Durante o tutorial, no início, um guarda empunhando um bastão instrui os jogadores, dizendo-lhes que «o Estado paga bom dinheiro» para lidar com os «criminosos».

Reclusos na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola (EUA) / Gerald Herbert / MintPress News

A pagar a dívida?

Uma forma de gerar mais lucro, tanto no jogo como na realidade, é transferir os custos para os próprios reclusos. As pessoas encarceradas agora têm de pagar regularmente artigos essenciais como sabão, pasta de dentes e champô, bem como chamadas para os seus entes queridos. A outros exigem-lhes co-pagamentos para consultar um médico ou para despesas de alojamento, a serem descontadas dos salários ganhos.

«Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos.»

Muitas vezes, apenas o facto de se ser enviado para um estabelecimento prisional implica uma «taxa de processamento» de 100 dólares, que os reclusos têm de pagar, enquanto aos visitantes são cobradas regularmente quantias por verificações de antecedentes. Amigos e familiares dos presos transferem 1,8 mil milhões de dólares para estabelecimentos prisionais todos os anos.

Sem outra opção, são forçados a aceitar taxas de transferência de dinheiro até 45%. Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos. Tylek disse ao MintPress: «Estar preso é muito caro. É tão caro que endivida muitas famílias que apoiam pessoas que estão encarceradas.»

Trazer as guerras para casa

Hedges, que passou muito tempo a ensinar no sistema penitenciário de New Jersey, também observou as semelhanças entre as prisões e os militares, comentando que os guardas são frequentemente recrutados nas Forças Armadas ou na Guarda Nacional. Cada vez mais, os guardas parecem-se com as equipas SWAT, com armas letais de alta tecnologia. «Tudo é militarizado», disse Hedges. E acrescentou:

«Dirigem-se a ti pelo teu número, não pelo teu nome. És obrigado a andar em fila indiana pelos corredores. Qualquer infracção […] pode fazer com que acabes por ser espancado ou atirado para a solitária e despojado dos poucos privilégios que tens. É o microcosmo perfeito do Estado totalitário.»

«À medida que os impérios decaem (...), muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro»

Por seu lado, Tylek disse que, «em muitos casos, o governo está a reagir ao crime a nível nacional da mesma forma que responde à guerra internacional. E isto deve-se ao facto de que muitos dos mesmos fornecedores estão a facultar equipamento tecnológico para esses dois ambientes».

À medida que os impérios decaem – argumentou Hedges –, muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro, usando na população nacional tácticas aprimoradas para reprimir a dissidência estrangeira.

Hoje, as comunidades pobres nos EUA estão a ser governadas de uma forma cada vez mais militarizada, nota o MintPress News, enquanto os oprimidos pelo complexo industrial prisional no país são coagidos a fornecer o seu trabalho para reforçar o complexo industrial militar no estrangeiro. E, a cada passo, as empresas norte-americanas continuam a lucrar.

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As suas armas têm sido fundamentais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, ajudando a criar aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares, segundo refere o MintPress News.

Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas.

A indústria de armamento dos EUA também tem lucrado bastante com a actual situação na Ucrânia, tendo como base os contratos celebrados com países ocidentais que estão a aumentar as suas despesas na área da defesa.

Segundo revelou o diário The Hill na semana passada, o valor das acções da Lockheed Martin disparou quase 25% desde o início do ano, enquanto o de outras empresas do sector como Raytheon, General Dynamics e Northrop Grumman subiu cerca de 12%, cada qual.

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«Para vergar a vontade da Rússia e libertar a Ucrânia da conquista e da subjugação, muitos soldados russos têm de fugir, render-se ou morrer, e, quantos mais e mais depressa, melhor», acrescentou o apoiante das invasões do Iraque e do Afeganistão, que também pedia a guerra com o Irão.

Embora não esteja directamente no governo, Cohen trabalha para o think tank neoconservador Center for Strategic and International Studies (CSIS), que recebe fundos do governo, da indústria de armamento e das empresas de combustíveis fósseis.

De acordo com o portal norte-americano, a «perspectiva ultra-belicosa de Cohen é bastante representativa dos falcões [da guerra] em Washington» e «o seu artigo em The Atlantic permite vislumbrar de forma honesta como os planificadores imperialistas norte-americanos encaram a crise na Ucrânia: uma oportunidade para usar o povo ucraniano como carne para canhão numa guerra por procuração» contra a Rússia.

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O ex-funcionário do Departamento de Estado Eliot Cohen, falcão da guerra da direita, afirmou na revista The Atlantic que os EUA e os seus aliados estão envolvidos numa «guerra por procuração» com a Rússia e que os soldados russos têm de «se render ou morrer» – «quantos mais e mais depressa, melhor».

O conselheiro de Condoleeza Rice entre 2007 e 2009 defendeu que «o fluxo de armas que entra na Ucrânia tem de ser uma inundação», e isso, sublinha Norton, é exactamente o que os estados-membros da NATO estão a fazer: inundar o país vizinho da Rússia com armamento.

Em vez de apoio às conversações de paz, mais armamento

Os Estados Unidos e a União Europeia têm estado a promover activamente a escalada da guerra, afirma Norton, que destaca o envio para a Ucrânia de armas no valor de milhares de milhões de dólares.

«Aquilo que não se diz é como as empresas de armamento norte-americanas e europeias têm beneficiado enormemente com a guerra», denuncia, acrescentando que as acções dos contratistas militares privados dispararam depois de tropas russas terem invadido a Ucrânia, a 24 de Fevereiro, enquanto os governos ocidentais se comprometiam a aumentar substancialmente as suas despesas militares.

Nos passados dias 6 e 7 de Abril, os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO reuniram-se na sede da aliança, em Bruxelas, tendo-se comprometido a intensificar ainda mais a guerra na Ucrânia.

Representantes de países que não pertencem à NATO também estiveram presentes, como Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Geórgia, Finlândia e Suécia.

Dmytro Kuleba, ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, dissipou em Bruxelas qualquer dúvida sobre o que estava em causa na reunião da NATO: «Vim aqui hoje para discutir três coisas muito importantes: armas, armas e armas», disse.

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NATO e nazismo, uma irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e os nazi-fascismos é um facto.

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos mainstream media ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi Wolfsangel na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.
Créditos / twitter

Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?

Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.

«Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália? Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte»

É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.

Vamos então a factos.

Os Irmãos da Floresta

A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer1.

Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.

Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos2.

«é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?»

Pois os Irmãos da Floresta são agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível «ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.

Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3

O regimento Azov

Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo «a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência».

Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe «democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .

O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.

Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.

A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.

Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».

Abdelhakim Belhadj

Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações «libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».

Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.

Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de «libertar Damasco».

Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.

A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.

Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de «democracia» em que vivemos.

Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –, Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.

O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.

Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.

Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.

O santuário nazi de Turim

Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.

O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.

Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.

Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.

A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.

É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.

A grande irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.

Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.

É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.

  • 1. Note-se que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela Alemanha nazi do que os próprios alemães.
  • 2. No período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953. O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua verdadeira natureza.
  • 3. Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
  • 4. O regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista, além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros, saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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As declarações de Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, não o devem ter desanimado: «Depois da invasão, os aliados intensificaram o apoio militar adicional, com mais equipamento militar, e a reunião de hoje deixou a mensagem clara de que os aliados devem fazer mais e estão prontos a fazer mais para proporcionar mais equipamento, e entendem e reconhecem a urgência.»

Na mesma ocasião, Stoltenberg não hesitou em afirmar que o apoio militar directo da NATO à Ucrânia remonta a 2014 e que dezenas de milhares de soldados ucranianos foram treinados pela aliança nos últimos oito anos, muito antes de tropas russas terem invadido a Ucrânia.

Nem defensiva, nem democrática

«Com a esperança de enfraquecer e desestabilizar a Rússia, a NATO prefere, de forma transparente, que os ucranianos continuem a sacrificar as suas vidas», afirma Ben Norton, destacando como toda esta «extrema violência e belicismo» chocam de frente com a pretensão da NATO de ser uma aliança «defensiva».

«A verdade é que a NATO nunca se dedicou à defesa e muito menos à democracia», afirma o jornalista, lembrando que entre os membros fundadores da aliança militar, em 1949, estava Portugal, uma ditadura fascista.

«As ruínas da Líbia, do Afeganistão e da antiga Jugoslávia mostram aquilo que a NATO realmente oferece ao mundo», alerta.

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De acordo com o Conceito Estratégico agora em vigor, a «Federação Russa violou as normas e os princípios que contribuíam para uma ordem de segurança europeia previsível e estável», ou seja, a da NATO, que, enquanto repetia a ladainha da «aliança defensiva», ia avançado para leste, violando acordos celebrados.

Com base nessa premissa repetida até à exaustão e na de que a guerra na Ucrânia começou a 24 de Fevereiro de 2022 – não em 2014 –, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, continuou a garantir à Ucrânia colaboração «durante o tempo que for preciso». Para os fabricantes e negociantes de armamento, a cimeira trouxe as boas novidades que eram esperadas.

Finlândia, Suécia, Turquia e «valores europeus»

A essa junta-se a de que a Finlândia e a Suécia tiveram luz verde para integrar futuramente a NATO, depois de a Turquia ter levantado o veto a essa integração. Em troca, disse Stoltenberg, os países nórdicos aceitaram «alterar mais as suas legislações nacionais» para dar à Turquia as garantias de que necessita para «combater o terrorismo» e «concluir um acordo de extradição» de pessoas que até agora encontravam refúgio no Norte da Europa.

O secretário-geral da NATO mostrou-se «absolutamente confiante» de que Finlândia e Suécia sejam rapidamente membros da aliança militar, sem referência aos destinos dos 33 refugiados que seguem de Helsínquia e Estocolmo para a Turquia. «Valores europeus», como os Von der Leyen na Ucrânia ou os de Pedro Sánchez em Melilla.

EUA: reforço da presença militar na Europa

Para o negócio da guerra, outra boa novidade foi o anúncio do presidente norte-americano, Joe Biden, de que o Pentágono vai reforçar a cooperação militar com a Itália, a Alemanha e o Reino Unido, e de que a «Europa se vai "otanizar"», com o pretexto da guerra na Ucrânia – que é a que Biden diz que começou em Fevereiro de 2022 e não em 2014, não se referindo, por exemplo, à presença de elementos da Agência Central de Inteligência (CIA) na Ucrânia desde 2014, agora amplamente divulgada.

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A NATO bombardeou a Jugoslávia para «proteger os civis»

Num encontro com estudantes universitários em Belgrado, o secretário-geral da NATO sublinhou que esta organização atacou a Jugoslávia em 1999 para «proteger os civis e travar o regime de Milosevic».

Bombardeamento em Belgrado levado a cabo pela NATO
Créditos / TASS

Muita gente na Sérvia tem «má» memória dos bombardeamentos levados a cabo há 19 anos pela Aliança Atlântica e o seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, fez questão de se deslocar até à Universidade de Belgrado para ali dar uma conferência centrada na Operação Força Aliada.

No encontro que manteve este sábado com estudantes de línguas nórdicas da Faculdade de Filologia, o responsável da NATO afirmou que esta organização bombardeou a Jugoslávia em 1999 para «proteger os civis e travar o regime» do então seu presidente, Slobodan Milosevic, informa a Radiotelevisão da Sérvia (RTS), citada pela RT.

Para Stoltenberg, no entanto, o mais importante é que Belgrado e a NATO «olhem para o futuro». E, se o bloco militar «respeita» a decisão da Sérvia de não integrar a Aliança Atlântica, mantém a intenção de que a Sérvia seja um «parceiro», disse.

Stoltenberg declarou ainda que a NATO apoia inteiramente a normalização das relações entre a Sérvia e região secessionista do Kosovo, tanto do ponto de vista diplomático como «através da KFOR», força militar multinacional liderada pela NATO que permanece no território kosovar, segundo os seus promotores, «para proteger todas as comunidades».

Estas palavras, proferidas à margem da conferência para refrescar a memória estudantil sobre o papel da NATO na Jugoslávia em 1999, seguiram-se ao aumento de tensão entre Belgrado e Pristina no passado dia 29 de Setembro, provocado pela visita de Hashim Thaci, líder do Kosovo – em companhia de forças policiais de choque –, a uma parte do território kosovar de maioria sérvia e que se recusa a reconhecer a autoridade da capital kosovar.

O Ministério russo dos Negócios Estrangeiros criticou a KFOR pela sua atitude passiva «em face de tais desenvolvimentos», que levaram o governo sérvio a colocar os seus militares em estado de alerta, segundo refere a RT.

Bombardeamentos da NATO

Em Março de 1999, a NATO iniciou uma campanha de bombardeamentos contra a Jugoslávia, sem o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, alegando que Belgrado recorrera ao «uso excessivo e desproporcionado da força» no conflito com a maioria albanesa na região do Kosovo – que declarou a sua independência, unilateralmente, em 2008.

Durante essa campanha militar, a NATO lançou «entre dez a 15 toneladas de urânio empobrecido, que provocaram um desastre ambiental» e fizeram aumentar cinco vezes os casos relacionados com doenças oncológicas.

Em 2017, uma equipa internacional que está a preparar uma acção legal contra a NATO afirmou que, «na Sérvia, 33 mil pessoas adoecem por causa disto [urânio empobrecido] todos os anos. Uma criança a cada dia».

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O reforço da presença na base naval espanhola de Rota ou a criação de uma sede especial na Polónia para fortalecer o «flanco leste» da aliança foram outros anúncios feitos por Washington.

Joe Biden afirmou que a NATO é hoje mais relevante «do que alguma vez foi» e que a aliança seria «reforçada em todas as direcções e todos os domínios – terra, ar e mar».

A China é um «desafio»

No Conceito Estratégico aprovado em Madrid, a China passa a ser encarada como um «desafio». Nesse sentido, os aliados da aliança vão trabalhar em conjunto para «enfrentar os desafios sistémicos colocados pela República Popular da China à segurança euro-atlântica».

Isto porque, declara o texto, «as ambições declaradas e políticas coercivas [da China] desafiam os nossos interesses, segurança e valores».

A Missão da China junto das UE criticou o documento, que disse estar repleto de ideias de Guerra Fria, sublinhando que a NATO «cria inimigos, confrontação e problemas em todo o mundo».

Numa nota divulgada pela Prensa Latina, a missão diplomática chinesa denuncia o facto de a NATO se caracterizar como «uma aliança defensiva que respeita a ordem internacional assente em regras», mas que «passou por cima do Conselho de Segurança da ONU e lançou guerras contra estados soberanos, provocando grande número de vítimas e milhões de deslocados».

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Uma situação como esta é provavelmente a ameaça à vida do planeta mais alarmante de sempre. A NATO escolheu a guerra como o único caminho para tentar garantir a sobrevivência de uma «ordem internacional baseada em regras», isto é, do domínio imperial, e impedir a todo o custo as transformações em curso no sentido de um mundo multipolar. O alarme radica nas possíveis repercussões de alcance global do desespero atlantista perante o previsível fracasso da estratégia ucraniana para reduzir a Rússia ao papel de animal de estimação de Washington, como foi nos tempos do alcoólico Ieltsin.

Resta por hipótese, no caso do fracasso total da operação Ucrânia iniciada com o golpe fascista de 2014, uma mudança de estratégia da NATO para continuar a guerra contra a Rússia. E qualquer alteração poderá ter como consequência a entrada das armas nucleares em cena, pois não parece haver outra opção à vista. Uma ameaça de extermínio em massa nunca esteve tão próxima; e a partir daí deixará de haver qualquer ordem internacional, ou mesmo vida no planeta tal como hoje a conhecemos. O agravamento desse risco foi, podem crer, a principal consequência da encenação de Madrid, onde os dirigentes políticos e militares que usurparam os votos e as vontades de centenas de milhões de pessoas se irmanaram como irresponsáveis e potencialmente criminosos senhores da guerra.

As nações «dispensáveis»

Num discurso proferido em 2014 aos futuros oficiais do Exército norte-americano, na Academia de West Point, o então presidente Obama, a eminência parda da administração Biden tirando proveito das visíveis limitações do titular, afirmou que «os Estados Unidos são e continuarão a ser a única nação indispensável». E explicou: «Do Brasil à Índia, as classes médias em ascensão competem connosco; é tarefa da vossa geração responder a este novo mundo.» Ou seja, garantirem que a ordem de sempre continue a vigorar.

«Como seria de esperar, nem todas as nações, pelos vistos a maioria delas e que representam muito mais de três quartos da população mundial, se revêem neste panorama tão futurista como orwelliano e não abdicam da soberania, da independência e da intervenção no quadro do direito internacional»

Trata-se, sem dúvida, da reafirmação do programa imperial e do «excepcionalismo» norte-americano, conceito equivalente ao de «domínio de espectro total», todos eles emanados dos centros de conspiração norte-americanos a partir da queda do muro de Berlim. Todas as outras nações do planeta são, portanto, «dispensáveis». A começar pelas que foram prestar vassalagem em Madrid, no âmbito de uma organização militar com ambições de controlo global, à sua incontestável chefia, exercida pela única nação «indispensável». É um facto que todos os outros membros da NATO aceitaram por inerência esse estatuto de não-países ao abdicarem das soberanias militares e, no caso da maioria deles, das soberanias económicas e políticas no interior de comunidades geridas por não-eleitos, como a União Europeia. Dissolvendo-se assim a democracia e a capacidade de intervenção internacional de cada um deles por obra de governos sofrendo de total falta de brio, de dignidade e, sobretudo, de respeito pelos seus povos.

A teoria das nações «dispensáveis» é aliás uma das bases da estratégia de Great Reset, o grande reinício, do Fórum Económico Mundial de Davos (FEM), assente na perspectiva da instauração de um governo global num mundo sem fronteiras e sem barreiras habitado por «cidadãos felizes que nada têm de seu» – tudo lhes é servido num universo de controlo digital, segundo pode ler-se no site do próprio FEM.

Como seria de esperar, nem todas as nações, pelos vistos a maioria delas e que representam muito mais de três quartos da população mundial, se revêem neste panorama tão futurista como orwelliano e não abdicam da soberania, da independência e da intervenção no quadro do direito internacional, rejeitando, por isso, a «ordem internacional baseada em regras». O que representa uma atitude subversiva perante a gestão imperial, seus agentes e instituições.

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A União Africana não quis saber de Zelensky

Apesar da insistência ucraniana e das pressões de países europeus, há meses, 51 dos 55 chefes de Estado africanos boicotaram o encontro virtual com o presidente da Ucrânia, no dia 20.

Apenas quatro de 55 líderes africanos se juntaram à reunião virtual com Zelensky no dia 20 de Junho de 2022 
Créditos / @AUC_MoussaFaki

A esmagadora maioria dos países do continente africano ignorou a campanha de pressão ocidental para que se juntassem ao apoio à guerra por procuração entre o Ocidente e a Rússia em território ucraniano, refere o portal Multipolarista, que destaca o empenho da França e da Alemanha nesse sentido.

A Ucrânia andava a tentar organizar desde Abril uma vídeo-conferência entre a União Africana (UA) e o presidente desse país, Volodymyr Zelensky, que era repetidamente adiada pelo organismo africano, refere o periódico Le Monde, notando como «a simples organização de uma mensagem por vídeo ilustra as relações tensas entre o Sr. Zelensky e os líderes do continente», que «mantêm uma posição neutral».

A sessão veio a concretizar-se esta segunda-feira, via Zoom. No entanto, a grande maioria dos chefes de Estado africanos boicotou a sessão: apenas quatro – em 55 – se juntaram ao encontro, o que confirma que a «neutralidade» africana se manteve face à guerra por procuração na Ucrânia.

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Situação na Ucrânia é «guerra por procuração», admite ex-funcionário da Casa Branca

Um ex-funcionário do Departamento de Estado afirmou que existe uma «guerra por procuração» da NATO com a Rússia e que os soldados russos têm de «se render ou morrer» – «quantos mais e mais depressa, melhor».

Créditos / multipolarista.com

Eliot Cohen, que foi conselheiro de Condoleezza Rice entre 2007 e 2009, no Departamento de Estado da administração de George W. Bush, é conhecido como elemento da chamada «linha dura» entre os conservadores, tendo defendido a guerra contra o Irão e as agressões norte-americanas no Iraque e no Afeganistão.

Num artigo publicado dia 14 na revista The Atlantic, Cohen louva a administração liderada pelo actual presidente norte-americano, Joe Biden, pelo «trabalho admirável» que realizou até agora em diversas frentes, nomeadamente ao «vencer a guerra de informação, mobilizar os aliados da NATO e impor sanções incapacitantes (embora incompletas) à economia russa».

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NATO e nazismo, uma irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e os nazi-fascismos é um facto.

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos mainstream media ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi Wolfsangel na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.
Créditos / twitter

Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?

Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.

«Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália? Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte»

É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.

Vamos então a factos.

Os Irmãos da Floresta

A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer1.

Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.

Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos2.

«é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?»

Pois os Irmãos da Floresta são agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível «ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.

Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3

O regimento Azov

Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo «a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência».

Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe «democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .

O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.

Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.

A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.

Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».

Abdelhakim Belhadj

Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações «libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».

Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.

Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de «libertar Damasco».

Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.

A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.

Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de «democracia» em que vivemos.

Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –, Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.

O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.

Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.

Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.

O santuário nazi de Turim

Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.

O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.

Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.

Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.

A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.

É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.

A grande irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.

Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.

É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.

  • 1. Note-se que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela Alemanha nazi do que os próprios alemães.
  • 2. No período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953. O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua verdadeira natureza.
  • 3. Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
  • 4. O regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista, além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros, saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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E admite claramente que a NATO trava na Ucrânia uma «guerra por procuração», buscada pela Casa Branca. No entanto, critica a actual administração por não fazer o suficiente, defendendo que deve promover ainda mais a escalada do conflito.

Segundo refere o portal multipolarista.com, tendo por base informações divulgadas na imprensa dominante, a administração de Biden enviou para a Ucrânia mais de 17 mil armas anti-tanque, incluindo mísseis Javelin, e 2000 mísseis anti-aéreos Stinger – alguns dos quais foram parar directamente às forças neonazis do Batalhão Azov.

A mesma fonte indica que, depois de ter enviado para a Ucrânia, no final de Fevereiro, armas no valor de 350 milhões de dólares, a Casa Branca aprovou uma pacote de ajuda adicional no valor de 13,6 mil milhões de dólares, em Março, incluindo 6,5 mil milhões em apoio militar.

Uma «inundação» de armas

Para Eliot Cohen, isto não basta. «O fluxo de armas que entra na Ucrânia tem de ser uma inundação», escreveu em The Atlantic.

«Os Estados Unidos e os seus aliados da NATO estão envolvidos numa guerra por procuração com a Rússia», disse. «Estão a fornecer milhares de munições e, esperemos, fazendo muito mais – partilhando inteligência, por exemplo – com o objectivo de matar soldados russos».

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Activistas norte-americanos protestam contra o negócio da guerra

Um grupo de pessoas manifestou-se, esta segunda-feira, na sede da empresa de armamento norte-americana Raytheon Technologies, em Cambridge, Massachusetts, contra o negócio da guerra.

Acção contra o negócio da guerra na sede da Raytheon, em Cambridge, Massachusetts 
Créditos@resist_abolish

No cimo da sede da Raytheon, cinco pessoas penduraram panos em que pediam o fim de todos os conflitos bélicos e denunciavam que a empresa em causa, um dos gigantes da indústria do armamento, lucra com a morte no Iémen, na Palestina e na Ucrânia [vídeo].

Outras, mais abaixo, mostraram faixas em que denunciavam o lucro da empresa com o «genocídio» e que os seus «mísseis matam civis».

De acordo com a informação divulgada na conta de Twitter da organização Resist and Abolish the Military Industrial Complex (RAM INC), a Polícia deteve as pessoas envolvidas na acção de protesto – que foram mais tarde libertadas.

Por um protesto realizado o ano passado à entrada das instalações da Raytheon em Portsmouth, no estado norte-americano de Rhode Island, a organização enfrenta uma multa de 3000 dólares, segundo informa na mesma rede social.

A Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares, tem entre os seus clientes a Arábia Saudita, o Catar e os Emirados Árabes Unidos.

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Empresas de armamento lucram com o trabalho dos reclusos nos EUA

«Reclusos que ganham centavos fabricam armas multimilionárias», revela o MintPress News. As maiores empresas de armas dos EUA encontram novas formas de tirar proveito do complexo industrial das prisões.

Um grupo de reclusos regressa aos dormitórios, no regresso do trabalho, na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola, EUA 
CréditosGerald Herbert / innocenceproject.org

Um estudo do MintPress News indica que, «em muitos casos, as armas de guerra são fabricadas directamente com recurso a trabalho penitenciário sob coacção».

Centrada nas cem maiores empresas privadas contratadas pelo Departamento da Defesa norte-americano, a investigação mostra que 37% também lucram com norte-americanos reclusos, tanto em prisões como nos campos do Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE).

Entre os 25 maiores fabricantes de armas, 16 beneficiam do trabalho dos reclusos. A lista completa das 37 empresas que lucram com o «encarceramento massivo» pode ser consultada aqui (apresentada por ordem do valor dos contratos recebidos do Departamento da Defesa).

A lista, explica o jornalista Alan MacLeod, foi criada com base na recolha de dados do portal da administração norte-americana usaspending.gov. Os dados relativos às cem maiores empresas militares privadas contratadas no último ano fiscal completo foram comparados com uma base de dados de agentes do sector privado da indústria prisional, organizada pelo grupo Worth Rises, que defende o desmantelamento da indústria das prisões e o fim da exploração que ela implica.

«"historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo"»

Chris Hedges, jornalista e professor no sistema prisional a quem foi pedido um comentário, não ficou chocado com o facto de quase dois terços dos maiores agentes da indústria da defesa estarem bastante envolvidos no negócio das prisões. «O tecido da indústria da defesa, o Estado carcerário, a indústria da inteligência, está tudo interligado. E acho que estas descobertas o provam», disse.

O MintPress falou igualmente com a fundadora e directora executiva da Worth Rises, Bianca Tylek, que também não se mostrou surpreendida.

«Há uma sobreposição considerável entre as duas indústrias, o que não é surpreendente; são indústrias controversas. As empresas que operam numa indústria controversa não temem participar noutra. Onde vemos uma sobreposição particular é na tecnologia de segurança e vigilância. Na verdade, historicamente, o governo federal atribuiu subsídios para testar nas prisões a tecnologia que está a ser desenvolvida para a luta contra o terrorismo», disse.

Não é uma indústria artesanal

Uma dessas empresas «controversas» é a Raytheon, que o ano passado anunciou vendas no valor de 64,4 mil milhões de dólares e que também recorre à vasta população prisional dos Estados Unidos como mão-de-obra barata quase infinita para fabricar alguns dos seus produtos mais caros.

Os reclusos, refere o texto, são obrigados a trabalhar por apenas 23 centavos por hora (menos impostos e outras taxas) para empresas subcontratadas que fabricam peças para mísseis Patriot que custam até 5,9 milhões de dólares (cada um), o que significa que um preso teria de trabalhar quase 3000 anos, 24 horas por dia, para ser capaz de pagar o que está a fazer.

«As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen»

A administração norte-americana autoriza a Raytheon e outros a venderem os seus produtos a alguns dos governos que mais violam os direitos humanos, afirma o MintPress News, incluindo nessa lista os da Arábia Saudita, do Catar e dos Emirados Árabes Unidos.

As armas da Raytheon têm sido cruciais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, criando aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares. Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas. «Se esta história foi notícia, há seguramente muitos outros casos semelhantes que nunca chegam ao público ocidental», frisa o portal.

Reclusos na Prisão Estatal de San Quentin, Califórnia (EUA) / VCG / CGTN

Exemplos de «promiscuidade» entre Defesa e sistema prisional

Reclusos nos EUA fabricam equipamentos electrónicos, ópticos e arneses para a BAE Systems, incluindo para o seu veículo de combate Bradley, um pilar do Exército norte-americano. Por este trabalho, os presos recebem cerca de 100 dólares por mês, segundo informação divulgada.

Várias subsidiárias da BAE Systems – incluindo o fabricante de equipamentos militares e policiais Armor Holdings (que fabrica a maioria das mochilas do Exército dos EUA) e a empresa de tecnologia de câmaras, segurança e espionagem Fairchild Imaging – também aparecem na lista de empresas que vendem para a indústria prisional, elaborada pela Worth Rises.

«Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional.»

BAE Systems, General Dynamics e Lockheed Martin estão entre as empresas que mais lucram com o trabalho prisional, segundo a Worth Rises, que as marca com «nota máxima» no índice de danos.

Há diversas grandes empresas contratadas pela Defesa que também operam na indústria prisional. Um dos exemplos apontados pelo MintPress News é o da General Electric e das suas subsidiárias, envolvidas na construção e no equipamento das prisões, no fornecimento de alimentos e na supervisão dos cuidados de saúde.

Porventura, o agente mais importante na ligação da indústria prisional à militar é empresa estatal Unicor (também conhecida como Federal Prison Industries). Empregando 16 mil reclusos a nível nacional em 2021, a Unicor anunciou receitas de 528 milhões de dólares o ano passado.

Fabricando de tudo – desde têxteis até equipamentos de escritório e electrónicos –, a empresa presta um serviço vital ao complexo industrial militar, fornecendo-lhe um fluxo quase interminável de mão-de-obra cativa e praticamente gratuita para explorar, destaca o portal.

Ao contrário da Raytheon e da Lockheed Martin, que mantêm em silêncio a ligação a esta fonte controversa de trabalho, a Unicor parece orgulhar-se dela, ostentando-a na sua página de Internet.

Conversa progressista até falar o dinheiro

Muitas das 37 empresas listadas são conhecidas como fabricantes de armas, mas outras poderão não ser associadas à indústria das armas. A CACI International, por exemplo, está longe de ser um nome familiar, apesar de empregar mais de 22 mil pessoas em todo o mundo.

O principal cliente da CACI é o governo dos EUA, a quem fornece uma vasta gama de serviços profissionais e de tecnologias da informação. Localizada no Norte da Virgínia, é uma das muitas empresas que se banqueteiam com os contratos de guerra do Iraque e do Afeganistão.

«O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio.»

A CACI promove-se a si mesma como um «empregador progressista», e o seu portal está cheio de conversa sobre «diversidade» e «inclusividade», além de se vangloriar de estar na lista da Forbes do «top mais» das empresas «amigas das mulheres».

Mas esta conversa «progressista» dura até que o dinheiro fale. Em 2016, revela o MintPress, a CACI lançou uma oferta e ganhou um contrato de 93 milhões de dólares com o Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras para fazer a manutenção dos seus centros de detenção – edifícios que foram amplamente descritos como campos de concentração.

O ano passado, o director executivo da CACI, John Mengucci, referiu-se à retirada do Afeganistão como má para o negócio. E tinha razão: em 2019, a CACI assegurou um contrato de 907 milhões de dólares, por um período de cinco anos, para «fornecer operações de inteligência e apoio analítico» às forças dos EUA no Afeganistão.

Além disso, em 2021, o Supremo Tribunal dos EUA rejeitou o recurso da CACI relativo ao processo instaurado por um grupo de iraquianos pelo alegado envolvimento da empresa em tortura e agressão sexual, na célebre prisão de Abu Ghraib.

Neoliberalismo e exploração nos cárceres

As condições prisionais nos Estados Unidos estão entre as piores do mundo desenvolvido, denuncia o MintPress News. A maior parte dos estados exige que os reclusos recebam uma compensação financeira pelo seu trabalho, mas os salários podem ser embargados para pagamento de pensões de alimentos, restituições à vítima e até alojamento e alimentação. Em cinco estados – Texas, Arkansas, Alabama, Geórgia e Florida – os reclusos são obrigados a trabalhar sem qualquer pagamento.

«Isto é trabalho em condições de servidão; não se pode organizar; não pode fazer greve; não pode protestar pelas más condições. O pagamento está muito abaixo do salário mínimo», disse Hedges ao MintPress.

Assim, a enorme população prisional satisfaz as necessidades das empresas norte-americanas de duas formas: primeiro, fornece uma gigantesca reserva de mão-de-obra barata e disciplinada para explorar, ajudando-as a competir com «fábricas de miséria» na Ásia; em segundo lugar, actua como uma ferramenta disciplinadora do «trabalho livre», ajudando a acabar com os sindicatos e a reduzir os salários e as condições de trabalho em todo o país.

A Worth Rises faz parte de um conjunto de organizações que consideram que parte do trabalho prisional se assemelha à escravidão, pelo que tem feito campanha para alterar a 13.ª Emenda, que permite que a escravidão seja usada como forma de punição de um crime.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas.»

Tendo em conta que a economia foi esvaziada e os empregos foram transferidos para o estrangeiro, grande parte da população trabalhadora do país tornou-se, aos olhos das empresas norte-americanas, excedentária em relação às necessidades económicas, afirma o MintPress News.

Já não são necessários para trabalhar nas fábricas e são efectivamente inúteis para gerar lucros para outros. Hedges encara a ascensão do complexo industrial prisional como uma resposta a isto.

«Pessoas nas ruas de Detroit, Newark ou no Leste de Nova Iorque não valem nada aos olhos do Estado corporativo. Mas, se forem fechadas numa gaiola, têm capacidade para gerar 50 ou 60 mil dólares por ano para essas empresas. Então, nesse sentido, é um continuum completo [desde a escravidão]», disse.

Com quase 2,3 milhões de pessoas atrás das grades numa rede de mais de 7000 instalações, os Estados Unidos têm de longe a taxa mais elevada de encarceramento do mundo, encarcerando os seus cidadãos a uma taxa dez vezes superior à de países europeus como a Suécia ou a Dinamarca e 17 vezes mais elevada que a do Japão.

A explosão da população prisional dos EUA reflecte de perto a ascensão do neoliberalismo como a ideologia dominante, afirma o portal, precisando que, antes da administração Reagan, os números das prisões norte-americanas eram comparáveis aos da Europa. No entanto, entre 1984 e 2005, uma nova cadeia foi construída, em média, a cada 8,5 dias, atingindo o pico em 2009.

Tylek, da Worth Rises, criticou fortemente o custo e o desperdício do empreendimento. «Em muitos lugares, as populações prisionais caíram nos últimos anos. E, no entanto, os orçamentos dessas agências continuam a aumentar. Nada o justifica», disse.

A indústria prisional «para lá dos limites» tornou-se tão normalizada que é objecto de entretenimento ligeiro. Em 2020, um novo jogo, chamado «Prison Empire Tycoon», tornou-se viral, convertendo-se no jogo de estratégia número um na App Store da Apple.

O objectivo do jogo é supervisionar e administrar uma prisão com fins lucrativos. Durante o tutorial, no início, um guarda empunhando um bastão instrui os jogadores, dizendo-lhes que «o Estado paga bom dinheiro» para lidar com os «criminosos».

Reclusos na Prisão Estatal de Louisiana, em Angola (EUA) / Gerald Herbert / MintPress News

A pagar a dívida?

Uma forma de gerar mais lucro, tanto no jogo como na realidade, é transferir os custos para os próprios reclusos. As pessoas encarceradas agora têm de pagar regularmente artigos essenciais como sabão, pasta de dentes e champô, bem como chamadas para os seus entes queridos. A outros exigem-lhes co-pagamentos para consultar um médico ou para despesas de alojamento, a serem descontadas dos salários ganhos.

«Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos.»

Muitas vezes, apenas o facto de se ser enviado para um estabelecimento prisional implica uma «taxa de processamento» de 100 dólares, que os reclusos têm de pagar, enquanto aos visitantes são cobradas regularmente quantias por verificações de antecedentes. Amigos e familiares dos presos transferem 1,8 mil milhões de dólares para estabelecimentos prisionais todos os anos.

Sem outra opção, são forçados a aceitar taxas de transferência de dinheiro até 45%. Corporações financeiras como a JPay e a JP Morgan Chase fazem parcerias com instituições penitenciárias para garantir o melhor negócio para eles – e o pior negócio para os presos. Tylek disse ao MintPress: «Estar preso é muito caro. É tão caro que endivida muitas famílias que apoiam pessoas que estão encarceradas.»

Trazer as guerras para casa

Hedges, que passou muito tempo a ensinar no sistema penitenciário de New Jersey, também observou as semelhanças entre as prisões e os militares, comentando que os guardas são frequentemente recrutados nas Forças Armadas ou na Guarda Nacional. Cada vez mais, os guardas parecem-se com as equipas SWAT, com armas letais de alta tecnologia. «Tudo é militarizado», disse Hedges. E acrescentou:

«Dirigem-se a ti pelo teu número, não pelo teu nome. És obrigado a andar em fila indiana pelos corredores. Qualquer infracção […] pode fazer com que acabes por ser espancado ou atirado para a solitária e despojado dos poucos privilégios que tens. É o microcosmo perfeito do Estado totalitário.»

«À medida que os impérios decaem (...), muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro»

Por seu lado, Tylek disse que, «em muitos casos, o governo está a reagir ao crime a nível nacional da mesma forma que responde à guerra internacional. E isto deve-se ao facto de que muitos dos mesmos fornecedores estão a facultar equipamento tecnológico para esses dois ambientes».

À medida que os impérios decaem – argumentou Hedges –, muitas vezes trazem de volta a repressão que infligem no estrangeiro, usando na população nacional tácticas aprimoradas para reprimir a dissidência estrangeira.

Hoje, as comunidades pobres nos EUA estão a ser governadas de uma forma cada vez mais militarizada, nota o MintPress News, enquanto os oprimidos pelo complexo industrial prisional no país são coagidos a fornecer o seu trabalho para reforçar o complexo industrial militar no estrangeiro. E, a cada passo, as empresas norte-americanas continuam a lucrar.

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As suas armas têm sido fundamentais para os bombardeamentos levados a cabo pela coligação liderada pelos sauditas no Iémen, ajudando a criar aquilo que as Nações Unidas classificam como «a pior crise humanitária do mundo».

Desde o início da guerra de agressão, a Raytheon vendeu a Riade equipamento pelo menos no valor de 3,3 mil milhões de dólares, segundo refere o MintPress News.

Em 2018, a aviação saudita usou um míssil fabricado pela Raytheon para fazer explodir um autocarro cheio de crianças iemenitas, provocando a morte a 51 pessoas.

A indústria de armamento dos EUA também tem lucrado bastante com a actual situação na Ucrânia, tendo como base os contratos celebrados com países ocidentais que estão a aumentar as suas despesas na área da defesa.

Segundo revelou o diário The Hill na semana passada, o valor das acções da Lockheed Martin disparou quase 25% desde o início do ano, enquanto o de outras empresas do sector como Raytheon, General Dynamics e Northrop Grumman subiu cerca de 12%, cada qual.

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«Para vergar a vontade da Rússia e libertar a Ucrânia da conquista e da subjugação, muitos soldados russos têm de fugir, render-se ou morrer, e, quantos mais e mais depressa, melhor», acrescentou o apoiante das invasões do Iraque e do Afeganistão, que também pedia a guerra com o Irão.

Embora não esteja directamente no governo, Cohen trabalha para o think tank neoconservador Center for Strategic and International Studies (CSIS), que recebe fundos do governo, da indústria de armamento e das empresas de combustíveis fósseis.

De acordo com o portal norte-americano, a «perspectiva ultra-belicosa de Cohen é bastante representativa dos falcões [da guerra] em Washington» e «o seu artigo em The Atlantic permite vislumbrar de forma honesta como os planificadores imperialistas norte-americanos encaram a crise na Ucrânia: uma oportunidade para usar o povo ucraniano como carne para canhão numa guerra por procuração» contra a Rússia.

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Tendo por base uma fonte interna, o portal The Africa Report identificou os chefes de Estado presentes na reunião virtual e à porta fechada como o presidente do Senegal, Macky Sall, o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, o presidente do Congo, Denis Sassou Nguesso, e Mohamed al-Menfi, líder do Conselho Presidencial da Líbia – reconhecido por alguns países como governo legítimo do país norte-africano, que continua dividido territorialmente desde a que a NATO iniciou a sua destruição, em 2011.

Na sessão com Zelensky, esteve ainda presente o político chadiano Moussa Faki Mahamat, actual presidente da Comissão da UA, além de alguns diplomatas de outros países.

Da parte da UA, nota-se uma tentativa de manter o evento o mais discreto possível, uma vez que não há qualquer alusão a ele nem na página oficial, nem na conta de Twitter do organismo.

A referência oficial ao encontro foi feita por Moussa Faki Mahamat na sua conta de Twitter, afirmando que «reiterava a posição da UA de urgente necessidade de diálogo para acabar com o conflito, de modo a permitir que a paz regresse à região e a restaurar a estabilidade global».

A «comunidade internacional»

A este propósito, o Multipolarista lembra que os Estados Unidos e a União Europeia afirmam com frequência que agem em nome da «comunidade internacional», mas eventos como este mostram que a «comunidade internacional» a que Washington e Bruxelas se referem representa cerca de 15% da população mundial – sendo que Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão também são «comunidade internacional».

A vasta maioria da população mundial, que reside no chamado Sul Global, assumiu uma posição neutral em relação ao conflito em curso na Ucrânia. São exemplo disso países como a China, o Bangladesh, a Índia, o Paquistão, o Brasil, o México, o Vietname ou a Etiópia.

Outros, como a África do Sul, o Irão, a Venezuela, Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte ou Eritreia, mesmo apelando ao diálogo e à paz, não hesitaram em apontar os Estados Unidos e a NATO como os verdadeiros causadores da actual crise na Ucrânia.

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NATO e nazismo, uma irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e os nazi-fascismos é um facto.

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos mainstream media ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi Wolfsangel na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.
Créditos / twitter

Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?

Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.

«Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália? Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte»

É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.

Vamos então a factos.

Os Irmãos da Floresta

A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer1.

Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.

Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos2.

«é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?»

Pois os Irmãos da Floresta são agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível «ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.

Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3

O regimento Azov

Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo «a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência».

Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe «democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .

O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.

Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.

A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.

Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».

Abdelhakim Belhadj

Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações «libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».

Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.

Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de «libertar Damasco».

Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.

A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.

Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de «democracia» em que vivemos.

Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –, Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.

O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.

Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.

Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.

O santuário nazi de Turim

Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.

O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.

Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.

Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.

A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.

É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.

A grande irmandade

Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado», fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.

Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.

É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.

  • 1. Note-se que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela Alemanha nazi do que os próprios alemães.
  • 2. No período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953. O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua verdadeira natureza.
  • 3. Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
  • 4. O regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista, além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros, saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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O periódico britânico The Guardian publicou uma peça em Março na qual reconhece que muitos países africanos «se lembram do apoio de Moscovo à libertação do jugo colonial», permanecendo no continente um «forte sentimento anti-imperialista».

A mesma peça afirmava que alguns países africanos «apelam à paz mas apontam a expansão da NATO para leste como responsável pela guerra, queixando-se dos "dois pesos e duas medidas" do Ocidente e resistindo a criticar a Rússia».

Mas as proximidades não se justificam apenas pelo passado. A Rússia tem importantes relações comerciais com África e, sendo um dos principais produtores de trigo mundiais, é uma fonte importante de alimentos para o continente.

«Se a insegurança alimentar é um problema endémico em países africanos antes colonizados e que foram devastados por séculos de imperialismo ocidental, os Estados Unidos ameaçaram tornar esta crise ainda pior», destaca o Multipolarista.

Segundo refere The New York Times, a administração norte-americana tem estado a pressionar países africanos para que não comprem trigo russo.

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Chegámos, portanto, a um confronto existencial entre uma ordem vigente decadente (a História ensina-nos que os impérios acabam) e uma ordem nascente funcionando segundo novos mecanismos de coexistência internacional suportados pela cooperação mutuamente vantajosa e igualitária entre Estados fortemente soberanos. Exactamente o oposto do colonialismo e do imperialismo vigentes.

Os senhores do mundo, habituados a porem e disporem de um planeta submetido às suas ordens, interesses e rapinas, reagem muitas vezes sem nexo e lucidez às transformações. Não as admitem e com a finalidade de as travarem inventam «regras» sempre em formato de guerra, sanções e outras arbitrariedades penalizadoras para tentarem manter um sistema de diktat internacional cada vez mais feroz. A guerra é, como se percebe, a única ferramenta a que recorrem para tentarem atingir os seus fins.

A cultura da guerra, da violência e da mentalidade de confronto como norma fundamental no contexto de um pensamento único define, por isso, a essência dos anos que este século tem de vida.

Reaccionário por inerência, o imperialismo ataca as mudanças em estilo cada vez mais precipitado e desesperado, como é próprio de quem sente que entrou num beco sem saída. Foi tudo isso que a Cimeira da NATO expôs em Madrid e que nem a irresponsável euforia mediática, funcionando como central de propaganda belicista onde a palavra «paz» tem conotações subversivas, conseguiu disfarçar.

Entre a velha ordem e a consolidação das transformações susceptíveis de criar um novo sistema de relações entre nações que se respeitam independente das características que assumam os seus governos, existe um interregno que começámos a atravessar. Um período extremamente perigoso, instável, propício ao aparecimento de comportamentos irresponsáveis, terroristas e persistentemente provocatórios. A Cimeira da NATO confirmou, tragicamente, a actualidade destas ameaças de alto risco.

«Entre a velha ordem e a consolidação das transformações susceptíveis de criar um novo sistema de relações entre nações que se respeitam independente das características que assumam os seus governos, existe um interregno que começámos a atravessar.»

Como existem milhares de armas nucleares nos arsenais de pouco mais de meia dúzia de países, a situação tornou-se aterradora para a espécie humana. Já repararam certamente que os senhores do império deixaram, de um momento para o outro, de falar em alterações climáticas, «transições digitais» e economias «verdes», e não hesitam sequer em recorrer de novo ao carvão como fonte de energia. O que confirma o princípio defendido pelos verdadeiros pacifistas e ecologistas de que o combate à guerra é a prioridade da luta pela sobrevivência do planeta, nunca devendo estar isolado das acções contra os problemas ambientais e vice-versa. Uma bomba nuclear provoca em minutos as catástrofes que as mudanças climáticas ameaçam fazer em décadas.

Nada do que se passou na Cimeira da NATO é tranquilizador em relação aos tempos que estamos a viver. Pelo que é urgente restabelecer uma cultura de paz mesmo que isso represente um comportamento subversivo perante os senhores que nos governam e os seus esbirros mediáticos, que persistem em tentar robotizar-nos em modo suicida de pensamento único.

Exclusivo AbrilAbril

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Enquanto tem vindo a ganhar terreno na região de Idlib, a Turquia regressou ao velho objectivo de ocupar uma zona tampão no Norte e Nordeste da Síria invocando, como sempre, a sua guerra contra os curdos.

Os curdos da região, porém, estão às ordens das tropas norte-americanas dentro das Forças Democráticas Sírias (FDS), na companhia de efectivos do ISIS pretensamente regenerados. O seu objectivo é travar os esforços do exército sírio para alargar territorialmente a soberania de Damasco.

No plano teórico, esta situação regional poderia acarretar um diferendo, até de índole militar, entre dois aliados dentro da NATO, os Estados Unidos e a Turquia. Porém, a experiência diz-nos que os arrufos da Turquia se dissolvem com relativa facilidade no interior da aliança – como foi o caso das inconsequentes «ameaças» turcas em relação ao arranque do processo de anexação da Suécia e da Finlândia pela organização atlantista. A NATO convive esplendidamente com regimes autocráticos e mesmo iliberais no seu interior. O neo-otomanismo de Erdogan acaba por ser um NATOmanismo.

«As forças norte-americanas de ocupação têm ainda outra missão: controlar todas as fontes de combustíveis fósseis da Síria para roubar petróleo de modo a sabotar a restauração da normalidade energética pelo governo de Damasco»

Acresce que na região setentrional da Síria o sector curdo não incomoda a Turquia porque foi reconvertido do «marxismo-leninismo» a uma espécie de «anarquismo ecológico» e supostamente «contemplativo» pelos seus tutores do regime de Israel, conhecido como um grande adicto do pacifismo. De modo que as Forças Democráticas Sírias sob controlo norte-americano, dominadas por curdos em aliança com o ISIS, deixam a Turquia em paz e actuam em exclusivo contra as tropas soberanas sírias.

As forças norte-americanas de ocupação têm ainda outra missão: controlar todas as fontes de combustíveis fósseis da Síria para roubar petróleo de modo a sabotar a restauração da normalidade energética pelo governo de Damasco; e também, agora com maior acuidade, para o pôr a circular nos mercados internacionais. Quem sabe, talvez a União Europeia venha a consumir desse petróleo saqueado – e certamente a preços bem mais altos do que os praticados com o petróleo russo. Iniciado por Trump, este roubo tem continuado na administração Biden, no âmbito de uma prática cada vez mais comum de rapina transnacional que saqueia biliões de reservas de ouro e monetárias de países que não se submetem ao diktat atlantista imposto de Washington. É, como se sabe, uma expressão da «ordem internacional baseada em regras».

Guerras boas e guerras más?

Ao quadro geral da instabilidade síria acresce a guerra que Israel trava contra Damasco, alegadamente para atingir os meios operacionais iranianos que actuam em aliança com o exército de Damasco na resistência à agressão ocidental.

Raro é o dia em que a Força Aérea de Israel não bombardeia a Síria, perante o silêncio da chamada «comunidade internacional» e do aparelho global de propaganda, empenhado na intoxicação das populações com a única versão oficial dos acontecimentos internacionais: a guerra contra a Ucrânia é «má»; a guerra de Israel contra a Síria, sempre que noticiada, é «boa».

«Raro é o dia em que a Força Aérea de Israel não bombardeia a Síria, perante o silêncio da chamada «comunidade internacional» e do aparelho global de propaganda, empenhado na intoxicação das populações com a única versão oficial dos acontecimentos internacionais»

Israel tem a sua agenda própria para estes ataques: mostrar quem tem o poder para controlar o Médio Oriente; sabotar a restauração do acordo internacional sobre as questões nucleares iranianas; consolidar a ocupação e a anexação ilegais dos Montes Golã sírios e manter em aberto as condições propícias à consumação de uma tão desejada agressão internacional contra o Irão. Por outro lado, a guerra de Israel contra a Síria insere-se na agressão internacional perpetrada desde 2011 no âmbito da NATO. O regime sionista é dos mais interessados na destruição do Estado sírio e no desmantelamento territorial do país, potencialmente um dos mais poderosos da região, que se mantém solidário com os direitos nacionais do povo palestiniano, com a soberania do Líbano e outras frentes de resistência ao expansionismo de Israel. Recorda-se que o desmantelamento de outro dos mais poderosos Estados do Médio Oriente – o Iraque – continua a ser o objectivo central da agressão internacional contra o país, seja por acção directa, seja por procuração terrorista.

De maneira que existem actualmente na Síria circunstâncias em banho-maria e outras em agravamento a que os Estados Unidos e a NATO poderão recorrer à medida que a derrota do nazismo ucraniano se vai consumando. Embora a possibilidade de virar o rumo dos acontecimentos a favor de Kiev não passe de uma ilusão de teor propagandístico, para animar tropas, as organizações nazis e a conspiração mediática internacional, restam as esperanças concretas atlantistas de prolongar a guerra na Ucrânia criando o tal desejado «pântano» para as tropas russas. A situação síria pode ser útil para as tentativas de concretizar este objectivo.

«O regime sionista é dos mais interessados na destruição do Estado sírio e no desmantelamento territorial do país, potencialmente um dos mais poderosos da região, que se mantém solidário com os direitos nacionais do povo palestiniano, com a soberania do Líbano e outras frentes de resistência ao expansionismo de Israel.»

Um regresso à guerra generalizada na Síria é susceptível de criar embaraços estratégicos à Rússia, pois as forças militares de Moscovo serão confrontadas com duas frentes de guerra activas, o que exige um esforço militar bastante maior a não ser que haja alguma desactivação do envolvimento num dos casos, que seria certamente o do Médio Oriente. Nessa hipótese, a NATO em aliança com os mercenários da al-Qaida e do ISIS, «moderados» por exigências da propaganda, poderia ganhar alento na tarefa de esfrangalhar a Síria e reclamar assim, finalmente, uma gloriosa vitória. Há que ter em conta, contudo, que tanto na Síria como na Ucrânia a Rússia está a usar sectores bastante limitados do seu poder militar global, uma situação que poderá não se manter se as condições se alterarem radicalmente.

No horizonte estaria então, ou já está mesmo, uma interligação aterradora entre as guerras da Síria e da Ucrânia tendo como consequência uma multiplicação exponencial dos riscos de confronto directo entre tropas da NATO/Estados Unidos e da Rússia. Além de serem muito mais amplas as condições propícias a uma grande provocação capaz de transpor o conflito para dimensões e consequências imprevisíveis. Recorda-se que a Síria tem funcionado como um «laboratório» terrorista para ensaios de operações de bandeira falsa, concretamente através de encenações de ataques químicos para acusar o governo de Damasco – obviamente com a cumplicidade dos seus aliados russos.

Os conflitos da Ucrânia e da Síria são assim complementares nos perigos que representam, tornando no fundo as guerras de agressão e sem fim dos Estados Unidos e aliados, como as do Iraque, da Líbia, do Iémen, da Somália e as situações na Palestina e no Saara Ocidental comparáveis na mesma dimensão e actualidade à situação ucraniana. Dizer o contrário, como corre por aí, é próprio de intelectuais oficiais do regime voluntariamente desfasados da realidade, destacando-se um, especialmente prolixo, que pratica História a la carte, tem sempre o cuidado de escrever «império americano» entre aspas e guarda extremosamente no cantinho das relíquias uma Rússia no caos, governada e saqueada por Washington através de uma marioneta etilizada.

«Não é por isso que a paz deixa de ser a única solução para conflitos como os da Ucrânia e da Síria, embora a palavra tenha desaparecido do dicionário da opinião única.»

É o mesmo lapidador e fiscal da opinião única para quem os defensores da paz, palavra que ele também escreve entre aspas, encaram a guerra como se fosse uma coisa «abstracta».

Não é por isso que a paz deixa de ser a única solução para conflitos como os da Ucrânia e da Síria, embora a palavra tenha desaparecido do dicionário da opinião única.

Daí o enorme risco que corre a humanidade no caso de que, como muitas coisas o indicam, o agravamento do conflito sírio acabe por multiplicar para lá da Ucrânia os riscos de conflagração directa entre as duas maiores potências militares.

Para a NATO e os seus aliados terroristas nazis e «islâmicos» essa apresenta-se como uma estratégia atraente para tentar diluir num conflito de vastas proporções as sucessivas derrotas militares que vêm acumulando. Um conflito obviamente concreto que só pode ser impedido por caminhos realistas e corajosos em direcção a uma paz concreta. O problema é que para o Ocidente e a sua civilização «excepcionalista», militarista, expansionista, colonialista e xenófoba a paz tem de ser um conceito abstracto, ou mesmo já extinto.

Exclusivo AbrilAbril

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Sobretudo num momento em que a esmagadora maioria desses países se sentem atraídos pela nova ordem mundial verdadeiramente multipolar em desenvolvimento, propícia para lhes permitir cortar, finalmente e como nunca, as seculares amarras coloniais.

Sobre a mesma matéria, já na última cimeira da NATO a “diplomacia portuguesa” (na verdade, uma ficção) fora incumbida de puxar as orelhas a Moçambique por não ter votado contra a Rússia na Assembleia Geral da ONU. Há realmente mentalidades arrogantes que não mudam, a menos que sejam liminarmente erradicadas pelas vítimas – o que vai acontecendo com uma convicção cada vez mais eficaz. Os chicotes esclavagistas já não estalam como outrora

2 de Maio: a escolha milimétrica

Repescando nos excertos das declarações do chefe e dos prestidigitadores da delegação portuguesa não é possível encontrar qualquer incitamento à realização de negociações e à procura da paz na Ucrânia.

Não era de esperar uma atitude diferente nos círculos maioritários do Parlamento português onde, a exemplo dos outros órgãos de poder actuando globalmente como simples correias de transmissão de Washington/NATO e da União Europeia, a paz só pode ser encontrada quando a guerra terminar com a derrota e a extinção da Rússia. Assim o determinam o tartamudo Biden, Van der Leyen, Borrel e a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, uma espécie de dona disto tudo, uma dirigente “verde” que tem com a ecologia uma relação similar à do Bloco de Esquerda com a esquerda. O fenómeno ecológico-militarista existe, aliás, há mais de 20 anos, pois já o chefe verde alemão da época, Joschka Fischer, foi um dos principais estrategos da agressão terrorista da NATO contra a Sérvia e da invenção provocatória do Kosovo.

«Repescando nos excertos das declarações do chefe e dos prestidigitadores da delegação portuguesa não é possível encontrar qualquer incitamento à realização de negociações e à procura da paz na Ucrânia.»

Um dos principais sintomas da rejeição da paz e da aposta na continuação da matança implicitamente manifestados pela delegação parlamentar portuguesa em Kiev foi a coincidência minuciosa da data do início da visita com a da celebração dos nove anos do crime que transformou antagonismos comunitários no conflito armado existente: o massacre de Odessa. Exactamente em 2 de Maio de 2014, poucas semanas depois do golpe fascista de Maidan organizado pelos Estados Unidos, começou uma agressão militar e paramilitar nazi da junta de Kiev (escolhida em Washington) contra a população maioritariamente russófona do Leste e Sudeste da Ucrânia. Uma operação que rapidamente adquiriu as características de limpeza étnica e originou a fuga de milhões de pessoas, sobretudo para a Rússia. E cujo acolhimento humanitário, principalmente das crianças, esteve na origem da zelosa diligência do Tribunal Penal Internacional (TPI) ao ordenar a captura do presidente da Rússia por “crimes de guerra”. Quem lê a história ao contrário jamais se entenderá com ela e corre sérios riscos de ser atropelado pela sua dinâmica.

Nesse dia 2 de Maio, bandos terroristas enquadrados pelos nazi-banderistas do Sector de Direita de Dmytro Yarosh – posteriormente, em 2021, promovido a conselheiro principal do chefe das Forças Armadas, general Valerii Zalushny – atacaram manifestantes na cidade de Odessa que se opunham à junta de Kiev e reivindicavam o federalismo para o país, forçados então a proteger-se no interior da Casa dos Sindicatos. A horda banderista lançou fogo ao edifício, dentro do qual mais de 40 pessoas foram incineradas. Outras perderam a vida depois de, em desespero, se terem lançado através das janelas do edifício, transformadas em tochas humanas. Uma outra foi assassinada nas mãos dos terroristas. Foram 48 as vítimas mortais, sem que ainda ninguém tenha sido punido pelos crimes. Há apenas um acusado de homicídio, mas as sucessivas manobras dilatórias nos tribunais têm evitado qualquer julgamento.

«Exactamente em 2 de Maio de 2014, poucas semanas depois do golpe fascista de Maidan organizado pelos Estados Unidos, começou uma agressão militar e paramilitar nazi da junta de Kiev (escolhida em Washington) contra a população maioritariamente russófona do Leste e Sudeste da Ucrânia.»

O comandante operacional do atentado foi um alto quadro do grupo nazi Sector de Direita, Dmytro Kotsybaylo, condecorado por Zelensky como “herói da Ucrânia” em 2021, em pleno Parlamento (Rada); faleceu recentemente em Artmovsk, cidade de fundação russa a que o regime de Kiev chama Bakhmut, e provavelmente não foi vítima de causas naturais.

O criminoso comandante nazi-banderista foi enterrado como “herói” e Zelensky compareceu na cerimónia fúnebre. Ignora-se se o presidente da junta de Kiev convidou os visitantes portugueses a visitar o túmulo do carrasco de Odessa, ocasião que poderia igualmente ser aproveitada para depor flores singelas na sepultura do pai e mentor do regime, Stepan Bandera, responsável directo e indirecto por chacinas praticadas contra judeus, polacos, resistentes soviéticos e milhões de ucranianos que fizeram frente à barbárie nazi. Seria um acto chocante? Também a insensibilidade manifesta perante o extermínio de um povo o é.

Mesmo que essas homenagens não tenham sido possíveis, a presença de SS e companhia no Parlamento de Kiev teve um significado equivalente.

Em primeiro lugar deve registar-se que os viajantes prestidigitadores, num golpe de magia negra, fizeram da Assembleia da República uma réplica da Assembleia Nacional, colocando-a ao mesmo nível da câmara legislativa dos visitados. A fraternidade manifestada em relação a uma espécie de União Nacional ucraniana foi como se limpassem o 25 de Abril da Casa da Democracia.

E o presidente da Assembleia da República, perorando como se fora Amaral Netto, o seu antecessor de 24 de Abril de 1974, dirigiu-se a uma assistência da qual foram há muito banidos todos os representantes da oposição mas na qual estão presentes quadros nazi-banderistas disseminados pelos partidos de Zelensky e Porochenko, uma vez que as suas verdadeiras organizações não têm suficiente apoio eleitoral. Como em qualquer ditadura nazi, sustentam o regime através do terror, da repressão e da chantagem conspirativa, usando e abusando da polícia política a la Gestapo, o SBU.

«Em primeiro lugar deve registar-se que os viajantes prestidigitadores, num golpe de magia negra, fizeram da Assembleia da República uma réplica da Assembleia Nacional, colocando-a ao mesmo nível da câmara legislativa dos visitados. A fraternidade manifestada em relação a uma espécie de União Nacional ucraniana foi como se limpassem o 25 de Abril da Casa da Democracia.»

Pelo menos 12 partidos políticos estão proibidos na Ucrânia; e os cidadãos a quem tenham sido detectadas ligações a essas organizações são privados dos direitos cívicos e eleitorais. Entre os partidos proibidos figura o “Socialistas”, que se considera pró-europeu e fez circular uma eufórica mensagem de congratulação quando o PS/Costa conquistou a maioria absoluta nas eleições portuguesas. SS, Brilhante Dias, para já não falar dos restantes membros da equipa da Assembleia da República, não parecem sentir que esta medida de teor salazarista manche a venerada democracia ucraniana, nem mesmo quando as vítimas são encartados compagnons de route.

Na sua oração parlamentar, Santos Silva prometeu que a “diplomacia portuguesa” fará tudo pela integração da Ucrânia na União Europeia e estará mesmo disposta a lutar para “reduzir” os requisitos exigidos, de maneira a facilitar “esta nova dinâmica de alargamento”. Talvez o fim das decisões por unanimidade, como vem sendo reclamado pelos mais democratas entre os democratas e federalistas da UE. Tudo em nome da ditadura “democrática” em vigor na Ucrânia.

Missão cumprida

SS e os seus prestidigitadores regressaram a Portugal provavelmente com a consciência de que cumpriram a missão: garantir o apoio à Junta de Kiev no seguimento, aliás, dos 250 milhões de euros que António Costa retirou aos contribuintes portugueses com elevadas hipóteses de servirem para alimentar o império imobiliário de Zelensky em Londres, Miami e sabe-se lá mais onde, sem contar com as suas contas offshore confirmadas pelas investigações de jornalistas independentes (ainda sobram alguns); e da entrega pelo governo de Lisboa a Kiev de aviões Kamov russos oferecidos por Moscovo para combater incêndios, além de pelo menos dois tanques, ao que parece já coxos; mas o que conta é a intenção ainda que, provavelmente, já tenham sido reduzidos a sucata.

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Pelo menos 12 partidos políticos estão proibidos na Ucrânia; e os cidadãos a quem tenham sido detectadas ligações a essas organizações são privados dos direitos cívicos e eleitorais.

Embora, segundo a confraria política e a máfia mediática corporativa, a democracia ucraniana avance a todo o vapor, nem tudo parece perfeito. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) “detectou alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e incomunicáveis, tortura e maus-tratos perpetrados com impunidade pela polícia ucraniana, principalmente por membros dos serviços secretos SBU”. Andou, provavelmente, mão de Putin na elaboração deste parecer.

Até o Departamento de Estado norte-americano, a chefia de SS, constatou que “a ONU observou deficiências significativas na investigação sobre abusos de direitos humanos pelas forças de segurança do governo (…) e alegações de tortura, desaparecimentos forçados”. Outra vez a mão de Putin?

Embora o tempo fosse pouco, deveria a delegação portuguesa, apesar das suas arreigadas convicções, ter procurado possíveis fontes independentes para se inteirar com maior profundidade da realidade ucraniana. O relatório final da missão, se chegar a ser elaborado, dir-nos-á – ou não – se os deputados portugueses fizeram algum esforço para respeitar essa obrigação.

Saberemos então se SS e acompanhantes se aperceberam de que a Lei dos Povos Autóctones, promulgada por Zelensky, institui um regime racista que favorece, em direitos, os ucranianos puros em relação aos que têm origens familiares noutros países mas são cidadãos nacionais desde a independência, em 1991; de que as línguas minoritárias, designadamente russo, húngaro e romeno, não podem ser ensinadas, estudadas e usadas livremente; de que, além da ilegalização de todos os partidos políticos da oposição, existe na internet uma “lista de pacificação” incluindo os nomes e minuciosos dados pessoais dos “inimigos do Estado”, ficando assim expostos ao terror nazi público, partidário e privado; de que as rádios e TV’s públicas e privadas foram intervencionadas para que tenham uma programação única gerida pela presidência e a polícia política; de que os jornais e outras publicações de oposição ou em línguas que não seja o ucraniano foram proibidos; de que jornalistas, opositores políticos, deputados, sindicalistas e membros de partidos proibidos, além de um participante governamental nas negociações de paz de Istambul, em Março de 2022, foram assassinados ou “desapareceram”; de que existem campos de férias financiados pelo Estado destinados apenas a “crianças brancas” e nos quais é ministrado treino militar associado à doutrina banderista, incluindo a pré-adolescentes; de que milhões de livros, entre eles clássicos mundiais de outras culturas, que não a ucraniana, estão a ser destruídos.

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Nave dos loucos

A paz tornou-se gradualmente um conceito vazio, transformado propagandisticamente num instrumento ideológico cultivado apenas por minorias supostamente transviadas, por isso vilipendiadas e silenciadas em clima inquisitorial.

Pelo menos 16 pessoas morreram em bombardeamentos na cidade de Donetsk, capital da auto-proclamada República Popular de Donetsk. O ataque contra a população civil, perpetrado pelas forças armadas ucranianas, incidiu sobre o bairro de Kuibyshevsky. Duas das vítimas eram crianças. 19 de Setembro de 2022 
CréditosBruno Carvalho

Esqueçam as alterações climáticas, o aquecimento global, a pegada de carbono, as mil e uma sustentabilidades prometidas, as energias alternativas, os glaciares a derreter e os mares a subir, as agendas verdes e outros assuntos sérios relacionados com a sobrevivência do planeta. Como há muito se sabe, e agora se tornou existencial para todos nós, a guerra é a principal ameaça contra a Terra e todos os seres vivos que a habitam. Não há combate possível e eficaz contra os problemas parcelares se a guerra não for eliminada, isto é, se não forem encontradas e aplicadas fórmulas de paz capazes de neutralizar a opção dominante pelos conflitos armados.

Alguém acredita que possa ser estabelecido um sistema funcional e global de luta contra as alterações climáticas num mundo em guerra tal como aquele em que vivemos hoje? O recurso a armas de extermínio – de que já estivemos muito mais longe – é capaz de provocar em escassos minutos a extinção da vida do planeta que a degradação do clima pode demorar décadas ou séculos a consumar. O pensamento único dominante inverteu as prioridades de acção, optando no sentido da minimização ou mesmo do risco da extinção da vida, e, por incrível que pareça, isso não aconteceu por acaso. É obra de sociopatas, os que governam efectivamente o mundo de leste a oeste, de norte a sul e perderam a noção de que a própria defesa dos interesses das poderosas elites minoritárias para quem trabalham deveria ter limites, quanto mais não seja o da sobrevivência da humanidade.

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Nasceu o neoliberalismo climático

Salvar o planeta de quê? Das alterações climáticas, de que mais haveria de ser? Haverá mais coisas assim tão ameaçadoras com que tenhamos de nos preocupar?

Manifestação do grupo ambientalista Extinction Rebellion em Londres, a 15 de Abril de 2019.
Créditos / Sky News

Salvar o planeta! Ora aí está uma causa nobre, por certo não fracturante, à medida do mainstream, padronizada segundo as normas da opinião única, enfim polémica quanto baste porque os seus opositores são encabeçados por figuras que estão de passagem, como Donald Trump, por certo uma excepção na tão recomendável classe bipartidária e monolítica dos Estados Unidos da América. Atentemos nos casos de Obama, de Hillary Clinton, consabidamente tão amigos do planeta e do ambiente.

Salvar o planeta de quê? Das alterações climáticas, de que mais haveria de ser? Haverá mais coisas assim tão ameaçadoras com que tenhamos de nos preocupar?

Na verdade, parece não haver coisa mais necessário na sociedade global em que vivemos do que mobilizar-nos no urgentíssimo e justíssimo combate contra a degradação do ambiente e as mudanças climáticas dela decorrentes.

«Os expoentes do capitalismo na sua versão fundamentalista neoliberal estão em pleno desenvolvimento de uma operação de apropriação das questões ambientais tentando impor uma milagrosa quadratura do círculo. Ou seja, o capitalismo que envenena o planeta, que o põe diariamente em risco, surge como salvador do planeta privatizando uma justíssima causa para que lhe seja possível, com grande ajuda do sistema mediático, arrastar massas que sofrem de genuínas inquietações à mistura com ingenuidade e vulnerabilidades»

Mobilizemo-nos, pois. Sigamos as marchas juvenis e coloridas inspiradas algures nos meandros onde se move essa tão carismática como recatada figura de George Soros, conhecido como «filantropo», um verdadeiro papa do globalismo, do neoliberalismo, reconhecido patrono ou mesmo proprietário da democracia autêntica.

Sigamos Greta Thurnberg lamentando os seus «sonhos perdidos», juntemo-nos ao Eng.º Guterres, a quem as aflições do clima proporcionaram uma energia interventiva até agora desconhecida, sobretudo desde que se tornou secretário-geral da ONU; acompanhemos Obama, Mark Zuckerberg, Al Gore, Richard Branson e outros patronos do movimento de Greta Thurnberg; desfilemos de braço dado com o benemérito Bill Gates, agora dedicado à causa dos negócios da geoengenharia a bem do ambiente, com as comissárias e os comissários europeus, os generais da NATO, os poluidores e as suas vítimas, todos irmanados nesta imensa vaga regeneradora que a muitos parece cativar e verdadeiramente não tem inimigos pois todos habitamos nesta Terra e 2030, «o ponto de não retorno», é já amanhã.

Além disso, «não há planeta B», como muito bem recordou o prof. Marcelo mesmo que, desta feita, a autoria do sound bite não lhe pertença.

O sistema autorregenera-se

A crer nesta espécie de «revolução colorida» – o que não é de espantar, pois várias outras têm a chancela inconfundível do «filantropo» Soros – o seu êxito não suscita grandes dúvidas, porque estão mais do que identificadas as causas da revolta do clima.
O segredo não estará, ao que parece, em atacá-las mas sim em «adaptar-nos» a elas e acreditar que os grandes poluidores industriais se converterão beatificamente à causa; os gigantes do agronegócio transnacional deixarão benevolamente de destruir os solos, esbanjar água e expandir a seca; os monstros da indústria mineira global, comovidos pela grande movimentação, deixarão de contaminar os solos para os expurgar de riquezas; os negociantes de madeiras não mandarão acender nem mais um fósforo nas florestas; os magnatas do petróleo abandonarão o fracking e deixarão os mares e os solos em paz, genuinamente convertidos às energias renováveis; os impérios do armamento chegarão à conclusão de que as actividades amigas do ambiente são muito mais interessantes que as guerras, quiçá até do ponto de vista económico; os generais e outros senhores do militarismo deliberarão espontaneamente que o dinheiro investido em armas, sobretudo as nucleares, deve ser transferido para o combate à fome no mundo.

«O sistema que ganha destruindo o planeta é o mesmo que continua a ganhar pretensamente «adaptando-o» às mudanças – não atacando as causas e manipulando multidões. Por isso, de acordo com a sua estratégia, a nobre causa da luta contra as alterações climáticas, que mobiliza dezenas de milhões de pessoas genuinamente alarmadas, tem de ser isolada de outras que, na realidade, lhe são afins e complementares»

Os grandes interesses económicos do planeta, desde o grande especulador financeiro ao incansável barão da droga, curvar-se-ão, enfim, perante os activismos desinteressados que decidiram salvar a harmonia climática poupando, ao mesmo tempo, o sistema que a destrói. O capitalismo ecológico, o neoliberalismo climático estavam, afinal, a umas mobilizações bem comportadas e a uns discursos lamurientos de distância. E sem que a ordem que nos governa seja minimamente beliscada. Como não nos havíamos lembrado disto antes? Mas talvez ainda estejamos a tempo, mais vale tarde do que nunca, os destrambelhamentos climáticos serão domesticados. Com uma condição: que os aceitemos e nos adaptemos, como recomenda, sábio, Bill Gates. A «adaptação» será, afinal, a alma do negócio.

Nada de distracções

Mas atenção: foco total, nada de distracções, dedicação absoluta à «adaptação» do planeta às alterações climáticas e sempre no quadro da ordem estabelecida. Caso contrário, a ameaça persistirá.
Não há que esbanjar esforços em causas fracturantes e que, como se percebe pelo consenso quase global suscitado pelo caos climático, acabam por ser marginais.
Em poucas ou nenhuma ocasião como esta vamos encontrar do mesmo lado da barricada as paupérrimas vítimas das inundações do Bangladesh e o presidente do Goldman Sachs, o banco que, segundo o próprio, desempenha o papel de Deus na Terra; ou o indígena da Amazónia e o presidente cessante do Banco Central Europeu, Mario Draghi; ou os sudaneses vítimas da seca e os todo-poderosos dirigentes do Carlyle Group.

«Atendendo à gravidade dos cenários que ameaçam o planeta, o mais natural seria transformá-los numa causa única e poderosa capaz de reduzir os riscos. Defender a Terra e os sistemas de vida que nela existem seria uma acção muito mais eficaz e abrangente se interligássemos as lutas contra as alterações climáticas, a guerra, a pobreza, as desigualdades, as agressões aos direitos humanos, a escravatura e outras»

O mesmo não acontece com outras situações que suscitam mobilizações, mas nunca com esta amplitude e consenso. É o caso das guerras que se multiplicam pelo mundo, ou das crescentes desigualdades e do fosso que se alarga entre a maioria de pobres e a minoria de ricos, da acumulação de armas, sobretudo as nucleares, da globalização do trabalho escravo, dos milhões de desalojados e refugiados.
São, de facto, problemas em torno dos quais não encontramos mobilizações tão massivas, uma tal convergência de opiniões, uma cobertura tão abrangente dos meios de comunicação globais.

Fizeram-se – e fazem-se – manifestações contra as guerras, acções contra as injustiças e as desigualdades, iniciativas contra a pobreza, a fome ou os refugiados. Mas nela não encontraremos as figuras que lhe dão peso, prestígio e fama como Obama, o Eng.º Guterres, o presidente do Goldman Sachs, o diligente Bill Gates ou a presidente da Comissão Europeia. E se, por uma hipótese absurda, algum jovem ou alguma jovem assumir um papel semelhante ao de Greta Thurnberg, mas em defesa da eliminação total das armas nucleares, certamente não lhe será facultado o púlpito dos oradores nas Nações Unidas e não será transformado em ícone pela comunicação mainstream. Pelo contrário, não tardaria a ter à perna a comunidade global de espionagem e certamente seria tratado como reles agente russo ou chinês.

«Não conseguiremos encontrar na luta contra a guerra as mesmas vedetas globais e a mesma projecção da suposta luta contra as alterações climáticas. Em boa verdade, essas figuras dizem estar do lado do ambiente enquanto promovem as guerras e o negócio de armas, ao mesmo tempo que geram milhões de desalojados e refugiados»

No entanto, a proliferação de guerras e de armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos pode provocar amanhã, depois de amanhã, de uma penada, os efeitos que as alterações climáticas produzem gradualmente e que têm ponto de não retorno agendado para 2030, segundo as previsões mais repetidas. Porém, ao que parece por aquilo a que temos vindo a assistir, a crise do clima é certa enquanto a destruição do planeta por um conflito global pode acontecer ou não, saibamos correr riscos… Portanto, nada de alarmismos e, sobretudo, de dispersões em relação à causa definitiva, a da «adaptação» às derrapagens do ambiente.


E se ligássemos tudo?

Atendendo à gravidade dos cenários que ameaçam o planeta, o mais natural seria transformá-los numa causa única e poderosa capaz de reduzir os riscos. Defender a Terra e os sistemas de vida que nela existem seria uma acção muito mais eficaz e abrangente se interligássemos as lutas contra as alterações climáticas, a guerra, a pobreza, as desigualdades, as agressões aos direitos humanos, a escravatura e outras.

Esta seria a ordem natural das coisas.

Mas não a ordem natural do sistema em que vivemos.

«se, por uma hipótese absurda, algum jovem ou alguma jovem assumir um papel semelhante ao de Greta Thurnberg, mas em defesa da eliminação total das armas nucleares, certamente não lhe será facultado o púlpito dos oradores nas Nações Unidas e não será transformado em ícone pela comunicação mainstream»

Ao associar as causas amigas do planeta seríamos conduzidos, inevitavelmente, à evidência que a defesa da Terra é, em si mesma, uma causa fracturante. Não conseguiremos encontrar na luta contra a guerra as mesmas vedetas globais e a mesma projecção da suposta luta contra as alterações climáticas. Em boa verdade, essas figuras dizem estar do lado do ambiente enquanto promovem as guerras e o negócio de armas, ao mesmo tempo que geram milhões de desalojados e refugiados.
Negócio é, de facto, a palavra-chave, o conceito que transpõe de forma traiçoeira, enganosa e oportunista a movimentação contra as alterações climáticas para o lado da guerra, das desigualdades, da pobreza, da exploração – tudo fruto do mesmo sistema.

Os expoentes do capitalismo na sua versão fundamentalista neoliberal estão em pleno desenvolvimento de uma operação de apropriação das questões ambientais tentando impor uma milagrosa quadratura do círculo.

Ou seja, o capitalismo que envenena o planeta, que o põe diariamente em risco, surge como salvador do planeta privatizando uma justíssima causa para que lhe seja possível, com grande ajuda do sistema mediático, arrastar massas que sofrem de genuínas inquietações à mistura com ingenuidade e vulnerabilidades.

Mas não só.

«a proliferação de guerras e de armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos pode provocar amanhã, depois de amanhã, de uma penada, os efeitos que as alterações climáticas produzem gradualmente e que têm ponto de não retorno agendado para 2030, segundo as previsões mais repetidas»

O principal é que o capitalismo neoliberal transformou a luta contra as alterações climáticas num negócio. O método é insidioso: dá como adquiridas as transformações já ocorridas ou em curso e põe a tónica na «adaptação» do planeta a essas circunstâncias. O negócio do clima junta-se assim ao negócio da guerra, ao negócio da droga, ao negócio do trabalho escravo, ao negócio da exploração dos recursos naturais.

Desenvolver pretensas soluções científicas capazes de responder ao aquecimento global, à subida dos mares, aos degelos, às carências de água e outros fenómenos está a transformar-se na antecâmara de novos grandes negócios. Aos lucros da contaminação do planeta somam-se os proveitos gerados pela «adaptação» aos efeitos da contaminação.

O sistema que ganha destruindo o planeta é o mesmo que continua a ganhar pretensamente «adaptando-o» às mudanças – não atacando as causas e manipulando multidões. Por isso, de acordo com a sua estratégia, a nobre causa da luta contra as alterações climáticas, que mobiliza dezenas de milhões de pessoas genuinamente alarmadas, tem de ser isolada de outras que, na realidade, lhe são afins e complementares, como a da luta pela paz. É a manobra a que estamos a assistir.

O capitalismo neoliberal conseguiu encontrar um caminho para transformar as questões ambientais e climáticas em lucros. Quanto à «paz», a única maneira de a fazer gerar proveitos é espalhando a ilusão de que pode ser estabelecida através da multiplicação de guerras. Nasceu assim o neoliberalismo ambiental, humanista, pacifista.

É necessário desmontar esta mistificação e impedir que as causas ambientais sejam capturadas pelos terroristas do ambiente para que tudo continue na mesma, isto é, deteriorando-se. A luta contra as alterações climáticas é indissociável dos combates contra a guerra, a pobreza, a austeridade, as desigualdades, os problemas dos refugiados, a censura, a exploração, a extinção dos direitos sociais, a violação dos direitos humanos. Converge tudo na mobilização contra o sistema que está na base de todas as aberrações que afectam o ser humano e o planeta.

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A procura da paz nunca poderia ter sido separada e isolada das causas dominantes dos nossos tempos. Mas alguém seria capaz de imaginar hoje um jovem discursando nas Nações Unidas apelando à paz mundial, tal como a sueca Greta Thunberg fez sobre a degeneração climática? À luz da mentalidade dominante seria um absurdo, nem o secretário-geral das Nações Unidas pensaria numa coisa dessas até porque incomodaria os poderes que se apropriaram da organização, por sinal os senhores da guerra.

A paz tornou-se gradualmente um conceito vazio, transformado propagandisticamente num instrumento ideológico cultivado apenas por minorias supostamente transviadas, por isso vilipendiadas e silenciadas em clima inquisitorial. A paz é «subversiva» ou, no dizer de eminentes pensadores e opinadores assumidos como proprietários da opinião única, um conceito «abstracto».

E o mundo tornou-se um lugar vazio de paz agora que o planeta rolou para a beira do abismo, atingindo a posição mais periclitante de sempre. Neste cenário resta a guerra, mas como a guerra não tem solução à vista, a não ser a do confronto fatal, e não há quem consiga fazer ouvir a voz da razão sobre a cacofonia da morte, então nada augura de bom para esta nave dos loucos a bordo da qual somos arrastados. Eles não ouvem nem sentem; estão imunes até às vozes sensatas que conseguem furar o cerco da propaganda terrorista.

Ordem mundial em jogo. Como chegámos a este extremo?

Explica-nos a única versão permitida em boa parte do mundo, porque assim o determina o Ocidente sem margem de contestação, que a culpa é da Rússia e do chefe do seu regime nacionalista, Vladimir Putin, quando decidiu invadir militarmente a Ucrânia, no quadro de uma alegada estratégia expansionista de Moscovo.

A Rússia argumenta que foi forçada a tomar a decisão para impedir que as populações de origem russa, maioritárias na região do Donbass, continuassem a ser vítimas do genocídio praticado há oito anos pelo regime de Kiev, influenciado e sustentado por organizações de índole nazi guiadas por conceitos de supremacia racial segundo os quais os russos são sub-humanos.

No mundo nada acontece isoladamente: portanto, o cenário descrito é superficial, insuficiente e traiçoeiro.

O problema da situação da Ucrânia é muito mais profundo, teve como etapa principal mais recente o golpe de Estado que em 2013 instituiu o actual regime de Kiev a partir da destituição de um governo eleito democraticamente. Uma manobra antidemocrática na qual participaram os paladinos da democracia legítima, os regimes dos Estados Unidos da América e da União Europeia – não confundir com o continente Europa e muito menos com os povos da Europa. A partir de então a Ucrânia transformou-se num polo de provocação contra a Rússia agindo como entidade da NATO e da União Europeia, embora não formalmente integrada nas organizações.

Esta etapa representou mais um passo num caminho percorrido desde o início dos anos noventa do século passado pelos Estados Unidos e a NATO/União Europeia para instituírem a unipolaridade global de índole imperial e neocolonial a partir, sobretudo, do desmembramento da União Soviética e da Jugoslávia. Seguiram-se a colonização dos Balcãs e da Rússia, neste caso sob o regime de Boris Ieltsin, teleguiado de Washington.

«No mundo nada acontece isoladamente: portanto, o cenário descrito é superficial, insuficiente e traiçoeiro.»

Quando Vladimir Putin se tornou presidente, por sinal indicado pelo próprio Ieltsin, Moscovo assumiu gradualmente a gestão da Rússia e estancou o saque das riquezas e da economia do país – pondo fim ao maná de Washington e dos interesses que gerem a União Europeia através dos autocratas de Bruxelas e dos governos nacionais que lhes obedecem.

Então, o processo de cerco militar da Rússia pela NATO, institucionalizado a partir da integração dos países do extinto Tratado de Varsóvia na aliança atlantista, acelerou-se através da colossal concentração de tropas e de meios militares em fronteiras do território russo. Tratava-se, explica a NATO, de acções «defensivas» perante uma Rússia com objectivos «expansionistas» capazes de «ameaçar toda a Europa». Um primor de ficção assumido como base das doutrinas militares dos Estados Unidos e da NATO e reproduzido como verdade única e indesmentível pelo aparelho global de propaganda que age sob capa de «informação». Da promessa feita ao presidente russo Gorbatchov no início dos anos noventa pelos principais dirigentes ocidentais, segundo a qual a NATO não se moveria «um centímetro» para Leste em relação às posições do fim da guerra fria, chegámos, 30 anos depois, ao cerco quase total das fronteiras ocidentais da Rússia pela própria Aliança Atlântica.

A Ucrânia era uma peça essencial que faltava e foi inserida no sistema agressivo da Aliança Atlântica através do golpe de 2013. Por isso estamos a assistir a uma guerra, não entre Moscovo e Kiev, mas sim entre a Rússia e a NATO.

Sociopatia sem freios

Chegados a este tipo de confronto que reedita cenários da guerra fria mas tendo de ambos os lados personagens menos previsíveis, sem dúvida mais irresponsáveis em termos de recurso aos conflitos armados, os riscos de uma guerra de grandes proporções, envolvendo armas de extermínio em massa, são bem mais elevados do que na segunda metade do século XX.

«Da promessa feita ao presidente russo Gorbatchov no início dos anos noventa pelos principais dirigentes ocidentais, segundo a qual a NATO não se moveria «um centímetro» para Leste em relação às posições do fim da guerra fria, chegámos, 30 anos depois, ao cerco quase total das fronteiras ocidentais da Rússia pela própria Aliança Atlântica.»

As doutrinas neoconservadoras que controlam os centros de poder norte-americano e que assentam na afirmação global do único país «imprescindível», que não admite a existência de qualquer outra potência com a dimensão e a influência dos Estados Unidos, são ainda mais ameaçadoras e incontidas do que, por exemplo, as práticas do regime de Ronald Reagan, em plena guerra fria.

E se a Rússia e a China são potências emergentes que têm de ser contidas antes de serem capazes de desafiar o império, a União Europeia também não escapa às manobras de Washington para limitar a sua dimensão, peso e influência através do mundo. O exemplo revelador está ao alcance da mão: o modo como Washington tem obrigado os 27 a pagar as despesas do combate económico e militar contra a Rússia enquanto consegue ultrapassar a situação de maneira praticamente incólume, pelo menos até agora.

Em Moscovo, a clique que assumiu o poder ao redor de Putin, nacionalista, retrógrada, restauradora de ambientes de inspiração czarista principalmente devido à dissolução no conservadorismo social da poderosa igreja ortodoxa, é perigosamente imprevisível, sobretudo porque dispõe já de uma capacidade militar em paridade com a da NATO, pelo menos no plano convencional.

O embate presente entre as duas principais potências militares, que acontece pela primeira vez a um nível de confronto directo (situações conjunturais na Síria não assumiram uma dimensão semelhante) passou a desenvolver-se exclusivamente em forma de guerra. Nunca é demais recordar a frase do «ministro dos negócios estrangeiros» da União Europeia, Josep Borrell, segundo a qual a questão da Ucrânia apenas se resolve com a derrota da Rússia.

«Em Moscovo, a clique que assumiu o poder ao redor de Putin, nacionalista, retrógrada, restauradora de ambientes de inspiração czarista principalmente devido à dissolução no conservadorismo social da poderosa igreja ortodoxa, é perigosamente imprevisível (...).»

Para Bruxelas, cumprindo as ordens de Washington, a diplomacia não passa de uma prática arcaica. Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia não admitem ao regime de Kiev qualquer possibilidade de negociar um acordo com Moscovo – o entendimento de Istambul foi assassinado à nascença por imposição ocidental, tal como já acontecera com os acordos de Minsk; e Moscovo faz saber cada vez com maior veemência que a hora de negociar já passou, sobretudo agora que quatro regiões do Donbass vão integrar-se na Rússia no seguimento de consultas feitas às respectivas populações.

Sob o signo do terror

O conjunto de circunstâncias que rodeia a crise na Ucrânia e as respectivas repercussões na relação internacional de forças coloca-nos sob a ameaça muito real de extermínio em massa, pelo menos de populações europeias mas que extravasará irremediavelmente para outras áreas do globo. O mundo, tal como hoje o conhecemos, corre um perigo sério porque qualquer das partes envolvidas é incapaz de se comprometer a não usar armas nucleares. Os neoconservadores norte-americanos há muito que estão ansiosos por isso; o seu criado Zelensky pediu o acesso a essas armas de extermínio durante a conferência de «segurança» de Munique, em 19 de Fevereiro último; e as declarações do Kremlin sobre a matéria alinham pelo mesmo signo da ameaça terrorista.

«Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia não admitem ao regime de Kiev qualquer possibilidade de negociar um acordo com Moscovo – o entendimento de Istambul foi assassinado à nascença por imposição ocidental, tal como já acontecera com os acordos de Minsk (...).»

A principal conjuntura que conduziu a este confronto sem cedências é o carácter existencial com que ambas as partes – EUA/NATO e Rússia – o encaram. Quanto à Ucrânia, o regresso a antes de 24 de Fevereiro já é impossível devido à rejeição permanente das hipóteses de acordo com Moscovo.

O conflito em curso, principalmente o embate directo entre os dois maiores aparelhos militares mundiais, é certamente existencial para a Rússia em caso de derrota. A xenofobia russófona que guia os comportamentos e as acções de grande parte da Europa, designadamente dos seus dirigentes, está profundamente enraizada na história. Os exemplos de Napoleão e de Hitler são apenas situações extremas de um culto de cruzada, de um ódio «civilizacional» e segregacionista permanente que passa inclusivamente por cima de questões ideológicas.

O frenesim anti-Rússia de hoje não está muito distante do frenesim anti-soviético da guerra fria. Salta à vista que o comportamento irracional e irresponsável dos dirigentes norte-americanos e europeus em relação a uma Rússia soberana, capaz de se governar a si própria e de desenvolver relações internacionais fora do padrão ocidental, traduz a intenção de eliminar um tal adversário.

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O mundo já não será o que era

A partir de agora o mundo nunca mais voltará a ser o que foi desde o início da década de noventa do século passado, quando os Estados Unidos assumiram isoladamente o comando planetário.

Créditos / Shutterstock

De tanto esticar, a corda rebentou. Ao cabo de um longo processo de acosso e humilhação, a Rússia decidiu extirpar militarmente o tumor russófobo ucraniano, circunstância que está a deixar os dirigentes ocidentais e a propaganda social em estado de choque mas sem a decência de assumirem as responsabilidades que têm na situação. Durante oito anos, sem dar mostras de quaisquer escrúpulos, os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia apoiaram o regime ucraniano sustentado por esquadrões da morte nazis saudosos de Hitler e aproveitaram essa cobertura para tentar criar uma imensa base militar que, uma vez incorporada na NATO, estrangularia militarmente a Rússia.

A intervenção desencadeada por Moscovo contra as estruturas militares e repressivas do regime ucraniano, tendo em vista igualmente criar condições que interrompam o massacre contínuo das discriminadas populações de origem russa, pretende liquidar essa estratégia atlantista. Principalmente cortando pela raiz a manobra para a integração de Kiev na Aliança Atlântica e deixando também definido o padrão de comportamento do Kremlin caso a NATO insista na integração da Geórgia. Sem esquecer as recentíssimas advertências à Suécia e à Finlândia.

«Nestes dias, e apesar de ainda não se ter dissipado o nevoeiro de guerra, acabou a era da impunidade das acções imperiais e coloniais para implantação unilateral de um globalismo absolutista ao serviço de uma casta acoitada em nichos de riqueza criados à custa de toda a humanidade. Começou, provavelmente, a era do multilateralismo, aquela em que o domínio absoluto dos Estados Unidos, flanqueado pelos aliados, passa a ser verdadeiramente contestado»

A partir de agora o mundo nunca mais voltará a ser o que foi desde o início da década de noventa do século passado, quando os Estados Unidos assumiram isoladamente o comando planetário, sem poderem ser contestados, aproveitando a extinção da União Soviética. Nestes dias, e apesar de ainda não se ter dissipado o nevoeiro de guerra, acabou a era da impunidade das acções imperiais e coloniais para implantação unilateral de um globalismo absolutista ao serviço de uma casta acoitada em nichos de riqueza criados à custa de toda a humanidade.

Começou, provavelmente, a era do multilateralismo, aquela em que o domínio absoluto dos Estados Unidos, flanqueado pelos aliados, passa a ser verdadeiramente contestado. A resposta militar russa à transformação da Ucrânia numa base militar da NATO quebra pela primeira vez o cerco e o ciclo de intimidação e contenção montado pela aliança contra um inimigo fabricado artificialmente e do qual necessita para sobreviver. O maior exército do mundo já não tem o poder absoluto, confirmando-se assim, na actual crise e com maior significado, o que já sucedera no Iraque, no Afeganistão e, de certa forma, na Síria.

Interpretada conjuntamente com o recente tratado estratégico assinado ao mais alto nível pela China e a Rússia, a acção russa na Ucrânia, não mais contestável do que muitas outras desenvolvidas pelos membros da NATO, é uma machadada na ordem mundial unipolar, que os Estados Unidos e seus súbditos pretendiam inquestionável.

Agora já não é. A Rússia deixou uma mensagem muito séria de que possui capacidade de resposta às ameaças contra as suas intenções de contribuir para uma nova ordem internacional na qual não mandem os mesmos de sempre à luz de uma espécie de direito divino de usucapião. As oligarquias russas estão a mostrar às oligarquias ocidentais que o caminho para o globalismo de índole tendencialmente autoritária não está livre de sérios escolhos.

«Nada disto tem a ver com democracia, direitos humanos, o bem-estar das pessoas, o respeito pelo ambiente e o aproveitamento dos recursos naturais com fins que beneficiem a humanidade. O que está em causa são interesses, negócios, acesso aos bens que a Terra nos oferece, uma luta entre oligarquias e plutocracias, umas mais bem disfarçadas que outras»

A mensagem e acções da China, país que tem mantido uma proverbial cautela sobre os acontecimentos na Ucrânia, também não deixam dúvidas de que o nascente multilateralismo veio para ficar.

Nada disto tem a ver com democracia, direitos humanos, o bem-estar das pessoas, o respeito pelo ambiente e o aproveitamento dos recursos naturais com fins que beneficiem a humanidade.

O que está em causa são interesses, negócios, acesso aos bens que a Terra nos oferece, uma luta entre oligarquias e plutocracias, umas mais bem disfarçadas que outras, pela influência sobre governos, instituições nacionais e internacionais, conglomerados económicos e financeiros. As pessoas são meros instrumentos neste tabuleiro. É a sociopatia à solta, animada pela anarquia neoliberal que é determinante mesmo onde não é seguida segundo as plenas convicções fundamentalistas e ortodoxas.

A intervenção russa na Ucrânia não respeita o direito internacional. O pobre direito internacional que há décadas sofre tratos de polé às mãos dos que querem impor, em alternativa, uma «ordem internacional baseada em regras»; normas estas a cumprir por todos mas estabelecidas totalitariamente por uma só nação, os Estados Unidos da América. Um direito internacional despudoradamente invocado, de maneira histérica e alienada, por aqueles para quem violá-lo é o pão de cada dia.

De facto, entra pelos terrenos da alienação o coro dos dirigentes ocidentais e dos meios de propaganda corporativos que asfixiam a opinião pública de quase todo o mundo impondo-lhe uma opinião única sobre a operação da Rússia na Ucrânia. Um país onde o regime de base nazi – coisa de que tantos «bem informados» se esquecem – se dedicava há oito anos a uma metódica limpeza étnica de vastas regiões do Leste do país, acicatado e auxiliado pela NATO, que o tinha verdadeiramente adoptado. Ao mesmo tempo que as autoridades de Kiev, comprometidas com os Acordos de Minsk de 2015, contendo neles a solução diplomática para os conflitos no país, protelavam a sua aplicação até que Moscovo perdeu a paciência e as ilusões de que alguma vez a parte ucraniana tencionasse cumpri-los.

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«Kiev fez tudo para sabotar os acordos de Minsk»

Numa reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo acusou as autoridades ucranianas de não terem respeitado os acordos que exigem o fim das hostilidades no Donbass.

Zona do Donbass bombardeada pelas forças ucranianas; de acordco com as milícias populares em Lugansk, os bombardeamentos prosseguem 
Créditos / @EHDonbass

No encontro realizado ontem à noite, o representante da Rússia junto das Nações Unidas, Vassily Nebenzia, afirmou que o seu país se mantém aberto a uma solução diplomática para resolver o conflito na região do Donbass, mas denunciando que a Ucrânia prossegue com a retórica militar e com o incumprimento dos acordos de Minsk.

«Kiev não só regressou muito rapidamente à retórica militar e continuou a bombardear os civis, como também fez todo o possível para destruir os acordos de Minsk, que pedem o fim das hostilidades na região do Donbass», disse, citado pela Prensa Latina.

Neste sentido, destacou a necessidade de defender as regiões separatistas do Sudeste da Ucrânia – as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk – daquilo que qualificou como uma agressão da Ucrânia.

Nebenzia disse que o seu país não vai permitir um novo banho de sangue na região do Donbass, frisando que a questão que prevalece é «como evitar a guerra e obrigar a Ucrânia a parar os bombardeamentos e as provocações contra Donetsk e Lugansk».

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EUA mentem sobre a situação na Ucrânia, denuncia Rússia

O representante permanente da Rússia junto da ONU, Vassily Nebenzia, afirmou esta segunda-feira que os EUA tentam enganar a comunidade internacional sobre a verdadeira situação na Ucrânia.

Créditos / alarabiya.net

Numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas para analisar a situação na Ucrânia, o diplomata russo classificou como «ingerência inadmissível» nos assuntos internos do seu país a declaração da delegação norte-americana para justificar o encontro, uma vez que considera o destacamento de tropas russas em território russo como uma ameaça à paz internacional.

«Na verdade, sugerem que convoquemos uma reunião do Conselho de Segurança com base em especulações e acusações infundadas, que refutámos repetidamente», frisou, citado pela TASS.

Nebenzia referiu que o formato aberto da reunião, proposto pelos Estados Unidos, associado ao tema «extremamente provocador», fez do encontro «um exemplo clássico de diplomacia de megafone».

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Esses espiões que tratam da nossa informação

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

CréditosLarry Downing / Reuters

A «Operação Mockingbird» foi uma linha de montagem da propaganda imperial montada pela Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana logo no início da guerra fria para interferir nos principais meios de comunicação social dos Estados Unidos, da Europa e através do mundo.

Os numerosos autores que investigaram o processo revelam que a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo.

O jornalista Carl Bernstein informou, na sequência de uma investigação realizada nos finais dos anos setenta do século passado, que a CIA pagava a mais de 400 jornalistas de 25 empresas jornalísticas proprietárias de publicações sonantes como a Newsweek, Time, Miami Herald, das televisões ABC e NBC e das principais agências de notícias mundiais: AP, UPI e Reuters. O jornal Washington Post, através dos seus proprietários e editores, era uma parte da operação.

«a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo»

William Scharp, advogado que foi uma figura de relevo no caso da morte de Martin Luther King, explicou que a CIA financiava milhares de jornalistas, além de ter as suas próprias organizações de media. Para a agência, revelou um antigo membro da rede de propaganda, «era mais barato pagar a um jornalista do que a uma prostituta». E Thomas Braden, chefe de divisão de um departamento governamental de Washington, testemunhou que «não havia limite de dinheiro para gastar, não havia limites para as actividades a realizar na guerra fria secreta». A «Operação Mockingbird» funcionava, segundo a mesma fonte, «como uma multinacional».

Um relatório de 1976 do Congresso dos Estados Unidos concluiu que centenas de indivíduos em todo o mundo tentam influenciar as opiniões através de propaganda dissimulada, graças ao acesso directo a jornais e outros periódicos, serviços de imprensa, agências de notícias, rádios, televisões, editoras e outros meios de comunicação estrangeiros.

Coisa do passado?

Terá sido a «Operação Mockingbird» uma coisa do passado?

A realidade diz-nos que não. E os factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante.

«factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante»

Dados que é possível obter através de pesquisas pouco mais do que sumárias revelam-nos que a «Operação Mockingbird» pode até ter perdido a designação com o passar das décadas, mas os seus objectivos estão mais vivos do que nunca e os métodos utilizados refinaram.

Nada indica que a CIA tenha deixado de pagar a jornalistas, mas a realidade actual ultrapassa em muito esse processo e adaptou-se à dinâmica vertiginosa da circulação das mensagens emitidas pelos media, proporcionada pelas novas tecnologias e a multiplicação de plataformas de emissão e partilha de conteúdos.

«dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas [...] transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo»

A agência central de espionagem dos Estados Unidos descobriu um novo ovo de Colombo, que lhe permite até poupar nas despesas: dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas, alguns que desempenharam até recentemente cargos de chefia máxima, transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo. As mensagens da CIA, a propaganda imperial, fluem assim directamente para milhares de milhões de pessoas que consomem unicamente os meios dominantes ditos de informação. Não é verosímil, de facto, que essa nova espécie de «analistas», «comentadores» e «especialistas» de âmbito globalista abdiquem da sua experiência de espiões acumulada durante décadas para se tornarem «independentes» ao sentar-se nos grandes estúdios que propagam veneno embrulhado em verdade, liberdade e rigor de informação.

Um dos casos mais relevantes dos últimos anos é a transformação do director da CIA entre 2013 e 2017, John Brennan, em analista sénior de segurança e inteligência nas televisões NBC News e MSNBC, cargo para o qual transitou mal deixou Langley. Na sua nova posição foi reencontrar Juan Zarate, que foi conselheiro de segurança nacional da Administração Bush. Um serviu Obama, outro o seu antecessor, e assim se verifica não haver querelas partidárias nestas matérias onde o partido é único, tal como a informação dominante e a opinião que induz.

Escritórios da CNN em Washington DC, EUA CréditosJohn Nacion / STAR MAX/IPx

A CNN monopoliza

Não há, porém, como a CNN para integrar espiões, super polícias, operacionais do contra-terrorismo e generais do Pentágono, de preferência com ligações à indústria da morte, nas suas equipas informativas.

É uma realidade que faz todo o sentido. A CNN é o veículo internacional por excelência das mensagens do regime norte-americano, o que acontece desde a sua fundação, e a criação do mito da «informação em directo» servida logo na primeira guerra contra o Iraque – abafando todo e qualquer contraditório. De tal maneira que os jornalistas empenhados em trabalhar «à antiga», isto é, dando a conhecer outros lados da situação foram rapidamente olhados como «cúmplices» de Saddam Hussein. Tal como acontece actualmente aos meios de comunicação verdadeiramente independentes, imediatamente acusados de estarem «ao serviço da Rússia» quando abordam outras realidades que não coincidam com as versões oficiais de Washington, da NATO, da União Europeia e da engrenagem de manipulação social.

«Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político»

Ao serviço da CNN, como «comentadores independentes», estão, por exemplo, James Clapper e Michael Hayden, ex-directores de inteligência nacional norte-americana; Chuck Rosenberg, ex-director da DEA, agência dita antidroga mas com a reputação manchada por vínculos pouco claros com meios do narcotráfico, tal como acontece com a CIA em relação ao ópio/heroína do Afeganistão; James B. Conney, ex-conselheiro do director do FBI; Frank Figliuzzi, ex-chefe de contra-espionagem no FBI; Asha Rangcapo e James Galiano, ex-destacados agentes do FBI; Mike Rogers, ex-presidente da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes; Steven L. Hall, antigo oficial de operações da CIA com mais de 30 anos de experiência em postos de comando na Eurásia e América Latina; Philip Mudd, ex-operacional da CIA; Andrey McCabe, ex-director adjunto do FBI; John Campbell, ex-supervisor especial do FBI.

Neste mundo selecto existem, com regularidade, algumas mudanças – também elas muito significativas. Por exemplo, Anthony Blinken, ex-conselheiro de segurança de Obama, trocou recentemente o lugar de «comentador independente» da CNN pelo de secretário de Estado, isto é, a segunda figura da administração Biden; e Samantha Vinograd, também membro do Conselho de Segurança de Obama, deixou agora o cargo de «comentadora de política externa» da CNN transitando para o Departamento de Segurança Interna de Biden; Fran Townsend, ex-conselheiro de Segurança Nacional, trocou há pouco a CNN pela CBS News.

A CNN tem, portanto, a parte de leão no recrutamento de membros do aparelho de espionagem, militar e governamental dos Estados Unidos.

«[No Reino Unido] o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência»

Declassified UK

Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político.

O recrutamento de personalidades como as constantes da lista não exaustiva aqui publicada é comum a todas as grandes cadeias norte-americanas de televisão, da Fox à MSNBC. E também a jornais olhados como «bíblias» da independência – New York Times, Washington Post e Wall Street Journal, por exemplo. Susan Hennessy trocou recentemente o lugar neste último jornal por um cargo na Divisão de Segurança Nacional da Administração Biden.

E em alguns casos não existe exclusividade. Michael Hayden é uma espécie de deus do comentário. Além da CNN, pode dizer-se que está em todo o lado: MSNBC, Fox News, programa The Late Show, New York Times, Washington Post e Wall Street Journal. Uma rendição absoluta do aparelho informativo à sua experiência de director da espionagem nacional dos Estados Unidos.

Fora dos Estados Unidos, a desclassificação, no ano passado, de alguns documentos governamentais no Reino Unido veio provar que a imprensa do país, «do Times ao Guardian, ajuda rotineiramente a diabolizar Estados identificados pelo governo como inimigos enquanto tenta branquear os que são aliados». A conclusão é da publicação Declassified UK.

De acordo com a mesma fonte, «o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência».

Um casal escapa de uma casa em chamas após um bombardeamento da força aérea ucraniana em Luganskaya, Leste da Ucrânia, em 2 de Julho de 2014. Os bombardeamentos sistemáticos de alvos civis pelas forças de Kiev contaram com o silêncio cúmplice do Ocidente. CréditosValery Melnikov / Rossia Segodnya

É o que temos

À luz destes factos indesmentíveis, e que desmontam a «verdade» cultivada pelo aparelho de comunicação funcionando à escala globalista, não temos de nos surpreender com o tom histérico da abordagem da actual situação na Ucrânia e a «iminência», que já se prolonga há alguns meses, de uma invasão russa.

«o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos»

Aos consumidores dos órgãos de manipulação social basta saber que a Rússia quer ocupar a Ucrânia, não se sabendo bem porquê, talvez porque sim, é uma inerência própria dos «maus». E, para concretizar a invasão, 100 mil efectivos militares russos movimentam-se na fronteira com o território ucraniano. Então, desde âncoras de telejornais a «especialistas» e «analistas», passando por peças montadas supostamente informativas, todos tratam o tema sob este único ângulo, máquinas repetidoras das opiniões de espiões reciclados em «comentadores» actuando nas imperiais cadeias de televisão e outros meios.

A razão assim gritada não tolera contraditório. E ai dos que tentam, baseados em factos comprovados, demonstrar que há muito mais para saber sobre o actual cenário ucraniano. Quem o fizer é «cúmplice» dos russos, quiçá um disseminador de «mensagens de ódio» prontas a cair na alçada censória das redes sociais.

Por este caminho, o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos.

Não é por isso, porém, que existe o risco de uma intervenção russa: a situação tensa prolonga-se há sete anos, desde o golpe dito «democrático» dado em Kiev pelos Estados Unidos com o apoio da União Europeia.

«Nos termos do documento [Acordo de Minsk], o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha»

Outro dos comportamentos manipuladores assumidos pela comunicação dominante é a desinformação em torno do Acordo de Minsk sobre uma saída política para a situação ucraniana. Nos termos do documento, o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha.

Ao abordar a situação existente na região os meios de comunicação evitam tratar e comentar a ideia de que as tropas russas na fronteira com a Ucrânia se movimentam com pleno direito, porque estão no interior do seu país. Já o mesmo não pode dizer-se das tropas da NATO, que estão fora dos territórios das suas nações, colocadas ameaçadoramente nas imediações das fronteiras com a Rússia. Explica a comunicação que temos, fazendo eco de generais, espiões e políticos sem coluna vertebral, que esse gigantesco aparelho militar é para nos «defender», tal como foi invocado para as agressões ao Afeganistão, Iraque e Líbia. E o cidadão comum, contaminado e intoxicado, acredita.

Também não é explicado aos envenenados leitores e telespectadores que os Estados Unidos e o seu braço armado da NATO estão ansiosos que a Rússia proceda à sempre «iminente» invasão. Estão mesmo dispostos a provocá-la e, para isso, há indícios de infiltrações de agentes especiais de países da NATO no Leste da Ucrânia para cometerem um atentado, admitindo-se que com armas químicas, De acordo com a eventual estratégia atlantista, a acção criminosa seria atribuída por Moscovo ao regime de Kiev, seguindo-se a intervenção militar para proteger as populações do Donbass.

Sejamos lúcidos, ao contrário do que pretende a manipulação social: que interesse tem a Rússia numa guerra quando se encontra em fase de desenvolvimento económico e de afirmação como grande potência do multilateralismo, a par da China? Uma Rússia empenhada em processos de integração multifacetada para Oriente carece de estabilidade, não do envolvimento numa aventura militar.

Aliás, a recente tentativa de «revolução colorida» no Casaquistão, através de um golpe à maneira da Praça Maidan em Kiev, teve a ver com o objectivo de multiplicar os acontecimentos que obriguem Moscovo a desperdiçar meios e energias necessários para desenvolver a estratégia traçada. Porém, desta feita Estados Unidos e aliados saíram-se mal: a lição da Ucrânia foi aprendida pelo regime russo – a resposta estava preparada e funcionou.

Os Estados Unidos e a NATO têm efectivamente todo o interesse em desviar Moscovo dos seus principais objectivos, comprometendo-os num conflito desestabilizador e contraproducente no plano internacional que, ao mesmo tempo, travaria a fase de consolidação e afirmação do país. Quando Putin garante que não pretende intervir na Ucrânia não é para ser «bonzinho» ou especialmente cordato; na verdade, tem todas as razões objectivas para o dizer. E também não o vemos a mexer um dedo que seja para erradicar o poder fascista em Kiev. Só um agravamento provocatório da violência do regime ucraniano sobre as populações do Leste seria susceptível de obrigar Moscovo a fazer o que realmente não quer.

E não o deseja porque, nessas circunstâncias, a Rússia seria também obrigada a rever a sua presença militar na Síria para ajudar o governo legítimo a combater o terrorismo objectivamente ao serviço dos Estados Unidos e da NATO, que têm assim mais uma razão para empurrarem Moscovo em direcção à Ucrânia.

A resposta à hipotética acção russa no território ucraniano, tudo o indica, não seria dada pela colocação de tropas norte-americanas no terreno – coisa que até os desinformados consumidores da informação asfixiante já sabem. O que desconhecem é a previsível intenção da NATO de promover e treinar uma miríade de estruturas armadas de «resistência ucraniana», a partir dos grupos paramilitares nazis, para criar, segundo militares norte-americanos, um «pântano» onde se enterrem as tropas russas invasoras. Isto é, um «novo Afeganistão» agora desenvolvido pelo apoio ocidental a «combatentes da liberdade» oriundos dos sectores saudosistas de Hitler no lugar dos terroristas islâmicos que deram origem à al-Qaeda.

«É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única»

A comunicação social também tem silenciado, certamente seguindo o comportamento dos espiões transformados em «comentadores», a proposta apresentada pela Rússia aos Estados Unidos de um tratado escrito capaz de garantir a paz e a segurança entre os dois países desde que a Ucrânia não seja admitida na NATO e esta aliança não instale mísseis nas fronteiras com o território russo. Proposta razoável sabendo-se que a seguir ao desmembramento da União Soviética a administração do presidente William Clinton se comprometeu com Moscovo a manter o status quo da NATO, significando isso que a Aliança Atlântica não se deslocaria para Leste na sequência da derrocada do muro de Berlim. Do compromisso de Washington, pela voz de Clinton, resta aquilo que sempre foi: uma deslavada mentira.

Os Estados Unidos evitam dar qualquer resposta à nova proposta de Moscovo. Isso diz muito sobre os reais interesses de Washington servidos pela crise actual – que é artificial e cultivada de Ocidente para Oriente. O que ajuda a explicar a movimentação das tropas russas no interior das suas fronteiras, de facto para as defender.

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única.

Para isso é essencial a informação do tipo fast food, cozinhada com sound bites, frases feitas, mentiras repetidas e métodos próprios do marketing publicitário. Uma lavagem cerebral, em suma.

Uma tarefa onde pontificam brigadas de espiões reciclados em «analistas» fazedores de opinião e os respectivos batalhões de máquinas repetidoras que envenenam o mundo. Um sistema que faz parecer os primeiros tempos da «Operação Mockingbird» uma brincadeira de crianças.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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O representante russo disse «entender perfeitamente o zelo» dos seus colegas norte-americanos «em espalhar a histeria em torno das suas próprias alegações sobre os preparativos de uma agressão russa», sublinhando que a utilização das tribunas do Conselho de Segurança coloca os países-membros «numa posição bastante incómoda».

Neste contexto, o diplomata russo destacou que as acções de Washington «não são menos prejudiciais» para a Ucrânia, cujo presidente, Vladimir Zelensky, pediu nos últimos dias aos países ocidentais que não exacerbem «a histeria sem fundamento sobre a presença de tropas russas perto da fronteira, já que todo esse exagero prejudica a economia ucraniana».

«"Não precisamos deste pânico", disse o Sr. Zelensky. Mas parece que isso é do interesse de quem promove o tema da mítica ameaça russa», afirmou Nebenzia.

Acrescentou que altos responsáveis em Kiev afirmaram publicamente nas últimas semanas que não existe uma ameaça à Ucrânia por parte da Rússia, ao contrário do que afirma Washington, que, denunciou Nebenzia, está a tentar enganar a comunidade internacional sobre a situação real na região.

«Não apresentam provas»

De acordo com o comunicado publicado pela embaixadora norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, a reunião visava debater «um assunto de importância crucial para a paz e a segurança internacional», face ao alegado «comportamento ameaçador» da Rússia contra a Ucrânia.

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Rússia: «Se houver intimidação, haverá contra-intimidação»

Alexander Grushko, diplomata russo, considerou a reunião com a NATO «franca, directa e intensa», mas destacou as divergências existentes e a necessidade de «alterar o perigoso curso dos acontecimentos».

Alexander Grushko, ao centro, em Bruxelas, esta quarta-feira, com o vice-ministro russo da Defesa, Alexander Fomin, e com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg 
Créditos / bakersfield.com

Ao comentar a reunião desta quarta-feira, em Bruxelas, entre a Federação Russa e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros apontou a «viragem» da aliança atlântica para «esquemas de segurança da Guerra Fria», dando prioridade ao objectivo da dissuasão da Rússia.

Uma política desse género terá uma resposta semelhante da parte de Moscovo: «Se a NATO passa à política de dissuasão, da nossa parte haverá uma política de contra-dissuasão. Se houver intimidação, haverá contra-intimidação. […] Não é a nossa opção, mas não haverá outro caminho se não conseguirmos […] mudar hoje o perigoso curso dos acontecimentos», disse o diplomata, citado pela RT.

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Rússia insta países ocidentais a travar avanço para leste

Com vista a garantir a segurança da Europa e impedir o avanço da NATO para leste, a diplomacia russa defende negociações imediatas e a celebração de acordos juridicamente vinculativos.

Um tanque norueguês participa em exercícios militares na Polónia (imagem de arquivo)  
CréditosSean Gallup / RT

Na sequência do encontro recentemente mantido entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Joseph Biden, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirma que «o diálogo é urgentemente necessário», tendo em conta a «linha crítica» para que caminham as relações entre a Federação Russa e o Ocidente.

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Ucrânia oferece o seu território para instalar sistema de defesa aéreo dos EUA

O apelo da Ucrânia aos EUA para que enviem tropas e sistemas anti-mísseis para o país foi classificado pela Rússia como uma «provocação grosseira», que não ficará «sem retaliação».

Créditos / PressTV

Numa reunião em Washington com o presidente da Jamestown Foundation, Glen Howard, o vice-ministro ucraniano para a Reintegração dos Territórios Não Controlados, Alexei Reznikov, abordou aquilo a que chamou a necessidade de expandir o pacote de segurança para a Ucrânia.

Para esse efeito, sugeriu a instalação de meios de defesa anti-aérea dos Estados Unidos e mesmo o destacamento de unidades de tropas norte-americanas, refere a agência TASS.

Reznikov defendeu que a legislação ucraniana permite o destacamento de tropas estrangeiras no país e disse estar preocupado com a alegada intenção da Rússia de colocar armas nucleares na Crimeia.

Reagindo a estas «especulações» do lado ucraniano, o presidente da Comissão para os Assuntos Externos da Duma Estatal, Leonid Slutsky, recorreu à rede social Telegram para afirmar que o destacamento de sistemas norte-americanos de defesa anti-mísseis na Ucrânia poderia alterar o equilíbrio de forças na região e fora dela, informa a agência russa.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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O responsável russo classificou o pedido de Reznikov como «uma provocação grosseira» e sublinhou que a presença dos sistemas de defesa aérea dos EUA «perto das fronteiras com a Rússia irá sem dúvida merecer uma resposta da parte de Moscovo». «As tensões vão simplesmente aumentar», alertou Slutsky.

«É lamentável que as leis da Ucrânia permitam privá-la do que ainda resta da sua soberania e aos seus cidadãos de uma oportunidade para viver em segurança. Os políticos ucranianos estão dispostos a sacrificar tudo isto para prolongar a sua participação no projecto anti-Rússia», afirmou o funcionário russo.

As relações entre Kiev e Moscovo deterioraram-se bastante na sequência do golpe fascista de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a Ucrânia a assumir um posicionamento consistente pró-NATO, UE e EUA e anti-russo, a acusar a Rússia de envolvimento na guerra antifascista na região do Donbass e a reclamar a recuperação da Crimeia, depois de os habitantes do território terem votado num referendo esmagadoramente a favor da reintegração na Rússia, em Março de 2014.

A Ucrânia tem acolhido no seu território, de forma recorrente, manobras militares organizadas pelos países da NATO, tanto em terra como no Mar Negro.

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«Aumentar o confronto com o nosso país é absolutamente inaceitável», afirma o governo russo num comunicado emitido dia 10, onde defende a adopção de um acordo juridicamente vinculativo que garanta que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não avança mais para leste ou instala armamento de ataque nos países que fazem fronteira com a Rússia.

Também insiste em receber uma resposta da NATO a propostas previamente formuladas com vista à diminuição das tensões na Europa, nomeadamente sobre a realização de exercícios operacionais a uma distância acordada da linha de contacto Rússia-NATO; a coordenação da aproximação de navios e aviões de combate, para prevenir actividades militares perigosas, sobretudo nas regiões do Báltico e do Mar Negro; a renovação do diálogo regular entre os ministérios da Defesa nos formatos Rússia-EUA e Rússia-NATO.

Negociações devem começar «imediatamente»

Sobre a conversa telefónica mantida esta segunda-feira entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o gabinete de imprensa do Kremlin refere que a Rússia expôs a necessidade urgente de negociações, que devem ter início «imediato», para estabelecer acordos internacionais que impeçam qualquer expansão adicional do bloco militar.

No decorrer da conversa, Johnson manifestou preocupação com um «alegado movimento de tropas russas em larga escala junto à fronteira com a Ucrânia», a que o chefe de Estado russo respondeu com a sua visão da situação actual no país vizinho, de acordo com a nota do Kremlin, a que a RT faz referência.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
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Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Putin deu exemplos concretos de decisões tomadas por Kiev com o objectivo de desmantelar os acordos de Minsk, com vista a encontrar uma solução para o conflito no Leste da Ucrânia, e acusou as autoridades de Kiev de estarem a agravar a situação no Donbass, recorrendo a armamento pesado e drones de ataque, e de discriminarem a população russo-falante no país.

O Kremlin acusa também o Ocidente de estar a utilizar como pretexto a situação na Ucrânia, um país onde «se empenhou no incentivo à russofobia e em justificar as acções do regime de Kiev para minar os acordos de Minsk [de 2015] e se preparar para um cenário militar no Donbass».

«Os países da NATO estão a empurrar Kiev para medidas agressivas. A militarização do território da Ucrânia e o fornecimento de armas estão em curso», lê-se na nota emitida dia 10, na qual a Rússia advoga que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não deve estar à margem das discussões que dizem respeito à segurança no continente.

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A parte russa, referiu Grushko, indicou que uma maior deterioração da situação conduziria a «consequências mais imprevisíveis e nefastas para a segurança europeia», e propôs medidas que «permitem voltar a construir uma segurança europeia baseada em princípios comuns, no interesse de todos», que irá «melhorar não apenas a segurança militar da Federação Russa, mas também a dos países-membros da NATO».

Alexander Grushko qualificou a conversa com os representantes da Aliança Atlântica como «bastante franca, directa, profunda, intensa», mas revelando, ao mesmo tempo, «muitas divergências sobre questões fundamentais».

Neste sentido, acrescentou que Moscovo não pode aceitar a abordagem da NATO ao princípio da segurança indivisível, uma vez que é «selectiva»: «aos olhos da NATO só existe para os membros da aliança», ignorando os interesses de outros países.

Fim da expansão para Leste e «desescalada» na Ucrânia

Em declarações à imprensa, Grushko afirmou que uma das principais exigências da Rússia à NATO é a do fim da expansão para Leste, nomeadamente para países que integravam a União Soviética, e sublinhou os riscos associados a «uma nova expansão».

Numa reunião que durou quatro horas, o tema da Ucrânia ocupou uma hora e meia, disse o diplomata, para dar uma ideia da importância da questão.

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Pela defesa da paz, é «urgente» acabar com o cerco da NATO à Rússia

Acompanhando com preocupação a escalada de tensão da NATO face à Rússia, o CPPC defende que o Governo português não deve alinhar nesta escalada, respeitando os princípios da Constituição da República.

Comboio militar da NATO circulando em estradas polacas.
CréditosFonte: US Naval Institut

«Perante a gravidade da situação», o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) advoga a urgente adopção de medidas que reduzam, no imediato, a escalada militar e o perigo de confrontação, bem como a promoção do «estabelecimento de medidas de confiança mútua que, a prazo, possibilitem o desanuviamento e a salvaguarda da paz».

Numa nota agora publicada, a organização de defesa da paz urge ao fim da ameaça de escalada de agressão das forças militares ucranianas no Donbass e apela ao diálogo «com vista à resolução pacífica do conflito, no respeito dos acordos e compromissos anteriormente assumidos».

Também considera fundamental deter a escalada de confrontação, a campanha belicista e as contínuas ameaças por parte da NATO face à Rússia, incluindo «provocações e manobras» junto às fronteiras da Rússia, e os planos de instalação de sistemas de misseis e de outros armamentos de carácter ofensivo dos EUA na Europa.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

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É igualmente proposto o fim do alargamento da NATO, assim como colocar no horizonte a dissolução deste bloco político-militar «agressivo e principal responsável pela corrida aos armamentos e militarização que hoje varre o mundo».

Só tomando medidas desta dimensão, para acabar com «a política de confrontação e cerco à Rússia», se poderá «salvaguardar a paz e a segurança na Europa e no mundo», defende o CPPC, que reafirma o direito dos povos à paz e à soberania.

No que respeita à actuação do Governo português, o organismo de defesa da paz considera que não deve ser pautada pelo «alinhamento com a escalada belicista e de ameaça da NATO e da UE [União Europeia]», e que a intervenção no plano internacional deve ser feita no respeito dos princípios da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pela «solução pacífica dos conflitos internacionais».

Não se trata de um mero «diferendo entre a Ucrânia e a Rússia»

Sobre as razões na origem do agravamento da situação, o CPPC alerta que não devem ser reduzidas a um diferendo entre a Ucrânia e a Rússia. «Na verdade, elas radicam em décadas de alargamento da NATO ao Leste da Europa – de cuja estratégia a Ucrânia é actualmente mais um peão –, visando o cerco, a pressão, a chantagem, a confrontação com a Rússia», lê-se no texto.

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Rússia insta países ocidentais a travar avanço para leste

Com vista a garantir a segurança da Europa e impedir o avanço da NATO para leste, a diplomacia russa defende negociações imediatas e a celebração de acordos juridicamente vinculativos.

Um tanque norueguês participa em exercícios militares na Polónia (imagem de arquivo)  
CréditosSean Gallup / RT

Na sequência do encontro recentemente mantido entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Joseph Biden, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirma que «o diálogo é urgentemente necessário», tendo em conta a «linha crítica» para que caminham as relações entre a Federação Russa e o Ocidente.

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Ucrânia oferece o seu território para instalar sistema de defesa aéreo dos EUA

O apelo da Ucrânia aos EUA para que enviem tropas e sistemas anti-mísseis para o país foi classificado pela Rússia como uma «provocação grosseira», que não ficará «sem retaliação».

Créditos / PressTV

Numa reunião em Washington com o presidente da Jamestown Foundation, Glen Howard, o vice-ministro ucraniano para a Reintegração dos Territórios Não Controlados, Alexei Reznikov, abordou aquilo a que chamou a necessidade de expandir o pacote de segurança para a Ucrânia.

Para esse efeito, sugeriu a instalação de meios de defesa anti-aérea dos Estados Unidos e mesmo o destacamento de unidades de tropas norte-americanas, refere a agência TASS.

Reznikov defendeu que a legislação ucraniana permite o destacamento de tropas estrangeiras no país e disse estar preocupado com a alegada intenção da Rússia de colocar armas nucleares na Crimeia.

Reagindo a estas «especulações» do lado ucraniano, o presidente da Comissão para os Assuntos Externos da Duma Estatal, Leonid Slutsky, recorreu à rede social Telegram para afirmar que o destacamento de sistemas norte-americanos de defesa anti-mísseis na Ucrânia poderia alterar o equilíbrio de forças na região e fora dela, informa a agência russa.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
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Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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O responsável russo classificou o pedido de Reznikov como «uma provocação grosseira» e sublinhou que a presença dos sistemas de defesa aérea dos EUA «perto das fronteiras com a Rússia irá sem dúvida merecer uma resposta da parte de Moscovo». «As tensões vão simplesmente aumentar», alertou Slutsky.

«É lamentável que as leis da Ucrânia permitam privá-la do que ainda resta da sua soberania e aos seus cidadãos de uma oportunidade para viver em segurança. Os políticos ucranianos estão dispostos a sacrificar tudo isto para prolongar a sua participação no projecto anti-Rússia», afirmou o funcionário russo.

As relações entre Kiev e Moscovo deterioraram-se bastante na sequência do golpe fascista de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a Ucrânia a assumir um posicionamento consistente pró-NATO, UE e EUA e anti-russo, a acusar a Rússia de envolvimento na guerra antifascista na região do Donbass e a reclamar a recuperação da Crimeia, depois de os habitantes do território terem votado num referendo esmagadoramente a favor da reintegração na Rússia, em Março de 2014.

A Ucrânia tem acolhido no seu território, de forma recorrente, manobras militares organizadas pelos países da NATO, tanto em terra como no Mar Negro.

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«Aumentar o confronto com o nosso país é absolutamente inaceitável», afirma o governo russo num comunicado emitido dia 10, onde defende a adopção de um acordo juridicamente vinculativo que garanta que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não avança mais para leste ou instala armamento de ataque nos países que fazem fronteira com a Rússia.

Também insiste em receber uma resposta da NATO a propostas previamente formuladas com vista à diminuição das tensões na Europa, nomeadamente sobre a realização de exercícios operacionais a uma distância acordada da linha de contacto Rússia-NATO; a coordenação da aproximação de navios e aviões de combate, para prevenir actividades militares perigosas, sobretudo nas regiões do Báltico e do Mar Negro; a renovação do diálogo regular entre os ministérios da Defesa nos formatos Rússia-EUA e Rússia-NATO.

Negociações devem começar «imediatamente»

Sobre a conversa telefónica mantida esta segunda-feira entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o gabinete de imprensa do Kremlin refere que a Rússia expôs a necessidade urgente de negociações, que devem ter início «imediato», para estabelecer acordos internacionais que impeçam qualquer expansão adicional do bloco militar.

No decorrer da conversa, Johnson manifestou preocupação com um «alegado movimento de tropas russas em larga escala junto à fronteira com a Ucrânia», a que o chefe de Estado russo respondeu com a sua visão da situação actual no país vizinho, de acordo com a nota do Kremlin, a que a RT faz referência.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

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O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

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Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

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Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Putin deu exemplos concretos de decisões tomadas por Kiev com o objectivo de desmantelar os acordos de Minsk, com vista a encontrar uma solução para o conflito no Leste da Ucrânia, e acusou as autoridades de Kiev de estarem a agravar a situação no Donbass, recorrendo a armamento pesado e drones de ataque, e de discriminarem a população russo-falante no país.

O Kremlin acusa também o Ocidente de estar a utilizar como pretexto a situação na Ucrânia, um país onde «se empenhou no incentivo à russofobia e em justificar as acções do regime de Kiev para minar os acordos de Minsk [de 2015] e se preparar para um cenário militar no Donbass».

«Os países da NATO estão a empurrar Kiev para medidas agressivas. A militarização do território da Ucrânia e o fornecimento de armas estão em curso», lê-se na nota emitida dia 10, na qual a Rússia advoga que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não deve estar à margem das discussões que dizem respeito à segurança no continente.

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«Faltando a compromissos de boa vizinhança assumidos na década de oitenta do século passado, sucessivos alargamentos da NATO nos últimos 30 anos colocaram este bloco político-militar agressivo às portas da Rússia», afirma o CPPC, que situa igualmente entre os motivos para o agravamento da situação questões como: o aumento do número de exercícios militares junto às fronteiras russas; o abandono, pelos EUA, de vários tratados internacionais de controlo de armamento; a imposição de sanções económicas à Rússia, por parte de EUA e UE; uma campanha anti-russa «cada vez mais agressiva» e «mobilizando vastos recursos mediáticos».

Neste sentido, torna-se «extremamente perigosa a instrumentalização da Ucrânia na estratégia belicista da NATO», alerta o texto, sublinhando que, «desde o golpe de Estado de 2014 – orquestrado e apoiado por EUA, NATO e UE –, é dirigida por forças assumidamente xenófobas e anti-russas, em que se integram sectores fascistas, que levaram a profundas divisões e à guerra» no país.

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Moscovo defende que a «desescalada no país vizinho é possível» e que, para alcançar esse objectivo, é necessário que Kiev implemente de forma incondicional os acordos de Minsk, no âmbito da resolução 2052 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Sendo aplicados os acordos de Minsk, «não haverá ameaças à segurança e à integridade territorial da Ucrânia», frisou Grushko, acrescentando que, se a NATO estiver interessada na «desescalada», deve cessar «toda a ajuda militar à Ucrânia», incluindo fornecimento de armas, bem como retirar do país inspectores, instrutores, oficiais e soldados.

Sobre a reunião entre o Conselho da NATO e a Rússia, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também se pronunciou em Bruxelas, valorizando-a como positiva, e referindo-se à importância de retomar o diálogo com Moscovo, mas destacando as divergências entre as partes.

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Por seu lado, o representante russo instou a parte norte-americana a aproveitar a reunião para apresentar alguma prova das suas acusações, frisando que «os responsáveis russos não fizeram uma única ameaça de invasão à Ucrânia».

Nebenzia pediu ainda aos seus colegas que deixem de utilizar o Conselho de Segurança como instrumento «para implementar os posicionamentos da propaganda do Ocidente».

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O diplomata disse ainda que, entre os países ocidentais, existe um «pânico sem fundamento» sobre uma alegada invasão da Ucrânia.

A reunião de emergência do Conselho de Segurança foi convocada por iniciativa da Ucrânia, depois de, ontem, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter decidido «reconhecer de imediato a independência e a soberania» de Donetsk e Lugansk, e ter anunciado o envio de forças para os territórios separatistas para garantir a paz.

Alerta para consequências «regionais e globais»

A secretária-geral adjunta da ONU, Rosemary DiCarlo, sublinhou que as próximas horas e dias serão «críticos» e destacou que a decisão da Rússia de reconhecer a independência de ambas as repúblicas populares poderá ter «implicações regionais e globais».

DiCarlo, que também se mostrou preocupada com o destacamento de tropas russas para o Leste da Ucrânia numa «missão de manutenção de paz», alertou para as tensões na região e para 3331 violações do cessar-fogo registadas nos últimos dias no Donbass.

Já a China fez um apelo à «moderação» de todas as partes envolvidas, no sentido de não tomarem medidas que conduzam à tensão, bem como a procurar resolver o conflito pela via diplomática.

Países ocidentais falam de «violação do direito internacional» 

No Conselho de Segurança, a representante norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que o reconhecimento, por Vladimir Putin, das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk «como estados independentes» constitui «uma violação não provocada da soberania e integridade territorial da Ucrânia», refere a RT.

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Proposta iniciativa na Sérvia para recordar agressão da NATO

A Rede de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade – Capítulo Sérvia lançou uma iniciativa para perpetuar entre os cidadãos a memória da agressão da NATO, iniciada há 22 anos.

A agressão da NATO à Jugoslávia começou a 24 de Março de 1999
Créditos / serbianmonitor.com

Um documento a que a agência Prensa Latina teve acesso destaca que a lembrança deste dia relaciona toda a gente com o massacre dos cidadãos da então República Federal da Jugoslávia, perpetrado por 19 países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte entre 24 de Março e 10 de Junho de 1999.

Pela primeira vez na história das Nações Unidas, sublinha a Rede, tomou-se a decisão de atacar um país soberano, membro e fundador desta organização internacional, sem a aprovação do Conselho de Segurança, um precedente criado como expressão da arbitrariedade política dos líderes dos Estados Unidos e da NATO.

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Bombas sobre Belgrado

Há vinte anos a NATO iniciou o bombardeamento da Jugoslávia. Começava a primeira agressão militar a um país soberano no continente europeu, após a Segunda Guerra Mundial. Os sérvios não esquecem.

Manifestação anti-NATO em Belgrado. Foto de arquivo.
CréditosAlexa Stancovic / AFP/RT

«A Sérvia jamais entrará para a NATO, nem que seja o único país europeu» a rejeitar aquela aliança militar, afirmou o ministro da Defesa sérvio, Aleksandar Vulin, em evento recordando a passagem do 20.º aniversário do início da agressão à Jugoslávia, desencadeada pela NATO a 24 de Março de 1999. «Estamos prontos para perdoar, mas não para esquecer», afirmou o ministro sérvio.

«Fizemos esta escolha porque fomos bombardeados mas, acima de tudo, porque jamais faremos a outros aquilo que nos fizeram» – afirmou Vulin, confirmando que Belgrado escolheu ser militarmente neutral em qualquer situação.

«Não faremos parte da NATO», afirmou também o presidente sérvio Aleksandar Vucic, durante uma entrevista à televisão russa Canal 1, a 22 de Março. «Tornei-o claro a [Jens] Stoltenberg» (secretário-geral da NATO) afirmou o presidente sérvio, acrescentando que «a Sérvia, que foi o coração da antiga Jugoslávia, não é algo que se possa esmagar ou destruir».

«Não esperamos ser reembolsados pelas nossas perdas, nem podemos esperar a punição dos responsáveis por este crime horrendo», declarou Vucic, «mas o mais importante, agora, é [assegurar] que isto nunca mais nos volte a acontecer».

É a guerra

A 24 de Março de 1999 iniciaram-se os bombardeamentos, pela aviação da NATO, à Jugoslávia. Era o primeiro de 78 dias de pesadelo. Entre 24 de Março e 9 de Junho os aviões da NATO cumpriram 38 mil missões sobre a Jugoslávia, sendo quase 11 mil delas de bombardeamento, atingindo aquele estado balcânico com mais de 23 mil bombas e mísseis – muitos deles integrando o cancerígeno urânio empobrecido. Fontes próximas à coligação agressora estimam terem sido despejadas sobre a Jugoslávia mais de 6,3 mil toneladas de bombas, quase um terço daquelas que, nos ataques de Dezembro de 1972, foram largadas pelos EUA sobre Hanói, durante a guerra do Vietname.

O pretexto para os bombardeamentos foi um incidente na cidade de Racak, no Kosovo, onde os sérvios foram acusados do massacre de dezenas de civis de etnia albanesa naquela região da República Sérvia, a 15 de Janeiro de 1999. Trata-se de uma acusação contestada pelos sérvios mas também por diversos especialistas naquele conflito. Vladimir Chizhov, representante diplomático da Rússia na União Europeia (UE), declarou à RT News que se tratou de «uma pura provocação para começar os bombardeamentos», denunciando as acusações de massacre naquela «praça-forte dos militantes albaneses» como falsas e afirmando que os corpos apresentados pertenciam, na realidade, a membros dos grupos terroristas albaneses falecidos em combate.

Os ataques aéreos, que não pouparam alvos civis, deixaram o país em ruínas. Milhares de mortos, muitos deles civis – a coligação admitiu «apenas» 500 – e dezenas de milhar de feridos, com um número não determinado de mortos, ocorridos anos mais tarde, por cancros causados pelas radiações emitidas pelas munições da NATO, é a conta criminosa que nenhum dos implicados nos ataques aceita receber, até hoje.

Alvos civis e vítimas civis: os horrores da guerra

Hoje é reconhecido que as bombas com urânio empobrecido, largadas pela NATO, poluíram o país. A substância tóxica, que é usada para dotar os projécteis de um mais elevado poder de penetração, é vista como estando na origem do aumento de cancros entre a população civil, que ainda hoje são demasiado elevados na Sérvia.

Têm sido detectados cancros, em crianças sérvias com menos de 15 anos de idade, com uma frequência três vezes mais elevada do que em qualquer país europeu, afirmou à RIA Novosti a neurocirurgiã Danica Grujicic, directora de neuro-oncologia no Centro Clínico em Savski, nos arredores da capital, e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Belgrado. «Cheguei a perguntar-me se estaríamos a fazer algo de errado», disse Grujicic, «operamo-los como sempre fizemos, recebem a radioterapia» e, ainda assim, «morrem passado um ano».

A cidade de Vranje, no Sul da Sérvia, não era reconhecida por nenhum facto em particular, antes da agressão da NATO à Jugoslávia. Deixou de o ser: haverá poucas cidades na Europa que possam gabar-se de ter uma «rua da morte», refere uma reportagem do Canal 1 sobre a Sérvia: «depois de Hiroshima e Nagasaki, Vranje tornou-se a primeira cidade na história a ser bombardeada com armas nucleares». No decurso dos ataques ao país, aviões da NATO literalmente encheram a colina no centro da cidade com munições reforçadas com núcleos de urânio empobrecido. Vinte anos depois, os activistas locais das vítimas dos bombardeamentos com urânio continuam a aumentar as suas listas.

«A minha mulher teve um diagnóstico de cancro e, duas casas abaixo, um vizinhomorreu de cancro pulmonar. Do outro lado da rua, os meus dois vizinhos estão doentes. E são pessoas jovens, não têm mais de 40-45 anos», disse à reportagem um residente local. A rua Przharskaya, chamada pelos habitantes de Vranje de «rua da morte», é a mais próxima da colina onde ficava a antena de televisão bombardeada pela NATO. Os resíduos radioactivos transformados em munições perfurantes encheram o ar de partículas tóxicas. Desde então, contam-se pelos dedos da mão as casas cujos moradores não sabem o que é um cancro. Os anos passam e a alta taxa de mortalidade permanece igual,«como se evidencia pelos anúncios de mais uma morte prematura», em cada passo da «rua da morte».

Os responsáveis estão vivos, mas não serão julgados

Goran Petronievich é um conhecido advogado sérvio. Há 20 anos era juiz de distrito no tribunal de Belgrado. Em um dos seus veredictos dessa época condenou a 20 anos de prisão – in absentia – a direcção da NATO e os líderes dos países responsáveis pela agressão, entre eles Bill Clinton, Tony Blair e Madeleine Albright. A sentença foi anulada em 2001 pelas autoridades sérvias «sob pressão do Ocidente» e agora repousa «nos arquivos do tribunal», afirmou Petronievich ao Canal 1 russo, em programa produzido por aquela estação por ocasião da entrevista do presidente da Sérvia.

«Ainda que chegue um tempo em que esta sentença volte a estar em demanda, nunca entrará em efeito» mas, «ainda assim, servirá a história», manifestou o jurista, acrescentando: «reunimos provas irrefutáveis de que as baixas civis não foram acidentais».

Antes desta tentativa, ainda as bombas da NATO tombavam sobre o país, a Jugoslávia apresentou queixa no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, da agressão que estava a sofrer. A queixa foi liminarmente rejeitada. «As mais de duas mil vidas ceifadas» pelos 78 dias de ataques, incluindo cerca de uma centena de crianças, «já não parecem uma irrealidade», diz-se na reportagem daquele canal televisivo. A impunidade favorece os criminosos, como se veio a ver no Iraque e na Líbia. A Jugoslávia foi apenas «a primeira vítima dessa falta de legalidade e cinismo», refere o Canal 1: «à destruição de um país, à morte de milhares de pessoas, à ocupação de 15% do território, chamaram uma operação de imposição da paz».

Um outro advogado, Srdjan Aleksic, vem de Vranje, a cidade onde fica a «rua da morte». Quando, imediatamente após a guerra, a sua mãe morreu imesperadamente de cancro, prometeu a si próprio punir os responsáveis. Percebendo que das instâncias internacionais ou interestatais não se pode esperar justiça, concluiu que «o único caminho, para as vítimas», é demandarem os culpados por meio de processos privados, «exigindo compensação pelos dados sofridos».

Um tribunal estabelecido por «grandes potências que não estivessem implicadas na agressão contra a Jugoslávia, como a Rússia, a Índia e a China» poderia, para Aleksic, ser a solução para obter justiça para as vítimas. «Um tal tribunal poderia ser absolutamente imparcial», afirma. As queixas poderão não ser apenas sérvias: soldados italianos da NATO, que estiveram no Kosovo após o fim dos bombardeamentos, morreram de cancro, inesperadamente, depois de regressarem a casa – outros lutam, ainda, contra a terrível doença. Ao reconhecerem como causa da morte desses soldados o contacto com resíduos das munições reforçadas urânio empobrecido, a justiça italiana criou um precedente que pode vir a servir a outras vítimas. E convém não esquecer que militares portugueses da KFOR morreram por essa razão.

No seu escritório «acumulam-se as caixas de crimes sem castigo», refere a reportagem do Canal 1. Aleksic aguarda o veredicto de da comissão estatal sérvia, estabelecida no ano transacto com o objectivo de avaliar os danos causados pelos bombardeamentos da NATO e as suas consequências. «Este veredicto», refere a reportagem, «poderá tornar-se a base para transformar aquelas histórias em processos legais».

Não será fácil. Os EUA anunciaram, recentemente, a sua disposição de imporem sanções contra representantes do Tribunal Internacional de Justiça de Haia que manifestem nem que seja a intenção, apenas, de acusar soldados americanos de crimes de guerra que tenham cometido no Afeganistão. É difícil de imaginar qual a reacção imperial a uma tentativa sérvia para pedir justiça por estes crimes, cometidos vinte anos atrás.


O ministro da Ecologia e da Protecção Ambiental da Sérvia, Goran Trivan, mostrou-se pessimista, nas declarações prestadas ao Canal 1. «Não acredito que alguém venha a responder por estes crimes. O povo sérvio parece condenado a que ninguém seja responsável pelos crimes contra si cometidos. Compreendemo-lo muito bem. Mas, ao contrário do que é admitido, não ficaremos calados! Clinton e Solana cometeram crimes numa escala épica».

«O impacto da injustiça interminável sofrido pela sociedade sérvia não é menor que o impacto das munições de urânio empobrecido sobre a saúde da nação». O jornalista do Canal 1 dificilmente poderia fechar de melhor forma a reportagem conduzida pelo canal televisivo.

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A NATO bombardeou a Jugoslávia para «proteger os civis»
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O texto afirma que esse foi o último grande crime do século XX, cometido pelo Ocidente em violação do direito internacional e numa tentativa de estabelecer um mundo unilateral, e destaca que essa acção bélica inaugurou um modelo de intervencionismo global que depois se aplicou no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, no Mali e na Síria.

A nota a que a agência cubana teve acesso acrescenta que, longe do medo e da agonia esperados, as forças de defesa jugoslavas, pese a inferioridade técnica e militar, ofereceram uma magnífica resistência e as canções patrióticas dos desobedientes ressoaram em locais públicos, pontes e tertúlias.

Foram 1008 soldados e polícias mortos, que marcharão para sempre junto à memória colectiva, bem como mais de 2500 vítimas civis do crime da NATO, incluindo 89 crianças, denuncia a declaração.

Resistência à desmemória e à «profanação» do Fogo Eterno

A Rede afirma que as cicatrizes daquela agressão ainda não se apagaram, mas que as transformações sociais e políticas posteriores na Sérvia fizeram surgir figuras que mudaram a atitude face à agressão e à forma de a recordar.

Chamou a atenção da Rede o facto de o monumento denominado Fogo Eterno, em Belgrado, ter sido vandalizado, apagada a chama, símbolo da defesa heróica da Sérvia com a participação de todo um povo, e destruída a placa com os nomes dos países participantes no ataque.

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Jugoslávia: o dia em que uma televisão se tornou um alvo militar

Dentro de algumas horas, a Rádio Televisão da Sérvia será bombardeada para calar a agressão da NATO à Jugoslávia. Estamos em 1999 e este é um dos muitos ataques contra alvos civis, ao longo de 78 dias.

O edifício do Quartel-General do Exército da Jugoslávia não foi reconstruído depois de ser danificado por mísseis de cruzeiro em Abril de 1999, durante o bombardeio da NATO
Créditos / 1389blog.com

A agressão imperialista à República da Jugoslávia tinha começado um mês antes, a 24 de Março de 1999, e desenrolou-se até 10 de Junho desse ano, depois de fracassadas as negociações em Rambouillet e Paris, entre 6 e 23 de Fevereiro de 1999, com o pretenso objectivo de pôr fim ao conflito entre o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças de Belgrado, acusadas de promoverem uma limpeza étnica.

Durante 78 dias, aviões e navios de guerra da NATO realizaram 3800 «operações de combate», lançando 22 milhões de quilos de bombas, cerca de 2300 mísseis e 14 mil bombas sobre um milhar de alvos, entre os quais a Rádio Televisão Sérvia, onde morreram 16 pessoas.

Para a NATO, a sede da TV Sérvia, em Belgrado, era um alvo militar a abater pelo facto de ser «porta-voz da propaganda» de Milosevic. Por outras palavras, pelo facto de revelar uma realidade não conforme com a que foi fabricada pelo Ocidente, evidenciando as consequências dos ataques da Aliança Atlântica, liderada pelos EUA.

Os ataques a pontes, comboios, colunas de refugiados, mercados e fábricas foram alguns dos crimes cometidos pela NATO, e que a televisão estatal cobriu. 

Em 2002, Milanovic, ex-director da televisão estatal, foi condenado por um tribunal sérvio a dez anos de prisão por não ter procedido à evacuação dos trabalhadores, apesar de «saber que o edifício podia vir a ser alvejado e que um ataque provocaria necessariamente a perda de vidas humanas». Milanovic acabaria por ser o único condenado pelo bombardeamento ocorrido na madrugada do dia 23 de Abril. 

O advogado de Milanovic classificou a sentença como «o mais vergonhoso veredicto na história da justiça de Belgrado». Mais curioso ainda, o facto de Carla del Ponte, procuradora do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), ter admitido que, após analisar a possibilidade de indiciar os dirigentes dos países da NATO, estes não eram responsáveis pelos crimes. 

Criado em 1993 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o TPIJ foi, segundo Diana Johnstone, na sua obra Cruzada de Cegos, «uma instituição estabelecida de cima para julgar os de baixo. […] Desde o princípio, o objectivo proclamado pelos seus promotores principais não foi forjar um instrumento de Justiça neutra e universal mas punir um grupo nacional: os sérvios». 

«Take it ou leave it»

As supostas negociações ocorridas em França e mediadas pela NATO não foram mais do que uma encenação. Numa entrevista concedida ao Belgrado Politika, em 2013, Zivadin Jovanovic, então ministro jugoslavo dos Negócios Estrangeiros, afirmou que «em Rambouillet, não houve nem tentativa de alcançar um acordo, nem de negociação».

Zivadin Jovanovic explicou que o enviado norte-americano exigiu à delegação jugoslava que se limitasse a assinar o texto que ele mesmo tinha elaborado e colocado em cima da mesa, «segundo o princípio take it or leave it [peguem ou larguem]».

Entre os pressupostos do referido texto, assinalava-se a passagem livre e sem restrições, bem como o acesso total em todo o território da República Federal da Jugoslávia por parte do pessoal da NATO, incluindo os seus veículos, navios, aviões e equipamento. 

«Uma provocação»

Numa entrevista ao Daily Telegraph de Londres, a 27 de Junho de 1999, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger denunciou: «O texto do projecto de acordo de Rambouillet, que exigia o estacionamento de tropas da NATO em toda a Jugoslávia, era uma provocação. Serviu de pretexto para começar os bombardeamentos. O documento de Rambouillet estava formulado de tal maneira que nenhum sérvio podia aceitá-lo.»

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Por isso, lançou a iniciativa de restaurar a instalação, voltar a acender a chama da tocha e colocar em redor do pedestal o texto original e os nomes dos agressores.

Também sugeriu colocar no local aquilo que designa como 14 obstáculos, com os nomes dos mais altos políticos e comandantes da aliança ocidental, condenados no Tribunal do Distrito de Belgrado em Setembro de 2000, como «advertência ao mundo inteiro do perigo da arbitrariedade política e abusos de poder», refere a Prensa Latina.

Considerou ainda oportuno para as actuais e futuras gerações fazer o contraste entre essas personagens e as últimas palavras dos pilotos coronel Milenko Pavlovic e major Zoran Radosavljevic, dedicadas ao amor à pátria e à defesa das crianças do país, como um acto de desagravo à profanação do monumento.

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Da mesma forma, outros países ocidentais, como França, Alemanha, Canadá ou Portugal, receberam mal a decisão do Kremlin, frisando que se trata de «uma violação unilateral dos compromissos internacionais da Rússia e um ataque à soberania da Ucrânia».

Alguns também falaram em «reagir com firmeza» perante a «violação do direito internacional». Reconhecer a independência do Kosovo, bombardear a Jugoslávia, destruir a Líbia, o Iraque ou Afeganistão não mereceram a mesma apreciação dos dirigentes do mundo ocidental, aliados dos EUA, membros da NATO e outros.

Intervir na Síria sem mandato das Nações Unidas e sem autorização do país também não violou o direito internacional, ao que parece. E apoiar Juan Guaidó – a marioneta autoproclamada a mando de Washington – na Venezuela fez parte da etiqueta ocidental. Até que não. 

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Para quem vive apenas na espuma dos dias, anestesiado e também alarmado pela chuva de soundbites manipuladores ou pela torrente de «análises» cacofónicas, é importante recordar que o exército ucraniano integrou manobras de NATO envolvendo o território, céus e águas da Ucrânia, em Junho, Julho e Setembro do ano passado, obviamente contra a Rússia. A Ucrânia fazia parte, de facto, da estrutura militar da NATO, pelo que representava uma ameaça à segurança de uma Rússia cercada por dezenas de milhares de tropas multinacionais dotadas com armamento ultramoderno e armas nucleares – tudo «defensivo» – constantemente humilhada, caluniada e tratada como um Estado pária. Este cenário contradizia plenamente o princípio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) aceite a Oriente e a Ocidente e segundo o qual a segurança é indivisível. Isto é, apesar de as alianças militares serem abertas a qualquer país que o deseje e tenha condições para as integrar, isso nunca poderá acontecer à custa da segurança de outro Estado.

«A mentira tornou-se a verdade absoluta e indiscutível, sob pena de as opiniões diferentes da versão oficial serem consideradas mensagens do inimigo; a realidade paralela abafa e enterra factos, provas e circunstâncias. Quem se indigna, sem conseguir evitar tons patéticos, contra a operação militar russa na Ucrânia encarou com bonomia a sangrenta destruição da Jugoslávia e entusiasmou-se com o cobarde bombardeamento da NATO sobre Belgrado»

Não passa de uma triste figura, uma expressão de hipocrisia, de elitismo próprio de aristocracias arruinadas e de arrogância colonial, a campanha de propaganda, intoxicação e pânico montada pelos dirigentes internacionais e pela máquina de propaganda que o neoliberalismo instalou com uma eficácia avassaladora no mundo ocidental e especial acuidade na União Europeia. A mentira tornou-se a verdade absoluta e indiscutível, sob pena de as opiniões diferentes da versão oficial serem consideradas mensagens do inimigo; a realidade paralela abafa e enterra factos, provas e circunstâncias.

Quem se indigna, sem conseguir evitar tons patéticos, contra a operação militar russa na Ucrânia encarou com bonomia a sangrenta destruição da Jugoslávia e entusiasmou-se com o cobarde bombardeamento da NATO sobre Belgrado; olhou serenamente para a cruel invasão do Afeganistão; babou-se de emoção com as «operações cirúrgicas» e a «guerra em directo» da devastadora agressão contra o Iraque – realizada a partir do momento em que o secretário de Estado norte-americano exibiu na ONU um frasquinho de um inocente pó branco que seria o «combustível» das armas químicas iraquianas inseridas num arsenal de armas de extermínio massivo que jamais apareceram; apoiou com ardor a guerra contra a Síria na qual a NATO criou e alimentou grupos de mercenários fundamentalistas islâmicos para retirar de Damasco o «tirano Assad» e instaurar «a democracia»; tal como na Líbia, onde a NATO, também de mão dada com terroristas islâmicos dos quais nasceu, por exemplo, o Isis ou Estado Islâmico, chacinou civis, assassinou de maneira revoltante o chefe de Estado e depois deixou o país à deriva, agonizando numa anarquia de que não se vê o fim; e mais ainda o que se passa no Iémen, na guerra provocada pela divisão do Sudão, na Somália, no Sahel; e sem contar com a inexistência na comunicação corporativa de informações sobre os bombardeamentos aéreos praticamente diários de Israel sobre a Síria.

As duas faces da R2P

R2P, Responsability to Protect ou Responsabilidade de Proteger, foi uma doutrina inventada pelos Estados Unidos e a NATO para intervirem militarmente, promoverem golpes de Estado, assassinar ou mesmo chacinar em países que supostamente não respeitam as normas de conduta impostas por aquelas entidades.

Criado na administração norte-americana de William Clinton, o pretexto foi invocado com especial destempero pela secretária de Estado Madeleine Albright na guerra criminosa contra a Jugoslávia, incluindo o bombardeamento de Belgrado.

A chacina da Líbia foi outro exemplo em que foi aplicada a R2P, sem esquecer as «guerras humanitárias» protagonizadas por William Clinton como presidente norte-americano, entre as quais se podem recordar a invasão da Somália, bombardeamentos contra uma escola no Afeganistão e uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão.

A intervenção militar ordenada pelas autoridades russas, sob comando do presidente Vladimir Putin, nos territórios do Leste da Ucrânia autoproclamados como Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, não representou nada de novo em relação ao que tem sido a prática dos Estados Unidos e aliados tanto na NATO como na União Europeia.

«R2P, Responsability to Protect ou Responsabilidade de Proteger, foi uma doutrina inventada pelos Estados Unidos e a NATO para intervirem militarmente […] em países que supostamente não respeitam as normas de conduta impostas por aquelas entidades. […] a doutrina de Responsabilidade de Proteger será propriedade única e intransmissível de Washington e da NATO ou pode servir de exemplo a outras nações, neste caso a Rússia?»

Há, no entanto, uma diferença factual a registar: as tropas russas, enviadas alegadamente num contexto de «manutenção de paz», têm como missão defender (R2P) os cidadãos ucranianos de origem russa habitando nos territórios do Leste da Ucrânia, centenas de milhares deles detentores de passaportes russos, de uma potencial e mais do que previsível agressão militar do regime de Kiev e das suas tropas de choque nazis. A presença das mais bem equipadas e preparadas tropas ucranianas na linha de contacto com a região do Donbass é uma prova inequívoca dessa intenção.

Existem, de facto, vários indícios de que uma invasão da região do Donbass conduzida pelo regime de Kiev estava já em andamento. A Missão de Observação da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em acção na linha de contacto registara nos últimos dias um aumento exponencial dos bombardeamentos para o interior dos campos inimigos executados, em maioria esmagadora, a partir do lado ocidental. Além disso, foi notada uma intensa actividade de veículos ucranianos de desminagem de terrenos, fazendo prever a iminência do avanço de forças terrestres.

Acresce que o programa do actual presidente do regime de Kiev, Volodymir Zelensky, previa a reconquista pela força do território russo da Crimeia e a «normalização» da situação nos territórios do Donbass, isto é, a concretização da limpeza étnica.

Postas as coisas neste pé, afinal a doutrina de Responsabilidade de Proteger será propriedade única e intransmissível de Washington e da NATO ou pode servir de exemplo a outras nações, neste caso a Rússia?

Seguindo a mesma linha de raciocínio, será que apenas os Estados Unidos e a Aliança Atlântica podem cercar militarmente outros países, inundando de armas, incluindo de extermínio em massa, as linhas avançadas das suas forças, sem que as nações assim ameaçadas tenham o direito de se defender e de proteger populações afins?

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Ucrânia, o rastilho da Europa

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / Telegraph.ua

A administração colonial formada pelos Estados Unidos e a União Europeia que desde 2014 gere a Ucrânia, com apoio em entidades nazis saudosas de Hitler, criou a maior plataforma de guerra e de provocação que ameaça toda a Europa ao mesmo tempo que transformou o país num espaço de miséria.

Desde 2014 que, à luz do golpe da Praça Maidan dado em nome «da democracia», que Washington e Bruxelas vêm militarizando a Ucrânia recorrendo, sem rebuço nem vergonha, a uma máfia política mergulhada em corrupção e em traficâncias neoliberais; criando assim condições para conduzir uma guerra interna contra as populações russófonas da região do Donbass e desenvolvendo uma atmosfera de hostilidade contra a Rússia e a Bielorrússia propícia às manobras agressivas e provocatórias da NATO.

Nas operações internas tem-se distinguido, pela crueldade exercida contra as populações civis, o instrumento de mão do regime, a Guarda Nacional, corpo criado a partir do golpe de 2014 integrando estruturas retintamente nazis, como é o caso do batalhão Azov. Notícias vindas regularmente a público, mas que não cabem nos pacotes propagandísticos da comunicação social corporativa, dão conta de que estes grupos hitlerianos frequentam as acções de formação ministradas por altos quadros militares norte-americanos e europeus em situação de reserva mas realmente integrados nas estruturas da NATO.

Já em Novembro deste ano o regime de Kiev recebeu mais 60 milhões de dólares em material militar, incluindo 80 toneladas de munições, da administração Biden – a quarta remessa desde Agosto enviada de Washington. Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan, recorrendo principalmente aos serviços de campo de Victoria Nuland, quadro superior do Departamento de Estado envolvida directamente na conspiração, na acção e na formação dos primeiros governos do regime. A propósito desta manobra, na qual os Estados Unidos fizeram questão de exercer exclusividade absoluta, Nuland pronunciou a célebre frase «fuck the UE», um escândalo diplomático entre «aliados» que Bruxelas, fiel à sua subserviência em relação a Washington, reduziu a um não-acontecimento. A expressão foi proferida numa conversa com o então embaixador norte-americano em Kiev, Geoffrey E. Pyatt, agora em Atenas conduzindo as acções de conspiração e provocação nos Balcãs.

«Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan (...)»

O actual presidente norte-americano tem uma forte ligação «sentimental» à Ucrânia. Utilizando o filho Hunter Biden como testa de ferro, Joseph Biden entrou em força nos negócios de petróleo e gás do país; no seu actual governo colocou na mais elevada das posições, a de secretário de Estado, o norte-americano e ucraniano Anthony Blinken. De 2014 para cá têm passado pela administração ucraniana vários ministros e ministras de nacionalidade e ascendência norte-americana, ou mesmo indivíduos com formação nos Estados Unidos e que já foram presidentes de outros países, como o caso do georgiano corrupto Shakashwili.

Desde o golpe de 2014, segundo o actual secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, os Estados Unidos injectaram na Ucrânia mais de 2500 milhões de dólares em material militar, incluindo recentemente os mísseis antitanque Javelin, que já foram utilizados na guerra contra o Donbass, de acordo com Kyrilo Budanov, chefe da espionagem militar de Kiev. Confirmando-se assim que o governo ucraniano tem como política a violação dos acordos de Minsk, que determinam uma solução política e não militar para o conflito na região.

Budanov foi mais longe e assegurou que os mísseis Javelin foram usados igualmente «contra forças russas». Esta afirmação deve ler-se, porém, à luz do facto de Kiev considerar as forças militarizadas de autodefesa do Donbass como «parte do exército russo». Uma asserção que faz parte do discurso provocatório oficial ucraniano.

De realçar ainda que o equipamento das forças militares de influência nazi da Ucrânia foi ainda reforçado recentemente com drones ofensivos Bayraktar, de fabrico turco. O ditador Erdogan é um dos pilares internacionais de sustentação do regime autocrático de Kiev, apesar da crescente degradação das condições económicas do seu país.

Provocação em curso

Há pouco mais de uma semana, os serviços de espionagem norte-americanos municiaram a Comissão Europeia com supostas «informações secretas», segundo as quais a Rússia se prepara para invadir a Ucrânia no início do próximo ano, designadamente a partir da Crimeia e da Bielorrússia.

Embora fazendo parte da alimentação permanente da hostilidade da União Europeia para com a Rússia, esta diligência pode traduzir um novo nível da agressividade da NATO em relação a Moscovo. Há poucos dias, tirando proveito da situação criada com o problema dos refugiados entre a Bielorrússia e a Polónia, a Aliança Atlântica reforçou com mais umas dezenas de tanques o seu dispositivo de guerra alegadamente contra Minsk mas que, em última análise, tem a Rússia como alvo principal.

Na sequência das mais recentes operações militares de Kiev contra o Donbass, utilizando nomeadamente os mísseis de fabrico norte-americano Javelin, como o chefe da espionagem militar ucraniana confirmou, o exército russo reforçou os dispositivos militares na fronteira ucraniana. Algo que Moscovo já fizera anteriormente e que dissuadiu então as forças de Kiev de prosseguirem uma das frequentes ofensivas contra o Leste do país.

Os Estados Unidos pretendem que se interpretem estas movimentações como uma ameaça iminente de invasão da Ucrânia pela Rússia. Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios. A Rússia, recorda-se, está cercada pela presença exorbitante de tropas da NATO nas suas fronteiras, oriundas até de nações muito distantes.

«Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios.»

As acusações de Kiev e da NATO pronunciadas a propósito de supostas intenções agressivas de Moscovo são entre outras coisas, e como é fácil de perceber, cortinas de fumo para tentar resolver militarmente a guerra contra o Donbass e para o reforço cada vez mais intenso do massivo dispositivo da Aliança Atlântica ameaçando a Rússia.

Um regime de miséria

Entre 2013 e 2021 a Ucrânia transformou-se, como um todo, numa das maiores bases militares da NATO. Os armamentos e as capacidades militares presentes no país são absolutamente desproporcionadas e insultuosas em relação às grandes necessidades da esmagadora maioria da população, cada vez mais desprovida de condições essenciais de vida e até de sobrevivência.

O sistema autocrático e castrense instituído em Kiev pela administração colonial de Washington e Bruxelas, em nome «da democracia» e da «ameaça russa», é um regime de autêntica miséria, com estratos sociais reduzidos a uma penúria degradante. A «libertação» consumada a partir da «revolução colorida» de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.

Através de dados recolhidos em fontes como o FMI, o Banco Mundial, o serviço oficial de estatísticas de Kiev e o Banco Central da Ucrânia é possível perceber o estado dramático do país, um cenário inversamente proporcional à riqueza das suas aptidões militares.

De 2013 até 2020, a população da Ucrânia reduziu-se de 45,5 milhões de pessoas para 30,1 milhões – ou mesmo para 28 milhões, segundo fontes diferenciadas.

Dessa redução de 15 milhões na população, cerca de 10 milhões deixaram o país em busca de melhores condições de vida em países da União Europeia e na Rússia. Grande parte dessas pessoas adquiriram já as nacionalidades dos países de acolhimento e chamaram as respectivas famílias. Deixaram, em grande parte, de contribuir para a economia ucraniana.

Os restantes cinco milhões de pessoas a menos traduzem o aumento de mortalidade em relação aos valores médios registados até 2013.

«A "libertação" consumada a partir da "revolução colorida" de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.»

Segundo elementos fornecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano desceu de 183 300 milhões de dólares em 2013 para 155 500 milhões em 2020, ou seja uma queda da ordem dos 15% desde a instauração «da democracia» por Washington e a UE.

O rendimento médio per capita caiu em média de 4030 dólares em 2013 para 3725 dólares em 2020 – 310 dólares por mês (menos de 300 euros). No entanto, a grande maioria da população, cerca de 70%, tem um rendimento mensal de 210 a 215 dólares, isto é, mais ou menos 200 euros. Naturalmente o poder de compra baixou cerca de 20%. Os preços da alimentação e dos medicamentos são os mais elevados em comparação com os dos países vizinhos.

Dados oficiais revelam ainda que um terço da população, 10 milhões de pessoas, sofre de subnutrição; e dois milhões passam fome num país onde as desigualdades continuam a crescer, como é próprio das ditaduras neoliberais.

A indústria ucraniana colapsou 25% e a dependência energética em combustíveis fósseis e electricidade continua a aumentar, sobretudo em relação à Rússia, país com o qual a Ucrânia se diz «em guerra», e à Bielorrússia, país contra o qual funciona como plataforma de conspiração e actividades subversivas.

Apesar de a Ucrânia se ter transformado num paraíso neoliberal, nem sequer se consegue afirmar como um farol para o investimento estrangeiro, antes pelo contrário: esse valor desceu de 5600 milhões de dólares em 2013 para 800 milhões de dólares em 2020, isto é, sete vezes menos do que antes do golpe.

Neste quadro verdadeiramente trágico, a publicação anual Doing Business do Banco Mundial conseguiu encontrar em 2020 um rating de «sucesso» para a Ucrânia. O resultado foi tão pouco convincente que o próprio Banco Mundial veio a considerá-lo depois como «distorcido», levantando assim suspeitas de que terá sido fabricado graças a incentivos financeiros irregulares. O regime ucraniano, de tão protegido pelos seus gestores internacionais, consegue até exportar corrupção, revelando grandes aptidões na matéria.

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO, mesmo sem pertencer formalmente à organização, transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Basta uma faúlha. E a NATO, com a colaboração prestimosa da União Europeia, parece andar à procura da maneira de a atear. Condições e marionetas não faltam na Ucrânia.

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Da doutrina R2P aplicada pelos Estados Unidos e a NATO nasceu, por exemplo, uma entidade muito peculiar chamada Kosovo, governada por terroristas islâmicos e funcionando como entreposto de tráficos vários, entre eles o de órgãos humanos; no entanto, grande e sonoro é o escândalo porque do R2P aplicado pela Rússia decorre o reconhecimento de peculiares entidades como as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. «Quem Putin julga que é para reconhecer outros Estados?», interrogou-se o penoso Joseph Biden, ligado aos auriculares e fixado no teleponto, mais ou menos na mesma ocasião em que confirmou o reconhecimento da anexação ilegal do território sírio dos Montes Golã por Israel. Tudo de uma transparente coerência, que pode ainda ser reforçada com a possível integração do Kosovo na NATO.

Quem vai à guerra dá e leva, é um aforismo português bem enraizado. Parece, porém, que há quem apenas queira dar sem correr o risco de levar. No fundo, não passa de um tique de quem acha que a impunidade dos comportamentos guiados por mentalidades coloniais e imperiais dura para sempre.

Porém, os tempos mudaram; as últimas semanas ilustram bem essa realidade e a reacção de novo tipo ensaiada pela Rússia traduz uma alteração da relação de forças geoestratégica. Daí também a sufocante barragem de propaganda que executa uma metódica lavagem ao cérebro dos cidadãos, inspirada nos confins totalitários imaginados por George Orwell.

Um pouco de história recente

Sem ser necessário recuar por ora aos tempos em que «Lenin, os seus seguidores e a Rússia comunista bolchevique» criaram a Ucrânia, segundo a história recriada pelo oligárquico inner circle de Vladimir Putin, façamos uma revisão das origens mais recentes do problema ucraniano que conduziram à situação actual.

Depois de Gorbatchov e o alcoólico agente da CIA Boris Ieltsin terem desmantelado a União Soviética, a Ucrânia independente rapidamente se transformou num pródigo alimento da gula dos círculos político-militares ocidentais e das transnacionais globalizantes, meios imbuídos da sempre insaciável mentalidade colonial e da correspondente arrogância.

«Em finais de 2013, a Ucrânia, sob a presidência do russófono Viktor Yanukovytch e abalada por uma corrupção endémica, chegou a um ponto de fractura entre os partidários da adesão à União Europeia e à NATO e os defensores de um reforço da soberania aprofundando as ligações com a Rússia. Recorrendo de novo à receita da revolução colorida, os Estados Unidos e a União Europeia montaram uma suposta «Revolução da Dignidade» que degenerou, em Fevereiro de 2014, nos acontecimentos da Praça Maidan, em Kiev, onde grupos de assalto nazis acabaram por assumir o poder determinante do movimento»

Em 2004, provavelmente porque nem tudo corria como devia, os centros do costume, Soros e companhia, organizaram uma revolução colorida, neste caso em tons laranja, para dar alento aos partidários da integração na União Europeia e na NATO, comandados pela nacionalista primeira-ministra Yulia Tymochenko, com ligações fascistas bem identificadas.

Em finais de 2013, a Ucrânia, sob a presidência do russófono Viktor Yanukovytch e abalada por uma corrupção endémica, chegou a um ponto de fractura entre os partidários da adesão à União Europeia e à NATO e os defensores de um reforço da soberania aprofundando as ligações com a Rússia.

Recorrendo de novo à receita da revolução colorida, os Estados Unidos e a União Europeia montaram uma suposta «Revolução da Dignidade» que degenerou, em Fevereiro de 2014, nos acontecimentos da Praça Maidan, em Kiev, onde grupos de assalto nazis acabaram por assumir o poder determinante do movimento. Atiradores pertencentes a esses grupos usando fardas policiais e colocados nos telhados dos edifícios envolventes dispararam sobre manifestantes provocando numerosos mortos e feridos. Mais um exemplo das operações de bandeira falsa em que os Estados Unidos são especialistas há bastante mais de um século.

O golpe aconteceu quando Joseph Biden era vice-presidente de Obama e esteve directamente associado à montagem da operação. Depois foi recompensado generosamente, tendo o filho Hunter Biden como testa de ferro, com um importante cargo de administração numa das maiores empresas petrolíferas ucranianas.

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Cronologia de uma provocação aterradora

Biden, Blinken, Nuland, Pyatt – a equipa operacional do golpe Euromaidan está de regresso à Ucrânia. Entretanto, continuamos a ser informados de que tudo está a acontecer por causa da «agressão russa».

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / alfa.lt

No dia 24 de Março deste ano, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, assinou o decreto 117/2021 no qual determina que a política oficial do seu regime é a de «reconquistar» a Crimeia à Rússia; e identifica o porto de Sebastopol como alvo prioritário desta estratégia. A iniciativa foi acompanhada pelo transporte de avultados meios de guerra, incluindo comboios de tanques, em direcção ao Leste ucraniano, a região onde Kiev tem mantido um cerco e actos de guerra contra as populações civis, essencialmente a cargo de unidades militares e paramilitares nazis.

A decisão de Zelensky provocou uma reacção simétrica por parte da Rússia: reforço das capacidades militares na Península da Crimeia e nas imediações da fronteira oriental da Ucrânia. A comunicação social corporativa, sobretudo a «de referência», só conta esta parte da história, encaixando-a na narrativa da «agressão russa». Para se ter uma noção da real gravidade da situação, porém, é necessário conhecer o cenário completo.

«os jogos de guerra “Defender Europe 2021» [envolvem] 40 mil efectivos de 25 países europeus, norte-americanos e africanos para «demonstrar a capacidade dos Estados Unidos em ser um parceiro estratégico nos Balcãs, Mar Negro, no Cáucaso, Ucrânia e em África”»

Volodymyr Zelensky não retirou o decreto da sua cartola porquesimplesmente lhe apeteceu ou porque o considere como a mais aconselhável maneira de desviar as atenções da caótica situação interna em que o golpe Euromaidan mergulhou a Ucrânia desde 2014. As circunstâncias demonstram que este ex-comediante de TV transformado em presidente está sob o controlo directo de Richard Moore, chefe dos serviços secretos britânicos MI6, que o recebe em Londres e dirige pessoalmente o cumprimento do guião belicista que ele próprio traçou para ser cumprido a partir de Kiev. Esta ligação foi demonstrada pela televisão Rossiya 1 e está, naturalmente, associada à integração da Ucrânia, do Mar Negro e das regiões bálticas em geral nas gigantescas manobras militares da NATO «Defender Europe 21» que estão a decorrer até finais de Junho.

Moore foi antigo embaixador britânico na Turquia, pelo que terá facilitado os contactos entre Erdogan e Zelensky, que têm recentes desenvolvimentos terroristas na região do Mar Negro.

Zelensky tem, portanto, as costas bem quentes. Por isso, o seu chefe de Estado-Maior, o general Ruslan Komchak, anunciou que se «prepara para realizar uma ofensiva na Ucrânia Oriental», operação essa em que «está prevista a participação de membros da NATO». Será?

Ao que a NATO tem respondido, sobretudo durante reuniões efectuadas em meados de Abril em Bruxelas, que está ao lado do regime ucraniano na sua defesa da «integridade» do país – declaração curiosa de uma aliança que se dedica a desintegrar países: Jugoslávia, Iraque e Líbia falam por si.

«Integridade» da Ucrânia significa, neste contexto, o regresso da Crimeia à soberania de Kiev e o reforço da repressão contra as populações russófonas das províncias da região do Donbass – Donetsk e Lugansk – que não reconhecem o regime de base nazi nascido do golpe de 2014. Foi precisamente para evitar uma situação de repressão militar como a que vigora no Donbass que a população da Crimeia votou massivamente em referendo a sua reintegração na Rússia, da qual fora separada por acto administrativo assumido nos anos cinquenta do século passado pelo dirigente soviético Nikita Krushchov.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo) Créditos

Acontecimentos vertiginosos

Quando Zelensky assinou o decreto que espoletou a situação em desenvolvimento no terreno e nas chancelarias, o secretário da Defesa norte-americano e chefe do Pentágono, Lloyd Austin, declarou o «apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania da Ucrânia». Washington sinalizou assim que não se tratou de um acto isolado do chefe do regime ucraniano e que existe uma interrelação entre o decreto presidencial e a invasão do Mar Negro e da Ucrânia pela NATO sob a cobertura dos jogos de guerra «Defender Europe 2021». Exercícios estes envolvendo 40 mil efectivos de 25 países europeus, norte-americanos e africanos para «demonstrar a capacidade dos Estados Unidos em ser um parceiro estratégico nos Balcãs, Mar Negro, no Cáucaso, Ucrânia e em África».

Ninguém no seu perfeito juízo iria supor que a Rússia ficaria impávida e serena perante tais acontecimentos. Pelo que estamos a viver as incidências de uma inquietante provocação montada para apresentar as medidas defensivas adoptadas por Moscovo como uma evidência da «agressão russa».

Dado o sinal por Austin, os acontecimentos tornaram-se vertiginosos.

No dia 6 de Abril, o chefe do regime de Kiev telefonou ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, para lhe testemunhar que «a NATO é a única maneira de terminar com a guerra no Donbass» e, portanto, a «sua presença deve ser permanente e um poderoso travão à Rússia, que continua a militarização em larga escala e dificulta as movimentações de navios mercantes».

Em 10 de Abril, Zelensky foi recebido em Istambul pelo «sultão» Erdogan, como já se percebeu por intercessão directa do chefe do MI6. Na sequência do encontro, 150 soldados turcos foram deslocados para Mariupol, cidade ucraniana do Mar Negro, de modo a enquadrar o contingente de mercenários «islâmicos» que os serviços secretos turcos (MIT) estão a recrutar sobretudo em Idlib, na Síria, para combater na Ucrânia tal como têm feito na Líbia e no Azerbaijão.

Em Mariupol encontra-se também a chamada Brigada Islâmica Internacional que a Turquia criou recorrendo a mercenários tártaros.

Antes de se avistar com o presidente turco, Volodymyr Zelensky tinha feito um acordo com o Qatar sobre o arrendamento de um porto no Mar Negro, precisamente Mariupol. O Qatar tem sido um dos países que fornece forças especiais para processos susceptíveis de envolver intervenções da NATO, como aconteceu na Líbia.

Conferência de imprensa de Jens Stoltenberg e Volodymyr Zelensky (foto de arquivo) Créditos

A «contenção» de Kiev

Em 13 de Abril reuniu-se em Bruxelas a Comissão NATO-Ucrânia, para avaliar «o estado da segurança» neste país; o ministro dos Negócios Estrangeiros de Kiev, Dmytro Kauleb, informou sobre «os últimos desenvolvimentos» e a oportunidade serviu para o chefe de Estado Maior Komchak reafirmar o lançamento da «ofensiva na Ucrânia Oriental». Os participantes na reunião comprometeram-se a assegurar a «integridade territorial» da Ucrânia, acusaram os «rebeldes do Leste» de «quebrar o cessar-fogo» e a Rússia de reforçar os dispositivos militares, sobretudo na Crimeia. Exigiram a «retirada militar russa da Ucrânia», isto é, da Península da Crimeia – território russo.

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Rússia acusa a Ucrânia de não assumir o controlo das suas forças armadas

Em declarações à imprensa, esta terça-feira, um porta-voz do Kremlin sublinhou ainda que a integração da Ucrânia na NATO não será aceite pela população do Donbass e só irá exacerbar a crise.

Zona civil atacada por artilharia pesada no Donbass 
Créditos / @iehutin

A Rússia não vê sinais de que Kiev queira abandonar a «retórica belicosa», «acalmar-se de alguma forma» e assumir o controlo das Forças Armadas da Ucrânia na linha de contacto no Donbass, que «frequentemente são a causa de provocações» nessa parte do Sudeste do país, disse ontem à imprensa Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, citado pela TASS.

Numa visita à Índia, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, afirmou que a Rússia espera que os países ocidentais pressionem a Ucrânia no sentido de cumprir o Acordo de Minsk sobre a guerra no Donbass, alcançado em Fevereiro 2015 entre a Ucrânia, a Rússia, a França e a Alemanha.

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O enredo da provocação no estreito de Kerch

O cenário de guerra continua a aprontar-se nas fronteiras da Rússia. A provocação de domingo passado já fez o seu caminho, mas outras poderão promover novos passos para uma situação incontrolável.

Voluntários neonazis do Batalhão de Azov (integrado na Guarda Nacional Ucraniana) manifestam-se, em frente ao parlamento da Ucrânia, em Kiev, em apoio do presidente Piotr Poroshenko, após o incidente em Kerch entre barcos ucranianos e russos.
Créditos / Independent/EPA

Os acontecimentos em curso no Estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, têm que se lhe diga. É que, muito para lá do óbvio carácter provocatório do comportamento do regime neonazi da Ucrânia, está a cumprir-se uma agenda secreta menos óbvia e potencialmente mais perigosa do que os factos a que vamos assistindo. Até onde nos levará este caminho? Sem fazer futurologia, poderemos fazer uma ideia repescando antecedentes, identificando protagonistas e antecipando desenvolvimentos, alguns dos quais estão inscritos no calendário.

Dois navios militares e um rebocador ucranianos dirigiam-se no domingo passado ao Estreito de Kerch, em rota do Mar Negro para o Mar de Azov, ao que parece com destino à cidade de Mariupol, quando foram interceptados a tiro por navios russos. Registaram-se três feridos sem extrema gravidade, os barcos foram apresados, os tripulantes detidos.

Mais uma malfeitoria da Rússia do inqualificável Putin, informa, a uma só voz, a comunicação social mainstream, sem dar-se ao trabalho de aprofundar minimamente a situação. Nem é preciso. De acordo com os dogmas estabelecidos, o regime da Ucrânia é neonazi mas “democrático”, goza das boas graças de entidades acima de quaisquer suspeitas como a União Europeia e a NATO; e a Rússia é a Rússia, fica tudo dito.

Mas aprofundemos a situação por nossa conta e risco.

Está comprovadíssimo que:

- Os navios militares ucranianos receberam advertências russas por rádio informando as tripulações de que o estreito estava fechado por razões de tráfego e segurança;

- Os comandantes das três embarcações fizeram-se de surdos em relação aos avisos: “ignorámos deliberadamente os pedidos russos para não avançarmos mais”, confessou o comandante Volodymir Lesovoy;

- Os navios ucranianos transportavam armamento e munições: armas ligeiras e armas automáticas de grande calibre, de acordo com a mesma confissão;

- A bordo seguiam agentes dos serviços militares de espionagem (SBU), segundo revelou o director desta entidade, Vasyl Hrytsak;

- “Estava consciente de que as acções da Marinha Ucraniana no Estreito de Kerch eram provocatórias”, afiançou ainda o comandante Lesovoy.1

Foi, portanto, um dos responsáveis ucranianos envolvidos na operação quem a qualificou: “uma provocação”.

Em que contexto?

É muito importante conhecer o contexto geográfico e geopolítico em que este incidente ocorre.

A Rússia e a Ucrânia partilham águas territoriais tanto no Mar Negro como no Mar de Azov segundo normas estabelecidas por um acordo bilateral estabelecido em 2003. A situação, porém, alterou-se a partir do golpe de Estado fascista na Ucrânia, em 2014, seguido pela reintegração da Crimeia na soberania russa, conforme decisão tomada por grande maioria, em referendo, pela população da península. Uma vez que a Crimeia se tornou território russo, a segurança do Estreito de Kerch passou a ser assumida por Moscovo, pela aplicação automática dos artigos 19 e 21 da Lei Internacional Marítima. Foi neste âmbito que as autoridades russas pediram aos navios ucranianos para não avançarem, uma vez que tinham encerrado temporariamente a passagem devido a manobras de tráfego e à segurança da nova ponte que, desde o início deste ano, liga o território continental russo à Península da Crimeia.

Deve dizer-se que, apesar do agravamento das tensões entre os dois países vizinhos, sobretudo a partir de 2014, os navios ucranianos, tanto civis como militares, têm passado normalmente o Estreito de Kerch segundo as normas internacionais, neste caso aplicadas através de meios russos.

No entanto, assim como não reconhece a reintegração da Crimeia na Rússia, a Ucrânia não aceita agora que a segurança no Estreito de Kerch seja garantida por Moscovo, ponto de partida para a violação da Lei Marítima Internacional por parte de Kiev. Uma situação que não tinha antecedentes, apesar de, repete-se, as relações entre a Ucrânia e Moscovo se terem deteriorado sobretudo a partir de 2014.

Pelo que é legítimo registar que alguma coisa determinou a mudança de comportamento da Ucrânia.

Antecedentes

É certo que durante todo este ano foram observados sinais de que as tensões estavam a aumentar na região do Mar de Azov. Um navio de pesca russo, registado na Crimeia, foi apresado e a sua tripulação humilhada no dia 24 de Março. As autoridades ucranianas recusaram-se a tratar os tripulantes como cidadãos estrangeiros e, depois de maus tratos psicológicos e físicos, acabaram por permitir que seguissem para a península mas confiscando-lhes os passaportes, atitude que viola normas internacionais.

Em Outubro, outra embarcação russa, desta feita um petroleiro, foi retida no porto ucraniano de Khersen.

O clima regional deteriorou-se, principalmente, a partir da inauguração da ponte ligando o território continental russo à Crimeia, sobre o Estreito de Kerch, uma obra que reforçou a agressividade da Ucrânia face à irreversibilidade da mudança de soberania da península.

Embora as tensões tenham vindo a convergir em torno das normas de passagem do Estreito de Kerch, registaram-se outros acontecimentos de âmbito mais geral e regional que devem ser encarados à nova luz projectada pelo incidente de domingo passado.

Um deles foi a decisão do Tribunal Constitucional de Kiev no sentido de alterar a Constituição do país de modo a abrir caminho para a integração na União Europeia e na NATO.

O procedimento nada tem de surpreendente – a NATO e a União Europeia fomentaram o golpe que facilitou este passo – mas causa fissuras no tecido político e demográfico do país, além de ultrapassar mais uma linha vermelha em relação às posições russas quanto à instalação da NATO nas suas fronteiras.

No dia 7 de Novembro, o governo da Ucrânia aprovou a Resolução 934 que produz alterações às normas sobre a aplicação da lei marcial, nomeadamente no que diz respeito à evacuação obrigatória de populações e à definição de categorias populacionais para estabelecer o modo como deve decorrer o processo. Em particular, o documento estipula “as tarefas e funções do comando militar, ministérios, outras autoridades executivas centrais, órgãos estaduais e órgãos de evacuação temporária para a implementação de medidas de um regime legal de lei marcial”.

Em suma, nos últimos meses vêm-se registando alguns acontecimentos na Ucrânia, sobretudo este cuidado especial com a actualização da lei marcial, reveladores de que os acontecimentos no Estreito de Kerch não surgem do nada, encaixando-se antes numa cadeia de premeditação propícia a criar um incidente específico – “uma provocação”, como confessou o comandante Volodymir Lesovoy.

Para quê?

A situação internacional e regional actual abre várias pistas sobre a razão de ser e a utilidade deste episódio.

8%

expectativa de Poroshenko nas sondagens para as próximas eleições presidenciais na Ucrânia, antes do incidente de Kerch

A imposição da lei marcial é uma delas – e já foi consumada. Através desta decisão, o presidente da Ucrânia e a estrutura nazi-fascista que o envolve, com pólo no Batalhão Azov e respectivas ramificações, ficam de mãos livres para prosseguir o seu caminho no sentido da pretendida instauração plena de uma ditadura, sempre a pretexto do combate à “ameaça russa”.

Confrontado com eleições marcadas para Março de 2019 e creditado pelas sondagens nuns minguados oito por cento de popularidade, o presidente Piotr Porochenko só tem a ganhar em consagrar-se o mais rapidamente possível como comandante-em-chefe de uma nação em estado de guerra contra um inimigo poderoso.

A partir de agora, e pelo menos até finais de Janeiro – estas situações são facilmente prorrogáveis –, o presidente pode ilegalizar partidos, reforçar a censura à comunicação social, aterrorizar estratos populacionais com invasões de residências, prisões arbitrárias e confiscação abusiva de materiais. E também reforçar a ofensiva militar e a repressão de índole fascista sobre as populações da região de Donbass, sobretudo Donetsk e Lugansk. Quem sabe se Porochenko não conseguirá mesmo evitar as eleições presidenciais, facilmente adiáveis como prorrogáveis são os estados de excepção, desde que continue nas boas graças do Batalhão Azov cumprindo a sua agenda fascista?

«A partir de agora, e pelo menos até finais de Janeiro – estas situações são facilmente prorrogáveis –, o presidente pode ilegalizar partidos, reforçar a censura à comunicação social, aterrorizar estratos populacionais com invasões de residências, prisões arbitrárias e confiscação abusiva de materiais»

Este facto não fere, como não feriu em 2014, as férreas convicções “democráticas” da União Europeia e da NATO, que já garantiram estar sempre do lado da Ucrânia, como disse alto e bom som o secretário-geral da aliança militar, Jens Stoltenberg; ou como fez o próprio Conselho de Segurança da ONU, ao tomar o partido de Kiev quanto ao processo de discussão do incidente do Estreito de Kerch.

Palavras e actos que, em nível subliminar, contemplam respostas aos apelos menos diplomáticos feitos pelo ex-comandante da NATO James Stavridis – “metam o Putin na ordem!” – e pelo embaixador ucraniano em Berlim, Andrij Melnik - “ponham o Putin no lugar!”

Melnik pediu ainda mais: novas sanções contra a Rússia, a que Trump e Bruxelas se preparam para fazer a vontade; bloqueio de todas as importações de gás natural e petróleo da Rússia e “congelamento” do gasoduto NordStream 2, que tem início em território russo e termo na Alemanha. Este assunto já fia mais fino: a senhora Merkel parece não estar pelos ajustes e muitos governos europeus não estarão dispostos a pagar a energia a preços descomunais por causa de três tiros num barco de dois canos nos apertos da entrada do Mar de Azov.

A situação tem ainda, obviamente, outras repercussões latentes, relacionadas com o previsto diálogo entre Trump e Putin, à margem da próxima reunião do G20. De Bruxelas a Washington há muita gente que não deseja encontros entre os dois presidentes, por causa do mito segundo o qual o dirigente russo “mete no bolso” o norte-americano. E o estado a que as coisas chegaram pode fazer-lhes a vontade; ou, pelo menos, concentrar na falsa questão ucraniana as palavras que deveriam dedicar-se a problemas reais como a Síria e a Península da Coreia, por exemplo.

Agora com poderes reforçados, o presidente Porochenko já pediu mais navios de guerra da NATO para o Mar Negro; e a Rússia, pelo sim pelo não, vai despachar sistemas defensivos S-400 para a Península da Crimeia.

Isto é, o cenário de guerra continua a aprontar-se nas fronteiras da Rússia; e se a provocação de domingo passado já fez o seu caminho, outras poderão promover novos passos para uma situação incontrolável.

Com a Europa “democrática” e a aliança militar “democrática” encorajando, dando força e cobrindo sempre a Ucrânia fascista como sua ponta de lança.

 

  • 1. A transcrição completa das declarações do comandante Lesovoy e dos marinheiros Andrey Dratch e Sergey Tsybizov pode ser lida aqui.
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«Kiev passou da crítica ao quadro político para resolver a crise no Donbass para ameaças de acção militar e espero que (...) as capitais europeias exijam que [o presidente ucraniano] Zelensky implemente o Acordo de Minsk», disse Lavrov, citado pela TeleSur, no final de uma reunião com o seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar.

Por seu lado, o ministro ucraniano para os territórios temporariamente ocupados, Alexey Reznikov, disse ao canal ICTV que Kiev não enviará delegados a Minsk quando forem retomadas as consultas do Grupo de Contacto Trilateral (integrado por Rússia, Ucrânia e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – OSCE).

Reznikov advogou a busca de «uma cidade e de um país diferentes», argumentando que «a Bielorrússia está sob influência da Rússia» e «não tem confiança» nela.

Escalada de tensões e provocações

A tensão entre ambos os países agudizou-se depois de o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ter aprovado um decreto que visa a recuperação da Crimeia, reintegrada na Rússia após o referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado fascista em Kiev, com a decisão favorável da esmagadora maioria da população do território.

Moscovo enviou tropas para a fronteira com a Ucrânia e acusou Kiev de ter levado a cabo «múltiplas» acções de provocação na «linha de separação» com as forças militares das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Donbass. Ambas as partes se acusaram de violações do cessar-fogo e pela escalada do conflito.

Peskov recordou esta terça-feira que o presidente russo, Vladimir Putin, manteve há alguns dias uma conversa com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com o presidente francês, Emmanuel Macron, na qual expôs as preocupações de Moscovo com a situação na Ucrânia e, em particular, com as acções do país vizinho para agravar o cenário de conflito no Sudeste.

Adesão da Ucrânia à NATO não será aceite por quem vive no Donbass

Em declarações à imprensa, Dmitry Peskov disse ainda que o Kremlin tem sérias dúvidas de que a adesão da Ucrânia à NATO a ajude a lidar com os seus problemas internos, tendo sublinhado que, com esse passo, Kiev só irá agravar «a crise», uma vez que a ideia da integração na NATO é «profundamente inaceitável» para os milhões de pessoas que vivem nas autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, refere a TASS.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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A observação de Peskov segue-se à afirmação feita, também esta terça-feira, pelo presidente ucraniano de que «a NATO é a única via para acabar com a guerra no Donbass», na sequência de uma conversa telefónica com o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg.

Também ontem, o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, disse à TASS que Moscovo tinha discutido a situação no Donbass com a administração norte-americana, alertando-a para as «consequências das políticas provocadoras de Kiev no Donbass», bem como para «o comportamento cada vez mais desafiante» dos seus apoiantes ocidentais, liderados pelos EUA.

Na segunda-feira, um representante do Departamento de Estado norte-americano afirmou que Washington estava disponível para «interagir» com Moscovo sobre a situação no Leste na Ucrânia. Quanto às movimentações de tropas russas perto da fronteira com a Ucrânia e na Crimeia, considerou-as «credíveis», refere ainda a TASS, e instou a Rússia a não realizar acções «que possam conduzir a uma escalada».

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Na ocasião, Stoltenberg congratulou-se pelo facto de a NATO «ajudar a Ucrânia a concretizar as suas aspirações euro-atlânticas» e prometeu «continuar a desenvolver» a cooperação com este país, e também com a Geórgia, sobre as questões «da segurança no Mar Negro».

Ainda em Bruxelas e também em meados de Abril o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, avistou-se com os ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Alemanha, Itália e Reino Unido para proclamar o apoio à «integridade territorial» da Ucrânia; saudou a «contenção de Kiev» perante as «provocações russas» enquanto acusava Moscovo de «retórica incendiária», de multiplicar «ataques na zona de contacto» e de reforçar os dispositivos militares na região.

Enquanto isso, dois cruzadores norte-americanos movimentaram-se em direcção ao Mar Negro para juntar-se aos vastos meios navais e aéreos da NATO já ali presentes; e cinco aviões militares de transporte Hércules C-130 viajaram de Estugarda para Kiev. A Aliança Atlântica, entretanto, criou um centro de treino de tiro de precisão em Mariupol. Recorda-se que um dos episódios fulcrais do golpe Euromaidan foi a utilização de snipers georgianos que dispararam simultaneamente sobre manifestantes e polícias para acelerarem os confrontos e o desfecho «democrático» pretendido pela NATO e a União Europeia.

A Rússia, por seu lado, tem respondido à militarização da Ucrânia pela NATO sob pretexto dos exercícios «Defender Europe 21» com o reforço dos dispositivos militares na Península da Crimeia e na sua fronteira com a Ucrânia, neste caso através da recolocação do importante corpo de pára-quedistas de Pskov.

As razões do fenómeno

Sendo certo que Zelensky não agiu sozinho ao assinar o decreto sobre «reconquistar» a Crimeia poderá levantar-se uma interrogação clássica: porquê agora?

Na verdade, já não resta muito tempo aos Estados Unidos para tentarem alcançar um dos objectivos essenciais dos últimos anos que é o de impedirem a construção do gasoduto North Stream 2 acordado entre a Rússia e a Alemanha para abastecer a Europa de gás natural russo. Os trabalhos estão em fase de conclusão, apesar de várias empresas europeias se terem retirado devido às sanções de Washington, e continuam a ter o apoio da poderosa economia alemã.

«A realização das gigantescas manobras anuais “Defender Europe”, dedicadas aos mares Negro e Báltico e à Ucrânia em particular, definiu a janela de oportunidade própria para Zelensky atear o rastilho de uma situação altamente provocatória, que envolve a movimentação de capacidades nucleares»

Liquidar este projecto de cooperação é, para os dirigentes de Washington, uma via para entorpecer ainda mais as relações entre a União Europeia e Moscovo e, sobretudo, para perturbar gravemente a cooperação especial entre a Rússia e a Alemanha, que se desenvolve claramente à revelia das posições da União Europeia e, sobretudo, da NATO. Enquanto proclama a necessidade de preservar a «integridade» da Ucrânia, Berlim mantém a aposta no gasoduto, incorrendo na reprovação de Washington.

A realização das gigantescas manobras anuais «Defender Europe», dedicadas aos mares Negro e Báltico e à Ucrânia em particular, definiu a janela de oportunidade própria para Zelensky atear o rastilho de uma situação altamente provocatória, que envolve a movimentação de capacidades nucleares. Está implícita nestas movimentações a intenção de transformar a operação provocatória numa situação de tensão permanente a alto nível, terreno propício para os especialistas em criar focos de confronto que povoam a região, sobretudo os enraizados grupos nazis em que assenta a operacionalidade do regime de Kiev.

O presidente russo, Vladimir Putin, tentou deitar um pouco de água na fervura entrando directamente em contacto com o presidente francês e a chanceler alemã alertando-os para os riscos que estão a ser vividos e pelos quais a Europa pagará um preço incalculável se forem levados às últimas consequências. Merkel e Macron, porém, são peixes graúdos da NATO mas não são a NATO.

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Perfil da nova tropa de choque do império

É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

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Antes de ser nomeado para secretário da Defesa, o general Lloyd Austin era director da Raytheon, um dos gigantescos consórcios de armamento dos EUA. Na foto, Biden (E) e Austin (C ) no Iraque, em 2011CréditosStaff Sgt. Caleb Barrieau / U.S. Forces Iraq Photo

Intelligence Online, uma newsletter internacional que divulga recados dos serviços secretos ocidentais, publica um curto texto sob o sugestivo título «Biden vai acabar na Síria o que Obama começou». Mais palavras são desnecessárias: a frase vale pelas 10 ou 20 mil palavras de um programa de governo. Ilusões para que vos quero.

Basta passar uma vista de olhos pelo currículo belicista do novo presidente dos Estados Unidos da América, Joseph Biden, para antever uma gestão a condizer, pesem embora os floreados e fogos-de-artifício com que foi celebrada a sua conturbada e controversa eleição. O asfixiante aparelho global de propaganda quis fazer passar ao mundo a imagem branqueadora de que uma nova era começa, estamos perante uma ruptura em relação à tragédia dos últimos quatro anos.

Nada mais enganador. Como diria o último ditador fascista de Portugal, apresentando a sua «primavera», estamos perante uma «evolução na continuidade». Entre Trump e Biden a diferença é de estilo, de polimento, de verniz que tanto agrada à camada bem pensante da comunicação «de referência». A substância é a mesma, com mais globalismo e menos nacionalismo, uma espécie de «América primeiro em todo o lado» em vez de um doméstico «América primeiro».

Antes de ser presidente, Biden foi vice-presidente de Barack Obama e senador durante décadas. Por isso é possível encontrá-lo apoiando vivamente o racismo institucionalizado na sociedade norte-americana – por muito que queiram limpar-lhe a imagem – e guerras imperiais a fio como as invasões de Granada (1983) e do Panamá (1989), a destruição da Jugoslávia com os bombardeamentos de Belgrado (1999), as invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003); ou então aconselhando os presidentes democratas e irmanando-se aos presidentes republicanos, de Reagan à família Bush conforme os casos. Não é excessivo lembrar que nestas gestas imperiais para exportar a «democracia», impôr medidas «humanitárias» ou cumprir o mandamento R2P (Responsabilidade para Proteger, uma invenção democrata) não existem diferenças de fundo entre democratas e republicanos, quanto muito praticam-se métodos mais ou menos elaborados de gestão da propaganda de guerra.

Já como vice-presidente, Biden desempenhou papéis de primeiro plano na reactivação da guerra do Afeganistão (2009), na ocupação do Iraque, nas revoluções coloridas que ficaram genericamente conhecidas como «primaveras árabes», nas atrocidades que provocaram a destruição da Líbia, no golpe que levou o fascismo ao poder na Ucrânia (2014) e no lançamento da sanguinária agressão contra a Síria.

É esse trabalho inacabado, o do desmantelamento e destruição da Síria, que Biden se propõe agora concluir como presidente – a crer nos vaticínios da comunidade dos serviços secretos ocidentais. E que serve apenas como exemplo pontual de uma agenda intervencionista à escala global, como é apanágio da bem-falante, neoliberal pura e tecnocrática elite democrata.

Dois sinais imediatos revelam os contornos dessa agenda: o reforço da NATO e o regresso ao activo, mais coisa menos coisa, do esquadrão de dirigentes e assessores das administrações Obama, o presidente que, na história dos Estados Unidos, cometeu mais assassínios extrajudiciais explorando, principalmente, o crescente recurso aos drones.

Aposta em força na guerra

A revalorização da NATO na perspectiva norte-americana é uma consequência esperada do regresso dos democratas ao poder. Expoentes do globalismo neoliberal e da progressiva supressão dos Estados na via para o governo global – meta tão acarinhada pelo seu guru Henry Kissinger – têm numa Aliança Atlântica pluricontinental o instrumento militar transnacional para assegurar a gestão das guerras existentes, sejam os conflitos convencionais ou as guerras frias com a Rússia e com a China, sempre sob comando operacional dos Estados Unidos. Em relação ao gigante asiático, não existem indícios em Washington de um abrandamento do clima de confrontação instaurado por Trump, admitindo-se que possa ter cambiantes eventualmente na frente comercial; na vertente militar não será de excluir um endurecimento, olhando para alguns nomes que integram o esquadrão de dirigentes e assessores de Biden. Quanto ao novo presidente, o mote está dado: tanto Putin como Xi Jinping são «bandidos».

O regresso à NATO, depois da deriva de Trump, será processado, como sempre, sob o comando operacional dos Estados Unidos mas com «partilha de responsabilidades», isto é, através do aumento das despesas militares dos Estados membros – e que já era uma exigência do antecessor de Biden. É grande a satisfação nas chancelarias europeias, principalmente as que respeitam o fundamentalismo atlantista, sentimento ecoado também pela comunicação de «referência», sempre rendida ao «charme» democrata, tão distante e afinal tão próximo da metodologia trauliteira da mais recente versão republicana.

Quanto às despesas militares, não faltará dinheiro aos Estados membros. Do fundo da criatividade dos think tanks democratas surgiu a ideia de criar um banco da NATO, a instituição onde os governos poderão encontrar financiamento para constante «modernização» dos arsenais de guerra e reforço dos lucros dos colossos da indústria militar à custa dos bens dos contribuintes.

Quem é quem na nova administração

A administração de Joseph Biden é nova, mas os seus principais membros nem tanto. Têm origem no núcleo central das administrações Obama, pelo que não surpreende que desejem prosseguir e terminar o que no fundo iniciaram.

O que não pressagia nada de bom para o mundo.

O novo secretário de Estado, a quem compete substituir o fascista e sionista cristão Michael Pompeo, é Anthony Blinken, um «príncipe da diplomacia» para a comunicação bem-falante mas, na realidade, um fanático da confrontação com a Rússia, um defensor da entrega de armas letais ao regime fascista da Ucrânia, um defensor do intervencionismo norte-americano como expressão de «dever moral», um fervoroso «excepcionalista» dos Estados Unidos como nação com o «destino manifesto» de guiar o mundo.

Olhado como um sonhador do «romantismo transatlântico», Blinken desempenhou a função de secretário de Estado adjunto de Obama e nessa qualidade foi determinante para a sangrenta destruição da Líbia, o início da carnificina na Síria e também para o apoio militar e político à Arábia Saudita na agressão ao Iémen – a origem da maior crise humanitária da actualidade. Não lhe faltam também as credenciais como intrépido defensor de Israel: entre as suas primeiras decisões estão as de confirmar tudo o que Donald Trump fez contra o direito internacional em relação a Jerusalém Leste, aos Montes Golã e à colonização dos territórios palestinianos. Também não demonstrou qualquer intenção de «destituir» Guaidó na Venezuela e de abandonar o golpismo contra este país; defende inclusivamente que as sanções sejam «mais efectivas».

Anthony Blinken resumiu assim no podcast Intelligence Matters o seu conceito para lidar com as guerras eternas em curso: «Operações sustentadas, de média dimensão, discretas, talvez realizadas por forças especiais para apoiar actores locais». Trata-se, afinal, de materializar o discurso de posse de Biden e segundo o qual os Estados Unidos se tornaram «a principal força do Bem no mundo».

Apesar de democrata, Anthony Bliken trabalha amiúde com o neoconservador republicano Robert Kagan, autor da bíblia imperial intitulada «Projecto para o Novo Século Americano», usada como referência pelos últimos presidentes norte-americanos independentemente dos respectivos rótulos políticos.

O novo secretário de Estado fez-se rodear por homens e mulheres com inegável pedigree e provas dadas nos tempos de Obama.

Victoria Nuland, por exemplo, mulher do citado Robert Kagan, foi uma figura operacional do golpe na Ucrânia que levou ao poder organizações nazis, por acaso despreza a União Europeia e defende a aceleração e intensificação do confronto com a Rússia. A sua designação é qualificada como uma provocação directa a Vladimir Putin.

Senhores e Senhoras da guerra e dos golpes

Joseph Biden nomeou o general de quatro estrelas Lloyd Austin para secretário da Defesa e chefe do Pentágono. Foi comandante do CENTCOM, o comando norte-americano para as operações no Médio Oriente e chefiou, a partir do Verão de 2010, as tropas de ocupação do Iraque. Para muitos é um «criminoso de guerra». Assumiu posteriormente o comando adjunto das Forças Armadas, no período que coincidiu com as fases iniciais das agressões contra a Líbia e a Síria. Actualmente era administrador da Raytheon, um dos gigantes da indústria de guerra dos Estados Unidos e dos que mais lucra com os conflitos alimentados pelo império.

A designação de Austin foi considerada, apesar de tudo, uma surpresa. A favorita para chefe do Pentágono era uma funcionária imperial por excelência, Michèle Flournoy, recomendada por Hillary Clinton e que se bate, por exemplo, para que os Estados Unidos se armem de maneira a serem capazes de dizimar todos os submarinos, navios de guerra e mercantes chineses no Mar da China Meridional em 72 horas.

Tanto zelo não foi, apesar de tudo, desperdiçado porque Flournoy não ficou longe da esfera do poder Biden. A empresa que fundou juntamente com o actual secretário de Estado Blinken, a Westexec Advisors, foi recrutada para aconselhar o Departamento de Estado sobre o Médio Oriente, em particular a Síria. Teremos, em breve, novidades destas áreas – e não serão boas.

Jack Sullivan, no Conselho de Segurança Nacional, é outra recomendação de Hillary Clinton, esta directamente aceite. Sullivan gosta de brincar com o fogo. Esteve nas decisões que conduziram ao envolvimento da NATO na Líbia em aliança com os terroristas islâmicos – grupos estes que actualmente conduzem os movimentos jihadistas no Mali e no Níger, «justificando» a presença de tropas coloniais nessa região africana. E fez pressão para transformar em confronto assumido entre a Rússia e os Estados Unidos as escaramuças esporádicas ocorridas na Síria entre militares russos e norte-americanos.

Biden nomeou Avril Haines como directora nacional de inteligência, cargo para o qual parece especialmente dotada. Como directora adjunta da CIA, nos tempos de Obama, coordenou o programa de assassínios selectivos com drones cometidos pelo presidente. Censurou o relatório sobre a tortura da CIA apresentado no Senado e tornou-se conselheira presidencial adjunta de segurança nacional, posição em que substituiu o actual secretário de Estado, Anthony Blinken.

Uma das especialidades de Haines tem bastante actualidade. Em 2018, intervindo na Camden Conference, previu o aparecimento a breve prazo de um vírus que afecta o aparelho respiratório humano e que rapidamente se espalharia através do planeta; em Outubro de 2019, poucas semanas antes de identificado o «vírus de Wuhan», foi uma figura central do «Evento 201», uma reunião em Nova York na qual foi simulada a situação decorrente do aparecimento de um coronavírus de fortíssimo contágio e susceptível de matar milhões de pessoas em todo o mundo. A super-espia de Biden alia assim as capacidades de vidente aos reconhecidos talentos operacionais.

William Burns foi colocado à cabeça da CIA. Começou a carreira ainda na administração de Reagan, um republicano de quem Trump tentou seguir o caminho; depois de ter sido embaixador na Rússia foi secretário de Estado adjunto de Obama, precisamente nos períodos das guerras da Líbia, da Síria e do golpe na Ucrânia.

Por falar em CIA e respectivos braços, Samantha Power encabeça agora a USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional), instância que, a coberto da diplomacia, é um instrumento fundamental da ingerência norte-americana nos assuntos de outros países, designadamente as revoluções coloridas e outras operações de mudança de regime. Considerada uma intervencionista de choque, Samantha Power é discípula de Madeleine Albright, com quem se familiarizou na teorização sobre intervenções humanitárias e outras formas de provocar a substituição de governos que caiam em desgraça perante os Estados Unidos.

Madeleine Albright, apesar da sua idade, continua no activo e é uma inspiração para os membros da administração Biden. A sua obra-prima, a destruição sangrenta da Jugoslávia, é o ponto alto dessa referência.

Constelação cintilante

A nova administração norte-americana conta com a activíssima e mediática colaboração da poderosa constelação que manipula a chamada sociedade civil de acordo com os interesses da clique globalista dominante do Partido Democrata. Tratam-se de entidades altamente financiadas, como por exemplo a Human Rights Watch, a Amnistia Internacional e a Freedom House, organizações não-governamentais da área dos «direitos humanos» e que têm como missão branquear as atrocidades cometidas pelos governos dos Estados Unidos nessa matéria.

O financiamento desse universo é assegurado, em parte, pelas principais fundações norte-americanas associadas principalmente ao Partido Democrata, de entre as quais se destacam a Ford, a Rockfeller e outras instituições como o Brookings Institute, o Carnegie Endowment, o New Endowment for Democracy (NED) e também o Fórum Económico Mundial de Davos – o mesmo que prepara o Great Reset, o «grande reinício» do capitalismo à sombra dos efeitos sociais, geopolíticos e geoeconómicos da pandemia de Covid-19.

Com uma influência avassaladora na comunicação social corporativa, este aparelho emanando do vetusto e enraizado Conselho de Relações Externas de que Kissinger foi um dos fundadores, alimenta a ideologia dominante do globalismo neoliberal, desde o capitalismo «verde» aos conceitos distorcidos de guerra e paz, à extinção progressiva da influência dos Estados, a manipulação do desenvolvimento tecnológico e a governação global apresentadas como zénite da evolução «progressista» da sociedade.

Os meios que fabricam a opinião dominante incensam e adoram este aparelho do qual a clique do Partido Democrata é o agente executivo mais influente. É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, íntima de Hollywood e dos meios cor-de-rosa «chic», instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

Até parece que as vítimas das carnificinas e dos atentados à democracia que essa elite patrocina através do mundo são elas próprias responsáveis pelas incidências fatais que as atingem.

A administração Biden simboliza tudo isto. Só tem ilusões sobre o seu papel quem não consegue ou não quer escapar à realidade virtual que nos oprime.

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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Outra circunstância que favorece o clima de elevada tensão instaurado é a reconstituição, em torno de Joseph Biden agora como presidente dos Estados Unidos, da equipa operacional da estrutura do Partido Democrata norte-americano que montou o golpe ucraniano de 2014 e que fez do regime assim implantado em Kiev um instrumento provocatório ao serviço do expansionismo da NATO e dos desígnios imperiais de Washington.

Anthony Blinken, secretário de Estado norte-americano, ele próprio de origem ucraniana, era membro do Conselho de Segurança Nacional e depois secretário de Estado adjunto no período em que a administração Obama/Biden promoveu o golpe.

Blinken canalizou através de Victoria Nuland, operacional do Departamento de Estado em funções no terreno, os cinco mil milhões de dólares para instaurar «um bom governo em Kiev», como recomendou o actual secretário de Estado.

Nuland esteve em pessoa na Praça Maidan, em Kiev; gravações de conversas nas quais participou dão conta do processo como foram escolhidos os dirigentes ucranianos empossados na ocasião, entre eles alguns quadros de chefia do arreigado sector nazi com passado hitleriano.

O interlocutor de Nuland nessas conversas foi Geoffrey R. Pyatt, actual embaixador dos Estados Unidos na Grécia, de onde dirigiu as operações que criaram, à revelia da vontade popular, um país conhecido como Macedónia do Norte, mais uma parcela da antiga Jugoslávia agora submetida às ordens da NATO e da União Europeia.

Pyatt era embaixador na Ucrânia em 2013/2014. Agora é o titular da diplomacia de Washington na Grécia, país que acolhe os jogos de guerra «Iniochos 21» da NATO, centrados no Mar Egeu e também com participação de tropas israelitas e dos Emirados Árabes Unidos, por sua vez integrados na macro estrutura dos exercícios «Defender Europe 21».

Biden, Blinken, Nuland, Pyatt – a equipa operacional do golpe Euromaidan está de regresso à Ucrânia, dando a ideia nítida de que pretende retomar o que iniciou e levá-lo até às últimas consequências nas fronteiras com a Rússia.

Entretanto, continuamos a ser informados de que tudo está a acontecer por causa da «agressão russa».

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Na sequência dos distúrbios em Kiev, o presidente Yanukovytch foi afastado. Enquanto isso, o embaixador norte-americano Geoffrey R. Pyatt e a subsecretária de Estado, a neoconservadora Victoria Nuland, operacionais do golpe, distribuíam biscoitos aos manifestantes na Praça Maidan, por onde também deambulavam vistosas figuras de instituições europeias, designadamente membros «progressistas» do Parlamento Europeu.

Uma vez imposta a «democracia» na Ucrânia e instalada uma administração sob controlo paramilitar nazi em Kiev, o novo regime instaurou uma guerra civil contra as regiões Leste do país, habitadas maioritariamente por ucranianos de origem e língua russa. Tratava-se de eliminar a influência russa no país para impor um nacionalismo de índole fascista trabalhando pela integração na União Europeia e na NATO.

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Ucrânia volta a assinalar aniversário do nascimento do fascista Bandera

Há vários anos que fascistas e nacionalistas ucranianos realizam marchas de tochas para louvar a figura do colaborador nazi. Em Dezembro, o Parlamento decretou que o dia é feriado nacional na Ucrânia.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev
Créditos / Twitter

Milhares de pessoas participaram esta terça-feira em marchas de tochas realizadas em várias cidades da Ucrânia, promovidas por partidos de extrema-direita (Pravi Sektor e Svoboda) e organizações abertamente neonazis (C14 e Natsionalni Korpus) para assinalar o 110.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera, líder nacionalista ucraniano e colaborador das SS nazis.

De acordo com a agência TASS, em Kiev, a mobilização, que juntou cerca de 2000 pessoas, contou com a participação de deputados do Parlamento ucraniano, militantes de forças de extrema-direita e representantes das regiões da Ucrânia.

Ao longo do trajecto, os manifestantes exibiram tochas, bandeiras nacionais e de organizações fascistas, e fizeram ouvir «palavras de ordem contra a Rússia», revela a mesma fonte.

Em meados de Dezembro, o Parlamento ucraniano aprovou uma resolução sobre a «comemoração de datas memoráveis e aniversários», em que se inclui o do nascimento de Stepan Bandera. O dia 1 de Janeiro passou então a ser um feriado nacional. Por seu lado a região de Lvov, no Ocidente do país, declarou 2019 como ano de Stepan Bandera.

Bandera, colaborador nazi e herói nacional

Stepan Bandera foi um líder destacado da Organização de Nacionalistas Ucranianos, surgida no final dos anos 20 para lutar pela criação de um Estado ucraniano independente. Com esse objectivo, a sua ala militar – Exército Insurgente Ucraniano (UPA, na sigla ucraniana) – colaborou com as forças nazis, lutando contra polacos e contra o avanço do Exército Vermelho, na Segunda Guerra Mundial.

Estima-se que, entre 1943 e 1944, tenha sido responsável pela limpeza étnica de dezenas de milhares de polacos na região ocidental da Ucrânia – algo que foi reconhecido pelo Parlamento da Polónia, em 2016, como um «genocídio».

Bandera colaborou com os nazis, ajudando a recrutar e a formar unidades de «nacionalistas ucranianos» para combater os soviéticos durante a guerra. Membros do seu movimento são acusados de participar em massacres, nomeadamente de judeus, polacos, comunistas, e de participar na organização de campos de concentração nazis.

No final do conflito mundial, o UPA continuou activo, colaborando com os serviços secretos de vários países ocidentais em actividades contra a União Soviética e contra a Polónia socialista, cujo exército combateu.

Actualmente, Stepan Bandera é visto como um herói nacional da Ucrânia – um estatuto que lhe foi reconhecido em 2010 pelas autoridades do país. Em 2015, já depois do golpe fascista de Fevereiro de 2014 em Kiev, o Parlamento ucraniano passou a considerar as actividades da Organização de Nacionalistas Ucranianos e do Exército Insurgente Ucraniano como «luta pela independência da Ucrânia».

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As tropas de assalto nazis, proclamando-se herdeiras dos terroristas ucranianos que tiveram a seu cargo as chacinas ordenadas por Hitler no início dos anos quarenta do século passado, distinguiram-se pela crueldade nas operações no Leste ucraniano, actuando como esquadrões da morte, onde as populações criaram dispositivos de autodefesa e acabaram por proclamar as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

O regime de Kiev perdeu a guerra, que foi suspensa através dos Acordos de Minsk, assinados em 2015 pelo governo ucraniano e os representantes das recém-criadas repúblicas, sob a égide da Alemanha, da França e da Rússia. Os documentos previam o cessar-fogo, o desarmamento das partes envolvidas e a autonomia dos territórios do Donbass de acordo com leis ucranianas a elaborar de modo a permitir essa solução.

Os cidadãos de origem russa na Ucrânia são considerados de segunda ordem: não podem ensinar nem aprender a sua língua e são discriminados social e administrativamente por falarem russo; meios de comunicação em língua russa são encerrados. A combinação de xenofobia com nazismo na actuação do regime ucraniano nunca preocupou os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia1.

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Combate à glorificação do nazismo com voto contra dos EUA e abstenção da UE

A Assembleia Geral da ONU aprovou, de forma esmagadora, uma resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do Nazismo», que não voltou a contar com o apoio dos países da NATO.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev
Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev Créditos / Twitter

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quarta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 51 abstenções (incluindo a de Portugal, de todos os estados-membros da União Europeia e outros países «sérios», como o Reino Unido, que definem o que são eleições «sérias» ou «direitos humanos», e decretam sanções contra «países não sérios»).

A resolução apela aos estados membros da ONU para que aprovem legislação para «eliminar todas as formas de discriminação racial» e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

Neste sentido, refere-se à construção de monumentos e memoriais, bem como à celebração de manifestações públicas em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo.

Os apoiantes da resolução mostram-se preocupados com «as tentativas cada vez mais frequentes de profanar ou demolir monumentos erigidos em memória daqueles que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial, bem como de exumar ou remover os restos mortais dessas pessoas», informa a agência TASS.


O texto da resolução destaca também o alarme da Assembleia Geral das Nações Unidas perante «a utilização das tecnologias de informação, da Internet e das redes sociais, por grupos neonazis, bem como outros grupos extremistas e indivíduos que defendem ideologias de ódio, para recrutar novos membros, visando em especial crianças e jovens».

A Assembleia Geral, refere a TASS, recomenda aos estados que «tomem as medidas concretas apropriadas, incluindo legislativas e educativas (...) para evitar o revisionismo sobre a Segunda Guerra Mundial e a negação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos na Segunda Guerra Mundial».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas, refere a RT, lembrou que vota repetidamente contra a resolução russa, todos os anos, porque se trata de um documento bem conhecido pelas suas tentativas de legitimar as «narrativas de desinformação russa», que «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

Para além disso, afirmou que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

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Com a cumplicidade dos Estados Unidos, o governo de Kiev recusou-se sempre a aplicar os acordos, por terem sido assinados «sob a força das armas russas». No entanto, logo que Moscovo reconheceu as repúblicas no Donbass e iniciou as operações militares, o regime ucraniano apressou-se a apelar ao regresso à diplomacia. Simultaneamente, o presidente Zelensky iniciou a série de sucessivos e pungentes apelos aos Estados Unidos, à NATO e à União Europeia para que lhe enviassem ajuda militar. Isso não aconteceu: o dirigente ucraniano ficou a saber, da pior maneira, como os seus «amigos» ocidentais tratam aqueles de quem se servem para depois deitarem fora. Ou de como o povo ucraniano não foi mais do que carne para canhão na grande operação de cerco à Rússia pela NATO. Respeito pelos direitos humanos?

Guerra de ideologias?

Muitos politólogos, essa casta que parece ter recebido o privilégio único de interpretar uma ciência oculta como é a política, asseguram que a crise ucraniana e, numa perspectiva mais ampla, o frente-a-frente entre a NATO e a Rússia é fruto de uma luta ideológica.

Ignorância, incompetência, má-fé, de tudo um pouco? Problemas de quem estuda por cartilha única e nada mais existe debaixo do sol.

Uma luta ideológica? Quais são as ideologias que se confrontam quando de um lado estão forças do capitalismo neoliberal e, do outro, forças do capitalismo neoliberal ainda que convivendo com um sistema de arreigadas tonalidades nacionalistas – reforçadas pelo acosso propagandístico e militar estrangeiro?

«O que move estas forças não são ideologias mas interesses, a necessidade de aceder a um bolo planetário que uma parte, a colonial, exige na íntegra; e a que a outra pretende igualmente chegar[...]. O que está na raiz dos momentos que o mundo atravessa, e que representam uma ruptura com o passado recente, de poder tendencialmente globalista, é a quebra da unipolaridade Estados Unidos/NATO/União Europeia»

Nome do Autor, breve descrinção

Trata-se de um confronto entre forças anticomunistas dos dois lados da barricada, como os mais recentes discursos de Vladimir Putin bem demonstram. O Ocidente vê-se ao espelho quando olha para a Rússia de Putin, mas a arrogância e o ego elitista fazem com que não se reconheça.

O que move estas forças não são ideologias mas interesses, a necessidade de aceder a um bolo planetário que uma parte, a colonial, exige na íntegra; e a que a outra pretende igualmente chegar, traduzindo afinal o confronto entre unipolaridade e multipolaridade – a que a China se junta.

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Guerra da Ucrânia. Não em nosso nome

Os povos russo e ucraniano têm direito a viver em paz. É preciso acabar com esta guerra fraticida.

Crianças do Dombass há muito que não têm paz. 
CréditosDR / DR

Conta-se que perguntaram uma vez a Roosevelt a opinião que tinha do ditador nicaraguense Anastasio Somoza. O dirigente dos EUA respondeu sem dúvidas: «É um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». É preciso esclarecer que Putin tem muito destas características, mas não é nosso.

Os comunistas não têm nada que ver com a dinastia que nasceu com Ieltsin, de quem Putin é herdeiro político, e com a destruição da União Soviética. O poder dos oligarcas que se estabeleceu depois da destruição do socialismo real é um regime capitalista neoliberal em que a riqueza dos oligarcas faz-se à conta da miséria da maioria da população. A subida destes governantes ao poder na Rússia teve o apoio precioso e por vezes determinante das várias administrações dos Estados Unidos da América e dos governos cúmplices da União Europeia.

Putin tem razão quando diz que as nações na União Soviética ganharam estados e uma forte existência política e cultural com a Revolução de Outubro. Lenine e os outros dirigentes revolucionários perceberam que a revolução socialista só era possível no Império Russo, se conseguisse dar liberdade política e cultural às nações subjugadas pelo Império Russo. Que não era possível libertar a classe operária e os camponeses russos sem libertar os povos do império da subjugação colonial. Nesse sentido, é possível dizer que a actual Ucrânia deve muito a Lenine e aos demais revolucionários. Mas isso não faz da Ucrânia um país artificial. São os povos que decidem constituir as nações. Nem Putin pode declarar a inexistência da Ucrânia, nem o presidente dos EUA, Joe Biden, pode declarar que os povos do Donbass não têm direito a decidir a forma da sua organização política.

Os comunistas não têm nenhuma simpatia pelo actual governo ucraniano, herdeiro de um golpe de Estado apoiado pela NATO e que teve como principais medidas: a proibição do Partido Comunista Ucraniano, a perseguição dos falantes de língua russa (grande parte da população), o encerramento dos canais de televisão em língua russa e a integração dos batalhões neonazis nas forças armadas ucranianas. Os comunistas não esquecem os 50 homens, mulheres e crianças queimados vivos, em 2 de Maio de 2014, na casa dos Sindicatos de Odessa, por essas milícias neonazis. Não perdoam os sucessivos massacres e bombardeamentos à população do Donbass. Mas isso não significa apoiar uma invasão imperialista da Ucrânia.

Esta escalada de guerra não começou hoje e não é independente da promoção do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo, corrupto, mas eleito da Ucrânia. Nem este clima de confrontação pode ser desligado da escalada militarista da NATO e do crescente cerco por bases militares ao território da Rússia. Os ucranianos têm o direito de viver em paz, como os russos têm o direito de não serem cercados por bases militares e rampas de lançamento de mísseis hostis.

A acção militar promovida por Putin e o seu grupo apenas conduz à morte de pessoas inocentes e ao reavivar da NATO nos restantes países da Europa.

Mas a paz na Ucrânia, a autodeterminação de todos os povos da região só é possível com a paz e com estados democráticos libertos das amarras dos autocratas ucranianos e russos. Só a democracia e o socialismo podem combater a cegueira dos nacionalismos promovidos pelos autocratas capitalistas desses países.

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O que está na raiz dos momentos que o mundo atravessa, e que representam uma ruptura com o passado recente, de poder tendencialmente globalista, é a quebra da unipolaridade Estados Unidos/NATO/União Europeia através do aparecimento de mais duas potências com uma escala de intervenção em crescendo e rivalizando na capacidade de estar presentes através do mundo na disputa de vias de comunicação, matérias-primas, mecanismos regionais e continentais de integração, desenvolvimento tecnológico e militar. Neste quadro não existem hoje dúvidas de que os donos disto tudo estão a perder privilégios que supunham eternos.

Os movimentos em curso arrasam também a chamada doutrina Wolfowitz, do então secretário da Defesa norte-americano, Paul Wolfowitz, que em 1992, logo imediatamente a seguir ao desaparecimento da União Soviética, postulou a necessidade de impedir que surgisse uma outra grande potência capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Na altura, a formulação visava, imagine-se, a União Europeia, que não poderia jamais atingir condições que lhe permitissem disputar espaços, bens e poder com a potência imperial. A União cresceu, chegou até aos 28 membros, mas nunca deu qualquer razão para os receios de Wolfowitz. Os súbditos continuam no redil, mais mansos e obedientes hoje do que nunca.

Afinal os oligarcas russos que manobram o poder em Moscovo entendem que não podem ficar atrás dos oligarcas ocidentais como Gates, Bezzos, Musk e vários outros que tais, enriquecendo a um ritmo cada vez mais vertiginoso.

Uma coisa parece certa: a Europa pagará a factura mais elevada do efeito de boomerang das sanções à Rússia e ainda as consequências das contra-sanções que Moscovo diz estar a preparar. Como sempre, da mesma maneira que nos casos de guerra, os Estados Unidos serão menos prejudicados pela situação e ainda farão excelentes negócios com a venda de gás natural liquefeito (GNL) aos países europeus submetidos à crise energética e alegremente conformados – até satisfeitos – com a extinção do projecto, já concluído, do gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha. Situação que o vice-presidente russo Medvedev comentou assim dirigindo-se aos europeus: «Bem-vindos ao corajoso mundo novo: dois mil euros por mil metros cúbicos de gás».

Extinção de mitos

Dois mitos que servem de pilares à propaganda ocidental ruíram fragorosamente nestes dias.

Um deles dizia-nos que Putin, oriundo no seu passado das fileiras do KGB, pretenderia recriar a União Soviética, pelo que os seus comportamentos se inseriam nessa estratégia. Se dúvidas houvesse, o seu famoso discurso sobre o reconhecimento das repúblicas do Donbass deixou tudo em pratos limpos. A Rússia é a campeã da «descomunização» e tem muito a ensinar à Ucrânia nessa matéria, foi mais ou menos o que Putin disse. Recorda-se que a oligarquia russa no poder condena de maneira veemente a submissão «a ideologias estrangeiras» no período soviético e o facto de, nessa altura, a Rússia ter sido governada por «não-russos» que obrigaram o país a sustentar as outras repúblicas da União, designadamente a Ucrânia.

«[São] completamente destituídas de sentido as teorias sobre a suposta intenção de Moscovo de restaurar «o imperialismo soviético». De facto, o que inspira Putin e os círculos oligárquicos que gerem o seu país é a velha «alma russa», a herança cultural, religiosa e social da Grande Rússia, a Grã-Rússia imperial de matriz czarista. Uma espécie de neoconservadorismo rendido ao neoliberalismo económico e com um elitismo recuperado susceptível de degenerar em arrogância, sobretudo quando sente necessidade de responder à arrogância ocidental»

Daí que sejam completamente destituídas de sentido as teorias sobre a suposta intenção de Moscovo de restaurar «o imperialismo soviético». De facto, o que inspira Putin e os círculos oligárquicos que gerem o seu país é a velha «alma russa», a herança cultural, religiosa e social da Grande Rússia, a Grã-Rússia imperial de matriz czarista. Uma espécie de neoconservadorismo rendido ao neoliberalismo económico e com um elitismo recuperado susceptível de degenerar em arrogância, sobretudo quando sente necessidade de responder à arrogância ocidental.

Dizer que Putin «tem nostalgia da URSS», como escreveram por cá estenógrafos de manga-de-alpaca actuando como «jornalistas», é um disparate até como meio de agitação e propaganda porque só consegue enganar quem deseja mesmo ser enganado.

A oligarquia transnacional globalista entrou em estado de choque porque percebeu que tem na Rússia um rival à altura, o qual, como agora deixou claro, não está disponível para se submeter. Um rival bem mais imprevisível que a União Soviética, o que nada tem de tranquilizador quando do outro lado está gente em posições de comando e para quem a utilização de armas de extermínio massivo não é tabu.

O desastre ambulante que é o ministro Santos Silva diz-se alarmado porque a intervenção russa na Ucrânia «põe em causa a ordem mundial».

Por uma vez, excepção que confirma a regra, o senhor das Necessidades que parece ter gabinete em Washington está cheio de razão.

Há uma nova ordem mundial em gestação, de carácter multilateral, mas Portugal e os portugueses parecem condenados, pelo alinhamento internacional dos seus dirigentes e apesar da Constituição da República, a ficar amarrados à velha ordem e a políticas que se viram contra os interesses do país. Por isso lá vão mais 1500 militares portugueses para cenários envolventes de uma guerra com a qual Portugal nada tem a ver, contribuindo com mais carne para canhão ao serviço de interesses alheios, além de pagar os custos de sanções e contra-sanções de um antagonismo alimentado artificialmente.

Existe muito mais mundo para lá da Europa. Entidades de integração regional como a União Económica Euroasiática, inicialmente dinamizada pela Rússia, a Organização do Tratado de Segurança Colectiva, a Organização de Cooperação de Xangai, os BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a recentemente instituída União Comercial do Sudeste Asiático, a Iniciativa Cintura e Estrada – chamada também «a nova rota da seda» – promovida pela China são exemplos de convergências que envolvem a esmagadora maioria da população do mundo e que têm incidência crescente em regiões até muito distantes, sobretudo do imenso Sul Global ainda em défice de desenvolvimento. E que funcionam muito mais em sistemas de cooperação do que de dependência e submissão.

Esta poderosa realidade, que é inexistente para quem vive sob a tutela da informação corporativa, tem uma dinâmica inimaginável e poderá ser preponderante na economia mundial talvez mais cedo do que seria de supor.

A partir de agora a Rússia orientar-se-á muito mais para Oriente, virando gradualmente as costas ao Ocidente, o que nada terá de favorável para a Europa apesar de o comportamento irresponsável e arrogante dos dirigentes continentais fazer crer o contrário.

O fiel do equilíbrio de forças está a deslocar-se para o Oriente, a um ritmo notável, enquanto a Europa, arrastada por um militarismo sugando recursos que existem e mesmo os que não existem, mergulha cada vez mais fundo na crise económica, energética, tecnológica, ambiental e, inevitavelmente, social.

A Europa pode estar a caminhar para um destino inquietante para todos os que nela vivem: o de se transformar numa península ocidental quase irrelevante da grande massa continental euroasiática.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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A única Rússia aceitável será a gerida por um fantoche do género de Boris Ieltsin. Caso contrário, como não é segredo para ninguém depois de declarações feitas em Washington e Bruxelas, terá de haver uma mudança de regime em Moscovo ou então a balcanização do território russo, a exemplo da Jugoslávia, em numerosas entidades. De acordo com planos elaborados nos Estados Unidos, o desmembramento daria origem a um número de «estados independentes» entre quatro e vinte. O caso da Chechénia, onde o Ocidente, mais uma vez, lutou através de interpostos fundamentalistas islâmicos, é um exemplo dessa estratégia, ainda que o tiro tenha saído pela culatra.

O comportamento ocidental de hoje em relação a Moscovo leva-nos a crer que os dirigentes norte-americanos e da União Europeia pretendem finalmente cumprir a missão onde Hitler falhou: destruir a União Soviética/Rússia. Esse objectivo, afinal, não surpreende tendo em consideração que os principais dirigentes ocidentais apenas se envolveram seriamente na aliança anti-Hitler depois de as tropas nazis terem sido derrotadas pela União Soviética, que pagou o dramático preço de 26 milhões de vidas humanas. No fundo, a vertente ocidental torceu para que as tropas de Hitler desmantelassem a União Soviética. Da mesma maneira que hoje os dirigentes britânicos, norte-americanos e da União Europeia pretendem apagar da história o papel fundamental soviético na derrota nazi. Só, aliás, um olhar contemplativo e compreensivo sobre o nazi-fascismo, que não é só de hoje, permite aos donos da democracia que apostam tudo na vitória da Ucrânia ser cúmplices da ditadura com contornos nazis instalada em Kiev.

A guerra entre a NATO e a Rússia travada, por enquanto, no território da Ucrânia, é existencial também para o próprio império norte-americano e sua vertente colonial/«civilizacional» europeia. Uma derrota militar da NATO poria em causa a própria existência da organização, o domínio norte-americano sobre o mundo exercido com base num imbatível poder do terror militar e liquidaria a «ordem internacional baseada em regras» imposta de Washington à custa da marginalização do direito internacional.

«No fundo, a vertente ocidental torceu para que as tropas de Hitler desmantelassem a União Soviética. Da mesma maneira que hoje os dirigentes britânicos, norte-americanos e da União Europeia pretendem apagar da história o papel fundamental soviético na derrota nazi.»

Isto é, a vitória da Rússia sobre a NATO liquidaria a ordem mundial unipolar e abriria as portas a uma ordem multipolar – ou mesmo sem qualquer polaridade, funcionando as relações internacionais entre nações soberanas com direitos equivalentes. Anote-se a quantidade de vezes em que o presidente norte-americano, um mero instrumento dos neoconservadores bipartidários, acusa a Rússia, neste caso com razão, de pretender alterar a ordem mundial. É realmente isso que está a acontecer e que se consumaria com uma derrota da NATO perante Moscovo.

A Rússia não aceita perder a sua soberania e dissolver-se às mãos do império; e o império pretende continuar a mandar no mundo, a caminho de um globalismo de índole totalitária, sem quaisquer potências a perturbar esse novo «fim da história» – o neoliberalismo reinando sobre uma massa universal de seres humanos robotizados. A imposição da propaganda terrorista para disseminar a opinião única sobre a guerra na Ucrânia é, como se percebe, um exercício concreto dessa robotização.

Um frente-a-frente existencial: o que esteve latente durante a guerra fria, e nunca pôs de lado a diplomacia e as negociações, é substituído por um outro em que as armas, incluindo as de extermínio, não deixam espaço para qualquer alternativa. Cada uma das partes aposta a vida dos seus povos numa vitória militar, custe o que custar. Negociar e fazer a paz não lembra a ninguém

Uma situação limite como esta jamais aconteceu no mundo. Somos passageiros de uma nave conduzida por loucos.

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Como é de prever, estas realidades de uma democracia sui generis tão apoiada e acarinhada pelos que se reclamam proprietários dos “nossos valores”, da “nossa civilização” e dos “direitos humanos” a la carte não foram metidas pelos olhos dos deputados portugueses. Estes teriam de ir ao seu encontro, se tivessem vontade, coragem ou integridade para isso. Não é provável, sabendo-se até que Santos Silva não abdicará da última palavra, que os prestidigitadores tenham recorrido às suas artes para investigarem no exterior da redoma nazi, documentando-se de maneira a produzirem testemunhos sérios aos seus colegas e ao país. Se, por absurdo, o fizessem, à luz da doutrina imposta e segundo a qual quem não está connosco está contra nós, não se livrariam de ser alcunhados de putinistas. Observe-se o que aconteceu agora ao professor de Estudos Russos na Universidade de Coimbra: foi acusado com base em bufaria e sumariamente despedido.

Não deliremos, porém, esperando por informações que exponham, nem que seja ao de leve, a crueza da ditadura: para SS, tendo em conta os seus comportamentos políticos, a realidade dos factos é coisa que não conta. A ordem internacional baseada em regras assenta numa virtualidade paralela onde se conjecturam os grandes e pequenos artifícios como esta delegação de prestidigitadores para mascarar e mistificar uma situação que, no limite e tendo em conta os objectivos telúricos confessados pela NATO, põe toda a humanidade em perigo.

«Não é provável, sabendo-se até que Santos Silva não abdicará da última palavra, que os prestidigitadores tenham recorrido às suas artes para investigarem no exterior da redoma nazi, documentando-se de maneira a produzirem testemunhos sérios aos seus colegas e ao país. Se, por absurdo, o fizessem, à luz da doutrina imposta e segundo a qual quem não está connosco está contra nós, não se livrariam de ser alcunhados de putinistas. Observe-se o que aconteceu agora ao professor de Estudos Russos na Universidade de Coimbra: foi acusado com base em bufaria e sumariamente despedido.»

Quanto aos portugueses, que arquivem na memória mais um exemplo da degeneração política e da submissão ao império da mentira a que chegou o que resta do país, conduzido pela tal “democracia liberal” sempre pronta a ser conivente com regimes terroristas, ditatoriais e desumanos para acudir aos interesses de castas oligárquicas que odeiam as pessoas.

Ao compasso da História, por esse mundo afora os povos e países começam a conseguir diagnosticar e contornar tanto os velhos como os renovados mecanismos de opressão colonial e imperial emanando dos Estados Unidos e da União Europeia. Daí que estejamos a viver, na Ucrânia, na Síria, na Ásia Ocidental, nos mares do Oriente, em África e na América Latina as turbulências inerentes à extinção de uma ordem mundial unipolar e globalista enquanto outra, multipolar e assente em Estados verdadeiramente soberanos, vai nascendo. Dinâmica que poderá transformar gradualmente uma Europa envelhecida, desindustrializada, alienada pelas roletas do casino financeiro, insuficiente em energia e carente de recursos e matérias-primas numa decrépita península ocidental da imensa Eurásia.

Entende-se, portanto, o pânico de SS e seus pares ao serviço das oligarquias e do neoliberalismo cruel, a maioria deles sem pátria e que naufragam nas águas inquinadas por uma ordem e regras a apodrecer. Um desespero que os leva a agarrar-se às boias do fascismo e do nazismo para que não se extingam privilégios e dominações injustas e seculares. Tal como fizeram há 80 anos.

  • 1. Uma investigação sobre Olena Semeniaka, conduzida entre 2019 e 2021 pelo FOIA Research, expôs a ideologia e a prática fascista da responsável pelas relações internacionais do Batalhão Azov, incluindo o relacionamento com fascistas portugueses, comprovado pela sua participação , em 2019, numa conferência realizada em Portugal pelo grupo neonazi Escudo Identitário. Entre a audiência pode ver-se o neonazi João Martins, que participou no assassinato de Alcindo Monteiro em 1995 e foi por isso condenado a nove anos e quatro meses de prisão.

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