De acordo com um relatório publicado pelo Departamento da Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD, na sigla em inglês), entre 2019 e 2020 a população sem tecto aumentou mais de 2% e, «numa só noite de 2020, aproximadamente 580 mil pessoas estavam a viver a situação de falta de habitação», refere a agência EFE.
O aumento registado de 2,2%, que equivale a mais 12 751 pessoas sem habitação que no ano anterior, sobe para 7% entre aqueles que permanecem ao ar livre, o que «eclipsa por completo a modesta redução (0,6%) no número de pessoas que ficaram em lugares protegidos», assinala o HUD.
O ano passado, 61% dos sem tecto alojavam-se em locais protegidos e em refúgios de emergência ou recorria a programas de habitação transitória, enquanto 39% estavam em «lugares sem refúgio, como a rua, em edifícios abandonados ou noutros locais não aptos para a habitação humana», acrescenta o documento, citado pela fonte.
A secretária do HUD, Marcia Fudge, que classificou os números como «devastadores», afirmou que o país tem a «responsabilidade moral de acabar com a falta de habitação» e disse ter noção de que «a pandemia só agravou a crise das pessoas sem casa».
Os números que aparecem neste relatório são de Janeiro de 2020, ou seja, de uma fase em que a pandemia de Covid-19 ainda não tivera o forte impacto humano e económico que viria a ter no país.
Afro-americanos e hispânicos são maioria entre os afectados
Das 580 466 pessoas sem casa nos EUA, 39% são afro-americanas (apesar de representarem apenas 12% da população norte-americana). Verifica-se um aumento de nove pontos percentuais relativamente ao registado no relatório do ano anterior.
A população hispânica do país constitui 23% dos sem tecto (e 16% da população total dos EUA), segundo as estatísticas do HUD, que registou um aumento de 5% de «latinos» sem casa por comparação com os dados do ano anterior.
Na cidade californiana, com um dos mercados imobiliários mais caros do país e com dezenas de milhares a viver nas ruas, foram poucos os sem-abrigo que conseguiram aceder a um tecto nos últimos 3 anos. Kimberly Decoursey, uma mulher de 37 anos que cresceu em lares de acolhimento e viveu vários anos nas ruas, passa agora as noites num centro de acolhimento temporário em Los Angeles, chamado Hollywood Studio Club. Os dias, passa-os ainda na rua, na rampa de saída de uma auto-estrada, junto do seu noivo (sem-abrigo) e na companhia daqueles que considera «família» – os que partilharam com ela as dificuldades das ruas de Los Angeles e que ela gostaria que tivessem o que tem agora: cama, comida na mesa e duche. «Muitos deles dariam um braço para estar ali», disse Decoursey à Reuters sobre os seus companheiros, que vivem em tendas sujas no bairro de Hollywood. No entanto, das cerca de 36 mil pessoas sem-abrigo que se estima haver em Los Angeles, poucas foram as que conseguiram um tecto nos últimos três anos, depois de a população ter aprovado uma proposta, em Novembro de 2016, para construir habitações para pessoas que vivem nas ruas e em situação de pobreza, no âmbito da qual foi reunida uma verba de 1200 milhões de dólares. Segundo a Reuters, um dos maiores obstáculos à construção de habitações permanentes com serviços sociais incluídos reside no facto de Los Angeles deter um dos mercados imobiliários mais caros dos Estados Unidos. Além disso, grupos de proprietários de habitações têm-se oposto à construção de centros de acolhimento nos seus bairros. Numa região metropolitana em que os preços dos bens imobiliários são muito elevados (o valor médio de uma casa na Grande Los Angeles ronda actualmente os 650 mil dólares), o plano de construção de centros para sem-abrigo gerou uma forte reacção negativa da parte de alguns residentes, preocupados com a possibilidade de diminuição do valor dos seus imóveis. No bairro rico de Venice, junto à praia, onde o preço médio de uma casa se aproxima dos 2 milhões de dólares, alguns residentes foram para tribunal para se opor à construção de um centro de acolhimento. As autoridades prevêem que o primeiro projecto financiado pela medida aprovada na consulta de há três anos, com vista à criação de centros permanentes com serviços sociais, abra no final deste ano. É que o problema está a crescer. Em Janeiro de 2019, o número de sem-abrigo aumentou 16% por comparação com o ano anterior, de acordo com os dados divulgados pela Los Angeles Homeless Services Authority (LAHSA). Grupos de pessoas sem-abrigo montaram tendas em passeios e em locais abandonados de quase todos os bairros da segunda maior cidade do país, desde o rico Bel-Air até ao operário San Pedro. Numa visita à Califórnia em Setembro, o presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou que as pessoas que vivem nas ruas arruinaram o «prestígio» de Los Angeles e San Francisco, tendo sugerido a possibilidade de uma intervenção federal. Nesse mesmo mês, o governo da cidade e do Condado de Los Angeles (democrata) solicitaram ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos que lhes atribuíssem de volta as competências para poderem «varrer» os acampamentos de sem-abrigo. Um relatório publicado este mês pelo Laboratório de Políticas da Califórnia em Los Angeles, que recolheu dados sobre 64 mil pessoas sem-abrigo adultas solteiras em todo o país, revelou que metade delas informou que sofria, conjuntamente, de algum tipo de doença física, mental e de abuso de substâncias. Ainda de acordo com a Reuters, que se baseia nos dados do Departamento de Saúde Pública do Condado de Los Angeles, nesta área geográfica a taxa de mortalidade aumentou nos últimos cinco anos entre os sem-abrigo, tendo sido registados mais de mil falecidos em 2018 por causas como doenças cardíacas e sobredoses de drogas. Se é um facto que os centros de acolhimento tradicionalmente proibiram o consumo de drogas e álcool, o requisito da sobriedade começou a ser eliminado no acesso aos centros de acolhimento, no âmbito de um modelo designado como «Casa primeiro», que já havia sido utilizado no Canadá e noutras partes dos EUA. Mesmo antes da aprovação da medida a favor da construção dos centros, há três anos, Los Angeles já tinha construído alguns centros de acolhimento permanentes, com serviços de apoio. De acordo com as autoridades, enchem-se depressa e geram longas listas de espera. Os serviços para ajudar pessoas sem casa (clínicas médicas e gabinetes para assistentes sociais e outros funcionários) devem custar sete mil dólares por unidade em cada ano, ficando os custos a cargo do Condado de Los Angeles. A resistência à integração num centro de acolhimento é partilhada por uma parte da população de sem-abrigo, afirmou Benjamin Henwood, professor associado de Trabalho Social na Universidade do Sul da Califórnia. «Se a escolha é ir para um abrigo, podem muito bem dizer-nos "Não, obrigado", porque um abrigo pode ser um local onde são roubados, assaltados ou acordados a determinadas horas ou obrigados a deitar-se a certas horas», disse à Reuters. «Se lhes for oferecido um espaço realmente privado, a maioria das pessoas aceita a oferta», acrescentou. Outra questão prende-se com os animais de estimação, já que um em cada sete sem-abrigo em Los Angeles tem um animal e pode mostrar relutância em separar-se dele, revelou Henwood. Trata-se de um apoio emocional importante e a organização People Assisting the Homeless tem estado a trabalhar no sentido de tornar os centros em que trabalha mais acolhedores, permitindo a presença de animais de estimação. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Los Angeles continua a ser a capital dos sem-abrigo nos EUA
Problema a aumentar
População com muitos problemas e necessidades
Tornar os centros mais acolhedores
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Pela primeira vez desde que se iniciou esta estatística, em 2007, cresceu o número de famílias sem habitação com crianças a seu cargo, que constituem cerca de 172 mil. Se a maioria dos membros das famílias com menores de 18 anos estava em locais protegidos (90%), o número de famílias afectadas que não estavam num sítio protegido aumentou 13%.
A Califórnia, com 161 548 pessoas sem casa (28% do total nacional), é o estado mais afectado. Seguem-se Nova Iorque (91 271; 16%), Florida (27 487; 5%) e Texas (27 229; 5%). Nestes quatro estados estão registados os casos de mais de metade das pessoas sem casa nos EUA.
Em comunicado, a National Association to End Homelessness destacou o aumento «significativo» das pessoas com algum tipo de deficiência que experimentam «uma falta crónica de habitação e vidas desamparadas», que subiu 15% entre 2019 e 2020, «um indicador que sugere um aumento das necessidades e vulnerabilidades entre a população sem casas», refere a EFE.
Embora reconhecendo que a administração federal norte-americana investiu verbas «históricas» a favor dos sem tecto na pandemia, a associação destacou que estes números evidenciam como esses «investimentos estão tragicamente atrasados».
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