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O racismo vem no pacote do capitalismo

O assassínio de George Floyd coincide com uma tensão social acumulada, e não apenas nos Estados Unidos, devido à estratégia de confinamento e de descalabro económico associada à pandemia de COVID-19.

Um manifestante empunha uma bandeira nacional invertida, um sinal de grande aflição e pedido de ajuda, perto de um edifício em chamas, em Minneapolis, estado do Minnesota, EUA, durante os protestos pela morte de George Floyd
Um manifestante empunha uma bandeira nacional invertida, um sinal de grande aflição e pedido de ajuda, perto de um edifício em chamas, em Minneapolis, estado do Minnesota, EUA, durante os protestos pela morte de George FloydCréditosJulio Cortez / AP Photo

A explosão social em curso nos Estados Unidos na sequência da execução policial e extrajudicial de George Floyd não é nova num país que nasceu do massacre organizado e sistemáticos dos povos indígenas do seu território. É a revolta de oprimidos, explorados, discriminados e excluídos por um sistema que não sabe – nem pode – funcionar de outra maneira: com base na violência e na intimidação.

A circunstância de o martírio de Floyd ter acontecido praticamente em directo, tal a velocidade de divulgação que o vídeo do crime adquiriu nas redes sociais e na internet em geral, tornou este exemplo de uma arbitrariedade policial que está na génese das corporações de «segurança» dos Estados Unidos ainda mais dramático que outros do mesmo género distribuídos ao longo das décadas.

Acresce que o assassínio de George Floyd coincide com uma tensão social acumulada, e não apenas nos Estados Unidos, devido à estratégia de confinamento e de descalabro económico associada à pandemia de COVID-19 e cujos méritos e deméritos ainda terão um dia de ser avaliados com distanciamento histórico – se houver condições de liberdade e vontade para isso. A explosão social é uma consequência da agudização das circunstâncias, adquire talvez uma expressão quantitativa e de intensidade directamente proporcional à gravidade dos acontecimentos mas, previsivelmente, ir-se-á extinguindo não tanto como consequência da barbárie da repressão inerente ao regime mas pela própria falta de organização, da carência de objectivos concretos, das infiltrações policiais violentas e provocatórias e do assalto oportunista do aparelho do Partido Democrático ao controlo dos movimentos. O mesmo partido/regime que dias antes aprovara na Câmara dos Representantes, onde tem a maioria, uma lei autorizando o reforço dos poderes policiais.

Não sendo ainda certo, apesar da gravidade da situação, que assistamos à queda do fascista de turno à cabeça do império.

O racismo

Seguindo o guião habitual, que cataloga as coisas pela rama e as formata para fácil consumo das grandes audiências, a comunicação social dominante define genericamente os acontecimentos como manifestações contra o racismo. Como se o racismo fosse um fenómeno isolado, sem contexto, e a densidade desta revolta fosse explicada unicamente pelo facto de um polícia branco ter esmagado o pescoço de um cidadão negro – aliás no país onde, como está provado, o regime mandou matar Martin Luther King. Agora «somos todos Floyd», como já fomos outras vítimas e instituições agredidas, mas improvavelmente a generosidade e a solidariedade irão mais uma vez dar em nada para que tudo continue na mesma e a sociedade em que vivemos permaneça intrinsecamente racista, xenófoba, discriminatória.

Porque é de sua natureza; porque essa é a essência do capitalismo, sobretudo depois de catapultado para um neoliberalismo selvagem e em estado de crise.

Não há maneira de combater eficazmente o racismo sem atacar organizadamente o capitalismo; assim como não é possível lutar pela paz ou actuar eficientemente contra as alterações climáticas sem agir contra quem faz a guerra ou destrói o planeta: o capitalismo.

Racismo, violência policial, xenofobia, homofobia, discriminação cultural, colonialismo, terrorismo, guerra, destruição do meio ambiente são todos ramos da mesma árvore; são inerentes a um sistema que continua no caminho da globalização e no qual as emergências de nacionalismos e fascismos correspondem a necessidades cada vez mais prementes de assegurar a sobrevivência do próprio capitalismo.

Entranhado na sociedade

O racismo está entranhado na história dos Estados Unidos da América e na sociedade capitalista em geral. Por isso, as declarações de abolição ou as proclamações sobre a erradicação ficam muito aquém do combate efectivo a uma tal aberração.

Nos Estados Unidos a discriminação racial foi tecnicamente abolida na segunda metade do século passado, mas o racismo permanece como pilar essencial da sociedade. As comunidades afro-americana e latina são as principais vítimas das desigualdades e do desequilíbrio social necessário ao funcionamento do sistema de máximo lucro. Os mecanismos são completos e podem expressar-se até de maneira perversa em termos de cor da pele ou de origens. O presidente Barack Obama, um negro, não contribuiu para aliviar a sociedade norte-americana da sua carga racista e discriminatória. Organizou guerras de índole colonial e imperial por razões discriminatórias ditas civilizacionais para mascarar simplesmente o acto de saquear os mais fracos. Nos seus mandatos a violência policial continuou a assassinar negros como sempre fez em quaisquer administrações, democráticas ou republicanas.

E temos o caso do famoso senador fascista Marco Rubio, um latino de origem cubana que está sempre na linha da frente entre os carrascos dos povos da América Latina – que o digam os de Cuba e os da Venezuela. O racismo, a xenofobia, a discriminação vão muito além da cor da pele. Aliás o capitalismo não olha propriamente para a cor da pele dos explorados, desde que o sejam.

O assassínio bárbaro de George Floyd foi o principal detonador da tensão acumulada pelo inferno social criado por 38 milhões de novos desempregados nos Estados Unidos em apenas algumas semanas, pelo facto de a trágica gestão da pandemia ter atingido principalmente os mais vulneráveis e os mais necessitados, o que significa as comunidades minoritárias afro-americana e latina. O racismo abriu o caminho de uma revolta social que, no limite, desestabilizaria o próprio sistema se este, na sua versão bipartidária totalitária, não dispusesse de um impressionante manancial de recursos para lhe fazer frente. E passará pela cabeça de alguém, olhando as encenações promovidas pelo Partido Democrático em honra de George Floyd, que uma eventual administração de Joe Biden em 2021 iria combater o racismo e travar os assassínios por violência policial?

Versão europeia

Demonstrando as afinidades práticas, ainda que nem sempre concordantes no plano do discurso, com o comportamento do regime de Washington, as instituições europeias não tiveram ainda uma palavra sobre a execução de George Floyd. Não basta declarar-se contra a pena de morte: é preciso sê-lo.

Confirmando ainda que não existe qualquer sintonia entre os órgãos instalados em Bruxelas e as populações europeias têm-se multiplicado manifestações multifacetadas contra o racismo e de repúdio pelo assassínio de Floyd.

O facto a realçar neste quadro é que não seria necessário «importar» casos de racismo e de violência dos Estados Unidos para motivar protestos na Europa. Do lado de cá do Atlântico há razões de sobra para repudiar racismo, xenofobia, discriminação, colonialismo e perseguições contra minorias sem necessidade de ir buscar inspiração pontual além-fronteiras.

O tratamento institucional da União Europeia em relação aos imigrantes, refugiados e os mais desfavorecidos em geral deveria suscitar acção e revolta constantes. A Europa é um continente racista, colonialista, que usa e abusa, com discriminação e violência, do eurocentrismo cultural e civilizacional.

Os muros, barreiras e cercas contra refugiados e imigrantes, as vergonhosas discussões entre governos sobre quotas de admissão de pessoas fugindo de guerras, quantas delas provocadas por países e entidades europeias, não suscitam socialmente a revolta que deveriam merecer.

Passam em claro, como parte do velho normal, sucessivos casos de violência policial através da Europa contra bairros periféricos de grandes cidades, para onde são empurradas as comunidades marginalizadas pelo aparelho económico triturador – uma discriminação institucionalizada que nem sempre, mas também, se orienta pela cor da pele, a etnia, a nacionalidade da família de origem.

Há situações limite, porém, em que a inversão de valores é total. A participação de nações europeias e de instituições como a União Europeia e a NATO em guerras de agressão contra países em estados inferiores de desenvolvimento, contra povos vulneráveis, são exemplos maiores de violência discriminatória. No entanto, escassas são as manifestações populares massivas de repúdio e revolta. Pelo contrário, passa bem através da generalidade do tecido social a mensagem construída pelos poderes, incluindo a comunicação cúmplice, de que se trata de actos humanitários, legítimos e de elevado valor civilizacional.

Não se poupam, aliás, os elogios públicos ao envio de tropas europeias para antigas colónias de várias nações do continente com o objectivo de ir ensinar a esses povos, certamente ainda inferiores, que não devem guerrear-se entre si, sobretudo quanto perturbam o normal fluxo de riquezas naturais extorquidas a esses países e suas populações pelos governos que enviam os militares. Eis uma forma de racismo que não é racismo por ser suposto que nações e instituições civilizadas que renegam oficialmente o racismo não pratiquem o racismo.

Praticam, porém, o capitalismo na sua versão mais selvagem. Inevitavelmente, a discriminação, a xenofobia, o racismo estão incluídos no pacote de malfeitorias do sistema, por muito que os praticantes apregoem o contrário

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