A campanha russofóbica instalou-se na nossa comunicação social e no debitar de praticamente todos os comentadores neles creditados.
Começando pelo número de candidatos. Foram oito. Até agora não falaram das críticas do candidato comunista, Pavel Grudinin, mas tão só do mais queridinho do «ocidente», Alexei Navalny, que foi impedido judicialmente de se candidatar por crimes cometidos e dados como provados em tribunal.
Nos restantes, a variedade era expressiva, não faltando o direitista extremo, Vladimir Jirinovski, ou uma liberal socialite tipo Paris Hilton, Ksenia Sobchak, a qual, num debate televisivo entre candidatos, o primeiro insultou em termos soezes, com insultos pessoais e sexistas, afirmando-a uma marioneta de Putin.
Os resultados, quando estavam contados 99,82% dos votos, davam uma vitória a Vladimir Putin com 76,66% (acima das sondagens), seguindo-se-lhe, também muito acima das sondagens, Pavel Grudinin, do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), com 11,01% (não confundir com outro candidato que se reclama do comunismo, Maxim Suraykin), Jirinovski com 5,66%, ligeiramente abaixo das sondagens, e Ksenia Sobchak com 1,67%. Os restantes quatro candidatos não alcançaram a fasquia dos 1%.
Grudinin criticou a falta de transparência das eleições. Para ele, «está claro que as eleições não são justas».
A Golos, uma ONG especializada em vigilância eleitoral, durante muitos anos financiada pelos por diversas agências norte-americanas e pela Comissão Europeia, disponibilizou um mapa das fraudes no seu site na internet, no qual denunciou mais de 2700 presumíveis irregularidades, como a colocação de mais votos nas urnas, votos múltiplos ou obstáculos ao trabalho dos observadores.
Mas a Presidente da Comissão Eleitoral Central, Ella Panfilova, responsável pelas 97 000 assembleias eleitorais na Federação Russa, afirmou, na sua última conferência de imprensa, que as irregularidades comprovadas foram «relativamente baixas» e «a votação transparente». «Qualquer violação deve ser, antes de mais, comunicada, e então os resultados devem ser cancelados, se houver um motivo para isso», declarou Panfilova, referindo também que será «necessário punir os responsáveis em plena conformidade com a lei, incluindo com base no artigo do Código Penal relativo a conspirações organizadas», e não ter havido reclamações graves durante as eleições presidenciais.
Face à atitude da porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert, que escreveu na sexta-feira anterior à eleição que a Comissão Eleitoral Central russa teria negado o estatuto de observador a 5 mil jornalistas «independentes», e que isso seria uma prova de que as autoridades do Kremlin «temiam a transparência», Panfilova reagiu: «É uma mentira grosseira e incompetente (…) que faz cair no ridículo o nível de competência das pessoas que representam o Departamento de Estado».
Com a divulgação destes resultados, o Centro de Imprensa da Comissão Eleitoral Central da Rússia terminou o seu trabalho. Um total de 1649 jornalistas, entre os quais 449 representantes de órgãos de comunicação social estrangeiros, esteve credenciado no centro de imprensa, onde politólogos, sociólogos e observadores internacionais foram comentando, em contínuo, todos os aspectos das eleições.
A Comissão Eleitoral Central russa tem 10 dias, a partir de domingo, para divulgar o resultado final das eleições, mas o Bureau para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos da OSCE terá dois meses (!) para preparar um relatório com críticas ao processo eleitoral russo. Para já, um observador seu no terreno manifestou preocupações quanto a Alexei Navalny não ter sido aceite como candidato, alguma «falta de transparência e de competição efectiva», que não concretizou, embora tenha afirmado ainda que «em geral, o dia das eleições esteve bem organizado, apesar de pequenas falhas no princípio do voto secreto e da transparência da contagem».
Um ou outro comentador sublinha o facto de a participação ter sido de 67,4% e não os 70% desejados por Putin. Essa participação não foi, de facto, atingida. Mas se a compararmos com a participação em eleições na União Europeia e EUA, verificamos que, nas mais recentes eleições presidenciais, a participação em Portugal foi de 48,8%, em França de 75,3% e nos EUA de 52,2%; e que no Reino Unido (sem presidenciais, graças à monarquia...), nas legislativas, foi de 68,7% – sendo que nestes três últimos casos as eleições foram muito disputadas entre dois candidatos, enquanto, na Rússia, como era esperado por toda a gente, isso não aconteceu.
Quanto a últimas eleições europeias na UE, a participação média foi de 43,1% com a mais baixa a registar-se na Eslováquia, com 13%, e a mais alta foi de 90%. Em Portugal a participação foi de 34,5%. Não há ainda notícias sobre a forma como decorreram as eleições presidenciais noutros países com cidadãos russos. A excepção vai para o voto nos EUA onde, segundo o embaixador russo, «tudo correu bem, de forma democrática, de acordo com as leis russas», precisando que «não posso dizer que foi 100% da forma como queríamos, porque, infelizmente, houve actos de provocação», denunciando os comportamentos de «pessoas que, acho, não entendem o que é uma eleição presidencial e a importância de não interferir com a condução destas» e e a existência de «pessoas que, ao chegar às instalações para votarem, foram ameaçadas e forçadas a abandonar o local».
O caso particular da votação na Crimeia
Para os interessados em conhecer os sentimentos populares na Crimeia sobre o regresso desta à Rússia, importará sublinhar que o resultado de Putin foi aqui de 92,1%.
O observador Andreas Maurer, Professor de Ciência Politica e Integração Europeia da Universidade de Innsbruck, afirmou que «o povo da Crimeia sempre soube que a decisão tomada em 2014, sobre a adesão à Rússia, era correcta, mas ontem, nas eleições, foi colocado um ponto final nesta questão».
O ex-ministro do Interior da Ucrânia, Anatoly Mogilev, em entrevista ao canal 112, deu uma explicação surpreendente para o governo de Kiev não ter impedido a península da Crimeia de se tornar parte da Rússia. Mogilev afirmou que os efectivos ucranianos instalados na Crimeia tinham capacidades para impedir militarmente a alteração do estatuto territorial da península, mas que as autoridades ucranianas acharam desnecessário fazê-lo. «Na minha opinião», declarou Mogilev, «a decisão não foi tomada por as autoridades da Ucrânia terem achado a Crimeia desnecessária mas porque tinham a certeza que em futuras eleições, a Crimeia votaria pela oposição». E Mogilev acusa Kiev: «por isso a península foi deixada de lado e esquecida, traindo assim os oficiais ucranianos instalados naquele território».
Já o ex-deputado ucraniano Andriy Senchenko relatou que, estando a crise da Crimeia no auge, o presidente interino deu ordem aos militares, em Kerch (cidade da Crimeia), para abrirem fogo. Mas os militares recusaram-se a cumprir a ordem.
Importa recordar a verdade sobre o eterno pretexto da Crimeia para a confrontação ocidental com a Rússia, desde 2014.
A península da Crimeia reintegrou-se na Rússia após um referendo realizado em Março de 2014. Na votação, 96,77% dos eleitores da Região Autónoma da Crimeia e 95,6% dos residentes da cidade de Sebastopol manifestaram-se pela reunificação com a Rússia. Este referendo foi convocado após o golpe de Estado na Ucrânia, que levou os partidos fascistas e saudosos do nazismo ao poder, sem validação eleitoral posterior. Desde esse golpe, as populações de origem russa foram, por toda a Ucrânia, discriminadas, despojadas do ensino da língua e da sua história, registaram-se assassinatos, espancamentos, saneamentos brutais na administração de cidadãos de origem russa. Nisso residiu a motivação da consulta popular, que também viria a ocorrer nas regiões de Donetsk e Lugansk.