Longe vai o tempo em que a maior parte do orçamento da União Europeia (UE) era financiada com as receitas tarifárias associadas à importação de bens oriundos de países terceiros. Com a liberalização do comércio internacional e a forte diminuição destas receitas, foi necessário recorrer de forma crescente às contribuições diretas dos Estados-membros com base na riqueza de cada um. Mas este esquema, que assegurava alguma solidariedade entre países ricos e pobres, foi perdendo gás na razão direta do egoísmo crescente dos mais ricos, que pugnam há muitos anos por uma redução do orçamento da União Europeia, naturalmente à custa da coesão social e económica. A solução mágica para evitar cortes materializou-se no presente Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, com um empréstimo de 807 mil milhões de euros. Entretanto outros gastos suplementares, relacionados com a ajuda à Ucrânia e com a crise dos refugiados, levaram o Tribunal de Contas Europeu a lançar um alerta face ao crescimento descontrolado da dívida da União Europeia, dívida esta que terá de ser paga por todos nós, mais tarde ou mais cedo.
«Entretanto outros gastos suplementares, relacionados com a ajuda à Ucrânia e com a crise dos refugiados, levaram o Tribunal de Contas Europeu a lançar um alerta face ao crescimento descontrolado da dívida da União Europeia, dívida esta que terá de ser paga por todos nós, mais tarde ou mais cedo.»
Num relatório publicado em outubro passado, o Tribunal de Contas Europeu manifestou, de forma clara, uma grande preocupação sobre o que considera serem despesas orçamentadas sem estarem salvaguardadas as receitas necessárias para a sua cobertura. Como exemplo, cita, sem pôr em causa a sua legitimidade, a ajuda financeira da UE à Ucrânia, que mais do que duplicou em 2022 em comparação com 2021 (16 mil milhões de euros, em comparação com sete mil milhões de euros no ano anterior) e à qual se junta um apoio de 50 mil milhões de euros concedido recentemente, na forma de um empréstimo com reembolso apenas a partir de 2034. Estes encargos suplementares, aos quais se juntam a crise de refugiados e a inflação que desvalorizou o orçamento em cerca de 10%, justificam os alertas do presidente do Tribunal de Contas Europeu, que aponta para um forte crescimento do endividamento da União Europeia que poderá pressionar fortemente a execução do QFP 2021-2027 e seguintes. Esta pressão decorre das elevadas taxas de juro que oneram os encargos da dívida. Mas decorre também do elevado grau de risco inerente a grande parte desta dívida com forte probabilidade de não ser reembolsada.
«Em dezembro de 2020, este limite máximo foi aumentado de 1,23% para 1,40% do rendimento nacional bruto coletivo dos 27 Estados-membros. Isto significa que o risco de incumprimento destes empréstimos por parte da Ucrânia (ou outros) será diretamente suportado pelos futuros orçamentos da União.»
Em 2022, a dívida da UE disparou para 344,3 mil milhões de euros (em 2021 era de 236,7 mil milhões de euros). Este endividamento irá crescer ainda mais à medida que novos empréstimos forem sendo realizados, seja no quadro do Next Generation EU e do PRR, seja para financiar o esforço de guerra da Ucrânia. Estes empréstimos são garantidos pela margem de manobra do orçamento da UE. Designa-se por «margem de manobra» a diferença entre os limites das despesas fixados no QFP e o limite máximo dos recursos próprios até ao qual a Comissão, em último caso, tem o direito de mobilizar recursos junto dos Estados-membros. Em dezembro de 2020, este limite máximo foi aumentado de 1,23% para 1,40% do rendimento nacional bruto coletivo dos 27 Estados-membros. Isto significa que o risco de incumprimento destes empréstimos por parte da Ucrânia (ou outros) será diretamente suportado pelos futuros orçamentos da União.
O sucessivos QFP da União Europeia foram sofrendo cortes ao longo das últimas décadas. O atual acabou por não diminuir graças ao endividamento da União Europeia, que contraiu um empréstimo destinado a financiar o PRR, mas também a evitar cortes nas rubricas importantes do orçamento, tais como a Política Agrícola Comum e a política de coesão. Entretanto, novas despesas foram realizadas à custa de mais endividamento, numa conjuntura de inflação e aumento de taxas de juro. Vamos ver o que nos reserva a execução do que resta do atual QFP 2021-2027. Quanto à discussão do próximo (2028-2034), que deverá iniciar-se em 2025, preparemo-nos para o pior!
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