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O capitalismo é violência

Palestina, Donbass, Catalunha, Colômbia. A comunicação social dá voz ao agressor e absolve a violência exercida pelos Estados implicados. Contra a opressão, os povos conservam o direito à insurreição.

Centenas de milhares de pessoas manifestam-se em Barcelona pela liberdade dos «presos políticos» e a República, 12 de Novembro de 2017.
Créditos / Twitter

Há cerca de dois meses, entrevistei um palestiniano que passou parte da juventude nos cárceres israelitas por lançar pedras e cocktails molotov contra tanques. Um dia, o exército ocupante cercou-lhe a casa e arrastou-o para a prisão. Teve melhor sorte que um dos seus companheiros abatido a tiro. Aos 13 anos, foi torturado e atirado para uma cela cheia de baratas e ratazanas.

Há uns anos, o jornalista Jorge Enrique Botero destapou a vida de Solangie, uma destemida guerrilheira colombiana que foi uma das vozes da Cadena Radial Bolivariana, emissora clandestina das FARC. A mãe era dona de um bordel numa aldeia no meio da selva e o padrasto tentara violá-la várias vezes. Uma noite, esperou-o na cama e esfaqueou-o. Depois de desenhar mapas para a guerrilha e de fazer parte da rede de vigilância, a guerrilha acedeu aos sucessivos pedidos de Solangie para ingressar. Na altura explicava que para muitas mulheres as FARC não eram uma opção. Era a única via para fugir de uma vida miserável num bordel ou a apanhar pancada do marido.

Para muitos, no Leste da Ucrânia, a única opção foi pegarem em armas para se defenderem das agressões fascistas caracterizadas sobretudo pelo anti-comunismo e pela febre anti-russa. Em Odessa, em Maio de 2014, foram assassinados 46 antifascistas na Casa dos Sindicatos1, num contexto em que milhares de mulheres e homens entregues à sua própria sorte se armavam para se defenderem da orgia de violência patrocinada por Washington e Berlim.

Entretanto, ficámos a saber esta semana que o Ministério Público alemão pede a extradição do presidente catalão, que estava exilado em Bruxelas, para Madrid que o persegue por organizar um referendo. Isto dias depois dos tribunais espanhóis ordenarem a prisão de vários deputados independentistas catalães, que se juntam ao conjunto de centenas de presos políticos espalhados por várias prisões de Espanha. A repressão desatada contra os independentistas da Catalunha motivou, aliás, afirmações contundentes o líder patriota basco Arnaldo Otegi: «Com as decisões adoptadas na Catalunha, o Estado está a transmitir aos independentistas a mensagem de que é impossível alcançar uma república catalã, galega, canária ou basca pelas vias pacíficas e democráticas», declarou o coordenador-geral do partido EH Bildu antes de reafirmar a sua aposta, ainda assim, por essas mesmas vias.

«Num dos mais bonitos textos escritos em português, a nossa Constituição "reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão"»

Destas quatro histórias, boa parte dos órgãos de comunicação social tratou de dar voz ao agressor e de desqualificar o agredido. Agora que o exército de Israel acaba de cometer um massacre em Gaza, ninguém exige a expulsão de diplomatas israelitas. Na Colômbia, donde não chegava mais do que notícias de atentados das FARC, sem nunca se falar dos assassinatos de sindicalistas, camponeses e militantes de esquerda, a guerrilha calou as armas e a imprensa continua sem noticiar a violência promovida pela oligarquia. Já para não falar da resistência antifascista nas auto-proclamadas repúblicas independentes, no Leste da Ucrânia, na região da bacia do rio Don, conhecida como Donbass. Para ela, a imprensa tratou de inventar o rótulo de pró-russo.

No caso da Catalunha, onde a violência continua a ser monopólio absoluto do Estado espanhol, argumenta-se com o império da legislação como se os regimes fascistas não tivessem também eles as suas leis e constituições. Que o direito é apenas outra forma de exercer a força e a violência outra forma de fazer política, são princípios básicos do capitalismo.

Por todo o mundo, e crescentemente na Europa, a fascização dos Estados, a que alguns preferem chamar autoritarismo ou populismo, cresce a passos largos para defender um sistema cada vez mais incapaz de suster a crise em que se encontra e de esconder o seu carácter violento.

Foi em Abril que os militares e o povo derrotaram o império da lei e da violência fascistas para encetar um período que todavia é uma espinha encravada na garganta de alguns. Num dos mais bonitos textos escritos em português, a nossa Constituição «reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão».

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