Em 2018, antes de chegar à presidência, Jair Bolsonaro, não escondendo o apoio que gozava entre os grandes latifundiários, a chamada «bancada ruralista» e o agronegócio, referiu-se aos trabalhadores sem-terra e sem-tecto como «marginais» e, em declarações então proferidas à TV Band, reproduzidas pela Reuters, também não escondeu que queria tipificar as acções do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como «terroristas», com o intuito de garantir segurança ao sector da Agropecuária, e de assegurar o «respeito pela propriedade privada, tanto urbana quanto rural», que é «sagrada».
Gilmar Mauro, da direcção nacional do MST explicou então que, para além das acções de ocupação de latifúndio, o movimento tem um projecto amplo de preservação dos recursos naturais, promoção da agro-ecologia e produção de alimentos saudáveis. É, para além disso, «cultura, arte, educação, com vários projectos de alfabetização de jovens e adultos pelo país afora», e «está articulado internacionalmente com muitos movimentos sociais».
«Trata-se de uma das mais graves iniciativas de criminalização da luta social desde a redemocratização do país», diz o advogado Leandro Scalabrin. MST e MTST defendem a luta pela terra e a habitação. Referindo-se aos trabalhadores sem-terra e sem-tecto como «marginais», e não escondendo o apoio que goza entre os grandes latifundiários, a chamada «bancada ruralista» e o agronegócio, o candidato fascista à Presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, pretende tipificar as acções do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) como «terroristas». Em declarações proferidas recentemente à TV Band, reproduzidas pela Reuters, esse será um dos primeiros projectos que tentará fazer avançar, com o intuito de garantir segurança ao sector da Agropecuária, e de assegurar o «respeito pela propriedade privada, tanto urbana quanto rural», que é «sagrada», nas palavras do candidato da extrema-direita. Para tal, pretende eliminar da chamada «lei antiterrorismo» (Lei n.º 13 260/2016) um dispositivo que retira da tipificação as acções de movimentos sociais de carácter reivindicativo. Em declarações ao Brasil de Fato, Leandro Scalabrin, membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), frisou que «esta é uma das mais graves propostas e tentativas de criminalização dos movimentos populares afirmada por um candidato à Presidência da República dos últimos anos no Brasil». Com isto, disse, Bolsonaro pretende «criminalizar como terrorismo os movimentos reivindicativos dos povos indígenas por demarcações, dos atingidos por barragens, que têm os seus direitos violados pela construção de grandes projectos, o movimento da moradia, que realiza ocupações de vazios urbanos para a especulação imobiliária, e assim garantir a efectividade da função social da terra [urbana], e também os movimentos do campo, que ocupam os latifúndios improdutivos, reivindicando a reforma agrária». Scalabrin explica que, «do ponto de vista dos direitos humanos, o discurso e a proposta do candidato significa um grave retrocesso em todos os compromissos que o Brasil assumiu no âmbito internacional e institucionalizou [na] Constituição Federal». «Porque a nossa Constituição estabelece que toda a propriedade deve ser relativizada. A propriedade deve cumprir a sua função social. E estabelece casos em que, não cumprindo a função social, a propriedade poderá ser utilizada para fins de reforma agrária ou reforma urbana, para a construção de moradias para a população que [delas] necessita», afirma Scalabrin. Gilmar Mauro, da direcção nacional do MST explica que, para além das acções de ocupação de latifúndio, o movimento tem um projecto amplo de preservação dos recursos naturais, promoção da agro-ecologia e produção de alimentos saudáveis. É ainda «cultura, arte, educação, com vários projectos de alfabetização de jovens e adultos pelo país afora», e «está articulado internacionalmente com muitos movimentos sociais», lembra. Falando para o Brasil de Fato, o dirigente deixa claro: «É bom que se diga: o MST vai continuar a ocupar terras no Brasil até que se faça a reforma agrária. Enquanto existir um sem-terra no nosso país, o MST foi criado para isso: para organizar e para lutar.» Actualmente, mais de dois milhões de agricultores de todo o Brasil estão organizados no MST. Defendendo os interesses do grande latifúndio e do grande capital, Bolsonaro aponta-lhes o dedo, seguindo uma lógica de repressão que tem precedentes – o MST nasceu em 1984, em plena ditadura. Natália Szermeta, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), sublinha que, tratados de forma «abstracta e superficial pelo candidato da extrema-direita», eles são «milhões de homens e mulheres trabalhadores que, devido à ausência do Estado, não tiveram outra escolha senão organizar-se». A maior parte das famílias que se deparam «com a realidade de uma ocupação» ou está «em situação de aluguer muito alto, gastando todo o seu salário com o aluguer e vivendo em situação precária», ou está «a morar numa casa por favor, de algum parente, em condições desumanas também», explica, acrescentando que «nenhuma família vai para uma ocupação, pisar no barro, viver num barraco de lona, com todas as condições que existem numa ocupação, por escolha, ou porque é vagabundo, ou porque quer afrontar ou tomar o que é dos outros, nada disso». O MTST surgiu no fim dos anos 90 tendo como propósito ajudar as famílias que lutam pelo direito à habitação a organizar-se. Está presente, actualmente, em 12 estados brasileiros, indica o Brasil de Fato. «A gente já conseguiu tirar várias famílias da situação de miséria e indignidade», disse Szermeta, referindo como exemplos actuais o «empreendimento João Cândido, que fica em Taboão da Serra [São Paulo] e que vai abrigar mais de 900 famílias», e um outro em Santo André, com «quase mil famílias, que também saíram de condições precárias». Segundo o advogado Leandro Scalabrin, os ataques de Bolsonaro ao MTST «ferem os interesses de mais de 30 milhões de brasileiros que vivem em ocupações urbanas», em grandes, médias e pequenas cidades do Brasil. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Bolsonaro quer tipificar sem-terra e sem-tecto como «terroristas»
«Tentativa grave de criminalização»
MST: trabalhadores pelo direito à terra e aos alimentos
MTST: trabalhadores pelo direito a um lar
Contribui para uma boa ideia
«É bom que se diga: o MST vai continuar a ocupar terras no Brasil até que se faça a reforma agrária. Enquanto existir um sem-terra no nosso país, o MST foi criado para isso: para organizar e para lutar», disse com clareza ao Brasil de Fato.
Ocupam, não invadem
Apesar de todo o historial firmado pelo movimento e das mil e umas provas dadas da organização, em todo o país, em prol dos trabalhadores do campo, da agricultura familiar e da agro-ecologia, o MST não foi apenas vilipendiado pelo candidato Bolsonaro.
Como luta pelo direito à terra a quem nela vive, trabalha e produz, e promove a ocupação das terras sem função social, o MST continua a ser apresentado à sociedade, por quem propagandeia os interesses daqueles que as suas acções ferem, como grupo de «invasores» ou mesmo «terroristas».
Por isso, o movimento faz questão de vincar a diferença entre «ocupação» e «invasão», partindo do conceito do uso social da terra. «Uma área que não vem sendo utilizada para a finalidade para qual foi criada, como uma fazenda que encerrou suas atividades de plantio, ou que possui irregularidades em relação ao trabalho, descumpre essa função da propriedade, tornando-se um local ocioso», explica o MST na sua página.
Numa «Carta ao Povo Brasileiro», os sem-terra denunciam as agressões do capital e de Bolsonaro, e afirmam «estar de pé e dispostos a contribuir para o legítimo levante das massas populares». A «Carta ao Povo Brasileiro» foi lançada no dia 25 pela Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na sequência de um encontro realizado pelo movimento em Sarzedo (Minas Gerais) na semana passada. Na missiva, o MST denuncia as agressões do capital «aos bens da natureza e às condições de vida do povo» mineiro e sublinha que, atravessando uma profunda crise, o capital «impõe aos povos do mundo desemprego, fome, retirada de direitos sociais, precarização do trabalho, violência, extermínio, privatizações, destruição do meio ambiente, expropriações, saque dos bens naturais e dos recursos estratégicos». A acção do governo de Jair Bolsonaro é particularmente visada no texto, porque «entrega o país aos interesses dos Estados Unidos, as nossas terras aos estrangeiros e quebra a economia nacional em detrimento do capital». No campo, Bolsonaro «quer entregar 70 milhões de hectares de terras públicas, especialmente na Amazónia, a quem desmatou, destruiu, sonegou impostos e assassinou povos», acusa a Coordenação Nacional do MST. O governo do actual presidente brasileiro «legitima a acção dos jagunços do agronegócio, autoriza o extermínio, desmata a floresta e destrói a biodiversidade. Tudo para expandir a fronteira agrícola, a mineração e o lucro das empresas transnacionais», denunciam os sem-terra, para quem «defender a Amazónia é defender o Brasil, os povos, os seus territórios, a vida e o meio ambiente». Neste contexto, o MST considera seu dever «actuar sobre as contradições deste projecto das elites», uma vez que não tem «solução para os principais problemas que afectam o povo brasileiro», e compromete-se «a ocupar os latifúndios do campo e das cidades», bem como a «lutar pelos direitos sociais e não permitir retrocessos nas conquistas». «Aqui estamos para afirmar a luta justa do povo pela sua libertação e por uma vida sem a lógica perversa da acumulação do agronegócio e da mineração», sublinha o MST, que apela ao povo brasileiro para que mantenha «a luta permanente» e construa «uma sociedade justa e igualitária», «uma sociedade socialista». A construção da Reforma Agrária e a reafirmação da «defesa da soberania nacional e popular» no Brasil é acompanhada, a nível internacional, pela manifestação da solidariedade a todos os trabalhadores «em luta do mundo», bem como pelo repúdia por «golpes e intervenções», e pela defesa da «legítima soberania dos povos». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
MST reafirma compromisso com a Reforma Agrária e a transformação social
«Ocupar os latifúndios do campo e das cidades»
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Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento Sem Terra, afirma: «Não cumprir a função social significa dizer que a terra tem degradação do meio ambiente, tem trabalho escravo e/ou ela não produz. Esta terra, tendo um destes três elementos, ela deve, como a nossa lei manda, ser desapropriada para fins da reforma agrária.»
No total, há de 450 mil famílias que conquistaram a terra através da luta e da organização dos trabalhadores rurais, informa o MST, acrescentando que «os latifúndios desapropriados para assentamentos normalmente possuem poucas benfeitorias e infraestrutura, como saneamento, energia elétrica, acesso à cultura e lazer. Por isso, as famílias assentadas seguem organizadas e realizam novas lutas para conquistarem esses direitos básicos».
A importância de distinguir «invasão» de «ocupação»: perspectiva histórica
Kelli Mafort, igualmente da coordenação nacional do MST, aborda os termos à luz de uma perspectiva histórica.
«Estamos às vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil, agora no dia 7 de setembro. E a resposta a essa pergunta está justamente nesta data – desde a invasão europeia aqui no Brasil, com todo o processo de saque e sucessivos ciclos econômicos de exploração na agricultura, acompanhado de todo o processo de escravização indígena e negra», explica.
A partir do processo da independência, foi fulcral a questão do domínio da terra e, de acordo com a dirigente, existiu um clima favorável no Brasil para que as elites pudessem aprovar a primeira lei de terras.
O MST surgiu em Janeiro de 1984, num encontro nacional de trabalhadores do campo celebrado em Cascavel (Paraná). A luta pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças sociais eram objectivos primeiros. No 1.º Encontro Nacional Sem Terra, «esteve presente a classe trabalhadora rural de 12 estados do Brasil», lê-se no portal do MST. Num contexto marcado pela agitação social, o declínio da ditadura militar, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT; 1980) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT; 1983), ali haveria de nascer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No encontro, foram abordadas as principais lutas travadas pelo «povo sem terra» face às políticas governamentais sobre a questão fundiária brasileira, e foi afirmada a «indignação» dos trabalhadores do campo relativamente às desigualdades sociais, à fome, à miséria, ao desemprego, bem como à impunidade de centenas de assassinatos de camponeses devido a conflitos de terra. «A situação de opressão e exploração a que cada vez mais são submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fazem com que estes comecem a agir contra o projeto da burguesia, que quer se apropriar de toda a terra e, em vez de só se defenderem, começam a luta pela reconquista», lê-se numa carta subscrita no encontro. Um ano depois do encontro que marcou a fundação do movimento, realizou-se o primeiro Congresso Nacional do MST, afirmando que «Sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali se construíram os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução», sublinhando que a democracia no Brasil tinha de passar pela reforma agrária. Nos anos seguintes, «foi por meio das ocupações de latifúndios que o povo sem terra se rebelou contra o monopólio da terra pela classe dominante, cultivando a terra e as suas culturas por diversos estados do país», destaca o portal do MST. Com o passar dos tempos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi conquistando reconhecimento a nível nacional e internacional, ganhou legitimidade enquanto «movimento de massas e luta da classe trabalhadora do campo por justiça social e uma vida digna», e foi integrando novas lutas no seu acervo, nomeadamente em defesa da soberania alimentar, da cultura e educação popular, da saúde comunitária e do Sistema Único de Saúde para toda a sociedade brasileira. O MST completa 37 anos de existência num contexto de pandemia e mostrando a força da agricultura familiar e da sua organização de base. Apesar dos ataques do governo de Bolsonaro, o movimento doou mais de 3000 toneladas de alimentos em 2020, para ajudar a população a enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Sobre isto e as expectativas para 2021, o Brasil de Fato conversou com Maria de Jesus Santos Gomes, figura histórica do movimento, que participou na primeira ocupação de terra no seu estado – o Ceará –, em 1990, e hoje integra a direcção nacional e o sector de educação do MST. Na entrevista, Gomes fala sobre o desafio do protagonismo feminino no movimento e aponta a agro-ecologia como saída para a crise alimentar no país. «A opção pela produção saudável tende a crescer no Brasil e a única classe que pode ofertar alimentos saudáveis é a classe camponesa. Somos nós, os agricultores e agricultoras desse país», sublinha. Sobre o desmantelamento de políticas públicas aprofundado pelo governo de Bolsonaro, além do apoio incondicional a ruralistas e até o incentivo à violência no campo, Maria de Jesus explica as contradições pregadas pelo agronegócio e reforça que o movimento seguirá firme em defesa das bandeiras populares. «Nós sabemos o que queremos com o campo brasileiro: nós queremos a reforma agrária popular. E, como esse programa não se realizou, nós estamos muito firmes na defesa desse projecto. O agronegócio não tem capacidade de fornecer alimentos para a população brasileira, porque o propósito dele não é esse», aponta. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
MST nasceu há 37 anos: a «terra para quem nela vive e trabalha»
A «terra para quem nela vive e trabalha»
Mais de 3000 toneladas de alimentos doadas em 2020
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«Em 1850, temos justamente a determinação de que as terras seriam privadas de quem pudesse comprar as terras ou terras públicas do Estado. E isso foi um fator preponderante na história do nosso país, que perpetuou a concentração da terra de forma completamente antidemocrática, a partir de uma medida extremamente elitista, que não leva em consideração as pessoas que aqui viviam», disse Kelli ao portal do MST.
De 1888 em diante, defende Mafort, o processo de resposta a «essa invasão da elite» era a ocupação territorial dos negros. «Essa luta é que dá origem às ocupações de terra que depois vão ganhando força na luta por reforma agrária nas Ligas Camponesas, e que faz surgir movimentos importantes e, mais recentemente, o surgimento do Movimento Sem Terra, que já tem quase 40 anos», acrescentou.
Neste sentido, sublinhou: «Invasão é coisa de elite. Ocupação é o direito legítimo dos povos de restituir aquilo que lhes foi roubado.»
Na mesma direcção, Alexandre Conceição afirma que o termo «ocupação» é um conceito constituído pela classe trabalhadora para que possa ter direito de acesso à terra. «A ocupação é justamente a resposta que tiveram os trabalhadores, os escravizados que não tiveram acesso à terra. Eles tiveram que ocupar o território, a terra pública, no sentido de torná-la uma moradia e de torná-la produtiva para poder viver», frisou.
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