Em 2020 e 2021, as actividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o «Abril Vermelho», mês de lutas, foram bastante condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19.
Assim, o movimento decidiu recorrer a formas «criativas de actuação», sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; a reivindicação da reforma agrária popular.
O dia 17 de abril de 1996 tem lugar especial na história da luta camponesa no Brasil. Numa zona conhecida como Curva do S, no Sudoeste do estado do Pará, a Polícia Militar assassinou 21 pessoas, quando milhares de trabalhadores sem terra faziam uma marcha pacífica rumo a Belém.
Em declarações ao Brasil de Fato na semana que antecedeu o 25.º aniversário do Massacre de Eldorado do Carajás, Ayala Ferreira, da direcção nacional do MST, destacou a «violência extrema» do que se passou.
Além das 21 pessoas mortas – «dez das quais executadas já rendidas» –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude «de não-mediação, de não-negociação».
«O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo», denunciou então.
A revolta dos camponeses com a matança, que agora completa 26 anos, estimulou o início de um dos períodos de maior efervescência da luta pela terra no país sul-americano, e Abril foi instituído como o mês de mobilização e luta.
«A gente passa a ter a referência do Abril como esse mês de fortalecimento da luta dos sem terra em torno da desapropriação. E essa indignação, esse sentimento de revolta que toma conta das massas, impulsiona a organização a pautar o Estado brasileiro de uma forma mais contundente, compreendendo a reforma agrária agora em diversas dimensões», disse ao Brasil de Fato um jovem membro da direcção estadual do MST no Pará, Pablo Carvalho Neri.
Acampamento Pedagógico da Juventude
A juventude camponesa mantém o legado de Carajás vivo e, todos os anos, ergue no local do massacre, na Curva do S, o Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves, cujo nome homenageia um dos jovens assassinados.
Em 2022, depois de dois anos de cancelamento, o evento volta a ganhar forma presencial, de 14 a 17 de Abril, com o lema «Lutar é preciso: contra o fascismo a esperança amazônica resiste».
Com programação ainda reduzida por precaução, a estimativa do MST é de que se reúnam no acampamento entre 100 e 150 jovens de todo o país, sobretudo da região amazónica.
«Esses processos de resistência, de indignação, forjaram um sentimento de esperança na Curva do S. Tanto que a gente até brinca que o S da curva se transformou em um S de sonho», destaca Neri.
Espaços colectivos de compromisso e aprendizagem
No espaço simbólico do acampamento, são os jovens que constroem os barracões onde funciona a cozinha colectiva, entre outros.
As actividades protagonizadas na Curva do S envolvem não só processos internos e organizativos do MST, mas também debates sobre temas actuais.
Para Nieves Rodrigues, do Coletivo da Juventude do MST na Região Amazônica, um dos desafios é como juntar, além da juventude sem terra, representantes de outros povos do campo, como jovens quilombolas e indígenas.
«A gente vai entender um pouco a nossa geopolítica nacional, internacional. A gente vai falar sobre a nossa Amazônia também, o que é que está nos tocando agora, quais são as contradições que a gente tem aqui na nossa região. Vamos falar sobre como o agronegócio está avançando cada vez mais sobre os nossos povos», disse Nieves.
No programa, está previsto um grande acto de plantio de árvores no Assentamento 17 de Abril e o lançamento do Festival Internacional de Cinema de Fronteira – que terá como homenageado, este ano, o próprio MST.
A primeira edição do Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves durou 17 dias, em 2006, reunindo as famílias de sobreviventes e uma grande mobilização de acampados e assentados, no contexto do décimo aniversário do massacre. A partir de 2014, com mais estrutura e visibilidade, os acampamentos chegaram a receber até mil jovens de todo o Brasil, explica o Brasil de Fato.
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