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|Ucrânia

A Guerra, a Paz e as Eleições

O atual conflito na Ucrânia tem vindo a condicionar o conjunto das relações internacionais à escala global, mas sobretudo à escala europeia, e por isso é necessário compreender o que lhe deu origem e quais as suas prováveis consequências.

Manifestantes pediram o fim da guerra e paz para a Ucrânia, durante acções em seis localidades, organizadas pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) sob o lema «Parar a Guerra, dar uma oportunidade à Paz!». Na foto, em Lisboa, a 10 de Março de 2022
CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

Embora a Ucrânia tenha estado, ao longo dos séculos, sujeita a diferentes domínios políticos, com uma presença quase constante da Polónia, nomeadamente a oeste do rio Dniepre, desde o século XVIII que ela tem feito constantemente parte da Rússia, enquanto império até ao início do século XX ou enquanto União Soviética, depois de 1917. Cultural e demograficamente a Ucrânia pode ser dividida em duas regiões, com áreas de sobreposição, uma a leste do Dniepre essencialmente de maioria russa, e outra a oeste, com prevalência da língua ucraniana e com uma visível influência polaca. Esta distinção teve poucas consequências enquanto prevaleceu a União Soviética, mas revelou-se de grande importância após o colapso da União Soviética, em 1991. De forma algo contraditória, os ucranianos, no espaço de poucos meses, votaram sucessivamente pela manutenção da União Soviética e pela independência da Ucrânia, nas suas fronteiras definidas durante a vigência da União Soviética. A coexistência difícil das duas comunidades linguísticas não podia no entanto deixar de gerar tensões e conflitos, que se foram agudizando.

O que seria natural para a resolução do conflito seria a aplicação do princípio do direito à autodeterminação, por via referendária, que permitiria a partição da Ucrânia em dois países distintos, soberanos. Um dos quais, russófono, poderia reintegrar-se na Federação Russa, e o outro, de língua ucraniana, poderia reter a sua plena soberania e aproximar-se progressivamente da Europa e da União Europeia, como parecia ser o desejo da sua população.

Apesar das dificuldades que tal processo teria, é natural que acabasse por ser essa a solução encontrada, não tivesse havido uma significativa ingerência externa, nomeadamente dos Estados Unidos da América, que pretendia enfraquecer a Rússia pós soviética para melhor se poder apropriar dos seus enormes recursos naturais, por meio da aquisição dos ativos económicos por parte das grandes multinacionais americanas. O que estava a acontecer durante a presidência de Yeltsin, mas foi rapidamente travado quando Putin assume a presidência da federação russa.

Concomitantemente os EUA viam com crescente preocupação o estreitar dos laços económicos entre a Europa e a Rússia, o que acabaria por neutralizar a domínio efetivo da Europa por parte dos EUA. Além disso, o alargamento das responsabilidades da União Europeia à esfera da defesa, que estava em preparação, levaria ao esvaziamento da NATO e à perda, por parte dos EUA, de um outro instrumento de domínio sobre a Europa.

Vendo os seus objetivos económicos e o seu predomínio sobre a Europa postos em causa, os EUA procuraram promover o enfraquecimento da Rússia, e eventualmente o derrube do governo de Putin, por via da adesão da Ucrânia à NATO, que colocaria os meios militares ocidentais a curta distância do centro russo do poder político, Moscovo. A esperança era que considerando inaceitável tal situação, a Rússia se lançasse numa ação de força que daria ao Ocidente a desculpa para apoiar a Ucrânia e provocar o colapso da economia russa e do governo de Putin. Levando igualmente ao corte de relações económicas entre a Europa e a Rússia. 

Para além da ameaça que uma Ucrânia na NATO constituiria para a Rússia, o conflito entre os dois países agudizou-se quando o governo ucraniano saído do golpe de Maidan começou a ameaçar a identidade linguística e cultural dos ucranianos russófonos. O que levou à declaração unilateral de independência das regiões russófonas da Crimeia e do Donbass. A Federação Russa rapidamente interveio na Crimeia, reconhecendo a sua independência e posterior integração na Rússia, e apoiou as ambições autonómicas do Donbass, embora sem reconhecer as duas repúblicas autoproclamadas.

«Vendo os seus objetivos económicos e o seu predomínio sobre a Europa postos em causa, os EUA procuraram promover o enfraquecimento da Rússia, e eventualmente o derrube do governo de Putin, por via da adesão da Ucrânia à NATO, que colocaria os meios militares ocidentais a curta distância do centro russo do poder político, Moscovo.»

O agudizar da ameaça contra as populações russófonas, concretizada em ações militares por parte da Ucrânia, e a iminente entrada da Ucrânia na NATO levaram a Rússia a desencadear uma operação militar na Ucrânia destinada a levar a Ucrânia a negociar e a aceitar o compromisso subscrito em Minsk.

Convencidos de que a Rússia não dispunha de meios para vencer a sua operação militar, e que se os países da NATO ajudassem a Ucrânia a Rússia rapidamente entraria em colapso, os países da União Europeia e os EUA impuseram à Rússia fortíssimas sanções económicas e financeiras, e disponibilizaram à Ucrânia os meios militares que achavam ser suficientes para impor uma derrota à Rússia.

O primeiro comentário que esta intervenção merece é que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia tinha um caráter de quase guerra civil, não ameaçando qualquer país vizinho e, por isso, não justificava minimamente uma ingerência por parte da Europa e, muito menos, dos Estados Unidos. Sobretudo porque não havia cobertura, por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para uma qualquer intervenção internacional.

As consequências das ações da NATO e da União Europeia foram no entanto muito diferentes do que o Ocidente esperava.

Embora a ação militar inicial da Rússia não tenha sido suficiente para obrigar o governo ucraniano a aceitar uma negociação com a Rússia, o facto é que a Rússia conseguiu rapidamente ultrapassar os problemas mais sérios das sanções impostas pelo Ocidente, e adotou uma economia de guerra que conseguiu mobilizar os recursos produtivos para garantir o abastecimento das forças em combate em armas e munições, permitindo a manutenção das operações militares por prazo ilimitado. E a mobilização parcial considerada necessária não provocou uma reação negativa por parte da população russa que manteve o seu apoio ao governo liderado por Putin. Nem o apoio material bélico, por parte da NATO e da União Europeia, conseguiu desequilibrar a relação de forças, a favor da Ucrânia. Pelo contrário, as perdas humanas e materiais da Ucrânia não foram compensadas pela ajuda do Ocidente, cujos stocks militares e capacidade produtiva militar eram insuficientes para colmatar as perdas sofridas em combate, deixando a Ucrânia numa posição cada vez mais frágil face ao seu adversário.

Por outro lado o corte quase total de relações económicas da Europa com a Rússia causou um forte agravamento nos custos energéticos da Europa, o que levou a uma forte inflação dos preços e ao abrandamento do crescimento económico, quando não mesmo a uma recessão. Por outras palavras, as sanções – transformadas em quase guerra total económica contra a Rússia – prejudicaram muito mais a Europa do que a Rússia, ameaçando a coesão económica da Europa e até a sobrevivência do projeto da União Europeia.

A intervenção leviana e totalmente desnecessária da Europa no conflito ucraniano, não só prolongou esse conflito para além do que era absolutamente necessário, causou cerca de meio milhão de baixas entre os ucranianos e a destruição da economia da Ucrânia, como está a levar à degradação económica da Europa e poderá, se o Ocidente insistir numa ingerência irracional, conduzir a um conflito alargado entre a NATO e a Rússia, ou até mesmo a uma nova guerra mundial.

É extraordinário que os governos dos países europeus não tenham percebido o que se estava a passar, e se tenham deixado arrastar para um conflito totalmente injustificado com a Rússia, seu parceiro económico natural, em nome de uma falsa ordem internacional que começava por rejeitar o princípio fundamental do direito dos povos à autodeterminação. Incompreensivelmente esses governos abdicaram da defesa dos seus legítimos interesses, em nome da defesa de interesses mais do que discutíveis dos Estados Unidos. A Europa abdicou da sua independência, deixou-se tutelar pelos Estados Unidos, e aceitou o risco da dissolução da União Europeia e de nova destruição global numa nova guerra mundial. Sem para tal estar mandatada pelos povos europeus, que foram intoxicados por uma campanha propagandística global dirigida a convencê-los de que estavam a defender o direito internacional contra uma agressão russa.

«É extraordinário que os governos dos países europeus não tenham percebido o que se estava a passar, e se tenham deixado arrastar para um conflito totalmente injustificado com a Rússia, seu parceiro económico natural, em nome de uma falsa ordem internacional que começava por rejeitar o princípio fundamental do direito dos povos à autodeterminação.»

A pouco e pouco parece que os povos europeus começam a perceber que foram enganados, e pode ser que as próximas eleições para o Parlamento Europeu permitam eleger um número suficiente de deputados capazes de bloquear o processo destrutivo em curso.

Entretanto haverá eleições legislativas em Portugal, o que nos dará uma oportunidade para eleger um governo que ponha os interesses dos portugueses acima dos interesses dos americanos, e que opte pela paz contra a guerra.

É verdade que os eleitores em Portugal vão dar principalmente atenção a questões como a saúde, a habitação, a educação e a justiça, mas era bom que não achassem que o problema da guerra e da paz era uma questão menor, que poderia ser deixada de lado. Porque corremos o risco de voltar a ver soldados portugueses morrerem na guerra, a defender interesses ilegítimos. Como já vimos, em nome da NATO e num passado não muito longínquo, soldados portugueses a irem combater no Afeganistão ao serviço dos americanos. O risco é real, e o potencial destrutivo de uma guerra contra a Rússia pode ser total.

Com exceção do PCP, parece que todos os partidos portugueses concorrentes às eleições apoiam a ingerência de Portugal e da Europa num conflito que não nos diz respeito. Se não prestarmos atenção a este facto, corremos o risco de que o próximo governo venha a causar grande destruição a Portugal, e a morte a muitos milhares de portugueses. É legítimo e natural que se condene a Rússia por ter optado pelo uso da força, mas entre uma tal condenação e o apoio sem limites a uma das partes em confronto vai uma grande distância, que não pode ser ultrapassada. O Conselho de Segurança das Nações Unidas existe para resolver este tipo de situações. Deixemos-lhe portanto a responsabilidade de o fazer.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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