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Familiares das vítimas do «Domingo Sangrento» continuam à procura de Justiça

Meio século depois do Bloody Sunday, os familiares dos 13 civis mortos pelos militares britânicos em Derry, no Norte da Irlanda, ainda não viram a Justiça e continuam a lutar por ela.

Em Janeiro de 1972, as tropas britânicas mataram 13 civis em Derry; foram precisos 38 anos para que a inocência destes fosse reconhecida oficialmente; até à data, ninguém foi julgado ou condenado pelos factos  
Créditos / Al Mayadeen

Num domingo, 30 de Janeiro de 1972, a Northern Ireland Civil Rights Association [Associação dos Direitos Civis da Irlanda do Norte] promoveu uma manifestação pacífica, em Derry, contra a prisão sem julgamento.

O número de participantes na marcha, segundo as estimativas apresentadas na época, varia entre os 5000 e os 20 mil.

A mobilização, no tempo dos chamados Troubles no Norte da Irlanda (oficialmente, entre os anos 60 e 1998), tornou-se violenta quando soldados britânicos começaram a disparar sobre os participantes, provocando a morte a 13 pessoas e ferindo pelo menos outras 15, uma das quais veio a falecer mais tarde, refere o Irish Times. [A lista de mortos e feridos e aquilo que os relatórios Widgery e Saville dizem, aqui.]

O então primeiro-ministro da Irlanda do Norte, Brian Faulkner, afirmou que a culpa do massacre recaía inteiramente sobre o Exército Republicano Irlandês (IRA) e a organização promotora da marcha

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Cinco décadas depois, vítimas do massacre de Ballymurphy declaradas «inocentes»

A decisão de um tribunal de Belfast é considerada histórica, ao pôr em causa a versão do Exército britânico e o terrorismo de Estado. Para os familiares das vítimas, o sabor não deixa de ser agridoce.

Mural figurando as vítimas so massacre de Ballymurphy 
CréditosPaul Hurst / flickr.com

«Não devia ter demorado 50 anos a haver um inquérito para fazer as perguntas que deviam ter sido feitas em 1971», disse Carmel Quinn, citada pelo Irish Times.

O seu irmão, John Laverty, foi uma das pessoas atingidas a tiro e mortas por militares britânicos em Belfast Ocidental, no Norte da Irlanda, durante os confrontos e episódios de grande violência que se viveram no território sob administração britânica, no âmbito da Operação Demétrio, que foi levada a cabo pelo Exército britânico a 10 e 11 de Agosto de 1971, alegadamente contra pessoas suspeitas de pertencerem ao Exército Republicano Irlandês (IRA).

Quase 50 anos depois, no passado dia 11 de Maio, a juiz Siobhan Keegan desmentiu a versão dos militares, de acordo com a qual as vítimas de Ballymurphy eram elementos armados [gunmen e gunwomen] e declarou que as dez vítimas do massacre são «completamente inocentes de qualquer delito».

A juiz declarou que pelo menos nove foram mortas por pára-quedistas britânicos «sem justificação» e de forma unilateral, durante a época dos chamados Troubles (entre os anos 60 e 1998). No que respeita à décima vítima do massacre, disse que a «falha abjecta» em investigar na altura dos factos implicou que não haja provas sobre as quais fundamentar qualquer «descoberta».

Justiça, esperança e sabor agridoce

O inquérito que esteve na base deste veredicto resulta da campanha iniciada pelas famílias em 1998, com o objectivo de «limpar» os nomes dos seus seres queridos.

Isso, destaca o Times, foi algo que as famílias de Ballymurphy de facto conseguiram, assim como todos aqueles que os apoiaram ao longo dos anos e todos os residentes que deram a cara como testemunhas, em grande número.

Vítimas do massacre de Ballymurphy, em Agosto de 1971 / Irish Times

A decisão judicial também traz esperança para muitas outras famílias que continuam à procura de respostas sobre as mortes dos seus seres queridos, através de inquéritos similares ou de outras formas, como investigações levadas a cabo pela Polícia (PSNI).

Pádraig Ó Muirigh, advogado das famílias de Ballymurphy, destacou o modo como o inquérito «estreitou mais a permissibilidade das mentiras que o Estado pode contar».

Para as famílias, será sempre uma vitória, um alívio, justiça, mas, como destacou Quinn, teve de passar meio século para que as mentiras do Estado fossem deitadas abaixo. O sabor é «agridoce».

CPI: «terrorismo de Estado britânico não deve ser varrido para debaixo do tapete»

O Partido Comunista da Irlanda (CPI) afirmou, em comunicado, que se trata de uma «vitória para as famílias e os seus apoiantes, bem como um testemunho da sua crença inabalável, ao longo de 50 de anos, de que os seus seres queridos eram inteiramente inocentes e de que tinham sido assassinados pelo Exército britânico», informa o Peoples Dispatch.

«O veredicto traz mais uma vez à luz o papel das forças do Estado britânico nas mortes de muitas centenas de pessoas inocentes, bem como no assassinato de centenas de opositores políticos. Há muitos mais casos como o do massacre de Ballymurphy. O terrorismo de Estado britânico não deve ser varrido para debaixo do tapete, nem deve ser introduzida uma moratória sobre crimes históricos», afirmou o CPI.

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Dez semanas depois do Domingo Sangrento, uma das mais altas figuras da Justiça britânica, John Widgery, finalizou um relatório que sustentava a versão do Exército britânico – uma «visão» que foi desafiada por diversas testemunhas e designada como «branqueamento».

Para os familiares das vítimas, seguiu-se uma longa batalha pelo reconhecimento da sua inocência, que só seria estabelecida 38 anos depois, em 2010.

John Kelly, cujo irmão Michael foi morto em Derry, disse que o relatório Widgery foi «criado pelo governo britânico para dizer mentiras sobre o nosso povo».

Em 1987, no 15.º aniversário do massacre, foi lançada a Bloody Sunday Justice Campaign (Campanha pela Justiça do Domingo Sangrento; BSJC), que, em 1992, passou a vincar três exigências fundamentais: um novo inquérito aos acontecimentos de 1972, o repúdio pelo relatório Widgery e o reconhecimento formal da «inocência» daqueles que tinham sido mortos em Derry.

Em Janeiro de 1998, o então primeiro-ministro britânico, Tony Blair, anunciou a realização de uma nova investigação, cujos resultados saíram à luz 12 anos mais tarde, em Junho de 2010. O chamado relatório Saville – por ter sido dirigido pelo juiz Mark Saville – afirma que as vítimas não estavam armadas e que muitos dos soldados britânicos envolvidos tinham dado falsos testemunhos.

Inocência reconhecida, mas ninguém condenado

Em Março de 2019, o Ministério Público decidiu avançar com a acusação contra um ex-pára-quedista britânico, designado como Soldado F, pelo assassinato de James Wray e William McKinney, e pela tentativa de assassinato de outras quatro pessoas no Bloody Sunday.

No entanto, em Julho do ano passado, o processo foi travado, refere o Irish Times, com o Ministério Público a afirmar que «já não existe uma perspectiva razoável de elementos de prova-chave no processo contra o Soldado F». Até hoje, ninguém foi julgado ou condenado pela matança do Domingo Sangrento.

«Não têm direito a chamar-se uma democracia»

A decisão deixou os familiares das vítimas bastante zangados. Michael McKinney, cujo irmão William foi morto a tiro pelas costas, está a tentar que o caso do Soldado F seja revisto, refere a Al Mayadeen.

Os críticos acusam o actual governo britânico de estar a procurar amnistiar os soldados envolvidos em «condutas criminosas» nas três décadas de Troubles no Norte da Irlanda.

Para Kate Nash, cujo irmão William Nash também foi morto no Bloody Sunday, o Reino Unido «não tem direito a chamar-se uma democracia depois de colocar alguém acima da lei».

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