Depois de dois anos sem formato presencial por causa da pandemia de Covid-19, a 27.ª edição da marcha teve como lema principal «Onde estão?, a verdade continuada sequestrada, é responsabilidade do Estado».
Exibindo imagens com os rostos e os nomes dos 197 desaparecidos, uma multidão juntou-se na Praça aos Desaparecidos na América, na capital uruguaia, e seguiu dali até à Praça da Liberdade.
Habitualmente, são os familiares dos desparecidos que levam as suas fotos e assim o voltaram a fazer à cabeça da marcha. Mas as imagens surgiram replicadas nas mãos de milhares de pessoas, para significar que «todos eram familiares» e, dessa forma, simbolizar as «dores mais profundas que a nossa sociedade viveu», segundo referiu Elena Zaffaroni, da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos, numa conferência de imprensa anterior.
À frente da mobilização seguiam precisamente membros desta associação, que reclama verdade, justiça e recuperação da memória, para que no país austral não mais exista tortura, execuções e desaparecimentos.
Atrás deles, muitos milhares de pessoas, que mais foram sendo à medida que a marcha ia avançando, segundo refere o periódico La Diaria. Ao longo do trajecto, viram-se cartazes e faixas em que se podia ler «De que nos serve a liberdade se não há justiça?», «Não há esquecimento, não há perdão, não há reconciliação. Militares classistas», «Nenhum pacto silenciará a luta. Vamos acabar com a impunidade, vivam os sonhos dos companheiros».
Um elemento destacado pela imprensa é o encontro de gerações, tendo em conta a grande participação de jovens, de várias idades, na mobilização silenciosa.
Ao chegar a marcha à Intendência de Montevideu, cerca de uma hora depois da partida, os nomes de cada um dos desaparecidos começaram a ser ditos por um altifalante, com os manifestantes a gritarem um sonoro «presente» em resposta.
Já na Praça da Liderdade, cantou-se o hino nacional e, de punho erguido, gritou-se «tiranos, tremei», seguindo-se um enorme aplauso e abraços entre os familiares e a multidão, que se dispersou em silêncio.
Importância da ligação às pessoas, com a extrema-direita no Parlamento e na imprensa
Nilo Patiño, membro da Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos, destacou ao La Diaria a grande participação na marcha, «acima das expectativas», e referiu-se à importância que tem para os familiares a ligação às pessoas, depois de dois anos sem actos presenciais.
Neste período, uma das novidades é que o partido Cabildo Abierto (extrema-direita) alcançou presença parlamentar e começou a fazer a defesa do aparelho repressivo da ditadura e a relativizar o terrorismo de Estado.
Patiño disse que essa posição não é uma novidade, «sempre existiu», só que «agora há um partido militar que os aglutina e que está todos os dias na comunicação social. Isso deu-lhes mais visibilidade e força».
Observou que a força do seu posicionamento não radica na quantidade de gente que tem por trás, mas nos votos-chave que o partido tem no Parlamento, porque agora «está em condições de negociar, principalmente com o partido de governo».
Neste contexto, a marcha ganha uma nova importância e Patiño considera-a «fundamental» para reafirmar a força da causa.