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Com a pandemia, os ricos são cada vez mais ricos

Intitulado «A Desigualdade Mata», o relatório que a Oxfam agora publicou sublinha que a pandemia tornou os ricos mais ricos, enquanto os rendimentos da grande maioria da população mundial diminuíram.

Cartaz colado na baixa de Seattle, estado de Washington, EUA, pede a suspensão do pagamento de rendas, a 26 de Março de 2020. O desemprego disparou nos EUA devido ao encerramento de empresas causado pela actual pandemia e deixou na pobreza milhões de trabalhadores
CréditosEPA/STEPHEN BRASHEAR / LUSA

As fortunas dos dez homens mais ricos do mundo duplicaram durante os dois anos do surto epidémico, passando de 700 mil milhões para 1,5 milhões de milhões de dólares, enquanto os rendimentos da quase totalidade da população mundial diminuíram e mais 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, refere o relatório hoje divulgado pela Oxfam.

Esta desigualdade contribui para a morte de pelo menos 21 mil pessoas por dia, segundo a organização não governamental, que classifica estes dados como «conservadores», tendo como base o número de mortes provocadas a nível mundial pela «falta de acesso a serviços de saúde, a violência de género, a fome e a crise climática».

Gabriela Bucher, directora executiva da Oxfam Internacional, afirmou que «nunca foi tão importante acabar com as violentas e obscenas desigualdades, recuperando o poder e a riqueza extrema das elites», tendo-se referido nomeadamente a medidas fiscais «para reintegrar esse dinheiro na economia real e salvar vidas».

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Pandemia agravou desigualdades na repartição da riqueza em Portugal

A desproporção na forma como é repartida a riqueza criada no País torna-se mais clara quando se compara o número de trabalhadores com o número de «donos do capital».

Um estudo do economista Eugénio Rosa concluiu que a crise económica e social causada pela pandemia está «a agravar ainda mais as desigualdades» salariais e na repartição da riqueza, que «já eram enormes» em Portugal antes da Covid-19.

No trabalho, o investigador – licenciado em Economia e doutorado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – analisa «o aumento da desigualdade na repartição da riqueza criada no País (PIB – Produto Interno Bruto) entre os trabalhadores e os "donos do capital" no período 2008/2019, assim como as profundas desigualdades salariais que existem entre os próprios trabalhadores e trabalhadoras, que não são apenas de género, e que permitem às entidades patronais apropriarem-se de uma parte ainda maior da riqueza criada no país».

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Quando a pandemia ataca sobretudo quem trabalha

Saiu recentemente o estudo da Nova SBE, «Portugal, Balanço Social 2020», sobre os efeitos da pandemia. Falamos com economistas, sindicalistas e políticos sobre as formas de combater a crise.

CréditosMário Cruz / Lusa

Cheila tem 33 anos, trabalhou como bartender em vários bares. Desde o fim do Verão passado que está em casa. «A pandemia obrigou a fechar tudo. O abre não abre, as restrições de funcionamento por motivos de saúde levaram quase todo o sector às cordas. Muitos provavelmente não vão conseguir abrir depois deste segundo confinamento». Os apoios do Estado incidiram sobretudo no lay-off e os outros são muito limitados.

Paulo é proprietário de um bar em Lisboa que explora com o seu filho e encontra-se na mesma situação, «por todo e por junto os apoios que me deram, quase num ano, não ultrapassaram os 200 euros.»

Em casa, Cheila vai esperando que a pandemia passe para voltar a trabalhar. «Não desisti de ter um espaço meu e de trabalhar, mas para já estou a gastar as economias que amealhei para sobreviver», diz.

Stefan é instrutor de artes marciais na Pontinha. O confinamento obrigou-o repetidamente a encerrar provisoriamente o ginásio em que dá treinos e teve o efeito de um tsunami na sua vida. «Este abre e fecha ao longo do ano e os receios de contágio levaram as pessoas a desistir de treinar e a descontinuar os pagamentos. Não há apoios para nós que continuamos a ter que sustentar a família e pagar as rendas. E este é um tipo de actividade que, por muitas aulas zoom que possamos fazer, não nos permite funcionar e ganhar devidamente».

Cheila, Paulo e Stefan são três exemplos das muitas pessoas que perderam rendimentos no ano de 2020. Os economistas e cientistas sociais têm a nítida percepção que a crise parou muita gente e que há um crescimento significativo das desigualdades, mas ainda não há dados fidedignos que façam o retrato desta tempestade.

Uma crise que produz desigualdades

Na semana passada, a Universidade Nova lançou o estudo «Portugal, Balanço Social 2020» em que se trabalham e analisam muitos dos dados e estudos parcelares que saíram sobre o crescimento da pobreza e das desigualdades no nosso País, com o intuito de «traçar um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, com ênfase nas situações de privação e, quando possível, no acesso às respostas sociais existentes em Portugal».

A professora da Nova SBE Susana Peralta é uma das coordenadoras do estudo. «O relatório, que se chama “Portugal, Balanço Social 2020”, tem uma caracterização bastante cuidada da situação em Portugal. Fizemos esse trabalho com as limitações existentes, porque só é possível fazer uma caracterização dessas passado um ou dois anos, que é quando aparecem os dados representativos daquele período. Nós analisamos os dados do INE que nos permitem fazer uma caracterização representativa e cuidada daquilo que é a situação das famílias em 2019. Mas depois fomos à procura de todas as fontes de informação possíveis, com que tentámos fazer um possível retrato de 2020», assinala Susana Peralta ao AbrilAbril.

O estudo demonstra os impactos da pandemia a vários níveis. O efeito que teve a nível da saúde, «em Abril de 2020 foram apenas realizadas 182 cirurgias, face a 13 000 em Abril de 2019», e que essas restrições no campo da saúde não foram iguais para todos. «A pandemia afectou particularmente a saúde (…) dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados».

Segundo o relatório, os efeitos da pandemia agravaram também os problemas de desigualdade no ensino, «com o encerramento das escolas, as aulas presenciais foram substituídas pelo ensino à distância. Esta substituição afectou de uma forma mais negativa os alunos das famílias mais pobres», esclarece o documento, que explica que no ano lectivo de 2017/2018, «apenas 62% dos alunos com apoio dos Serviços da Acção Social Escolar (SASE) tinham computador e 52% tinham acesso à internet, o que compara a uma taxa de 71% de acesso à internet e computadores para os alunos sem SASE.»

Do ponto de vista do emprego, verificou-se que «as condições no mercado de trabalho alteraram-se profundamente em resposta à pandemia. Dependendo dos sectores, as medidas de confinamento fizeram aumentar a prevalência do teletrabalho, ou levaram ao encerramento das empresas», afirma o documento, contabilizando que «no final de Abril de 2020, o número de trabalhadores em lay-off simplificado era de 1,2 milhões, o que compara com cerca de 70 mil no final de Março».


Susana Peralta sublinha ao outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos».

Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento».

Buscar dinheiro a quem o tem

O título de uma recente entrevista de Susana Peralta ao jornal i, em que supostamente defenderia que era preciso taxar «a burguesia do teletrabalho», levantou uma tempestade nas redes sociais. A economista nega a simplificação, mas reafirma que são precisos recursos para combater o crescimento da pobreza e das desigualdades, e que cabe ao Estado a escolha política de onde ir buscar esse dinheiro.

«Eu nunca disse que é para cobrarem apenas às pessoas que estão em teletrabalho. Aquela fórmula da “burguesia do teletrabalho” é uma imagem e pretende transmitir que houve uma determinada “tecnologia” de escapar a esta crise. Tal como a crise anterior tinha a fuga do biscate e do pequeno trabalho, e da emigração; nesta crise, o teletrabalho foi a escapatória», argumenta, acrescentando que «isso protege mais as pessoas com maior rendimento e com maior nível digital. E não faz nenhum sentido que essas pessoas não possam contribuir mais para as que perderam quase tudo».

Para a economista, a escolha política não pode prescindir de taxar a totalidade dos rendimentos. Não nega a necessidade de conseguir que o capital pague a sua parte, mas relembra que há uma urgência em conseguir já os recursos necessários para combater os efeitos da crise.

«Estamos neste momento numa situação de emergência social, e perante isto há duas formas de agir: ou o Governo se endivida e depois pensa, com tempo, num potencial imposto sobre a riqueza para poder ir buscar recursos aos mais ricos, que não têm estado a contribuir a sua justa parte. Ou usamos agora a máquina que temos para ir buscar dinheiro, que é a máquina dos impostos sobre o rendimento. E aí inclui-se o trabalho e capital, em sede de IRS e também de IRC», explica.

É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirma, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica.

«Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirma, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defende o economista de Coimbra.

É preciso defender quem trabalha

O deputado comunista Bruno Dias está de acordo: «temos de ter um sistema fiscal que consiga ajudar a redistribuir a riqueza. Neste momento, os estudos internacionais demonstram que há um forte crescimento das desigualdades e da pobreza. Mesmo que só daqui a alguns anos seja possível quantificar o impacto da pandemia na pobreza e desigualdades em Portugal, é indesmentível que ela se tem acentuado». O deputado sublinha, ao AbrilAbril, propostas feitas pelo PCP para atalhar alguns aspectos mais gravosos desta crise, como a falência de muitas micro, pequenas e médias empresas e a defesa dos rendimentos de quem trabalha. Realça ter-se conseguido que, ao contrário do que aconteceu no primeiro confinamento, o lay-off seja igual ao salário do trabalhador, e a importância de garantir que os apoios cheguem atempadamente às pequenas empresas.

«Uma coisa é disponibilizar e assegurar uma verba significativa para as micro e pequenas e médias empresas e outra coisa é mostrar o dinheiro e de facto ele chegar a essas empresas. Os apoios são comunicados com pompa e circunstância, mas depois verificou-se que as verbas não chegavam às empresas por dificuldades tremendas de acesso às linhas de apoio e por um conjunto muito grande e crescente de exigências burocráticas. Nós conseguimos aprovar uma medida de não discriminação para as micro, pequenas e médias empresas que permite que mais gente possa ter acesso a esses apoios, infelizmente ainda persistem muitos bloqueios para que se apoiem devidamente as pessoas», alerta.    

Por seu lado, a dirigente da CGTP-IN Andrea Araújo sublinha, em declarações ao AbrilAbril, a incidência da crise pandémica nas condições de vida de quem trabalhar e a necessidade de haver uma política que aumente os apoios sociais, e que se concentre, sobretudo,  na defesa dos postos de trabalho.

«As consequências, desta crise, para os trabalhadores e para as suas famílias ainda não estão totalmente calculadas. Mas, por aquilo que conhecemos, podemos dizer que as remunerações de muitos trabalhadores reduziram-se no ano 2020. De acordo com o relatório sobre salários da OIT, Portugal foi, dos 28 países europeus estudados, daqueles em que ocorreram as maiores perdas salariais no segundo trimestre de 2020».

Para a sindicalista, a resposta governamental falhou nas prioridades: «desde o início que houve uma clara desproporção entre as medidas anunciadas para as empresas e as medidas tomadas para apoiar os trabalhadores e as famílias, com a agravante de se ter verificado, no que diz respeito às grandes empresas, um grande favorecimento em relação às micro e pequenas empresas. A CGTP-IN defendeu que era preciso actuar para preservar os postos de trabalho. O Governo deveria ter proibido todos os despedimentos e não o fez, o que levou a que nos primeiros meses fossem despedidos milhares de trabalhadores que se viram a braços com uma situação muito complicada, até porque mais de metade desses trabalhadores nem sequer tinha direito a prestações e apoios sociais. Tinha sido fundamental que o Estado exigisse às empresas que está a apoiar que não fizesse despedimentos».

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«É este contexto de enormes desigualdades que já existiam antes da pandemia que torna mais grave a situação actual», sustenta o economista.

Tendo por base os dados das contas nacionais divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o investigador avança que a diferença entre os salários recebidos pelos trabalhadores e o Excedente Bruto de Exploração recebido pelos «donos do capital» aumentou 75,6% entre 2008 e 2019, de 7 303 milhões para 12 828 milhões de euros.

«Entre 2008/2019, o total de "ordenados e salários" recebidos pelos trabalhadores foi inferior ao Excedente Bruto de Exploração recebido pelos "donos do capital" em 149 957 milhões de euros, o que agravou enormemente a repartição da riqueza criada no nosso país», sustenta, precisando que, nesse período, «a parte do "trabalho" no PIB diminuiu de 36,5% para 35% e a do "capital" aumentou de 40,6% para 41%».

Segundo Eugénio Rosa, «esta desproporção na forma como é repartida a riqueza criada no País (PIB) ainda se torna mais clara quando se compara o número de trabalhadores com o número de "donos do capital"».

No fim do ano de 2020, os patrões seriam, segundo o INE, 222,6 mil (4,6% do emprego total) e apropriavam-se de 41% da riqueza nacional, enquanto o número de trabalhadores por conta de outrem eram 4 044 800 (83,2% do emprego total), e recebiam apenas 35% da riqueza.

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Profundas desigualdades na distribuição da riqueza

Um estudo publicado em 2017 de uma equipa que inclui o economista francês Gabriel Zucman concluiu que o valor colocado em paraísos fiscais equivalia a 10% do PIB mundial.

Resultados de um estudo de 2014 sustentam o retrato dos EUA como sistema «dominado pelas elites económicas, uma oligarquia»
Créditos / politicsofpoverty.oxfamamerica.org

As desigualdades na distribuição da riqueza são menos conhecidas que as relativas ao rendimento. Devemos no entanto separar «riqueza» de «rendimento», muito embora não sejam realidades estanques. Mostra-o o facto de as pessoas ricas serem também, em geral, pessoas com rendimento elevado.

Mas são realidades diferentes. A riqueza é estatisticamente medida pelos activos que as famílias possuem. Estes activos (ou património) podem ser reais, como casas de habitação, terrenos, objectos de arte, automóveis, etc., incluindo-se também os negócios por conta própria. E podem ser financeiros, como depósitos bancários, acções cotadas, títulos de dívida transacionáveis, etc. Já no rendimento, as categorias mais correntes são os salários e as pensões, embora também abranjam outras fontes, como os subsídios, as rendas e os juros.

No que respeita à divulgação de informação, o foco tem sido posto no rendimento, o que se compreende, pois há menos estatísticas sobre a riqueza. Apesar disso, o INE e o Banco de Portugal (BP) efectuam de três em três anos um Inquérito à Situação Financeira das Famílias (ISFF), o qual, por se enquadrar num projecto europeu, permite a comparabilidade com outros países.

O ISFF teve três edições (2010, 2013 e 2017) estando prevista a realização de um novo inquérito este ano. Este inquérito permite conhecer a evolução da riqueza líquida (isto é, descontada das dívidas), a sua composição e o endividamento, incluindo o serviço da dívida e as restrições no acesso ao crédito.

Permite também conhecer a desigualdade na distribuição da riqueza, bem como compará-la com a do rendimento, aspectos essenciais do ponto de vista deste artigo1.

Distribuição da riqueza líquida (RL)
 201020132017
Riqueza líquida (10³ euros)172,8143,3162,3
% da RL detida por:  
10% das famílias mais ricas51,653,053,9
50% das famílias menos ricas8,77,28,1
Coeficiente de Gini66,068,467,9

Fonte: INE e BP, ISFF

Este quadro espelha a profunda desigualdade na distribuição da riqueza. O topo (os 10% mais ricos) detém mais de metade da riqueza em 2017 e a tendência de concentração acentuou-se relativamente a 2010.

O coeficiente de Gini é menos fácil de interpretar mas é uma medida de concentração que varia entre zero e 100: zero indica uma concentração mínima e 100 uma concentração máxima (por exemplo, uma família possuir toda a riqueza).

A riqueza diminuiu entre 2010 e 2013 devido à crise económica. Nem todos os ricos terão ficados imunes à crise, mas não temos notícia de algum se ter atirado pela janela dos edifícios, como ocorreu nos EUA na crise de 1929. Além de que o valor médio de 162,3 mil euros em 2017 já não está muito distante do verificado em 2010. Mas trata-se de um valor médio: este atinge 876,6 mil euros nos 10% do topo e 0,8 mil euros nos 20% da base.

Os ISFF mostram também que riqueza e rendimento estão associados. Os mais ricos têm mais poupanças e activos mais diversificados, o que lhes permite obter mais rendimentos.

Os activos possuídos variam com as classes de riqueza. Nas famílias menos ricas, o activo real típico é a residência principal enquanto o depósito à ordem constitui o activo financeiro típico. Já nas mais ricas existe maior heterogeneidade.

Quanto à concentração, há dois aspectos a realçar. Primeiro, a riqueza está mais concentrada que o rendimento. Segundo, a riqueza está fortemente concentrada nos 10% do topo. Estes detêm cerca de 30% do valor total das residências principais das famílias, cerca de 70% do valor dos outros imóveis e 90% do valor dos negócios; e possuem 50% dos depósitos a prazo e 80% do total dos activos transacionáveis.

Independentemente do valor destas estatísticas, será que nos contam toda a história? Possivelmente não, se admitirmos que os muitos ricos tendem a esconder a riqueza. Pense-se no recurso a paraísos fiscais. Um estudo publicado em 2017 de uma equipa que inclui o economista francês Gabriel Zucman concluiu que o valor colocado em paraísos fiscais equivalia a 10% do PIB mundial; Portugal surge com um valor relativo, expresso em % do PIB, superior à média global.

Outros dados indicam que cerca de 80% dos valores colocados em paraísos fiscais pertencem aos 0,1% mais ricos. Um estudo recente da Comissão Europeia, abrangendo o período entre 2001 e 2016, conduziu a conclusões consistentes com as de Zucman e indicou ser Portugal o terceiro país da União Europeia com mais riqueza transferida para paraísos fiscais.

Concluindo, é provável que as desigualdades na distribuição da riqueza sejam ainda maiores.

  • 1. Usam-se como fontes: INE e BP (2019), «Inquérito à Situação Financeira das Famílias 2017», Destaque do SEN, 13.11.2017; S. Costa, L. Farinha, L. Martins, e R. Mesquita (2020), «Inquérito à Situação Financeira das Famílias: resultados de 2017 e comparação com os resultados das edições anteriores», Banco de Portugal, Revista de Estudos Económicos, 6 (1)
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Eugénio Rosa compara também os rendimentos dos trabalhadores, os ganhos anuais mais elevados (9.º decil) com os ganhos anuais mais baixos (1.º decil), concluindo que «o ganho mais elevado dos homens é 3,7 vezes superior ao dos homens com ganho mais baixo» e «o ganho das mulheres que recebem mais é 3,6 vezes superior ao das que ganham menos».

Já comparando os ganhos dos homens com os das mulheres, o investigador dá conta de «desigualdades enormes»: no escalão mais baixo, o ganho do homem é superior ao da mulher em 381 euros por ano, enquanto no escalão mais alto este diferencial ascende a 6127 euros por ano.

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Tendo em conta que as fortunas dos multimilionários cresceram mais desde o início da Covid-19 do que nos últimos 14 anos, a organização aponta a justeza de um imposto excepcional sobre os rendimentos extraordinários que os dez mais ricos acumularam durante a pandemia.

Afirma que esses fundos poderiam servir, por exemplo, para produzir vacinas suficientes para o mundo, bem como ajudar a financiar serviços de saúde e protecção social universais em mais de 80 países, entre outros aspectos.

Mesmo depois de aplicado o imposto, os dez mais ricos ainda teriam mais oito mil milhões de dólares do que antes do início da pandemia, segundo os cálculos da Oxfam.

Uns bastante mais afectados que outros

Afirmando que as decisões políticas perpetuam a riqueza e o poder de uma elite privilegiada, prejudicando a vasta maioria da população mundial, a Oxfam destaca que determinados grupos foram mais afectados que outros pela «resposta à pandemia», neles incluindo as mulheres e as crianças, as pessoas em situação de exclusão e determinados grupos étnicos.

Neste sentido, destaca como as mulheres e as crianças viram aumentar a carga de trabalho não remunerado, e como o caminho em direcção à paridade de género agora vai demorar mais tempo a percorrer (a estimativa era de 99 anos antes da pandemia e passou para 135 anos).

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Riqueza dos multimilionários nos EUA cresceu exponencialmente com a pandemia

Os multimilionários dos EUA viram crescer a sua riqueza em 1,8 milhões de milhões de dólares durante a pandemia, o que «evidencia os defeitos do sistema económico e fiscal» do país, segundo um relatório.

Apenas 26% dos inquilinos afro-americanos disseram estar confiantes em poder continuar a pagar a renda
CréditosValerie Macon / CNBC

De acordo com a actualização recente do inequality.org, um projecto do Institute for Policy Studies (IPS), os multimilionários viram a sua fortuna colectiva aumentar de três milhões de milhões de dólares, no início da crise da Covid-19, em Março de 2020, para 4,8 milhões de milhões de dólares em Agosto de 2021, o que equivale a um crescimento de 62%.

O aumento da riqueza em tempos de pandemia dos mais ricos dos Estados Unidos, refere o relatório, daria para pagar mais de metade de um pacote orçamental que os democratas procuram fazer avançar para tornar a saúde, a habitação e a educação, entre outras coisas, mais acessíveis.

Só Elon Musk, director da SpaceX e da Tesla, viu aumentar a sua riqueza, desde Março de 2020, em 150 mil milhões de dólares – 612% em 17 meses – e destaca-se na lista dos 15 multilionários com maior riqueza, segundo dados da Forbes divulgados pelo inequality.org.

«Não só cresceu a riqueza dos multimilionários, mas também o número destes: em Março do ano passado havia 614 norte-americanos com contas bancárias de dez algarismos; neste Agosto, há 708», revela o informe.

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A pandemia é um bom negócio para os multimilionários nos Estados Unidos

Entre 18 de Março e 5 de Agosto, a riqueza total dos multimilionários norte-americanos aumentou 685 mil milhões de dólares, revelou a actualização do relatório emitido pelo organismo inequality.org.

Cartaz colado na baixa de Seattle, estado de Washington, EUA, pede a suspensão do pagamento de rendas, a 26 de Março de 2020. O desemprego disparou nos EUA devido ao encerramento de empresas causado pela actual pandemia e deixou na pobreza milhões de trabalhadores
CréditosEPA/STEPHEN BRASHEAR / LUSA

«A crise dupla – de saúde pública e económica – devastou a vida de milhões, mas, para uns quantos multimilionários, a pandemia foi um bom negócio nos Estados Unidos», destaca o diário Granma numa peça ontem publicada.

Segundo a actualização recente dos dados revelados pelo inequality.org, um projecto do Institute for Policy Studies (IPS), entre 18 de Março e os primeiros dias de Agosto, a riqueza total dos multimilionários norte-americanos (os que possuem fortunas superiores a mil milhões de dólares) cresceu 685 mil milhões de dólares.

O mesmo estudo refere que, actualmente, os multimilionários norte-americanos têm uma riqueza total acumulada de 3,65 milhões de milhões de dólares e que, no período referido, 467 multimilionários viram aumentar a sua riqueza nos EUA.

Entre os que mais beneficiaram nesta fase, contam-se Jeff Bezos (director-executivo da Amazon) com um aumento de riqueza líquida de 71 mil milhões; Mark Zuckerberg (co-fundador do Facebook), com um aumento de 38 mil milhões na sua fortuna pessoal; Elon Musk (director-executivo da Tesla e da SpaceX), com 46 mil milhões; e Bill Gates, com 14 mil milhões, enumera o Granma.


Nesse período, mais de cinco milhões de pessoas infectaram-se com a Covid-19 e cerca de 160 mil morreram devido à doença nos EUA. Cerca de 30 milhões, segundo dados do inequality.org, continuam a receber subsídio de desemprego – números em que não entram todos aqueles que não têm direito a esse tipo de apoio, como os imigrantes sem papéis e as suas famílias.

Além disso, segundo informou a Bloomberg, estima-se que um terço dos inquilinos nos Estados Unidos não consiga pagar a renda da casa ao longo deste mês.

Sanders quer taxar aumento destas fortunas, mas não dar cabo do sistema

O senador democrata Bernie Sanders está a promover um projecto de lei com vista a taxar o aumento destas fortunas durante o período da pandemia em 60%, o que, segundo o Granma, poderia gerar mais de 400 mil milhões de dólares de receitas, que seriam destinadas às despesas médicas dos mais necessitados.

O senador Sanders, o candidato Biden, o Partido Democrata não querem mudar o sistema pela raiz e arrasar o capitalismo, e tanto assim é que, confrontados com o «caos» de Donald Trump, os guardiães de Wall Street até parecem estar a apostar mais – ou seja, a dar mais milhões de dólares à campanha – de Joe Biden, segundo dados divulgados pelo Center for Responsive Politics e apontados pelo Granma.

De acordo com o projecto de Sanders, ninguém com menos de mil milhões de dólares pagaria um cêntimo em impostos e multimilionários que até perderam dinheiro na pandemia ficariam isentos. E mesmo os que pagam ficam muito ricos. Portanto, Sanders garante que a desigualdade fica bem composta no país da águia que esteve para ser um peru.

Em todo o caso, Chuck Collins, director do programa de desigualdade do IPS, considera que o projecto de lei e o imposto não deixam de ser importantes, uma vez que «uma parte da extrema riqueza – agora não taxada – seria destinada a abordar a crise de Covid-19».

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Este aumento dos muito ricos e da sua riqueza durante a pandemia contrasta com o impacto devastador do coronavírus na classe trabalhadora do país, uma vez que mais de 86 milhões de pessoas perderam os seus empregos, quase 38 milhões foram infectadas pelo vírus e mais de 625 mil morreram por causa dele.

De acordo com o inequality.org, «uma maneira mais directa de tributar a riqueza de um multimilionário é tributar a própria fortuna, em vez do seu crescimento apenas». Se o imposto sobre as fortunas já proposto estivesse em vigor em 2020, os multimilionários dos EUA teriam pago 114 mil milhões nesse ano, afirma ainda o texto.

As pesquisas realizadas no país mostram que a grande maioria dos norte-americanos defende que as grandes empresas e os ricos precisam de começar a pagar os impostos de forma justa.

Segundo os inquéritos realizados, existe o entendimento de que os investimentos sociais devem ser suportados por impostos mais elevados sobre os ricos e as grandes empresas – que encontram na lei, muitas vezes, forma de escapar à tributação –, em vez de recair sobre os salários dos trabalhadores.

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De acordo com os dados da Oxfam, só em 2020 as mulheres perderam 800 mil milhões de dólares em rendimentos, sendo que, hoje, há menos 13 milhões de mulheres a trabalhar do que em 2019.

Outro aspecto que a organização sublinha na abordagem à desigualdade durante a pandemia é a questão das minorias étnicas. Como exemplos, refere as situações da população originária do Bangladesh em Inglaterra, da população negra no Brasil e dos afro-americanos nos EUA – todos com mais probabilidades de morrer durante o surto epidémico do que a população branca. Para a Oxfam, «isto está directamente ligado ao legado histórico do racismo e do colonialismo».

O relatório sublinha ainda como a pandemia de Covid-19 pôs em evidência a «ganância», com os países ricos a protegerem os monopólios das grandes empresas farmacêuticas e a obrigarem os países em desenvolvimento a ter de cortar das despesas sociais, à medida que aumentavam os seus níveis de endividamento.

«Apesar do enorme custo económico que a resposta à pandemia implicou, nos últimos dois anos os governos dos países ricos recusaram-se a aumentar os impostos sobre a riqueza dos mais ricos e continuaram a privatizar bens públicos, como a tecnologia necessária para produzir as vacinas», afirma o relatório.

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