A COP 25 encerrou não com compromissos, que foram adiados para a COP 26 em Glasgow do próximo ano, mas com declarações de intenção. O Pacto Verde da presidente da Comissão Europeia não passa, por enquanto, disso mesmo. Na segunda parte deste artigo reflectiremos sobre a não cobertura noticiosa de intervenções institucionais de outras regiões do globo e como a questão foi abordada no Conselho Europeu se se levantar o véu do seu silêncio.
Por outro lado, encaramos como voluntaristas afirmações e «compromissos» que estabelecem como um objectivo a curto prazo o fim das emissões de gases de efeito de estufa (GEE). O não cumprimento continuado dessas expectativas pode enfraquecer a luta, que é tão necessária nos dias de hoje, e facilitar o caminho aos que rumam em sentido contrário, ignorando a premência do interesse comum.
Esse é um processo longo que passa pela substituição progressiva das fontes de energia primárias de maneira a estabelecer uma relação aceite por povos e poderes públicos entre a redução dessas emissões e o crescimento do produto (PIB). Esta relação é complexa porque não deve afectar as condições de vida conquistadas pelos trabalhadores e outras camadas sociais, que o não aceitariam, – como provam manifestações em vários pontos do mundo – e que deve privilegiar o desenvolvimento daqueles que partem de muito baixo no PIB e carecem de consumos energéticos nos níveis mais primários (carvão, petróleo e gás natural). As emissões de GEE têm que ser contidas em níveis aceitáveis para o ambiente e para a humanidade. O alarmismo, nestas matérias, pode ser fatal para o êxito das iniciativas a negociar entre países, com o contributo da comunidade científica. Por outro lado, não pode ignorar-se que, comprovadamente, é a ganância capitalista que compromete aspirações ou decisões voluntaristas, isto é, tem que ter-se em conta que «capitalismo não é verde».
«As emissões de gases de efeito de estufa (GEE) têm que ser contidas em níveis aceitáveis para o ambiente e para a humanidade. O alarmismo, nestas matérias, pode ser fatal para o êxito das iniciativas a negociar entre países, com o contributo da comunidade científica»
Rui Namorado Rosa, afirma que «atribuir preço ao dióxido de carbono CO2 e monetarizá-lo como mercadoria, é de facto impor um imposto universal a partir do que até então era uma negligenciada externalidade na economia, e criar espaço para o respectivo mercado financeiro. Repercute-se a nível das indústrias carbonífera e petrolífera a montante na sua actividade extractiva, e a jusante no transporte, conversão e distribuição de produtos, e repercute-se finalmente nos custos de produção de todos os bens e serviços, por força dos consumos de energia neles incorporados». Refere ainda que «esta precificação está a ser aplicada por duas vias: i) como taxa de carbono cobrada sobre emissões de actividades industriais elas mesmas ou implícitas nos bens e serviços transaccionados; ii) mediante atribuição de licenças de emissão e sua integração em carteiras de valores para transacção em mercado».
Há poucos dias, um novo relatório do PNUMA mostra um quadro sombrio, que continua a banalizar os riscos. Nele se afirmou, dias antes da COP 25, que os compromissos que os países assumiram de limitar a crise climática não estão a ser cumpridos e que, por isso o momento para mudanças rápidas e transformacionais para limitar o aquecimento global seria agora…
Os gases de efeito de estufa atingiram um recorde em 2018 sem sinais de pico, de acordo com um relatório da Organização Meteorológica Mundial divulgado na segunda-feira passada. Face a isso, as mudanças sugeridas pelo PNUMA são extremas: para colocar a Terra de volta às metas do Acordo de Paris, os países devem reduzir as suas emissões cinco vezes mais do que as taxas actuais descritas nos acordos de Paris. E isso significa que as emissões globais de gases de efeito de estufa devem cair pelo menos 7,6% a cada ano para remover 32 milhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera!!!
Neste relatório afirma-se que as mudanças quantificadas a prazo já não são suficientes para impedir os efeitos potencialmente devastadores de uma mudança climática. O que o mundo precisa agora, dizem eles, é «acção rápida e transformacional»!…
Ainda sobre o Acordo de Paris
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) procurou adoptar instrumentos legais para alcançar os seus objectivos. Para o período de 2008 a 2012, foram acordados no Protocolo de Kyoto, de 1997, medidas de redução de gases de efeito estufa. O prazo do protocolo foi prorrogado até 2020, com a Emenda de Doha em 2012.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2011 (COP21) foi criada a Plataforma de Durban com o objetivo de negociar um instrumento jurídico que regesse as medidas de mitigação da mudança climática a partir de 2020.
Esse instrumento foi aprovado em 2015, por consenso entre 195 países – o Acordo de Paris.
«atribuir preço ao dióxido de carbono CO2 e monetarizá-lo como mercadoria, é de facto impor um imposto universal a partir do que até então era uma negligenciada externalidade na economia, e criar espaço para o respectivo mercado financeiro»
Rui Namorado Rosa, investigador
O Acordo de Paris de 2015 é um tratado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), que rege medidas de redução de emissão de gases estufa a partir de 2020. No Acordo de Paris, em 2015, 195 países comprometeram-se a reduzir a quantidade de gases de efeito estufa (GEE) que libertam para a atmosfera. Esses gases, que são emitidos, por exemplo, nas chaminés de fábricas, no desmatamento de florestas ou pelos tubos de escape de veículos, absorvem e retêm calor que alteram as temperaturas do planeta. Mas ficou claro que cada nação tem a sua própria trajectória, história e economia, e cada uma emite uma quantidade diferente desses gases. Isso leva à vontade de identificar que países são os maiores responsáveis pelo aquecimento global, ou quem está mais apto a descarbonizar a sua economia.
Quando Trump retirou os EUA do Acordo de Paris de 2005 procurou fazer valer as pressões de grandes grupos económicos de diferentes sectores que não dispensam recorrer às fontes de energia mais poluentes. Noutros países ocorreram também resistências a alterar um padrão de fontes energéticas semelhante.
A responsabilização pelo não cumprimento de metas nacionais então assumidas não está feita, pelo menos entre os países mais ricos e alguns dos países emergentes.
Em Glasgow, em 2020, será feita uma nova tentativa de estabelecer metas, depois do incumprimento dos Acordos de Paris e da desilusão que constituiu esta COP 25.
Desde meados do século XIX, os Estados Unidos mantiveram-se como o país que mais emitia gases de efeito estufa. Essa realidade só mudou em 2005, quando a China, movida por uma forte industrialização baseada na queima do carvão, ultrapassou os americanos. Rússia (e antiga União Soviética), Índia, Alemanha e Japão também passaram a ser países que apareceram entre os maiores emissores. Na UE e EUA há uma quebra de emissões nos últimos anos sem que isso corresponda a preocupações ambientais. E é natural que sejam os países emergentes, em resultado de independências e revoluções socialistas do século XX, quem passou a emitir mais, recuperando atrasos no seu desenvolvimento que permitiu tirar da fome e de más condições de vida centenas de milhões de habitantes do nosso mundo.
No Quadro 1, por exemplo, figura a quantidade absoluta de emissões de GEE por cada país.
Se quisermos saber quanto um habitante de cada país proporcionalmente emite – um ranking de emissões per capita – teremos um Quadro 2, bem diferente do primeiro. Países pequenos, como o Catar, Bahrein e Kuwait, sobem para as primeiras posições, enquanto os países mais populosos, como, por exemplo China, Índia, Rússia, Alemanha nem sequer entram nos nove maiores. Isso tem a ver com a concentração num pequeno território, muito populoso, de actividades geradoras de grandes emissões.
Nos dois quadros só um país consta em ambos: os EUA. O primeiro é da responsabilidade do Climate Watch e o segundo do Banco Mundial.
Quadro 1 | Quadro 2 |
---|---|
1 China | 1 Qatar |
2 EUA | 2 Curaçau |
3 India | 3 Trinidad e Tobago |
4 Rússia | 4 Kuwait |
5 Japão | 5 Bahrein |
6 Brasil | 6 Emiratos Árabes Unidos |
7 Alemanha | 7 Brunei |
8 Irão | 8 EUA 8 Gibraltar |
9 Africa do Sul | 9 Austrália |
Os mercados de carbono e a questão do Art.º 6.º do Acordo de Paris
Alguns países em vias de desenvolvimento têm projectos financiados por entidades do chamado «mundo ocidental» mais rico, que compram os assim chamados créditos de carbono, cada um equivalente a uma tonelada de CO2, para compensar as emissões em excesso nos seus países. Esperava-se que a COP 25 debatesse a forma como o CO2 é comercializado em todo o mundo e os modelos de mercado de carbono. O objectivo seria chegar a um quadro regulatório para um sistema de mercado de carbono, uma questão complexa prevista no Artigo 6º do Acordo de Paris sobre o Clima.
As manifestações contra as alterações climáticas e o fenómeno Greta Thunberg
Greta Thunberg tornou-se provavelmente a activista climática mais conhecida do mundo, mas tem recorrido a uma mensagem particularmente desmotivadora e apocalíptica. A sua recente declaração de que o seu movimento «não conseguiu nada» parecerá familiar para quem se lembra das suas declarações no Parlamento da Grã-Bretanha em Abril, onde proclamou «provavelmente não temos mais futuro».
Mensagem contraditória com outras, como a referida na terça-feira de que estabelecer metas de neutralidade carbónica para 2050 «não é liderar, é enganar», enquanto não se incluírem as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da aviação, do tráfego marítimo e do comércio externo. Ou a mensagem de que se os países não estabelecerem metas anuais de redução de emissões, ser neutro em carbono em 2050 «não vai querer dizer nada» porque as emissões vão continuar até lá.
Não escapa aos mais atentos que a organização e apoios à sua intervenção revelam a intenção, por parte de outras figuras e instituições, de lhe dar protagonismo à escala planetária para ser ela a porta-voz de reivindicações muito diferentes de jovens e movimentos juvenis. A revista Time classificou-a como a personalidade do ano e na passada quarta-feira isso foi retransmitido a nível mundial. Foi a cereja em cima do bolo.
Embora Thunberg seja uma defensora incansável da acção em torno do clima, ela não apresentou, porém, consistência e coerência nas suas declarações, nem algum plano concreto para reduzir a zero as emissões de carbono, nos termos estipulados pelo Acordo de Paris. Nem a realidade das tão diferenciadas preocupações ambientalistas poderia alterar-se de maneira a aceitar seguir gurus universais.
(O artigo conclui na quinta-feira, 26 de Dezembro de 2019)
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