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Depois da tragédia humanitária, o perigo de uma intervenção militar dos EUA no Sahel

A situação destes países é dramática mas alguns deles dispõem de importantes riquezas que atraem os EUA e a França. O ferro é explorado na Mauritânia, o ouro no Mali, no Burkina e na Mauritânia.

CréditosChristophe Petit Tesson/Pool/EPA / Agência Lusa

A propósito da luta antiterrorista

No passado dia 4 de Novembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, convidou o Conselho de Segurança «a ser ambicioso na escolha que precisa fazer. Um forte apoio político ao Sahel G5 (Grupo dos cinco) e o apoio material e operacional compatível com os desafios que defrontam são fundamentais».

E justificava: «A pobreza, o subdesenvolvimento e as mudanças climáticas têm contribuído para crises humanitárias e de segurança. Bem como instituições frágeis, a exclusão e a marginalização de alguns grupos que são explorados por extremistas e terroristas. As fronteiras porosas podem facilitar o tráfico de seres humanos, drogas e armas, e outras atividades criminosas.»

O G5 é composto pelo Mali, Níger, Burkina Faso, Chade e Mauritânia (não inclui a Nigéria), que criaram uma força militar conjunta para combater uma crescente ameaça jihadista na região do Sahel, na África Ocidental. Esta força é dirigida pelos EUA (aspirante a força ocupante prolongada) e pela França (potência ex- e neocolonial) e composta por 5 mil militares.

Em meados de Maio deste ano, foi tornado público que o Senegal, fiel aliado do Ocidente, iria enviar uma força militar de intervenção rápida para a região central maliana. O novo chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, em visita ao Mali, justificou a medida com «a situação de insegurança» que se mantinha. Apesar do «mandato robusto» da Minusma (da ONU) e dos seus esforços, segundo o alto responsável da ONU «falta-lhe capacidade» operacional

Em Junho já operavam no Mali e nos países vizinhos uma força francesa de três mil soldados, desde Janeiro 2013, e a missão de paz das Nações Unidas, a Minusma, com 12 mil militares, desde Julho desse mesmo ano.

O pretexto da intervenção foi travar a rebelião de grupos jihadistas da Al-Qaeda aliados ao movimento independentista tuaregue, no Norte maliano. Embora contidas num primeiro momento, as acções de guerra aumentaram a partir de 2015 e alastraram ao centro e ao Sul do Mali, apesar dos acordos de paz entretanto assinados.

A missão de paz no Mali é considerada a mais perigosa das operações activas das Nações Unidas. E a mais mortífera desde a missão na Somália, tendo registado em 1993-95, mais de 70 capacetes azuis mortos.

Ainda em Junho, a França já tinha apresentado um projecto de resolução ao Conselho de Segurança da ONU pedindo-lhe para financiar o Sahel G5 e para ser concedida à força um mandato de grande escala para «usar todos os meios necessários» com vista a realizar a sua missão de neutralização de «militantes islâmicos, narcotraficantes e traficantes de pessoas».

O ministro maliano dos Negócios Estrangeiros, Abdoulaye Diop, disse agora que os líderes dos cinco países decidiram que a nova força terá 10 mil membros e que estará operacional no final de 2017. Explicou que os chefes de Estado do G5 do Sahel, reunidos em Riad durante a recente visita do presidente Donald Trump à capital da Arábia Saudita, decidiram duplicar os efectivos da força militar «para demonstrar o seu compromisso» na segurança da vasta área a Sul do Sahara.

E, no passado dia 30 de Novembro, a embaixadora norte-americana na ONU, prometeu 50 milhões de dólares para financiar as operações militares do Sahel G5.

Uma vez mais, muito dinheiro para armas. Mas pouca disponibilidade para investir no crescimento das economias, que crie empregos e promova o desenvolvimento e o combate à fome e às desigualdades, única forma segura de combater o terrorismo e os conflitos militares.

A população das ilhas do Lago Chade foi tomada pelo Boko Haram, inicialmente ramo africano da Al-Qaeda, que a pilhou e recrutou, sem piedade, para o grupo terrorista. As autoridades do Chade, por exemplo, proibiram o uso de barcos de pesca no Lago Chade por poderem transportar terroristas, agravando as situações de fome existentes.

Não há coordenação dos quatro países que acedem ao lago na luta antiterrorista e nestes países já há casos de pastores e criadores de gado que se matam uns aos outros para disputarem pastagens. Algumas potências ocidentais apoiam com armas a luta antiterrorista quando o que estão é a facilitar a base do seu recrutamento, por não privilegiarem o combate à fome. O recrutamento de crianças pelos terroristas espalhou-se também à Nigéria com promessas aliciantes que não seriam cumpridas.

O papel da França e da guerra de 2011 contra a Líbia

A situação destes países é dramática mas alguns deles dispõem de importantes riquezas que atraem os EUA e a França. O ferro é explorado na Mauritânia, o ouro no Mali, no Burkina e na Mauritânia. Todos estes países têm em graus diversos, agricultura de subsistência que num caso ainda permite alguma exportação, pecuária e pesca. A seca e a perda de água do Lago Chade condicionam estas actividades. O Chade e o Burkina Faso são aqueles onde a tragédia humanitária vai mais longe.

Macron há dias em Ouagadougou, capital do Burkina Faso, referiu que «hoje em dia, na África, há africanos que fazem outros escravos africanos. Essa é uma realidade. E há europeus que beneficiam dessa miséria na Europa, o que é inaceitável. Em ambos os casos, são crimes. Estamos lutando contra ambos os casos».

No entanto, o que Macron não mencionou é que o poder «suave» da UE tem servido como um factor de «atracção» irresistível para muitos desses migrantes, que no pior dos casos, acabam por ser escravizados. Os africanos saem da África porque muitos deles realmente acreditam que a UE é um paraíso terrestre, não apenas em comparação com seus próprios países, mas em geral, e que todos os seus problemas serão resolvidos no momento em que deixarem o «continente negro» e puserem o pé no continente europeu.

Paris devia assumir a maior parte da culpa das condições domésticas atrozes da África francófona. A política neo-imperial criou elites nacionais fiéis aos interesses franceses e quando elas não fizeram o que a França esperava delas para garantir o acesso das suas grandes empresas aos mercados, aos recursos e ao trabalho, então rapidamente as fizeram cair e substituíram-nas por elites rivais com golpes apoiados pela França ou pela intervenção militar francesa directa.

Pode ser surpreendente para algumas pessoas descobrirem que a França ainda controla de facto as políticas monetárias e, portanto, económicas, de 14 países «anteriormente» colonizados por si em África através dos francos da África Ocidental e da África Central, que proporcionam a obtenção de riquezas e a enorme influência de Paris sobre importante parte de África e, portanto, tornando-a, de facto, num poder africano.

Além disso, a França sempre manteve uma rede de bases dispersas nas suas anteriores colónias, com uma «pegada militar» que tem aumentado ao longo dos últimos anos. A Operação Serval do Mali transformou-se numa missão – a Operação Barkhane – para todos os G5 da região do Sahel.

Voltando à questão da origem da crise de emigração nos «G5» e de outros países da África Ocidental e Central, importa não esquecer que provavelmente nunca teria havido um surto terrorista no Nordeste do Mali pelo Ansar Dine ou no nordeste da Nigéria pelo Boko Haram se a guerra da NATO contra a Líbia de 2011 não tivesse existido.

Foi este facto, mais do que qualquer outro, que contribuiu para o colapso da "antiga" ordem geopolítica do pós-Guerra Fria em África e o surgimento de uma situação caótica em que as crises regionais conduzidas por actores não estatais são a norma em alguns destes estados de grande crescimento populacional (Níger) ou já sobrepovoados (Nigéria).

Mas isto não valida intervenções estrangeiras, como as que os EUA e a França estão a preparar, devendo caber aos países africanos o confrontar os traficantes de seres humanos e outros criminosos que operam nas suas comunidades. E os europeus devem fazer o mesmo em solo francês com as pessoas que aí beneficiam desta miséria, assim como os americanos deveriam ser mais proactivos no combate ao tráfico de drogas e de pessoas nos seus próprios bairros.

O papel dos EUA

Os soldados americanos deslocados para a África Ocidental vêm principalmente de unidades militares de elite, como os navy seals e os boinas verdes, que realizam as operações mais secretas e ilegais de Washington em todo o mundo: assassinatos, ataques antiterroristas, reconhecimento especial, guerra não convencional, operações psicológicas e treino de tropas estrangeiras.

Em 2008, o Congresso dos EUA aprovou uma lei que proibiu o apoio militar americano aos governos que usassem crianças como soldados. Mas o presidente Barack Obama obteve uma excepção para o Chade, argumentando que era «no interesse nacional» dos Estados Unidos treinar e equipar os militares do Chade.

Isto depois de se ter generalizado o recrutamento de crianças pelos terroristas, que se espalhou também à Nigéria com promessas aliciantes que não foram cumprido.

O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou há dois anos que os EUA pretendiam enviar cerca de 300 militares americanos para os Camarões para lidar com ameaças extremistas do «Boko Haram». Estes militares iriam, e foram, realizar tarefas como a recolha de informações…

O papel destas forças em toda a região foi destacada por relatórios recentes sobre o assassinato em Junho de um sargento dos Boinas Verdes, num complexo habitacional da embaixada dos EUA no vizinho Mali, suspeito de ter sido ser executado por dois navy seals (comandos norte-americanos para operações muito especiais) não identificados. As tropas de elite fazem parte das operações antiterroristas dos EUA no Mali, levando a cabo uma missão semelhante à realizada pelos soldados de elite no Níger.

Mas no dia 6 de Novembro, dois dias depois do apelo do secretário-geral da ONU, foram mortos no Niger quatro «boinas verdes» e quatro soldados nigerianos, de uma unidade comum, numa emboscada do Boko Haram. Todo este cenário poderia suscitar uma intervenção forte dos 800 homens das unidades de elite que lá estão estacionados. A administração norte-americana disse que estavam no Níger só para treinar e apoiar a vigilância.

Mas, numa declaração aparentemente desassombrada no passado dia 31 de Outubro à Reuters, o Ministro da Defesa do Níger, Kalla Mountari, já tinha revelado que 12 comandos e 30 soldados nigerianos «chegaram à fronteira do Mali e neutralizaram alguns bandidos», alguns momentos antes da emboscada. Descrevendo a versão americana de não intervenção em combate como fraudulenta. «Eles [o contingente dos EUA-Nigéria] contactaram a população, obtiveram informações e foi dentro do país, como se não esperassem, que o ataque ocorreu».

Em Washington, o secretário da defesa, James Mattis, reuniu-se à porta fechada com o senador John McCain, que dirige a Comissão das Forças Armadas no Senado e pediu explicações ao Pentágono sobre o caso. Ficaram questões por esclarecer como, por exemplo, as razões de o corpo de um dos militares abatidos não ter sido imediatamente recolhido.

Este episódio ilustra claramente que os Estados Unidos estão a liderar o percurso para uma ofensiva militar na região.

Parece provável que, mesmo que o Boko Haram seja derrotado, as razões para a violência insurrecional se vão manter devido à fome e às carências de todo o tipo da grande maioria da população de países como o Chade.

De acordo com as Nações Unidas, este país tem sido afectado por uma crise humanitária, desde pelo menos 2001. A partir de 2008, o Chade recebeu mais de 280 mil refugiados da região de Darfur, no Sudão, além de mais de 55 mil da República Centro-Africana, enquanto mais de 170 mil pessoas se deslocaram internamente.

A escalada militar americana no Sahel assenta na concepção imperialista de Washington de garantir os grandes recursos económicos de África para a elite capitalista americana, em competição directa com seus rivais europeus que mantêm importantes interesses económicos nas suas antigas colónias no continente.

Nas resoluções sobre estas matérias no conselho de segurança da ONU, os EUA actuam de maneira a impedir a liderança deste processo, por exemplo, por parte da França. Mas mais importante ainda, o empenho de Washington para o domínio geoestratégico na África Ocidental é motivado por preocupações sobre a crescente influência económica da China na região, que intervém na perspectiva de garantir o retorno dos seus investimentos mas também condições para o desenvolvimento local.

Pequim garantiu, por exemplo, acordos com o governo nigeriano em 2008 para explorar depósitos de petróleo do país, adquirindo o bloco Agadem perto da fronteira com o Chade. Nos termos desse acordo, a China National Petroleum Company (CNPC) estatal chinesa planeou a construção de uma refinaria de 3200 quilómetros e um gasoduto que produziria 20 mil barris por dia. Mas acordos semelhantes têm vindo a ser firmados com outros países.

No âmbito de diferentes tipos de reuniões do Fórum sobre Cooperação China-África, a China tem sublinhado que pretende trabalhar com os países africanos para o desenvolvimento de um novo tipo de parceria estratégica marcada pela igualdade e confiança mútua na política, na cooperação e relações económicas e intercâmbios e no enriquecimento cultural mutuamente vantajosos.

A China é o maior parceiro comercial de África desde 2009. Os investimentos da China superaram os 100 biliões de dólares em 2016.

Em 2017, o comércio entre as duas partes pode atingir os 180 biliões de dólares.

Os investimentos chineses no continente africano diversificaram-se nas áreas de negócios, desde a construção, mineração até as indústrias emergentes como manufacturas, finanças, tecnologia de informação e internet

Estando já debilitada na África Oriental, a administração norte-americana encara como intolerável este tipo de intervenção da China, o que só conseguiria através do poder militar.

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