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Sugestões culturais

O centro do mundo? Talvez Nabi Salih

A Palestina que resiste tem uma exposição em Lisboa e ainda música, literatura, pensamento, teatro, história, informação. Há mais: espectáculos e actividades para crianças e jovens; Nicanor Parra que parte aos 103 anos; teatro cinema, música e livros.

A aldeia de Nabi Saleh resiste. 2015.
A aldeia de Nabi Saleh resiste. 2015.Créditos / The Palestinian Information Center

Nestes difíceis tempos para o povo da Palestina, difícil seria não começar por aí este roteiro, em que se fala naturalmente de Mahmud Darwich, mas também de Nicanor Parra, de música, teatro, cinema, exposições, oficinas artísticas, livros e do que mais se verá.

No passado dia 25 de Janeiro, José Goulão traçou um incisivo ponto de situação sobre a Palestina no presente contexto internacional. Disso nos fala o seu artigo «A falsa ira e a cruel factura palestiniana», publicado aqui mesmo, no AbrilAbril.

E de imediato me pus a pensar numa das estratégias de intoxicação da opinião pública a que o governo de extrema-direita de Israel mais recorre (como outros, antes deste, fizeram) a fim de desacreditar e denegrir o projecto de emancipação desse flagelado povo que produziu poetas como Fadwa Touqan e Rachid Hussain, e lutadores como a jovem, recentemente encarcerada, Ahed Tamimi (natural da aldeia de Nabi Salih). Para fazer esquecer aos olhos do mundo a ocupação ilegal de terra palestina pelos colonatos israelitas, escudados por um dos mais poderosos exércitos do mundo, bem como a violência exercida sobre os territórios de Gaza e da Cisjordânia e os campos de refugiados, nada melhor do que forjar uma imagem dos palestinos como um povo de insurrectos rudes e «terroristas». Isto para difusão pelos media e para consumo acrítico da opinião pública mundial. Elemento central dessa estratégia do estado de Israel é a rasura da natureza e motivações da combatividade e da resistência à ocupação, e sobretudo o apagamento da identidade cultural desse povo, da sua história e das suas formas de expressão artística.

Por isso, vale a pena passar em revista alguns instrumentos culturais e de informação disponíveis em Português para contrariar, por um lado, o «terrorismo informativo» usado pelo governo de Israel e pelos seus poderosos aliados ocidentais (EUA à cabeça), e, por outro, para começar ou continuar a (re)conhecer a vitalidade da cultura palestina.

Palestina: uma exposição em Lisboa e ainda música, literatura, pensamento, teatro, história, informação

Comecemos pela música. Em 29 de Novembro de 2017, Tiago Santos publicou aqui «Palestina vencerá, mas é de sofrimento e heroicidade que se cantam os seus hinos de resistência. Palestina, canto e luta!» (). Nesse artigo, apresenta uma série de artistas árabes que têm dado voz, na área musical, aos anseios de emancipação deste povo. Vale a pena ler e ouvir.

Avancemos para outras áreas. Mais uma vez, se sugere aqui uma visita ao bem organizado sítio do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) – um muito activo movimento contra a intoxicação propagandística e o silenciamento da luta e das suas razões, presidido pela actriz Maria do Céu Guerra e tendo como vice-presidentes Adel Yussef Sidarus, Carlos José Duarte Almeida e Frei Bento Domingues. Além de elementos históricos rigorosos, é possível, neste sítio, colher informação actualizada sobre a luta do povo da Palestina, bem como sobre as suas expressões culturais: pintura (destaque para Ismaïl Shammut), literatura (é dado justo relevo a Mahmud Darwich), ensaísmo (salienta-se a figura de Edward Said) e cinema. Pode ainda ver fotografias e pequenos filmes.

À Fundação José Saramago (FJS) e ao MPPM se deve, aliás, todo um conjunto de iniciativas culturais ou políticas que marcam os dois primeiros meses deste ano.

No Auditório da FJS, continua patente a exposição «Esta bandeira da esperança: Um olhar sobre a questão Palestina», produzida pelo MPPM. Em Janeiro, recordo, promoveu-se no mesmo local uma conversa com o analista de política internacional José Goulão sobre «A colonização israelita», e novas iniciativas se anunciam para Fevereiro. Finalmente, a 31 de Janeiro, teve lugar junto à Embaixada de Israel um Acto Público de Solidariedade com a Palestina, promovido também pelo MPPM, pelo CPCC, pela CGTP-IN e pelo MDM, opondo-se à ocupação e colonização israelitas dos territórios palestinos, dizendo não ao reconhecimento pelos EUA de Jerusalém como capital de Israel, reclamando liberdade para os presos palestinos nas cadeias de Israel, e defendendo uma Palestina independente, com capital em Jerusalém oriental.

Mahmud Darwich. Créditos

Centremo-nos agora na literatura, lembrando Mahmud Darwich (1942-2008), por muitos considerado o mais importante poeta da Palestina. Em 2018, assinala-se uma década sobre a sua morte – poeta de voz única, marcada por singular e forte pulsão imagística, pela consciência histórica e de pertença a uma geografia física, humana e cultural, e ainda por uma eloquência tocante no modo de exprimir a dor e a revolta do seu povo (e as suas próprias, enquanto porta-voz de um anseio e de um sentido da resistência colectivos). Autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida por Yasser Arafat, quando proclamou a criação do Estado Palestino, Darwich é autor de alguns poemas que poderá ler na página do MPPM, em versões de Júlio de Magalhães, mas sugere-se também a leitura da belíssima antologia O Jardim Adormecido e Outros Poemas (Campo das Letras, 2002), cuja selecção e tradução, a partir do francês, ficamos a dever ao notável poeta e tradutor que é Albano Martins. Por exemplo, este fragmento: «(…) Também nós amamos a vida quando podemos. // Na morada que escolhemos, cultivamos plantas vivazes e recolhemos os mortos. / Sopramos na flauta a cor da distância, / desenhamos um relincho no pó do caminho. / E escrevemos os nossos nomes, pedra a pedra. Tu, ó raio, ilumina a nossa noite, ilumina-a um pouco. // Também nós amamos a vida quando podemos.» (p. 87).

Do mesmo poeta e de outros dezasseis é possível ler poemas noutra magnífica Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea (ASA, 2004, col. Pequeno formato), igualmente em conseguidas versões de Albano Martins (a quem se deve a selecção), acompanhadas de um desenho de Alberto Péssimo. Estão representados, entre outros, Iussef Abdelaziz, Murid Al-Barghuti, Rachid Hussain, Khayri Mansur e Fadwa Tuqane.

A Júlio de Magalhães se fica também a dever outra pequena antologia poética disponível na Internet, da responsabilidade do MPPM e datada de 2010: A Poesia Palestina do século XX. São dez os poetas representados e, além de uma introdução geral, sobre cada um deles é facultada uma nota biobibliográfica.

Data de 1985 e o título é Ismael ou a Vida de um Menino Palestiniano, uma edição da Centelha (chancela de boa memória). Os direitos de publicação haviam sido cedidos pela OLP (Organização de Libertação da Palestina), a tradução era do jornalista e conhecido enófilo espinhense José António Salvador (1947-2016) e a revisão da responsabilidade de António Torrado, dramaturgo, contista e poeta que é também um dos mais conhecidos nomes da nossa actual literatura para a infância e a juventude. Número 4 da colecção de livros infantis engagés «A minha machadinha», trata-se de uma das poucas obras para crianças que, em Portugal, abordam a questão palestina, num texto simples, com mais de informativo do que de literário, impresso em desenhada letra manuscrita e com ilustrações a preto e branco, sem menção de autoria. Narra-se a história de um menino, nascido em Jaffa, cuja família é expulsa da sua terra «pela força estúpida das armas». Ismael – o nome do menino – ganha consciência e, juntamente com Miriam, sua irmã, acaba por se reunir aos que, combatendo a ocupação e usurpação israelita de território e bens, lutam pela independência da sua pátria.

Já em Samir e Jonathan (Ambar, 2005), inicialmente editado em 1994, e traduzido do hebraico para Português por Lúcia Liba Mucznik, descobrimos um romance de 156 páginas, de preferencial destinatário juvenil, e interessante do ponto de vista técnico-narrativo, da autoria não de um palestino, mas da escritora israelita Daniella Carmi (n. 1956), obra ganhadora de numerosos prémios e publicado em muitas línguas. Se, em Samir, internado num hospital israelita, o texto retrata com realismo e sensibilidade, a condição da infância palestina pobre, ferida, em território violentado pelo ocupante, dando a ver também o desrespeito pela dignidade humana e pelos direitos da criança por parte da força de ocupação; já em Jonathan a narrativa esboça a imagem de uma criança judia sonhadora, ficcionadora de mundos (im)possíveis, interessada por Marte, aparentemente alheada (e protegida) de uma realidade cruel. A narrativa parece apontar para uma amizade possível entre aquele pequeno palestino e este pequeno judeu, mas projecta-a num mundo que é, praticamente, de ficção científica e que se tinge de uma dimensão alegórica. No fundo, fica por analisar – e discutir – a questão essencial, e a retórica da tolerância (o livro ganhou prémios neste campo temático) dificilmente se afigura compatível com a violência e o desrespeito por direitos fundamentais de um povo espoliado e oprimido – e dos seus filhos – vítima evidente de uma nova forma de apartheid. Reconheça-se, contudo, a virtude de colocar uma personagem infantil palestina no centro da acção (Samir), dando voz, por via da focalização interna, à sua reflexão sobre a duríssima realidade que a cerca.

É neste contexto ainda que, a interessados em questões relacionadas com a temática aqui em causa, me permito sugerir a leitura do monográfico, editado em galego e em português, Representacións do Mundo Árabe na Literatura Infantil e Xuvenil (Edicións Xerais de Galicia, 2017). Trata-se de uma obra colectiva em que colaboram investigadores ibéricos e ibero-americanos, coordenada pela professora da Universidade de Santiago de Compostela, Blanca-Ana Roig Rechou, e na qual, entre muitos outros livros de ficção, a obra de Carmi é comentada por Ana Cristina Macedo; a também portuguesa Cláudia Sousa Pereira assina o ensaio introdutório, «Conhecer o outro: árabes, muçulmanos ou islâmicos?»; e Ana Margarida Ramos, Sara Reis da Silva e o autor destas linhas publicam um artigo sobre representações árabes na narrativa portuguesa para a infância e a juventude. Vários outros estudos e comentários a obras literárias dos diferentes âmbitos linguísticos ibero-americanos preenchem este volume de 480 páginas, muito útil, também, a mediadores da leitura.

Já na área dos estudos culturais, não é possível esquecer o palestino Edward W. Said (1935-2003), professor, investigador universitário e especialista em literatura comparada, de reputação internacional, que escreveu também sobre musicologia e sobre a causa palestina. É de recordar o seu ensaio Orientalismo. Representações ocidentais do Oriente (Livros Cotovia, 2004), citando a sinopse editorial: «texto canónico dos ‘estudos culturais’ e o mais conhecido livro de um dos mais brilhantes críticos literários da segunda metade do século XX (…). Nele se analisa a história e a natureza das atitudes ocidentais face ao Oriente, considerando o orientalismo como uma poderosa criação ideológica europeia – uma maneira encontrada pelos escritores, pensadores e administradores coloniais para lidar com o ‘Outro’ que as crenças, os usos e a cultura orientais representam. Esta abordagem parte das obras de autores como Homero, Nerval, Flaubert, Disraeli, Kipling entre muitos outros, cujas descrições imaginativas em muito contribuíram para a ideia exótica e romântica que o Ocidente tem do Oriente. A partir da sua própria experiência como árabe palestiniano que viveu no Ocidente desde muito cedo, Said avalia a forma como estas ideias podem ser um reflexo do imperialismo e racismo europeus (…).»

Que não fique por referir o teatro e a desafiante experiência artística e humana que é o Freedom Theatre. Trata-se de um centro cultural e comunitário no Campo de Refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, que mantém e anima uma escola e companhia profissional de teatro, e que é codirigido por Micaela Miranda, actriz e encenadora portuguesa formada em Interpretação na ACE Escola de Artes – Teatro do Bolhão (Porto).

A arqueologia da recepção, em Portugal, das questões relativas à ocupação da Palestina pelos israelitas obriga a lembrar o Dossier do Conflito Israelo-Árabe, com prefácio de Jean-Paul Sartre, editado em livro pela Inova de José da Cruz Santos, no já longínquo ano de 1968, e que no fundo correspondia à tradução de um grosso número temático de Les Temps Modernes, saído nesse mesmo ano. Nesta obra, colectiva, já era possível ler, por exemplo, um capítulo assinado por Saleh Chibl e intitulado «Um armamento atómico nas mãos de Israel constitui um perigo para a paz mundial» (p. 181-191). Destruir a Palestina. A Segunda Metade da Guerra de 1948 (Caminho, 2004), de Tanya Reinhart, e História da Palestina Moderna – Uma Terra, Dois Povos, de Ilan Pappé (Caminho, 2007), são certamente outras obras de leitura necessária.

A terminar este brevíssimo percurso, que quase não leva em conta as criações culturais da diáspora palestina, nem alude às artes visuais, à dança e ao cinema de autoria palestina, sugiro ainda, e uma vez mais, a leitura do volumezinho (útil, claro e bem organizado) O Essencial sobre a Questão Palestina, um guia rigoroso, editado pelo MPPM, em Novembro de 2016; e ainda – para ler com a devida atenção crítica, pois alguns textos poderão suscitar discussão – o número 42 da revista Visão História, de Julho de 2017, dedicado ao tema «Israel/Palestina – guerra sem fim».

Em Vila Franca, a infância nas artes visuais neo-realistas; escultura em Santo Tirso; oficinas de ilustração em Coimbra

Prossegue entretanto, no Museu do Neo-realismo, de Vila Franca de Xira, o conjunto de iniciativas relacionadas com a exposição, a ver, Miúdos, a vida às mãos cheias – a infância do Neo-Realismo português. Realiza-se, no dia 3 de Fevereiro, pelas 16h00, a mesa-redonda «Figurações da infância nas artes visuais neo-realistas». A iniciativa conta com as presenças de Luísa Duarte Santos, investigadora no Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de Maria do Carmo Serén, historiadora e comentarista de arte e fotografia, e de Jorge Silva, ilustrador, designer e diretor de arte em vários jornais.

Já a norte, no dia 9 de Fevereiro, é inaugurada a exposição Dinâmicas de Encontro, do espanhol Ernesto Knorr, no Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso.

Ainda no domínio das artes visuais, mas no sector da ilustração, e no específico campo das propostas para a infância, merecem destaque as oficinas de Ana Biscaia – Prémio Nacional de Ilustração 2012 – e de Rachel Caiano – Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância/ilustrador 2014 e Prémio Autores 2016 da SPA (Melhor livro para a infância) –, oficinas essas a realizar em Coimbra, nos «Sábados para a infância» do Teatro da Cerca de São Bernardo/Escola da Noite, respectivamente a 3 e a 17 de Fevereiro.

Teatro para a infância e para público adulto (Porto, Coimbra, Lisboa, Oeiras, Odivelas) e sessões dedicadas às leituras para a primeira infância, em Penacova

Mantendo-nos na área das propostas culturais para crianças mas também para adultos, é de sinalizar a retoma do espectáculo Gira Sol, pelo grupo de teatro Colibri (Graça Ochoa, Helena Mancelos e Jonas de Andrade), na sexta, dia 16 de Fevereiro (10h e 14h30) e no sábado, 17, da parte da manhã. Local: auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto. Trata-se de um espectáculo teatral de natureza poética inspirado em textos de Francisco Duarte Mangas e João Pedro Mésseder, incluídos no livro de que são co-autores, Breviário do Sol (Caminho, 2002).

Auto dos Físicos, espectáculo de Gil Vicente que A Escola da Noite estreou em 2014, em co-produção com a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, volta em Fevereiro (7 a 17) ao palco do Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, para uma temporada de duas semanas, que inclui também algumas sessões especiais para o público escolar.

Não esquecer, por outro lado, a produção dos Artistas Unidos/co-produção TNDM II que continua a levar ao palco do D. Maria II, até 25 de Fevereiro, O Grande Dia da Batalha, variações sobre o Albergue Nocturno de Maximo Gorki e Jorge Silva Melo.

Merece também atenção o trabalho do Teatro do Eléctrico. A carreira do espectáculo Karl Valentin Kabarett é retomada em Torres Novas, no Teatro Virgínia, a 3 de Fevereiro. E Banda Sonora, uma criação de Ricardo Neves-Neves e Filipe Raposo, estreará mais tarde, a 9 de Março, em Lisboa, no Teatro Municipal São Luiz.

Quanto à Andante – grupo nomeado para o prémio ALMA 2018 (importante distinção internacional, atribuída na Suécia, a entidades que se destacam no campo da promoção da leitura) – tem um programa de representações que vale a pena seguir, consultando a agenda do grupo na sua página/catálogo na Internet. Afinal… o Gato? estreia em Oeiras, no Templo da Poesia – Parque dos Poetas a 3 de Fevereiro (16h), sendo reposto a 5 em Lisboa, na Associação Penha de França, pelas 10h, e a 7, no Colégio Cantinho das Descobertas (10h). Já o espectáculo Afinal o Íbis, inspirado em poesia de Fernando Pessoa, terá uma apresentação em Odivelas, n’O Sonho dos Pestinhas, a 5 de Fevereiro (10h).

Voltado para a infância, promete um novo projecto em Penacova: as Estórias do avô Nemésio. Cito a informação disponível: «A Catrapum Catrapeia em colaboração com a Rede de Bibliotecas de Penacova e o Projeto Concelhio de Promoção da Leitura, inicia no próximo sábado, dia 3 de Fevereiro, sessões dedicadas à leitura e literatura para a primeira infância (0 a 6 anos), num desafio entre a literatura, a música e o teatro, que, em Penacova, toma o nome de “Estórias do Avô Nemésio”, lembrando a ligação do escritor Vitorino Nemésio ao concelho de Penacova, onde foi dono de moinhos. Dirigido a pais e filhos, o projeto tem também como objetivo fortalecer os laços na família através das artes e da partilha de momentos. As sessões serão mensais, no primeiro sábado de cada mês, na Biblioteca Municipal de Penacova. A primeira sessão é já dia 3 de Fevereiro, pelas 11.30h e as inscrições devem ser feitas para [email protected] ou através dos números 914 768 884 |  912 177 601. As sessões seguintes ainda sem hora confirmada serão nos dias 3 de Março, 7 de Abril e 5 de Maio.»

Música: a Áustria, no Porto, e Laginha e Burmester, a dois pianos; ainda e sempre, a música de intervenção

No campo da música, muitos poderiam ser os destaques deste roteiro, mas fiquemo-nos, em primeiro lugar, por duas inquietantes perguntas que aqui relaciono. A primeira: como é possível que a Áustria tenha gerado um ditador como Hitler e, nos dias que correm, continue a proporcionar à extrema-direita tão elevadas percentagens de votação que, nas últimas eleições, se tornaram suficientes para fazer ascender ao poder representantes do fascismo? E como é possível que este mesmo país tenha sido berço de tão grandes compositores, de tão admirável música e sensibilidade musical? Ocorrem-me estas perguntas, por ocasião do arranque do principal programa deste ano da Casa da Música, no Porto, cujo país-tema é precisamente a Áustria… E é nesse contexto que, já no dia 2 de Fevereiro, a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, sob a direcção musical de Eliahu Inbal, interpretará a Sinfonia n.º 4, conhecida como a Sinfonia Romântica, do grande Anton Bruckner (1824-1896).

Outros espectáculos, à margem do ciclo austríaco, aguardados com expectativa: a 4 de Fevereiro, às 18h, o Grande Concerto de Apoio a Estudantes Sírios, de Pedro Burmester & Mário Laginha, na Sala Suggia da Casa da Música, que não se encontra ainda esgotado, ao contrário do do dia 3. Laginha e Burmester apresentam, nestes concertos, um programa com Piazzolla (Grande Tango), Mário Laginha (Concerto para dois pianos n.º 1), Debussy (Prelúdio à sesta de um fauno), e Ravel (La Valse).

Quanto ao Trio Garrett, constituído por Ângela Carneiro (violoncelo), João Andrade (violino) e Melissa Fontoura (piano), com Helena Silva na narração, propõe, por seu turno, um concerto especial para fruir à mesa do restaurante, com leitura de poemas de Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé, Charles Baudelaire e Alfred de Musset, «estabelecendo um paralelo entre a música e a palavra, ligação também muitas vezes feita pelo próprio Debussy, e que nos transporta para o contexto artístico musical e literário em que o compositor interveio». A informação prossegue: «Impulsionador da abordagem impressionista na música francesa, Debussy influenciou vários compositores um pouco por todo o mundo, sem excepção para os portugueses. A paleta de cores e narrativas que conseguiu implementar na sua música é inesgotável. Reinam as sonoridades musicais descritivas e as referências a vários universos imaginários, como na Sonata para violoncelo, na Sonata para violino, ou ainda na obra de juventude, o Trio em Sol maior.» Aponte: é já no dia 9 de Fevereiro, pelas 20h, no restaurante da Casa da Música, no Porto, este Jantar com Debussy.

De música, de intervenção e não só, se irá falar também em duas ocasiões próximas. E serão escutadas canções inesquecíveis, claro está. A 8 de Fevereiro, quinta-feira, entre as 21 e as 23h, na livraria Unicepe, no Porto, poderá assistir à conferência de Octávio Machado, Ler e ouvir José Afonso – a obra musical de José Afonso. (Viva a resistente Unicepe e lamentos, muitos lamentos, pelo recente fecho da histórica livraria Leitura, no Porto, após anos de deficiente gestão e de declínio, com os quatro trabalhadores que restavam há um ano sem salário! O fim da Leitura – apontem o que aqui escrevo – é um atentado ao património histórico e cultural da cidade do Porto. Caso para perguntar: onde estão, quem são os responsáveis?)

Por seu lado, a secção do Norte da AJA (Associação José Afonso) propõe projecção de filmes seguida certamente de conversa: a 2 de Fevereiro, Mudar de Vida – José Mario Branco, vida e obra, de Nelson Guerreiro e Pedro Fidalgo; e a 9 de Fevereiro, documentários sobre Alípio de Freitas, seguidos de música, com Ana Silva e Paulo Rodrigues. É na sede nortenha da AJA, à Rua do Bonjardim, 635, 1.º tras., no Porto, sempre às 21.30h.

Uma sugestão cinematográfica: Spielberg

Aí fica: ver The Post – A Guerra Secreta (2017), o filme de Steven Spielberg, estreado há pouco nas nossas salas de cinema, com Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson e Bob Odenkirk.

Nicanor Parra, um grande poeta chileno que nos deixa, uma obra a (re)ler

Com 103 anos, morreu a 23 de Janeiro o poeta chileno Nicanor Parra (1914-2018), além de professor universitário de matemática, irmão mais velho da grande cantora, poeta, artista visual e ceramista, Violeta Parra (1917-1967). Defensor de uma «anti-poesia», que ele próprio definiu e praticou, Nicanor Parra foi o último dos grandes poetas chilenos nascidos no século XX a desaparecer. Homenageemo-lo aqui de duas formas.

Nicanor Parra Créditos

Primeiro, recomendando a leitura da única antologia (e pequena é) da sua poesia editada em Portugal: Acho que Vou Morrer de Poesia: antologia breve (Língua Morta, 2015), tradução de Miguel Filipe Mochila. Creio que a poética de Nicanor era pouco compaginável com os gostos poéticos dominantes na nossa literatura das últimas três ou quatro décadas e, por esse motivo talvez, continua este poeta a ser um desconhecido em Portugal. Por quanto tempo?

Segunda proposta: evocar Nicanor Parra através da voz de sua irmã, numa divertida canção que Violeta um dia compôs, zombando da vaidade e da pavoneada índole de alguns poetas. Fazendo uso de um género musical e de uma dança tradicionais sul-americanos (a «cueca»), intitula-se «La cueca de los poetas», a letra/poema é do próprio Nicanor e nela se faz referência aos «cinco grandes»: Gabriela Mistral (Prémio Nobel), Pablo de Rocka, Vicente Huidobro, Pablo Neruda (Prémio Nobel) e o próprio Nicanor. Escute-se a canção e leia-se o cómico texto:

La vida, qué lindos son los faisanes,
la vida, qué lindo es el pavo real.
Huifa, ay, ay, ay
La vida, más lindos son los poemas
la vida, de la Gabriela Mistral.
Huifa, ay, ay, ay

Pablo de Rokha es bueno
pero Vicente
vale el doble y el triple
dice la gente.
Huifa, ay, ay, ay

Dice la gente, sí,
no cabe duda
que el más gallo se llama
Pablo Neruda.
Huifa, ay, ay, ay

Corre que ya te agarra
Nicanor Parra.

Acrescente-se que, um dia, Nicanor haveria de riscar, no último verso da letra, o seu nome, substituindo-o pelo da irmã (Corre que ya te agarra / Violeta Parra), pois a considerava notável artista, entendendo que, ela sim, merecia figurar entre os maiores poetas do Chile.

Mais algumas sugestões de livros, a terminar

Realiza-se em 2 de Fevereiro, às 18 horas, na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (Rua de Rodrigues Sampaio, 140) uma sessão/debate sobre o historicamente importante livro O 25 de Novembro e os Media Estatizados – uma história por contar (Caminho, 2017). São intervenientes o autor, Ribeiro Cardoso, o comandante Marques Pinto (militar de Abril) e o jornalista César Príncipe. O moderador será Jorge Sarabando. Obra a ler atentamente, a difundir e a discutir. Em nome da verdade.

A saída de Goethe, o Eterno Amador (Bertrand, 2018) é um acontecimento na nossa vida cultural, tendo em conta também o rarefeito panorama da escrita ensaística e crítica em Portugal, em matéria de edições, sobretudo no campo da literatura. Trata-se, na verdade, de uma bem estruturada biografia pessoal e literária de uma das figuras maiores da cultura alemã e europeia, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), autor do Fausto (1806-1832), de Werther (1774), de As Afinidades Electivas (1809) e de outras obras literárias que se tornaram clássicas. Mas, situado entre uma visão (neo)clássica e o pré-romantismo, Goethe, além de influente poeta, muito amado por compositores musicais seus contemporâneos e ulteriores (aspecto menos considerado neste livro), foi político, grande viajante e um temperamento apaixonado; foi autor de máximas e pensamentos e evidenciou, igualmente, pretensões científicas, obcecado pela questão da cor (A Teoria das Cores, 1810) e pelo estudo das nuvens.

João Barrento, no dia de apresentação de «Goethe, o Eterno Amador». Lisboa, 2018. Créditos

Quanto ao autor de Goethe, o Eterno Amador, trata-se de um dos mais prestigiados ensaístas portugueses das últimas décadas, João Barrento, notabilíssimo e premiado tradutor também, e profundo conhecedor quer das literaturas de língua alemã quer da literatura portuguesa contemporânea, em especial da poesia. Além do mais, Barrento é devotado estudioso e divulgador da obra de Maria Gabriela Llansol. Histórica e cientificamente bem fundamentado, o seu texto, neste livro, é notável de rigor, clareza, sentido interpretativo e crítico, marcado por uma escrita de qualidade e pelo modo singular como ilumina a personalidade e a obra do grande escritor alemão.

No campo do ensaio, merece igualmente destaque E a Minha Festa de Homenagem: ensaios para Alexandre O’Neill (Tinta da China, 2018), organizado por Joana Meirim e reunindo um conjunto de novos estudos sobre a escrita daquele que tenderá a impor-se, tudo o indica, como uma voz cada vez mais considerada e lida da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, ombreando com nomes como Carlos de Oliveira, Cesariny, Sena, Sophia, Ruy Belo, Herberto Helder, Ramos Rosa ou Eugénio de Andrade. Há mesmo quem considere já O’Neill como uma das figuras maiores deste restrito grupo.

Olifaque: uma farsa em emigrês (Clube do Autor, 2017), do cientista João Magueijo, (professor universitário em Londres e noutras universidades, na área da física teórica), é uma ficção extremamente divertida e criativa, merecedora de prazerosa leitura. Centrada na comunidade de emigrantes portugueses em Toronto, Canadá, apresenta uma espécie de testemunho de vida na primeira pessoa, como que uma história principal enredada em histórias de diversos outros tipos humanos, vazada num hilariante «emigrês» (inclui glossário). Uma realidade a (re)descobrir, um livro para reflectir e rir.

Ary dos Santos. Créditos

No domínio da poesia, importa assinalar a reedição de Obra Poética (Editorial Avante, 2017), de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), por ocasião dos 80 anos do seu nascimento (em Dezembro de 2017). Uma notável voz poética de Abril, com poemas e letras de canções que não se apagam da memória de nenhum resistente ou lutador pelo socialismo e pelo comunismo.

Na Quietude da Água (Letras & Coisas, 2017), de José Queiroga, com belas ilustrações de Alberto Péssimo, é uma agradável surpresa no domínio do haiku ou, pelo menos, do texto poético próximo do haiku. Enriquece a obra o posfácio «Haiku – origem, definição, forma e conteúdo», assinado pelo próprio poeta e claro e organizado nos seus conteúdos e formulações.

Albano Martins. Figueira da Foz, 2013. Créditos

Outro acontecimento literário é a recente saída de Poemas Escolhidos – 99 poemas (A.23 Edições, 2017), de Albano Martins, antologia da sua escrita poética que o próprio autor de Secura Verde organizou, com um espírito desafiadoramente matemático: três poemas por livro anteriormente publicado (excepto no caso do último, de que apenas são selecionadas duas composições), 99 poemas no total. Estruturado, pois, sob o signo do simbolismo triádico (mas também da dualidade), o livro e as circunstâncias da sua organização permitem intuir melhor como a escrita de Albano Martins sempre se situou nessa irresolúvel tensão entre Eros e Thanatos, e, no plano metafórico, se alimentou da concretude natural, sem nunca se dissociar da música – que seduz e preenche a voz do sujeito poético, tanto no domínio do diálogo intertextual como no plano fónico-rítmico.

A poesia de Albano Martins (grande tradutor também, como é sabido), manifesta sempre, por outro lado, quer a sua dívida em relação à poesia grega arcaica e a alguns clássicos do helenismo (que nutrem também o seu modus dicendi moral) quer a atracção por alguma poesia oriental, em especial pelas formas breves japonesas. Uma primorosa antologia, esta, ilustrada com belos desenhos de José Rodrigues em torno do motivo da cereja.

Há muito, em suma, para ler. Leia-se, pois, para combater as epidemias de estupidez que, dia após dia, disseminam os media dominantes, e o poder económico ao serviço do qual se encontram. Bem necessário é ler – nomeadamente literatura – nos dias que correm. Mal só faz à ignorância e ao culto dos lugares-comuns (cujas estufas são as televisões e a maioria dos jornais).

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