Passar para o conteúdo principal

No meio de toda esta imprevisibilidade, intensificada pela pandemia e pela falta de soluções que evitem uma cada vez maior instabilidade social e política no país e o agravamento dos problemas sociais e ambientais, voltemos ao «caos sensível» e à forma como a especificidade da arte contribui para «ordenar esse caos, sem sair da esfera do sensível»[fn]José Gil, O tempo indomado, Relógio D´Água Editora, Lisboa, 2020, p. 15.[/fn]. No retomar da programação artística, sugerimos alguns dos projetos artísticos apresentados que têm como referência os espaços «que repelem a presença do sujeito» no projeto «VAST/O», «o corpo que acompanha ou proporciona» o movimento da linha em Maria Sassetti, o «objecto-paisagem-corpo» e «a precariedade» em Pedro Ruiz, e as representações do corpo em Francisco Fernandes (XicoFran) e em Irina Inozemtseva-Lopes.

O Banco das Artes Galeria[fn]Banco das Artes Galeria. Largo 5 de Outubro, nº 43, 2400-120 Leiria. Segunda-feira a sexta-feira das 9h às 17h30; sábados e domingos das 9h às 18h.[/fn], Galeria Municipal de Arte Contemporânea, situada no edifício desenhado por Ernesto Korrodi para a antiga Agência do Banco de Portugal em Leiria, realizou no dia 14 de novembro uma dupla inauguração de exposições: «VAST/O», onde participam Carolina Martins, João Carola e Natalie Woolf, que decorre até 24 de janeiro de 2021, e «No Centro da Curva» de Maria Sassetti, até 17 de janeiro de 2021.

«VAST/O»[fn]«VAST/O: uma colaboração académica, artística e interdisciplinar», com Carolina Martins (FLUC- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), Natalie Woolf (Universidade Lusófona) e João Carola (ESAD; Ar.Co). O título surge do confronto entre a sonoridade da palavra portuguesa «vasto» e da equivalente em inglês, «vast». Visualmente, este confronto concretiza-se através do fechado «O» com que termina a palavra portuguesa, tornando claustrofóbico o que deveria ser amplo e refletindo, assim, ansiedades aparentemente opostas, como a agorafobia e a claustrofobia.[/fn], é um projeto colaborativo que atravessa áreas como a BD, a Animação, a Medicina Gráfica, o Desenho e a Realidade Aumentada. «A instalação foi concebida através de experiências pessoais, espaciais e paradoxais (...) e, para as reflectir, contribuiu a combinação de espaços de naturezas diversas (e, por vezes, adversas), como os arquitectónicos, os da BD, os da animação, os da palavra, bem como os da própria narrativa. Os espaços que inspiraram VAST/O são os que repelem a presença do sujeito como se fossem entidades para as quais o corpo humano é percepcionado como algo estrangeiro. Assim, a instalação torna-se uma reflexão sobre sentir-se deslocado do próprio corpo, que se torna, a um só tempo, um sítio móvel e um alienígena imóvel, incapaz de se relacionar com o que o envolve.»

Quanto à exposição «No Centro da Curva» de Maria Sassetti, «ao falar de Linha está implícito o movimento, pelo arrastamento de um ponto no espaço, mas também o corpo que acompanha ou proporciona esse movimento. A Linha, aqui, prolonga-se, circunda, é rica e variada, desenha muros, labirintos, estabelece limites, guarda precipícios e é picotada. Desvelada pela luz. Nos últimos anos o meu trabalho criativo tem-se focado nos processos do desenho, desde a criação de texturas, aos actos repetitivos, à multiplicação de gestos e de elementos visuais, até ao desenho geométrico. Dispositivos com luz, instalações e objectos recuperados completam o pensamento gráfico, que é simultaneamente matérico, povoado de memórias e minimalista no uso de cores e forma».

As Inaugurações Simultâneas na rua Miguel Bombarda do Porto, não deixaram de acontecer, mas nesta última edição (agendada para 14 de novembro), atendendo às restrições impostas pela pandemia foi diferente, não se realizaram nesse dia mas a 17 de novembro, permanecendo até janeiro, de acordo com o horário dos espaços. A animação, que habitualmente é nas ruas, vai continuar a acontecer, mas num formato online, e a programação pode ser consultada na página de facebook da empresa municipal Àgora, com concertos, conversas, performances e oficinas e tem como título «Bombarda em Casa». As visitas às exposições deverão ser marcadas para o e-mail de cada espaço. É neste contexto, que salientamos a inauguração da exposição «auto-paisagem» de Pedro Ruiz[fn]Pedro Ruiz vive e trabalha em Vila do Conde. Fez o Curso Superior de Pintura na ESAP, Porto, e frequentou a Pós-Graduação em Direção Artística, na ESAP, Guimarães. Participou em várias exposições individuais e coletivas, destacando-se a Bienal de Vila Nova de Cerveira, como artista convidado, Casa Bernardo nas Caldas da Rainha, Espaço Mira no Porto e espaço ART LAB 24 em Espinho.[/fn], na Serpente Contemporânea[fn]Serpente Contemporânea. Rua Miguel Bomborda, n.º 558, Porto. Horário: quinta-feira a sábado, das 15h às 19h; restantes dias por marcação (tel. 226 099 440; tm. 963 653 915; ou [email protected]).[/fn], que vai decorrer até 19 de dezembro.

O texto de Celeste Cerqueira refere que «a obra de Pedro Ruiz inscreve-se na prática expandida de um exercício Arte Vida. Trata-se do equilíbrio justo entre o encontro do Outro (objecto-paisagem-corpo) com o pertinente olhar artístico centrado na metamorfose da forma – conceito. Qual «respingador», o seu gesto colector referencial permite uma leitura reconhecível no domínio do sensível.

Num outro texto, quando da sua participação na colectiva «#003CA» na galeria ART LAB 24 em Espinho em 2019, Pedro Ruiz, apresentou o seu trabalho como estando inserido num contexto de problematização da «questão da produção artística que ocorreu durante a primeira década do novo milénio, referindo obras cujo denominador comum seria a condição de precariedade (...). O trabalho aqui apresentado contém claramente materiais e estruturas eminentemente precárias, pobres, frágeis, instáveis, associadas à debilidade e que emanam uma certa energia de sobrevivência (...)», isso não implica que a arte seja mera mímesis desta condição, porque, paradoxalmente «a precariedade constitutiva de muita arte é, por vezes, de uma forma que transforma esta aflição debilitante num apelo convincente»[fn]Hall Foster «Precarious: Hal Foster on the Art of the Decade», Revista Artforum, 2009.[/fn]. Esta precarização não deixa, contudo, de estar ligada à própria precariedade da vida atual e à condição existencial do artista mas manifesta-se sobretudo na «ontologia da arte», principalmente no que se refere «ao modo de existência das obras de arte, a sua condição material e cultural, a sua dimensão física e comunicativa»[fn]Gerard Vilar, «El arte contemporáneo y la precariedad», em Sonia Arribas e Antonio Gómez (eds.), Vidas dañadas. Precariedad y vulnerabilidad en la era de la austeridad,  Barcelona: Artefakte, 2014, pp. 75-95. Há uma tradução portuguesa, «Arte contemporânea e precariedade», na Revista-Valise, Porto Alegre, v. 7, n. 13 (2017), pp. 137-153.[/fn].

No âmbito do SeixalJazz 2020, que se realiza de 15 a 25 de outubro, a Galeria de Exposições Augusto Cabrita[fn]Galeria de Exposições Augusto Cabrita. Fórum Cultural do Seixal, R. Dr. Aristides Sousa Mendes, Seixal. Horário: terça-feira a sexta-feira, das 10h às 20h; sábado das 14h30 às 20h; encerra aos domingos, feriados e segundas-feiras.[/fn], no Fórum Cultural do Seixal, apresenta a exposição de pintura «Jazz à Vista...» do artista Francisco Fernandes[fn]Francisco Fernandes finalizou o Curso Superior de Design de interiores na Escola Superior de Artes Decorativas (ESAD), curso esse que terminou em 1994. Desde então, iniciou a sua participação em várias exposições e concursos de pintura, vindo a trabalhar em 2002 com António Inverno.[/fn], mais conhecido como «XicoFran». Esta exposição pode ser visitada até 5 de dezembro de 2020. Representar o movimento preconizado pela silhueta de um músico de Jazz, é uma das temáticas que este artista tem vindo a desenvolver no seu percurso artístico mais recente.

 

O Fórum Cultural de Alcochete[fn]Fórum Cultural de Alcochete. Praça da Cultura, n.º 87, 2890-166 Alcochete. Horário: terça-feira a sexta-feira, das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30; sábados, das 15h às 18h30; em dias de espetáculo, 60 minutos antes do respetivo início.[/fn] apresenta neste momento a exposição «Histórias II» de Irina Inozemtseva-Lopes[fn]Irina Inozemtseva-Lopes é licenciada em arquitetura na Universidade Nacional de Construção de Kiev e Arquitetura (Kiev, Ucrânia), reside em Portugal desde 1989 e expõe regularmente em coletivas e individuais em Portugal e em países como a Suíça, Itália, Dinamarca e EUA, referindo a sua participação, nos anos de 2017 e 2019, na exposição coletiva «Alcarte» que se realiza, anualmente, em Alcochete.[/fn], que vai decorrer até 19 de dezembro. Irina produz essencialmente retratos, com uma linguagem muito própria, onde utiliza os rostos e olhares humanos como instrumento de reflexo do universo do estado emocional humano.