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Jô Soares o genial cómico que tentou ensinar Hitler a Bolsonaro

Morreu esta sexta-feira o cómico Jô Soares com 84 anos. Adiado para sempre ficou o seu regresso aos teatros em Setembro. Mas connosco ficam alguns dos melhores momentos de humor e inteligência em português.

Um homem dos sete instrumentos e com múltiplos talentos que nos deixa a 5 de Agosto de 2022.
Um homem dos sete instrumentos e com múltiplos talentos que nos deixa a 5 de Agosto de 2022.CréditosJoão Relvas / Lusa

Numa entrevista recente, à televisão, Jô Soares disse que na sua longa carreira tinha-se comovido, especialmente, numa entrevista com o dirigente comunista Luiz Carlos Prestes.

O humorista começou por explicar que tinha decidido tratar toda a gente nas entrevistas da mesma maneira e por «você». No Brasil faz-se uma distinção de classe no tratamento: trata-se o povo por «você» e os poderosos por «senhor». Tinha decidido tratar por igual quem convidava para conversar.

Na altura, a decisão não foi consensual, houve amigos de Jô Soares que o criticavam por ter tratado por «você» o grande economista brasileiro Bulhões, já com mais de 80 anos, quando foi entrevistado.

Pouco tempo depois, entrevistou o antigo secretário-geral do PCB Luiz Carlos Prestes, o tratamento igualitário e o clima intimista na conversa deram os seus frutos, segundo Jô Soares, e Prestes revelou que a paixão da sua vida tinha sido a sua companheira Olga Benário, assassinada no campo de concentração nazi de Bernburg.

«Viva o Gordo»

O humorista e escritor brasileiro Jô Soares, que Portugal descobriu no programa «Viva o Gordo», em 1981, morreu esta sexta-feira, em São Paulo, Brasil, aos 84 anos, informou a sua ex-mulher Flavia Pedras, através de uma publicação na rede Instagram.

José Eugénio Soares, conhecido por Jô Soares, nasceu a 17 de janeiro de 1938, no Rio de Janeiro. Estreou-se no cinema e na televisão no final dos anos de 1950, como argumentista e ator, nomeadamente no Grande Teatro da TV-Tupi, atingindo sucesso maior cerca de dez anos depois quando chegou à TV Globo com o programa «Faça Humor Não Faça Guerra», que escrevia e interpretava.

Portugal descobriu o autor quando a RTP passou a transmitir o seu programa de humor «Viva o Gordo», uma sequência de sketechs de humor, no qual ironizava «a política e os costumes» de um país vigiado e ainda em ditadura militar, como recorda a Globo, na sua página de arquivo.

Em «Viva o Gordo», Jô Soares construiu algumas das personagens mais populares da sua carreira, como Capitão Gay, o super herói que se batia pelos fracos e oprimidos, e Reizinho, o monarca minúsculo, ridículo, a braços com problemas comuns aos do seu país, batendo preconceitos e assumindo um humor global, a partir de uma realidade sujeita à censura.

Zé da Galera, o «torcedor» do futebol brasileiro, apoiante incondicional da seleção, Bô Franceneide, a atriz de «pornochanchadas» à procura de emprego, e General Gutierrez, o ex-déspota argentino, em exílio no Brasil, foram outras personagens criadas por Jô Soares em «Viva o Gordo», que se manteve nos ecrãs durante seis temporadas.

Essas personagens afirmaram o seu nome decisivamente, abrindo portas a programas posteriores como «Veja o Gordo» e os talk shows «Jô Soares Onze e Meia» e «O Programa do Jô», com que se despediu dos ecrãs.

O homem dos muitos talentos

José Eugênio Soares era filho único de uma família rica que perdeu a fortuna de repente. O pai era corretor da Bolsa de Valores, e a mãe, dona de casa e leitora assídua. Ela teve o filho aos 40 anos, nada comum para a época.

Estudou na Suíça e nos Estados Unidos, aprendeu a falar seis línguas, pensou em ser diplomata e acabou no showbusiness, encarnando personagens caricatos de bordões memoráveis na televisão brasileira para depois criar o maior programa de entrevistas do Brasil.

Jô Soares trabalhou como estafeta num escritório de exportação de café e numa agência turística vendendo bilhetes de avião. Estudou para ser diplomata, mas repensou a decisão quando Silveira Sampaio (médico, ator, diretor (de teatro e cinema), produtor, jornalista e empresário brasileiro. Homem de teatro, criador de um estilo cómico intrinsecamente ligado à cultura carioca dos anos 50 e 60.) lhe disse que, independentemente do que fizesse, ia acabar no showbusiness.

Aos 20 anos, foi seduzido pelo cinema, aceitou um papel no filme «O Homem do Sputnik», de Carlos Manga, onde o seu talento é reconhecido o que lhe abre as primeiras portas da televisão e dos palcos.

Foi o que aconteceu. Jô passou a frequentar grupos teatrais, namorando Tereza Austragésilo, até que em 1958, aos 19 anos, estreou na televisão a convite de Adolfo Celi, no programa «TV Mistério» da TV Rio, ao lado de Tônia Carrero e Paulo Autran.

Depois, passou a escrever e atuar em programas da TV Continental e da TV Tupi. Em 1959, estreou no teatro como o bispo de "Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna.

Sua fama, no Brasil, como comediante foi conquistada em 1967, como o mordomo da «Família Trapo», na TV Record, programa que também ajudava a escrever.

Em 1970, foi para a TV Globo, atuando em programas como «Faça Humor, Não Faça Guerra» que estreou naquele mesmo ano, «Satiricom», de 1973, e «Planeta dos Homens», de 1982, até ter seu próprio programa, o «Viva o Gordo», também de 40 anos atrás.

Jô deu vida a mais de 200 personagens, como o Capitão Gay e a cantora Norminha, marcando bordões como «vai para casa Padilha», «não me comprometa» e «macaco tá certo».

Em 1987, mudou para o SBT para realizar o sonho de ter um programa de entrevistas inspirado nos talk shows americanos, o «Jô Soares Onze e Meia», e manteve seu programa de humor, chamado de «Veja o Gordo». Houve retaliações na Globo com a saída do comediante, chegaram a ser proibidos na Globo dos anúncios doa espetáculoa que Jô tinha em cartaz na época.

Em 2000, ele voltou para a Globo com o «Programa do Jô», levando os 23 integrantes da atração, incluindo a camareira e o estafeta. Justificou o retorno com a vontade de usar o trabalho da redacção da Globo para o seu talk show.

Era uma pessoa de múltiplos talentos. Foi escritor, jornalista, dramaturgo, diretor e ator de cinema e de teatro, músico e artista plástico.

Escreveu para a revista Manchete, para o jornal O Globo, o Jornal do Brasil, além deste jornal, e foi colaborador da revista Veja.

Lançou cinco romances policiais, O Xangô de Baker Street, de 1995, O Homem que Matou Getúlio Vargas, de 1998, Assassinato na Academia das Letras de 2005, e As Esganadas, de 2011, além de uma autobiografia em dois volumes, lançada há cinco anos.

Jô tocava seis instrumentos musicais. Compunha os genéricos musicais para seus espetáculos e chegou a ter programas de rádio sobre música.

Pintava acrílico sobre tela, chegando a fazer exposições individuais no Brasil e em vários países. Uma mostra em São Paulo, em 2004, por exemplo, contou com 54 obras. Participou ainda da Bienal de São Paulo, em 1967.

No teatro, contracenou com Cacilda Becker, recebendo elogios de Décio de Almeida Prado. «Seu talento é tão vasto quanto sua circunferência», disse o crítico. Jô ainda dirigiu autores nacionais e estrangeiros, como Shakespeare, Nelson Rodrigues, Neil Simon e Edward Albee, e encabeçou diversos espetáculos solos, escritos, produzidos e interpretados por ele, como «Na Mira do Gordo» e «Remix em Pessoa».

Como explicar Hitler a um admirador dos torturadores?

Começamos, este texto, com a história de Prestes e de Olga, vamos acabá-lo com a vez que, sempre atento, Jô Soares tentou explicar ao presidente do Brasil, e admirador dos torturadores da ditadura militar, Jair Bolsonaro, que Hitler era de extrema-direita.

Numa carta, publicada na Folha de São Paulo a 12 de Abril de 2019, o homem que se identificou como «influenciador analógico» explicava ao habitante do Palácio do Planalto o seguinte:

«Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda.

Um desses grupos foi o NSDAP —em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prémio.

Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Cavaleiros do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prémio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o «social» da sigla do partido. Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das SA [Secções de Assalto que antecederam as SS] , na famigerada «Noite das Facas Longas».

Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim.

Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20.

Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos:

1. Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático;

2. A expressão "no pasarán!”, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como La Pasionaria, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos;

3. Social climber não se refere a uma alpinista de esquerda;

4. Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas;

5. Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos;

6. Quanto à palavra “social”, ela consta até no seu partido.»

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