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Cem anos de Bauhaus (I)

A Bauhaus inicia a sua actividade em 1 de Abril de 1919, impondo-se não como um estilo mas pelo seu mecanismo didáctico, baseado num processo racional centrado na exactidão e na economia mental.

Edifício da Bauhaus construído em 1925-1926 em Dessau, Alemanha.
Edifício da Bauhaus construído em 1925-1926 em Dessau, Alemanha. Créditos / lacasainordine

A Bauhaus (Bau, construção, arquitectura; Haus, casa) inicia a sua actividade em 1 de Abril de 1919 em Weimar, resultante da fusão das duas escolas de artes que aí existiam. Walter Gropius, seu primeiro director, é o grande teórico do grupo de artistas e arquitectos que impõe a Bauhaus não como um estilo mas pelo seu mecanismo didáctico, baseado num processo racional centrado na exactidão e na economia mental.

Um conceito em linha com a racionalidade que insuflava optimismo nos processos de reconstrução social, no contexto sombrio das angústias do pós-guerra provocadas pela derrota alemã. Optimismo que se estava a fissurar nas políticas equívocas do governo social-democrata de Friedrich Ebert, a fazer cada vez maiores cedências à burguesia do grande capital, a grande responsável pela catástrofe da Grande Guerra e que preparava a sua desforra, enquanto combate com violência os partidos à sua esquerda, liquidando a Liga Espartaquista, assassinando os seus dirigentes Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Cartaz Bauhaus de Moholy-Nagy, para exposição em 1923. Autor, Joost Schmidt Créditos

É neste contexto complexo da Alemanha que a Bauhaus inicia a sua actividade beneficiando de o governo da Turíngia1, cuja capital, Weimar, alberga a sua primeira sede, ser de maioria de esquerda. Nessa primeira fase (1919-1925) experimentaram-se teorias e ideias acreditando-se que a racionalidade era uma técnica infalível que permitia localizar e resolver todos os problemas que a existência coloca. A Bauhaus altera radicalmente os métodos de ensino e aprendizagem das artes, em que o escopo é o que se inscreve no seu Manifesto de 1919: «a arte não é uma profissão, não há nenhuma diferença essencial entre o artista e o artesão. […] Em momentos raros, a inspiração e a graça do céu, que escapam ao controlo da vontade, podem fazer que o trabalho desemboque na arte, mas a perfeição no ofício é essencial para todo o artista. Essa perfeição é uma fonte da imaginação criativa».

A duração obrigatória dos cursos era de três anos e seis meses, com o primeiro semestre dedicado ao ensino preliminar de instrução sobre os problemas da forma associada a exercícios práticos. Seguiam-se os laboratórios especiais sobre os diversos materiais, noções teóricas e práticas de tecnologia, gestão de empresas. Uma comissão externa avaliava os alunos que, aprovados, obtinham o diploma de artesão da Bauhaus. Seguia-se um curso de aperfeiçoamento baseado no ensino da arquitectura com um tirocínio prático no estaleiro experimental da escola. A duração era variável, consoante o aproveitamento e as aptidões adquiridas. A avaliação era feita por uma comissão externa que concedia o diploma de mestre de arte da Bauhaus.

«a arte não é uma profissão, não há nenhuma diferença essencial entre o artista e o artesão. […] Em momentos raros, a inspiração e a graça do céu, que escapam ao controlo da vontade, podem fazer que o trabalho desemboque na arte, mas a perfeição no ofício é essencial para todo o artista. Essa perfeição é uma fonte da imaginação criativa»

Manifesto da Bauhaus, 1919

O objectivo expresso no referido Manifesto era: «formamos uma nova comunidade de artífices sem a distinção de classe que levanta uma orgulhosa barreira entre artesão e artista. Juntos concebemos e criamos o novo edifício do futuro que abarcará arquitectura, pintura e escultura numa só unidade e que será um dia erguido aos céus pelas mãos de milhões de trabalhadores, como símbolo de cristal de uma nova fé».

Walter Gropius, o fundador dos princípios orientadores da Bauhaus, se por um lado faz uma reforma didáctica fundamental no ensino artístico, em particular a arquitectura, incorre num equívoco fatal, como o futuro demonstrará, quando está convicto que a nova arquitectura internacional impulsionada pela Bauhaus resolveria as contradições entre nacionalismo e internacionalismo que angustiavam a cultura europeia do pós-guerra, por não só nivelar as técnicas e as formas mas, sobretudo, ser o instrumento e a imagem de uma nova ordem social. Acreditava que as transformações provocadas por essas novas experiências artísticas provocariam uma evolução histórica nas classes dirigentes, que se adaptariam a novas tarefas sociais.

É uma atitude simultaneamente ingénua e arrogante, com toda a arrogância e a ingenuidade dos intelectuais que se proclamam independentes, se distanciam da rudeza da luta de classes, que se resolveria exclusivamente no plano racional, sendo eles os principais intermediários dessa luta de classes pacífica dada a sua superioridade intelectual, cultural e técnica que, por si só, seriam suficientes para transformar as hierarquias da velha sociedade.

O grande equívoco dessa intelectualidade de Gropius, por arrasto da Bauhaus, é pensar que a cultura e a arte redimirão o mundo e a redenção da cultura e da arte se fariam por meio da razão, que o conflito histórico entre o capital e o trabalho eram uma questão de técnica e organização. Na prática, Gropius trabalha para as classes dominantes, bem integrado na cultura burguesa que, apesar e contra os reais saltos qualitativos que originou nas artes e na arquitectura, se exclui de qualquer consideração revolucionária. A sua fria racionalidade é um método para localizar e resolver todos os problemas do quotidiano, da existência, pelo que o objectivo do arquitecto, coincidente com o das classes cultas, é enfrentar as massas, partindo do princípio elitista que as massas são incapazes de ter consciência dos seus próprios interesses. É uma cultura que se quer politicamente neutra, com fortes traços humanísticos que não superam o ser uma cultura de classe que encara cada trabalhador como um potencial futuro pequeno-burguês.

«[O que inquietava a burguesia], na Bauhaus, era esta ser uma escola democrática, baseada nos princípios da colaboração entre professores e alunos, o que degradava radicalmente a relação mestre-aluno enquanto espelho de uma rígida organização social. Era-lhe insuportável que a arte não fosse um privilégio de casta praticada por indivíduos dela dependentes económica e ideologicamente»

Assim se entende porque Walter Gropius e, depois, Mies van der Rohe, tenham feito todos os esforços para que a Bauhaus se mantivesse fora de qualquer ideologia e de qualquer confronto político. Nem mesmo quando o governo da Turíngia é ganho pela direita e obriga a Bauhaus a deslocar-se de Weimar para Dessau – instalando-se as escolas, as residências de professores e de alunos numa magnífica edificação projectada por Walter Gropius – isso os alerta para os equívocos da sua atitude ideológica. Continuaram inabalavelmente convictos que as artes eram técnica e racionalidade, que dariam resposta aos ditames do mercado e às leis económicas da produção, com capacidade para produzir melhor e com racionalização de custos, o que deveria influir na acção da classe dirigente independentemente de quem detém a posse do capital e dos meios de produção. Na prática, a sociedade dividida em classes transformar-se-ia progressivamente numa sociedade funcional.

A Bauhaus de Gropius e Mies van der Rohe actuava como se os produtos culturais fossem em absoluto independentes da produção e da reprodução social da vida, alheando-se da realidade em que as ideias dominantes são as das classes dominantes porque é dominante a sua posição na economia, apropriando-se dos principais meios e instrumentos de produção, difusão e recepção culturais. Esse o equívoco ideológico que contaminou a Bauhaus, brevemente interrompido por Hannes Meyer, o quase desconhecido director da Bauhaus de Abril de 1927 a Agosto de 1930, e que Paul Klee, que sempre apoiou os seus objectivos pedagógicos, enuncia numa conferência Sobre os Princípios Criativos da Arte Moderna2 em que dizia sonhar com uma obra de amplitude enorme que atravessasse todos os domínios, o elementar, o figurativo, o dos conteúdos e o estilístico, de algum modo o objectivo da Bauhaus, para concluir angustiadamente: «devemos continuar a busca. Já encontrámos as partes, mas não ainda o todo. Ainda não temos esta última força, porque nos falta o suporte de um povo. Mas procuramos um povo, já iniciámos essa busca na Bauhaus. Começámos com uma comunidade à qual demos tudo o que temos. E mais não podemos fazer». Uma evidente declaração da impotência de quem julga poder mudar a sociedade sem sujar as mãos nas lutas que se travam no terreno para a transformar e transformar a vida.

Quem não se deixava iludir com essas considerações era a burguesia a quem Gropius e a Bauhaus ofertavam confiadamente o seu programa. O que a inquietava, na Bauhaus, era esta ser uma escola democrática, baseada nos princípios da colaboração entre professores e alunos, o que degradava radicalmente a relação mestre-aluno enquanto espelho de uma rígida organização social. Era-lhe insuportável que a arte não fosse um privilégio de casta praticada por indivíduos dela dependentes económica e ideologicamente. Era-lhe igualmente insuportável que a Bauhaus confrontasse os alemães com a derrota na guerra, afastando qualquer ideia de desforra, propugnando o seu resgate pela introdução, a todos os níveis, de uma racionalidade fria em que estava implícito um novo contrato social pelo qual a burguesia renunciava à guerra e os proletários à revolução. Odiava o internacionalismo que emergia das práticas da Bauhaus nas artes e na arquitectura. A burguesia, que no período anterior à guerra se apresentava como laboriosa e produtiva, evoluía para uma plutocracia ávida, corrupta e sanguinária, que iria emergir das ruínas que tinha provocado para delas se aproveitar, numa sociedade em que dia a dia uma inflação galopante abria um fosso cada vez maior entre uma classe que empobrecia e as classes que enriqueciam. Burguesia que preparava a desforra apoiando o partido nazi.

Gropius e a maior parte da intelectualidade alemã não ignoravam a crise. Dela se distanciaram proclamando a sua neutralidade e independência política e ideológica. Refugiavam-se num vago idealismo como se a causa profunda da deriva reaccionária da burguesia alemã fosse uma espécie de mal intelectual. Um erro fatal. Os inimigos da Bauhaus organizaram-se desde a sua fundação em Weimar. Sendo uma escola estatal dependia financeira e politicamente do governo da Turíngia. Fora apoiada por um governo formado pelos sociais-democratas, sociais-democratas independentes e pelo Partido Democrático Alemão que aprovou, em 1920, o primeiro orçamento para a Bauhaus, contra os partidos de direita. Isso não impediu as estratégias de ensino pioneiras da Bauhaus de serem imediatamente atacadas por uma imprensa maioritariamente conservadora e pelos funcionários de estado monárquicos, ex-militares e pensionistas dos extintos Ducados Ernestinos, integrados em 1920 no novo estado republicano.

«A burguesia, que no período anterior à guerra se apresentava como laboriosa e produtiva, evoluía para uma plutocracia ávida, corrupta e sanguinária, que iria emergir das ruínas que tinha provocado para delas se aproveitar. […] Preparava a desforra, apoiando o partido nazi»

Todos os esforços de Gropius para manter a Bauhaus fora de qualquer ideologia e de qualquer confronto político, o que fazia não por qualquer tacticismo mas por convicção, foram infrutíferos. A rejeição da política, a tentativa de manter a Bauhaus como escola não partidária, uma escola radical não política, era ilusória, não a protegeu dos ataques dos meios políticos conservadores. Os meios políticos e os professores conservadores da Turíngia obtiveram uma primeira vitória quando, dois anos depois da fundação da Bauhaus, conseguem criar uma nova escola de artes por onde ventavam as poeiras académicas. Finalmente, em 1925, os políticos reaccionários tomam o poder e dissolvem a Bauhaus. O prestígio alcançado permitiu a sua transferência para a cidade de Dessau.

Os compromissos financeiros foram relativamente modestos e a Bauhaus, nesses seus primeiros anos em Dessau, enfrentou graves problemas económicos. As receitas próprias, originadas pelos trabalhos que colocava no mercado, foram sobrestimadas por Gropius. Os produtos Bauhaus eram demasiado modernos, embora o seu problema maior fosse o de serem tecnicamente imaturos para serem produzidos em massa. O número elevado de estudantes, com um aumento potencial de receitas, não supria os custos de manutenção nem a escassez de materiais de trabalho, e o burgomestre Hesse recusava subsídios e o aumento de orçamento. Gropius propõe que os professores cortem em 10% os seus salários, envia uma circular às indústrias solicitando materiais, coloca à discussão quais os ateliers que deveriam ser encerrados. A par destes problemas o departamento de arquitectura, que deveria ser o último estágio do programa Bauhaus, não estava a funcionar. Os estudantes enviaram uma carta a Gropius exigindo «a introdução de um curso de arquitectura por só assim ficarem habilitados a transferir a filosofia Bauhaus para a vida real». O departamento de arquitectura foi introduzido em 1926 e o seu professor, Hannes Meyer, com uma visão social da arquitectura, motiva os alunos para o trabalho nos ateliers e aumenta a produtividade.


Nota da redacção: conclui no próximo artigo, «Cem anos de Bauhaus (II)», a publicar amanhã, domingo, na véspera do primeiro centenário da Bauhaus.

  • 1. Uma breve e interessante história da Turíngia, entre o fim da Grande Guerra e a tomada do poder pelos nazis, pode rser encontrada aqui.
  • 2. (1) Klee, Paul, Escritos sobre Arte, Livros Cotovia (2001).

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