|artes plásticas

Criação e reflexões sobre magia, serialismo e natureza

Bolsas de Criação em Setúbal. Exposições de Teresa Cortez no Museu do Oriente, Jorge Pinheiro na Casa das Artes, Gabriela Albergaria na Culturgest e Paulo Ribeiro Baptista no Museu do Traje.

Exposição «A Natureza Detesta Linhas Retas», de Gabriela Albergaria, na Culturgest, em Lisboa, até 7 de março
CréditosJorge Silva / Culturgest

Em consequência das novas datas do período de confinamento que se aguardam, os eventos culturais vão continuar temporariamente encerrados. Enquanto esta situação permanecer, vamos continuar a divulgar os projetos artísticos que possam ser informados ou participados através de espaços digitais, situação esta que permitirá apenas ser informativo, documental, ou seja, transformando estes eventos num outro regime de expressão, sem acesso à obra de arte, a que Gilles Lipovetsky chama de «hipercultura comunicacional».

De forma a compensar a paragem da atividade deste sector, os apoios são essenciais para que não se agrave ainda mais as já precárias condições de trabalho, produção e criação. Num comunicado recente, a Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP) defendeu «o apoio continuado à criação artística no período de crise pandémica, através das rendas de ateliês, bolsas de investigação, produção de obras e inclusão em atividades sociais e educativas», em vez do apoio único que está a ser concedido atualmente.

A Câmara Municipal de Setúbal vai lançar, este ano, a primeira edição das Bolsas de Criação Artística, que se destina a apoiar todos os criadores e/ou coletivos, com especial incidência para os criadores emergentes, de todas as formas de pesquisa e expressão artística contemporânea, como as artes visuais, performáticas e performativas, design, literatura, cultura digital, arquitetura. Cada bolsa tem o valor pecuniário de 5000 euros, podendo ser atribuído a três projetos. As candidaturas decorrem até 19 de março de 2021. O Regulamento e o Formulário de Inscrição estão disponíveis no site da Câmara Municipal de Setúbal.

«Um Mundo Lúdico à Espreita», é uma exposição retrospetiva de Teresa Cortez1, que ocupa agora uma das salas de exposições no Museu do Oriente2, com curadoria de Rui A. Pereira. Pode ser visitada até 23 de maio. Esta exposição revela-nos uma leitura englobante dos 45 anos do arco de tempo da sua produção artística. Podemos afirmar que o seu acervo partilha conosco traços marcantes deste período. A exposição é um espaço de liberdade criativa que reflete em diferenciados temas e objetos a vizinhança com a cultura popular, das estórias da cultura oral, das narrativas da fábula, dos contos visuais encantatórios, da magia de recriar o nosso imaginário que não se perde desde que nascemos como um pião que rola, e não cessa de girar, nesta brincadeira que nasce com arte e com a vontade constante em moldar os nossos sentidos numa festa multicultural, a Oriente e a Ocidente, mais colorida. Veja aqui o «vídeo da exposição».

A Casa das Artes3 em Vila Nova de Famalicão apresenta no seu foyer a exposição «Jorge Pinheiro4 - Obras da Coleção de Serralves» decorre até 24 de fevereiro. A exposição de Jorge Pinheiro, com curadoria de Joana Valsassina, centra-se na obra «Babel», uma escultura de grandes dimensões produzida para a exposição «Jorge Pinheiro: D'après Fibonacci e as coisas lá fora» (ver catálogo), realizada no Museu de Serralves em 2017/18. Mantendo uma ligação à referida sequência numérica, a escultura configura-se em quatro módulos que se desenvolvem em torno de um eixo, no seio do qual dois espelhos cruzados multiplicam o espaço e absorvem perceptualmente a estrutura de ferro que os sustenta. Para além desta obra, a exposição inclui obras sobre tela e sobre papel que evidenciam as investigações do artista em torno de arranjos musicais, combinações cromáticas e formulações geométricas.

As primeiras pinturas de Jorge Pinheiro «caracterizavam-se por uma figuração de pendor realista e um imaginário fértil em alusões ao panorama sociocultural de Portugal à época. Em composições fechadas e através de uma paleta restrita, as figuras e os espaços dessas obras iniciais refletem os silêncios e abandonos de um país subjugado pela ditadura. Em 1966, viria a revelar uma inflexão do seu trabalho no sentido da abstração geométrica, influenciado pelas pesquisas da Abstraccion-Création, pelas propostas da arte concreta, da shaped canvas e, particularmente, pelo pensamento estruturalista. No início da década de 1970, à presença de modulações geométricas e padrões de alto contraste cromático junta-se uma muito aturada exploração das noções de ritmo e de serialidade, cuja formalização evidencia o interesse do artista pelas áreas da música e do número, em particular pelo dodecafonismo de Schönberg e a série de Fibonacci (ver vídeo)5. Na viragem para os anos 1980, recuperando o espírito de comentário social, político e cultural das suas primeiras obras, desta feita complementado pelas mais diversas citações da história da pintura, Jorge Pinheiro volta a abraçar plenamente a figuração em telas cujo cunho pós-moderno antecipa e radicaliza alguns dos desenvolvimentos internacionais da década.

«A Natureza Detesta Linhas Retas» de Gabriela Albergaria6 na Culturgest7 em Lisboa, com curadoria de Delfim Sardo, até 7 de Março de 2021. A primeira exposição antológica de Gabriela Albergaria acompanha de perto os vários momentos do seu percurso e dá a conhecer o balanço da sua atividade nos últimos 15 anos. Reunindo trabalhos produzidos na Alemanha, na Colômbia, no Brasil, no Reino Unido e na Bélgica, esta é a oportunidade de ver ou rever peças fundamentais no percurso da artista, como é o caso da instalação que realizou no CCB, em 2005 — uma enorme árvore que ostentava um processo violento de enxertia —, mas também de conhecer um conjunto de obras que têm aqui a sua primeira apresentação pública.

As relações de aculturação da paisagem e da natureza que se foram instituindo por via dos processos migratórios e da globalização têm estado no centro da atenção de Gabriela Albergaria desde a década de 1990. Através das suas esculturas, instalações, fotografias ou desenhos, a artista dá corpo a uma reflexão sistemática sobre questões como a influência da ação humana nos processos de transformação da paisagem, a modificação dos ecossistemas através da importação de espécies vegetais não autóctones ou a história da domesticação da natureza presente na construção dos jardins botânicos no século XVIII8. Ver vídeo e ouvir a autora em discurso direto, aqui.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Teresa Cortez fez a sua formação académica na Escola de Artes Decorativas António Arroio e desde 1975 uma aprendizagem prática na Fábrica Viúva Lamego, junto do Mestre Querubim Lapa. A sua obra dá-se a conhecer nas tertúlias culturais dos anos 60/70 e em abril de 74. A partir dos anos 90, para além da cerâmica, realizou também desenho e aguarela.
  • 2. Museu do Oriente, Avenida Brasília, Doca de Alcântara (Norte) 1350-352 Lisboa. Horário: terça-feira a domingo, das 10h às 18h; Sexta-feira, das 10h às 20h (entrada gratuita das 18h às 20h).
  • 3. Casa das Artes. Av. Carlos Bacelar, Parque de Sinçães, Vila Nova de Famalicão. Horário: terça-feira a quinta-feira, das 10h às 19h; sexta-feira, das 10h às 19h e das 20h30 às 22h30.
  • 4. Jorge Pinheiro (Coimbra, 1931) é reconhecido como um dos nomes mais influentes do contexto artístico português da segunda metade do século XX, integrando o célebre grupo “Os 4 vintes”, em 1968, com Ângelo de Sousa, Armando Alves e José Rodrigues. Ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, Jorge Pinheiro tem vindo a desenvolver uma obra de uma profunda coerência teórica e intelectual traduzida num corpo de trabalho visualmente diverso, no qual coexistem a pintura figurativa e a abstração concreta e conceptual.
  • 5. Vídeo de apresentação da exposição «Jorge Pinheiro: D'après Fibonacci e As Coisas Lá Fora», 2017/18, Museu de Serralves.
  • 6. Gabriela Albergaria (n. Vale de Cambra, 1965). Vive e trabalha em Lisboa e Nova Iorque. Realizou diversas residências artísticas em Nova Iorque, Bogotá, Berlim, Paris e Oxford. Desde 1999, a Albergaria expõe regularmente em todo o mundo. Das mais recentes exposições destacamos Two Trees in Balance, Socrates Sculpture Park, Nova York (2015), Being of the Yearly Rhythm, Museu da Luz, Portugal (2014–2015); e em 2013 Do barroco Para o Barroco - Está a Arte Contemporânea , Casa da Parra, Santiago de Compostela, Espanha (2013).
  • 7. Culturgest - Fundação CGD, Edifício-Sede da CGD, Rua Arco do Cego – Lisboa. Horários: terça-feira a domingo, das 11h às 18h.
  • 8. Texto do curador Delfim Sardo.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui