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|Ideias

A actualidade do «conceito» de proletariado

Tal como não é capitalista quem quer, também não deixa de ser proletário quem assim o deseja.

Motoristas da Uber durante um protesto sindical contra a exploração desenfreada naquela empresa, no bairro de Queens, em Long Island, Nova Iorque, durante a greve internacional realizada em Londres, Nova Iorque e outras cidades dos EUA, a 8 de Maio de 2019
Motoristas da Uber durante um protesto sindical contra a exploração desenfreada naquela empresa, no bairro de Queens, em Long Island, Nova Iorque, durante a greve internacional realizada em Londres, Nova Iorque e outras cidades dos EUA, a 8 de Maio de 2019 CréditosJeenah Moon / Bloomberg

Comecemos com uns avisos preliminares, chamando a atenção para as aspas encasacando a palavra «conceito» no título deste artigo. O termo vem rodeado por esse sinal ortográfico porque este texto não diz respeito a um mero conceito. Não é uma categoria ideal – que se fica pelo mundo das ideias – sem relação com a realidade. E não o é de todo quando pensado dialecticamente. O que nos traz ao segundo alerta: falar da actualidade de algo é abordar a relação que o objecto em foco tem com o contexto a partir do qual se está a reflectir. Neste caso, ano de 2022, mês de Maio; o dia, horas, minutos etc. aqui não interessam.

No entanto, o conceito não foi forjado neste contexto «actual». A designação de proletário foi concebida para dar nome a uma classe de trabalhadores que surgiu com a revolução industrial em Inglaterra, na segunda metade do séc. XVIII. Os desenvolvimentos científicos e tecnológicos deram à luz maquinarias que transformaram completamente a divisão do trabalho. Atente-se que essas máquinas (meios de produção) tinham custos extremamente elevados, ou seja, a sua aquisição estava apenas ao alcance de alguns (ring a bell?), tornando-os nos detentores dos meios de produção. Assim, neste processo, nasce a classe dos capitalistas.

Ora, não era capitalista quem queria (e não é capitalista quem quer!). Os meios de produção são outros, talvez alguns até sejam de aquisição mais acessível (comparando, à escala). Porém, a possibilidade de manutenção do capital, num mercado mais competitivo, porque mais diverso, e por conseguinte mais selvagem (regulado?), também é outra. Pertencer à classe dos capitalistas não se resume a defender o capitalismo no espaço público e/ou na urna:

«Com efeito, é na sequência de uma chamada de atenção para a circunstância, à primeira vista rondando o paradoxo, de que, no envencilhado itinerário moderno que conduz à formação do capitalismo, a mera detenção de “dinheiro” ou de “mercadorias” não erige, por esse facto, automaticamente o seu possuidor num capitalista – na medida em que, para o efectivo desempenho desse papel (qualidade), é necessário (explicando-se porquê) um montante mínimo de recursos dessa natureza (quantidade), (...)»1

Também não basta ser-se detentor de «propriedade privada» indiscriminada, para que se coloque o epíteto de capitalista(s) a um indivíduo ou colectivo. Verdade, as práticas capitalistas desenvolveram-se em grande escala até aos dias de hoje. Todavia, é impossível negar-se que se vive num sistema capitalista e que existem capitalistas, mesmo que se acrescentem termos aos conceitos e se enverede por nichos. Partes fundamentais (e não é elogio) das actividades económicas podem não ser detentoras directas dos meios de produção, mas são peças sem as quais a máquina não sobrevive. Os «intermediários» são uma característica conspícua do capitalismo hodierno.

Não obstante todos os desenrolares e desvios, o capitalismo mantém-se vivo – única e exclusivamente – graças à classe que explora. O trabalhador contemporâneo deixou de ser associado ao operário «colarinho azul». Mas tal como não é capitalista quem quer, também não deixa de ser proletário quem assim o deseja. Vejamos uma das camadas semânticas do conceito, num texto de Engels de 1847, prévio ao Manifesto do Partido Comunista:

«O proletariado é aquela classe da sociedade que tira o seu sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer capital: [aquela classe] cujo bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte, cuja total existência dependem da procura do trabalho e, portanto, da alternância dos bons e dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma concorrência desenfreada.»2

Se «proletariado» é um conceito que, empregue dialecticamente (na sua relação com a totalidade e contradições) serve de ferramenta a reflexões mais vastas, este pequeno excerto podia ter sido escrito, originalmente, neste próprio momento, para descrever a maioria das vidas actuais. Existências essas que movem o sistema, em jeitos de carvão na fornalha para produzir energia. Não despicienda a transformação das significações conceptuais em relação com o contexto em constante devir, a fundamentação primordial permanece actual. Na prática – isto é, na realidade transformadora e transformada –, a condição do proletariado hodierno continua a mesma: classe explorada em prol do lucro de uma minoria.

Fale-se da primazia contemporânea do sector terciário e esta condição não desvanece. Fale-se de teletrabalho e esta condição não desvanece. Fale-se de trabalho intelectual que, cada vez mais, tem de ser transformado numa mercadoria para o autor sobreviver, e esta condição não deixa de ser aplicável. Diga-se que hoje as condições de vida, acessos a saúde, educação, etc. são muito melhores do que quando o texto de Engels que serviu de esboço ao Manifesto foi escrito, e essa característica não se apaga do afã diário do cidadão comum. Ontem como hoje, a exploração é real, e os meios de propaganda do regime capitalista, ao serviço dos anónimos que podem pôr e dispor, tentam fazer crer que é linguagem do passado, que já não se aplica nestes tempos que são outros. Mudam-se os tempos, mudam-se os à vontades, permanecem as sevícias. Como permanece a necessidade de abolir o capitalismo, para se conseguir caminhar para um mundo melhor (exemplos que carecem de desenvolvimento: pense-se no que foi dito e conclua-se quem são os responsáveis pela catástrofe ecológica a decorrer; as guerras para controlar pontos energéticos estratégicos não se distancia da lutas de classes).

A maioria continua a ser um mero funâmbulo (amador) na maroma3, sem maromba4. A corda-bamba, que também enleia o Estado, é detida por quem está em ponto seguro, e, ao mínimo sinal de perigo, agita-a e faz cair o volatim que é a razão pela qual ela existe. O contra-peso, esse, é a luta diária de todos aqueles que não desistem da esperança (trabalhada) de construir um mundo melhor.

Simplismos à parte. Releve-se que a questão é bastante complexa e, mais que tudo, a sua actualidade reside no facto de ser necessário continuar a ser reflectida, sem preconceitos ideológicos, com objectividade prática (definição e melhoramento de estatutos, redacção de leis justas, respeito e aplicação da Constituição, etc.).

Júlio F. R. Costa é licenciado em Filosofia e mestre em Mercados da Arte.

Bibliografia:

Barata Moura, José (2013), Filosofia em O Capital, Lisboa, Edições Avante!

Engels, Friedrich (2008), Princípios Básicos do Comunismo, em Obras Escolhidas de Marx e Engels, Tomo I, Trad. vários, Lisboa, Edições Avante!

  • 1. (Barata-Moura, 2013: 313)
  • 2. (Engels, 2008: 89)
  • 3. N. Da R.: Corda tensa, presa em dois pontos, na qual os funâmbulos fazem exercícios de equilibrismo. O mesmo que corda bamba. Ver Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/maroma [consultado em 04-05-2022].
  • 4. N. Da R.: Vara com que o equilibrista se equilibra na corda-bamba. Ver Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/maroma [consultado em 04-05-2022].

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