No dia 1 de Maio de 1974 os trabalhadores e o Povo sufragaram na rua o golpe militar dos capitães de Abril. A Intersindical, que convocara a grandiosa manifestação deste Dia Internacional do Trabalhador, único e irrepetível, foi também ela sufragada do mesmo modo, o que reforçou o seu prestígio e capacidade de intervenção.
Ao apoiar o MFA, ao convidar os partidos políticos existentes, Partido Comunista Português (PCP), Partido Socialista (PS) e as forças anti-fascistas organizadas no Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE) e em organizações sociais católicas para falarem nos palcos das manifestações e concentrações realizadas por todo o País, a Intersindical transformou este 1.º de Maio em dia de todo o povo e confirmou-se como um dos principais componentes da revolução.
Tida no seu todo, central, sindicatos, uniões regionais, federações sectoriais, delegados sindicais e trabalhadores sindicalizados, foi a força social organizada que mais contribuiu para as transformações económicas e sociais que num curto espaço de tempo iriam melhorar substancialmente as condições de vida e de trabalho do povo português.
É também de grande relevância o seu contributo para o desmantelamento das estruturas do Estado fascista e para a democratização da sociedade. Neste terceiro artigo, de entre os destinados a assinalar a passagem do 50º aniversário da CGTP-Intersindical, não cabe tudo o que de mais importante se fez no período revolucionário, por proposta ou reivindicação dos sindicatos, e sob o impulso da acção organizada dos trabalhadores.
Neste texto referem-se sucintamente alguns exemplos dos direitos económicos sociais e laborais conquistados, e também alguns contributos para a instituição da democracia representativa e da democracia participativa. Um outro que se seguirá, também relativo ao período revolucionário, será dedicado à «Questão Sindical na Revolução».
Para quem não viveu os tempos sombrios de opressão e repressão fascista poder avaliar as diferenças entre o antes e o depois do 25 de Abril, é necessário que se lhe diga um mínimo sobres esses tempos:
- os partidos eram proibidos, os sindicatos como associações livres e autónomas de trabalhadores também. Os oposicionistas ao governo eram perseguidos e presos, os jornais, os livros, a rádio, a televisão, apenas noticiavam o que a censura oficial autorizava, as peças de teatro e os filmes eram cortados ou simplesmente proibida a sua exibição;
- a greve, as reuniões e manifestações eram proibidas, algumas das reuniões permitidas eram fortemente condicionadas por regras ou pela força, e vigiadas pela polícia política;
- os trabalhadores da função pública, os pescadores e os trabalhadores agrícolas estavam proibidos de constituírem os seus próprios sindicatos corporativos, já de si sujeitos a várias restrições e ao controlo por parte do Estado;
- as mulheres não tinham direito a voto, era-lhes vedado o acesso aos cargos superiores da Administração Pública e a várias profissões do sector privado. Não podiam tirar a carta nem sair para o estrangeiro sem uma autorização expressa dos maridos; as enfermeiras, hospedeiras de bordo e as telefonistas eram proibidas de se casarem, e as professoras só o podiam fazer mediante autorização do Ministério da Educação;
- todas as eleições durante os 48 anos de fascismo foram fraudulentas, a começar pelo referendo à constituição de 1933, em que votaram apenas 130 mil portugueses e as abstenções contaram como votos de apoio;
- os despedimentos eram ao arbítrio do patrão, não havia salário mínimo nacional, o horário era de 48 horas semanais, as férias, 8, 10, 15, 18 dias, conforme os anos de casa e sem subsídio, a segurança social e a assistência na saúde eram mínimas e não abrangiam a maioria da população. A lista poderia continuar, mas fiquemo-nos por aqui.
O 25 de Abril quebrou as amarras do fascismo e trouxe a liberdade
O 25 de Abril de 1974 e o processo revolucionário que se lhe seguiu quebrou as amarras fascistas e deu origem a uma explosão de liberdade e criatividade em Portugal. A guerra colonial acabou e os povos das colónias tornaram-se independentes, os presos políticos foram libertados, a polícia política foi extinta, e as principais liberdades políticas foram de imediato assumidas na acção concreta pelos trabalhadores e pelo povo.
Entre o dia 27 e 30 de Abril, os activistas da Intersindical ocuparam e encerram as corporações, no Ministério da Corporações, na Praça de Londres, em Lisboa, colocaram uma faixa a designá-lo Ministério do Trabalho, ocuparam a FNAT/INATEL, mudaram o nome do Estádio 28 de Maio para Estádio 1.º de Maio, e iniciaram a democratização dos sindicatos, que na sua maioria ainda estavam nas mãos de direcções afectas ao fascismo, ocupando-os e saneando essas direcções.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores, assumindo os sindicatos como seus, elegeram Comissões Directivas Provisórias até à preparação de eleições que, no movimento sindical, viriam a ser pelo método de voto individual, directo e secreto dos sindicalizados.
Noutro âmbito, os sindicatos ocuparam as caixas distritais de Previdência/segurança social, onde viriam a ter forte representação nas administrações.
A Intersindical e os seus sindicatos estiveram na linha da frente a dar o exemplo de democratização da sociedade que se iria aprofundando na acção prática, e que nos sindicatos consistiu na generalização da democracia participativa, com plenários nos locais de trabalho e em grandes assembleias gerais, onde os trabalhadores discutiam intensamente as suas reivindicações e problemas, decidiam sobre as formas de acção e elegiam os seus representantes e dirigentes sindicais.
Greves, concentrações, manifestações de carácter reivindicativo por salários, redução de horários, em regra de 48 horas, para 44 ou 45 horas semanais, e dia e meio ou dois dias de descanso. E ainda por férias e mais feriados, ou contra abusos patronais, despedimentos e encerramento de empresas. Formas de luta que passaram a estar apenas dependentes da unidade, vontade e decisão dos sindicatos e dos trabalhadores.
Dias 8 e 9 de Maio de 1974, realiza-se em Lisboa um plenário nacional de sindicatos onde são aprovadas as linhas de acção da Intersindical e dos seus sindicatos para os tempos seguintes:
- não participar no Governo Provisório, manter face ao governo uma posição de independência que permitisse apoiar as medidas que iam de encontro aos anseios dos trabalhadores, criticar e combater quaisquer medidas que os possam prejudicar;
- contribuir para a construção de um Estado Democrático, em unidade na acção com o MFA e as forças democráticas que falaram no 1.º de Maio, combatendo as forças da reacção e continuando a destruição das estruturas fascistas ainda não desmanteladas;
- no âmbito da acção reivindicativa, a Intersindical assumiu o conceito de negociação directa com os patrões sem interferência administrativa do Estado, a utilização da arma dos trabalhadores que é a greve na resolução de conflitos laborais, mas como último recurso, evitando que tal forma de luta fosse aproveitada por inimigos do povo, dos trabalhadores e da democracia;
- para a reorganização sindical foi lançada a palavra de ordem de constituição de uniões regionais e federações sectoriais, e a formação de sindicatos onde eles eram proibidos durante o fascismo: na Administração Pública, nos trabalhadores agrícolas, nos pescadores e nos correios.
Estas tomadas de decisão, de iniciativa e de execução em tão poucos dias, não teriam sido possíveis sem a formação dos quadros e o desenvolvimento da organização sindical unitária, proporcionados pela inserção da luta sindical na acção da frente anti-fascista de luta contra a ditadura salazarista ao longo das décadas anteriores.
Salário mínimo nacional, redução do horário de trabalho, 30 dias de férias, subsídio de férias e de Natal, proibição dos despedimentos sem justa causa
Nos meses seguintes ao 25 de Abril a movimentação dos trabalhadores nas suas múltiplas formas, nas empresas e nos diversos ramos de actividade económica, obtive inúmeras conquistas, entre as quais aumentos salariais e regalias laborais sem precedentes. As mais importantes e duradouras são as atrás enumeradas, algumas hoje bastantes desfeiteadas pela recuperação capitalista, especialmente nas primeiras duas décadas do século XXI.
Um resumo do significado da conquista do salário mínimo nacional dá-nos a ideia da dimensão dessas conquistas. A reivindicação do salário mínimo era uma das que vinham do período do fascismo, e fez parte dos 14 pontos do caderno reivindicativo apresentado ao novo poder político-militar.
Os contratos colectivos com negociações em curso adaptaram de imediato as matérias reivindicativas e a táctica negocial à nova situação. Entre outros, encontravam-se em negociações os metalúrgicos a nível nacional e os têxteis que, na Covilhã, desencadearam uma greve iniciada a 13 de Maio, de que resultou a conquista imediata de um aumento de mil escudos para todos os trabalhadores. Este aumento salarial aproximou os salários nos sectores têxtil e do vestuário daquele que viria a ser negociado pela Intersindical com o I Governo Provisório como mínimo nacional, no dia seguinte à sua tomada de posse.
A publicação do decreto com o primeiro Salário Mínimo Nacional (SMN) em Portugal foi dia 27 de Maio de 1974, com o valor de 3300 escudos. Traduzido em euros nos dias de hoje, consideradas a inflação, a desvalorização da moeda e o aumento da produtividade, em poder de compra rondaria os 1200/1300 euros mensais.
O ordenado médio das operárias têxteis, na altura, 200 mil mulheres, 90% da mão-de-obra neste sector, era de 1250 escudos. Tiveram por isso mais de 100% de aumento salarial, a que se juntaram outros direitos de natureza económica e social. O SMN teve impacto semelhante noutros sectores, como na hotelaria e no material eléctrico, e na própria função pública traduziu-se num aumento salarial médio de 57%.
Centenas de milhares de trabalhadores cujo salário chegava apenas para alimentar e vestir a família puderam mobilar as suas casas. Outros compraram a televisão e o frigorífico por que ansiavam, e muitos começaram a poder almoçar ou jantar fora de casa ao fim-de-semana.
Mas o Dec. Lei 217/74 trouxe muito mais do que a fixação de um SMN. Inscrevia um conjunto de medidas que configuravam um primeiro esboço daquilo que hoje alguns designam por «Estado Social». Adoptava o critério da Organização Internacional de Trabalho (OIT) para as pensões mínimas que estabelece que estas devem atingir 50% do SMN, duplicando o valor das que estavam em vigor. Duplicou o abono de família, criou a pensão social, que não existia, para as pessoas não inscritas na Previdência, e congelou os preços, abrindo caminho à criação do «cabaz de compras».
Transformações económicas, defesa e consolidação da democracia
Nas tentativas spinolistas de golpe de Estado, nas investidas das forças reaccionárias para travarem a revolução, a Intersindical mobilizou os trabalhadores para se lhe oporem, defendendo o aprofundamento e a consolidação da democracia. Foi assim no dia-a-dia e em 28 de Setembro de 1974, na travagem do avanço da chamada «maioria silenciosa» de Norte para Lisboa, com o fim de investirem Spínola com poderes ditatoriais. Foi assim na nova tentativa, agora de golpe militar, em 11 de Março de 1975.
Os sindicatos dos trabalhadores agrícolas, constituídos nos três meses seguintes ao 25 de Abril pela Intersindical, com forte apoio do PCP, nas regiões do Alentejo e Ribatejo, protagonizaram em grandes acções de massas o processo revolucionário da reforma agrária na zona do latifúndio.
A primeira ocupação de terras do latifúndio ocorreu no dia 10 de Dezembro de 1974, na Herdade do Outeiro, em Beja, propriedade de José Gomes Palma, quando este agrário se recusou a cumprir o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) e despediu 12 trabalhadores efectivos, trabalhadores que, por orientação do sindicato, não aceitaram o despedimento e continuaram a apresentar-se ao trabalho e a cumprirem os seus horários, mesmo que tivessem estado três meses sem receber salário. Em Janeiro de 1975, os processos de cultivo e ocupação de terras pelos trabalhadores, sob a direcção dos sindicatos, generaliza-se.
Em dois anos foram criados cerca de 50 mil postos de trabalho, e as condições de vida e de trabalho no Alentejo e Ribatejo aproximaram-se do nível das existentes nas zonas urbanas, fixando as populações, que deixaram de ter de emigrar para sobreviver e terem uma vida digna.
A nacionalização dos sectores básicos da economia é reivindicada pela Intersindical, e na nacionalização da banca, os sindicatos dos bancários tiveram um papel decisivo ao provarem perante o poder político-militar a sabotagem económica que estava a ser levada a cabo pelo sector financeiro. E continuaram a ter esse papel após a nacionalização, através do controlo operário, da nomeação de administrações, e na definição das políticas do sector financeiro, no sentido de servirem o desenvolvimento económico e social de país.
A Intersindical foi incansável na organização e mobilização dos trabalhadores em sucessivas acções e manifestações de apoio aos governos provisórios chefiados pelo General Vasco Gonçalves e ao Movimento das Forças Armadas (MFA). Resistiu com bravura ao terrorismo bombista e incendiário de que foram vítimas os partidos da revolução, sindicatos e sindicalistas. Na própria sede da Intersindical, em Lisboa, foi colocada uma bomba que destruiu a porta da entrada e feriu o trabalhador que ali estava de guarda.
A intervenção da Intersindical continuou a ser um elemento de peso nos desenvolvimentos que se seguiram ao golpe militar contra-revolucionário do 25 de Novembro. A dinâmica da acção de massas continuou, em defesa da democracia, das conquistas de Abril e contra o aumento do custo de vida.
Apesar das manobras em sentido contrário, as principais conquistas dos trabalhadores e do povo nos 18 meses que em se desenvolveu o processo revolucionário vieram a ficar inscritas na constituição. Promulgada pelo Presidente da República Francisco da Costa Gomes, no próprio dia da sua votação final pela Assembleia Constituinte, a 2 de Abril de 1976.
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