A situação de quem vive e trabalha em Portugal tem-se agravado. A realidade dos baixos salários, do trabalho precário, dos horários longos e desregulados, com carreiras e profissões desvalorizadas, não permite aos trabalhadores garantirem as condições necessárias para fazer face aos custos com a habitação, a alimentação e serviços essenciais. Muitos são aqueles que, para sobreviver, precisam de ter mais do que um trabalho. Tantos outros trabalham a tempo inteiro e mesmo assim não conseguem afastar-se da pobreza. A tudo isto acrescem obstáculos cada vez maiores para efectivar os direitos à saúde, à educação, à habitação, à protecção social.
Décadas de política de direita e de sucessivos governos ao serviço do capital, degradaram a vida de quem trabalha e trabalhou, atacaram os serviços públicos e as funções sociais do Estado e procuraram pôr em causa direitos fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa.
A arrumação de forças na Assembleia da República, depois das últimas eleições legislativas em Maio, é muito negativa para os trabalhadores e o País. O actual Governo do PSD/CDS, que conta com os seus aliados do CH e da IL e com a submissão do PS ao seu programa e política, aí está, a levar mais longe a sua política de desastre para o país e de agressão aos trabalhadores.
A declaração de guerra feita aos trabalhadores por este Governo, que está ao serviço dos donos das grandes empresas nacionais e multinacionais, é de grande monta e procura desequilibrar ainda mais as relações laborais a favor dos patrões. Mas desenganem-se aqueles que pensam que este é um ataque de hoje ou da circunstância do governo de serviço. Com o Código do Trabalho de 2003 e as sucessivas alterações que foram sendo feitas, sempre para pior, foram sendo desenvolvidos processos de fragilização dos direitos dos trabalhadores e de ataque aos sindicatos, seja por via da norma da caducidade, da retirada do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, da adesão individual à contratação colectiva, das várias formas de precarizar vínculos de trabalho, de mecanismos de desregulação dos horários, bem como de várias tentativas de limitar o direito à greve.
Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que todos estes ataques tiveram sempre a luta dos trabalhadores como principal e maior obstáculo e que não foram mais longe, nem mais fundo, porque a resistência e o combate levados a cabo não o permitiram.
«Com o Código do Trabalho de 2003 e as sucessivas alterações (...) foram sendo desenvolvidos processos de fragilização dos direitos dos trabalhadores e de ataque aos sindicatos (...).»
É neste enquadramento que precisamos de ver esta nova fase da ofensiva. O capital considera que estão criadas as condições para avançar na alteração da legislação para aumentar a exploração e tem como grandes alvos a contratação colectiva (e por esta via a desvalorização dos salários, carreiras e profissões) os horários e os vínculos. Precisa, para concretizar estes caminhos, de limitar a capacidade de luta e resposta dos trabalhadores. E é daqui que vem o afã para atacar o direito à greve.
É que o direito à greve é a arma mais forte dos trabalhadores quando confrontados com a falta de resposta aos salários e às condições de trabalho; quando confrontados com a tentativa de roubo ou atropelo de direitos; quando confrontados com a repressão e perseguição nos locais de trabalho. É uma forma de luta que é usada como último recurso, discutida e decidida pelo colectivo dos trabalhadores e que tem impactos na vida de quem a assume, pois castiga o salário no final do mês. É por via desta forma de luta que tantas vezes os trabalhadores unidos conseguem alterar a correlação de forças e obrigar o patrão a aumentar salários, melhorar direitos, reduzir e regular horários, efectivar vínculos.
Por outro lado, a greve é também um acto de responsabilidade e de coragem, porque é sustentada nas reivindicações pela melhoria das condições de trabalho de todos os que laboram em determinado local de trabalho ou sector hoje, mas também para os que neles vierem a trabalhar. No caso dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, é também pela garantia do direito a todos à saúde, à escola, à protecção social, aos transportes, à justiça. Porque as greves na administração pública e nas empresas públicas têm sempre reivindicações de fundo que tocam todos os que vivem e trabalham neste país: assegurar o carácter público e universal destes direitos fundamentais, que sirvam todos; reforçar, investir, valorizar os trabalhadores da administração pública para garantir melhores serviços às populações; não permitir que se continuem a degradar para depois se justificar a sua entrega aos privados.
O Governo aparece agora a propor uma revisão da lei, dizendo que é preciso respeitar os «outros» direitos, como se a lei da greve em vigor não obrigasse a assegurar serviços essenciais, como é o caso das urgências hospitalares. É profundamente desonesto fazer esta discussão tentando passar a ideia de que os trabalhadores não têm obrigações durante a greve, ou que não as cumprem. Mas os trabalhadores conhecem bem as suas obrigações e cumprem-nas com rigor, porque mais do que ninguém, conhecem os locais de trabalho e os serviços, pois são eles quem nos restantes dias do ano, dão tudo de si para os assegurar, mesmo trabalhando sem condições e com salários de miséria.
«O Governo aparece agora a propor uma revisão da lei, dizendo que é preciso respeitar os "outros" direitos, como se a lei da greve em vigor não obrigasse a assegurar serviços essenciais, como é o caso das urgências hospitalares.»
Ao contrário do que diz, o Governo não quer equilibrar nada, quer é desequilibrar ainda mais a favor dos patrões, transformar os serviços mínimos em serviços máximos (como já hoje vai acontecendo), generalizar este entendimento e esvaziar o impacto das greves, enfraquecendo assim a capacidade reivindicativa dos trabalhadores. Quer agravar a exploração, limitar os direitos dos trabalhadores e o seu exercício, impedi-los de agir e responder na salvaguarda dos seus salários, direitos, horários e condições de trabalho. Tudo isto enquanto esconde as responsabilidades que tem, em toda a linha, na determinação de uma política de desvalorização salarial, das carreiras e profissões e de ataque aos direitos.
É esta política de desastre e de compromisso com o patronato que está na origem das dificuldades de quem vive do seu trabalho e que obriga os trabalhadores a avançar para a luta na defesa dos seus direitos e aspirações, fazendo uso da greve para serem ouvidos e respeitados.
É preciso ter sempre presente o valioso património de luta de todos aqueles que antes de nós, durante os longos anos da ditadura fascista, lutaram e fizeram greve, apesar da sua proibição. Porque a luta contra a limitação deste direito fundamental é também uma luta por Abril e contra a liquidação das suas conquistas e transformações. É uma luta que convoca todos. E o apelo para o esclarecimento e a mobilização para este combate é geral.
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