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Os rohingya, Mianmar, a China e o Sudeste Asiático (2.ª parte)

As motivações de uma campanha a propósito do «genocídio» dos rohingya, em duas partes.

Mulheres e crianças rohingya, refugiadas em Ukhiya, no Bangladesh
Mulheres e crianças rohingya, refugiadas em Ukhiya, no BangladeshCréditosStringer/EPA / Agência Lusa

Os militares na Birmânia, o PPSB e a Liga Nacional para a Democracia

Vários governos civis do presidente U Nu fracassaram na resolução dos problemas étnicos, e chegaram a ceder na criação de um estado federal acordado com as diferentes minorias étnicas.

As Forças Armadas impuseram-se então no sentido de garantir a integridade territorial, com o apoio popular devido ao respeito de que gozavam face à libertação do invasor japonês na Segunda Guerra Mundial e às nacionalizações e outras medidas de natureza socialista que governos civis com o seu apoio realizaram.

É o golpe de Estado de 1962. Sob o comando do General Ne Win, o exército decidiu abolir a Constituição de 1947 e instituiu uma junta militar, à qual atribuiu o nome de Conselho Revolucionário.

O Conselho Revolucionário seria o órgão máximo de governo do país, até à aprovação de uma nova Constituição. Esta Constituição deveria criar as estruturas civis socialistas de governo nacional. De facto, no mês seguinte ao golpe, o General Ne Win anunciou o rumo político que o Conselho ia instituir no país, designadamente, a Via Birmanesa para o Socialismo. O socialismo birmanês consistiria no sincretismo entre a doutrina budista e o socialismo.

O Conselho retirou à religião budista o estatuto de religião do Estado, que havia sido implementado quando U Nu foi reeleito Primeiro-Ministro em 1960.

A nova Constituição entrou em vigor em 1974, após o referendo popular em 1973, que obteve noventa por cento dos votos a favor. A Constituição estabelecia que a nova República Socialista da União da Birmânia seria um Estado unitário com um sistema de partido único, o Partido do Programa Socialista Birmanês (PPSB). Estabelecia, também, uma Assembleia do Povo (Pyithu Hluttaw) com uma só câmara.

A transição para o governo civil ocorreu a 2 de Março de 1974, doze anos após o golpe militar, e o General Ne Win assumiu o cargo de Presidente do BSPP, e, por inerência do cargo, Presidente da Birmânia. O BSPP foi fundado com o objectivo de dar um rosto civil ao regime militar e obter a necessária legitimidade governativa.

Mas, antes do golpe de 1962, os governos civis, saídos da independência, também tiveram de lidar com a incursão do Kuomintang no seu território (no Estado Shan) em 1948. Os nacionalistas chineses foram responsáveis pelo aumento exponencial da produção de ópio e pelo desgoverno a que foram sujeitas as áreas ocupadas, o que levou o exército birmanês a administrar os governos locais.

A política dos EUA era a de evitar o alastrar do comunismo e para tal lançou um programa de assistência económica a alguns países da região, entre eles a Birmânia. Os governantes birmaneses cancelaram a ajuda, em protesto contra o apoio (venda de armamento) dos EUA ao Kuomintang.

Durante o período civil o governo foi adepto de um socialismo moderado, adoptou uma posição de neutralidade na Guerra Fria, o que lhe granjeou algum prestígio internacional que resultou na eleição de U-Thant para Secretário-Geral da ONU (1961-1971). Relativamente às relações com a China, a Birmânia foi o primeiro país não comunista a reconhecer a República Popular.

Posteriormente, as sanções económicas, bloqueios e o impedimento de relações normais com outros países por parte dos imperialistas, a pretexto de desrespeito pelos direitos humanos por parte das forças armadas, causaram uma crise económica grave, com descontentamento e protestos que o movimento «pró-democracia», apoiado pelos EUA e UE, aproveitou para reverter a situação interna a seu favor.

Apesar desta evolução, este movimento e os grupos armados étnicos birmaneses, defrontaram-se, desde 1988, com muitas dificuldades internas como a falta de apoio no conjunto do país, na sua luta contra o regime e encontraram na internacionalização da questão birmanesa um meio de obterem o apoio aos seus objectivos. E, de facto, obtiveram essa protecção internacional.

Face à contestação interna, o presidente Ne Win resignou e isso fez evoluir a situação já alterada com o resultado das eleições gerais de 1990. As eleições gerais de 2015 deram à Liga Nacional para a Democracia a maioria absoluta de lugares em ambas as câmaras do Parlamento nacional, o suficiente para garantir que o seu candidato se tornasse presidente.

Aung San Suu Kyi foi constitucionalmente impedida de ocupar a presidência por ser casada com um estrangeiro e no ano seguinte assumiu as funções de Conselheira de Estado, criado para prolongar o seu papel com o equivalente a primeira-ministra. O presidente é Htin Kyaw do mesmo partido que Kyi.

Para esta evolução também contribuiu a adesão de Mianmar à ASEAN, em 1997, e as pressões que esta fez para as alterações políticas internas.

As diferentes etnias, particularmente os rohingya, têm sofrido vagas de repressão e crimes por parte do exército, mas principalmente por parte da corrente budista mais sectária. Esses diferentes grupos étnicos recorrem à luta armada de guerrilha, principalmente contra alvos militares. A relação preferencial deles com a China ainda hoje se mantém, mas as lideranças de Mianmar e da China estão a encarar iniciativas para a resolução dos conflitos étnicos. O reacender de conflitos parece a fuga para a frente forçada pelos antigos interesses coloniais, que podem ali perder alavancas de apoio para uma maior exploração de riquezas e rotas comerciais marítimas por terra e por mar.

Os Rohingya defendem que são residentes de longa data do Mianmar ocidental, e que a sua comunidade inclui quer uma mistura de colonos pré-coloniais quer colonizadores. A posição oficial do governo de Mianmar, quer da anterior junta militar quer do governo de Aung San Suu Kyi, no entanto, é a de que são apátridas (desde 1982) e são considerados estrangeiros nesse país 90% budista. No vizinho Bangladesh, onde se refugiaram em grande número, continuam a ser imigrantes ilegais e do outro lado do rio Naf - que separa Bangladesh da Birmânia - o governo de Mianmar não reconhece o termo «rohingya» e prefere referir-se à comunidade como bengalis.

O papel da China e a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), em Mianmar e na ASEAN

Estratégica e geopoliticamente, Mianmar não poderia ficar de fora das políticas das duas grandes potências, entre as quais está situada. Ter influência sobre Mianmar é essencial para a China, que pretende ter acesso ao Oceano Índico, com o objetivo de acabar com a dependência da rota dos estreitos de Malaca e estimular o desenvolvimento económico das suas regiões do interior. Mas também o é para a Índia, que deseja reforçar os laços internacionais com os países do sudeste asiático e, também, para acabar com as revoltas dos seus estados do nordeste, na fronteira com a Birmânia, promovendo o desenvolvimento económico destas regiões facultando-lhes o acesso ao mar através da costa birmanesa.

Do ponto de vista económico, Mianmar também é um país muito atrativo para os seus vizinhos, tendo em conta a diversidade de recursos naturais existentes, em particular, os recursos energéticos, como o gás natural e o potencial de energia hidroelétrica e petrolífera.

A China nos últimos anos investiu no desenvolvimento da Zona Económica Especial de Kyaukphyu (a maior cidade do estado de Rakhine) e do porto de alto mar deste estado. No entanto, a ICR tem consequências muito mais amplas em Mianmar, tanto económicas como politicas.

Segundo Kerry Brown, director do Instituto Lau China do Kings College, de Londres, citado pelo Myanmar Times 1, o poderio económico da China deixou de ser, nos últimos anos, esmagador para os países da ASEAN mais próximos, apesar de ser um enorme mercado para as suas exportações, que, entretanto, por isso, e pelo desenvolvimento de relações com outros países foram adquirindo formas mais vantajosas para a cooperação como grande vizinho do norte.

À medida que Mianmar se abriu a outros países, as chegadas de turistas da China aumentaram. O comércio externo também aumentou rapidamente com melhorias nas respectivas infraestruturas.

Yunan 2 desempenhará um papel fundamental como centro de transporte com o sul da Ásia e a ASEAN, ao abrigo da ICR, como o corredor Bangladesh-China-Índia-Mianmar (BCIM) e ligações ferroviárias de alta velocidade com o Sudeste Asiático.

Esta província chinesa tem fronteira com Mianmar, Laos e Vietname, o que lhe confere uma natural importância estratégica. Os laços comerciais entre os países da Yunan e da ASEAN, especialmente com Mianmar, desenvolveram-se após a assinatura de um acordo de livre comércio entre a China e a ASEAN em 2010.

Myanmar e outros países da ASEAN estarão a estudar o que, estrategicamente, querem da China em termos de investimento e relacionamentos económicos e políticos, para aproveitar os benefícios e evitar os riscos de um parceiro muito mais poderoso. Isso contribuirá, certamente, para parcerias mais sólidas, lidando com os seus próprios pontos fortes e fracos no relacionamento com a China e para ir ao encontro do que a China quer deles.

A Iniciativa Cinturão e Rota é um convite da China para encontrar vias de crescimento, desenvolvimento e oportunidades que decorrem disso. Mas todos os países da região terão diferentes perspetivas sobre a melhor maneira de lidar com essa oportunidade.

A ICR tem uma forte influência para o desenvolvimento da ASEAN, mas mais em termos bilaterais, e não com a ASEAN como um todo. Nos últimos anos, especialmente, à medida que a China avançou reivindicações territoriais no Mar da China Meridional, a ASEAN tem procurado estabelecer uma posição comum sobre essa disputa.

A China tem menos problemas com os seus planos de investimento em países pequenos como Cambodja, o Laos e Mianmar, mas, já com Vietname, Tailândia e Indonésia existem problemas ambientais, o confronto com a legislação do trabalho e o não relacionamento com empresas locais.

O poder de negociação de Myanmar em relação aos projetos de investimento da China é relativamente fraco, devido à escassez de infraestruturas e financiamento.

A China, querendo a paz que só o desenvolvimento (das pessoas e dos países) pode trazer, terá que encarar estas situações, de forma consistente, respeitando normas de vida próprias dos outros países, respeito que elas não encontraram – bem pelo contrário! – com as anteriores potências coloniais.

Também assim se poderão cerzir relacionamentos étnicos, com antecedentes históricos complexos nesses países bem como na própria China, onde os imperialistas procuram, de vez em quando, incendiar situações.

  • 1. Myanmar Times, 11 de Setembro
  • 2. Yunan é uma província montanhosa a sudoeste da República Popular da China onde coexistem diferentes grupos étnicos.

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