O contrato coletivo de trabalho, juridicamente falando, é um contrato. Mas não é um contrato como outro qualquer. Ele é um contrato nascido da luta dos trabalhadores.
Com efeito, a contratação coletiva não teve sempre um enquadramento institucional como a conhecemos hoje, com um âmbito pessoal, geográfico e dotada de força de lei por efeito da sua publicação(1). Na sua fase inicial – no início e desenvolvimento da revolução industrial – ela consistiu na materialização das reivindicações de empresa, em busca de melhores condições de trabalho e de vida: pela redução dos horários de trabalho – os horários eram de sol a sol na agricultura, e de 12, 14 e 16 horas na indústria, que abrangia também o trabalho das crianças; por melhores melhores salários, etc. Foram estas condições que uniram os trabalhadores e que impuseram, pela sua luta, a negociação coletiva e a celebração dos contratos coletivos.
A contratação coletiva esteve na origem do direito do trabalho, como hoje o conhecemos. Por isso ela é tão importante para os trabalhadores e tão combatida pelos que defendem o aumento da exploração de quem trabalha(2).
Com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, a contratação coletiva e o direito do trabalho deram um passo muito importante. Os direitos que haviam sido conquistados viram-se transpostos para diversos instrumentos juridicos internacionais: convenções diversas da OIT sobre condições de trabalho, horários de trabalho, trabalho de menores, idade mínima de admissão ao trabalho, salario mínimo, trabalho das mulheres, trabalho noturrno, liberdade sindical e de contratação coletiva.
Vários foram os instrumentos internacionais que consagraram o direito sindical e de contratação coletiva: a Declaração Universal dos Direitos do Homem – artigos 23.º a 25.º; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos – artigos 8.º e 23.º; o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – artigos 6.º a 12.º; e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – artigos 4.º a 11.º. Estes instrumentos foram o corolário do muito que se obteve por via da contratação coletiva e que, em contexto de uma relação de forças mais favorável(3), se consolidou em conquistas de grande dimensão social, cultural e laboral(4).
Em Portugal, o direito de contratação coletiva encontra-se consagrado no artigo 56.º da Constituição da Republica Portuguesa, como um direito fundamental integrado no capítulo «Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores», beneficiando do regime do artigo 18.º, da Lei fundamental. O regime constitucional da contratação coletiva é, assim, colocado no patamar mais elevado dos direitos fundamentais.
Na Lei, de acordo com o disposto no artigo 485.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «promoção da contratação coletiva», diz-se que «o Estado deve promover a contratação coletiva, de modo que as convenções coletivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores». Ou seja, os governos estão obrigados a tudo fazer para que a contratação coletiva se desenvolva.
Este enquadramento dado pela legislação – nacional e internacional – levaria um qualquer estrangeiro mais distraído a pensar que tudo corre pelo melhor em matéria de contratação coletiva. Mas não é assim. Com efeito, apesar do que foi dito, a contratação coletiva vive tempos de destruição protagonizados pelo patronato (com a CIP e a UGT a desempenharem o papel principal nessa destruição, em coligação não assumida formalmente) com o apoio servil e militante dos governos de direita.
A introdução da Caducidade, como elemento estratégico, em 2004, pelo Governo do PSD/CDS-PP, foi apenas um elemento revelador do sentido e objetivos do ataque. Um ataque cínico, porquanto foi desenvolvido – e continua a ser – tendo como discurso de suporte político a «dinamização da contratação coletiva» e o argumento de que a caducidade das convenções levaria à renovação da contratação, com a celebração de muitos e mais atuais contratos coletivos de trabalho.
Em 2006, pela Lei 9/2006, de 20 de março, o então Governo do PS, na base de um discurso de oposição ao modelo adotado pelo Governo PSD/CDS-PP, deu continuidade e até acentuou os aspetos mais negativos da lei anterior em matéria de caducidade. Percebeu-se que, uma vez mais, o discurso não era coincidente com as medidas adotadas, o que veio a confirmar-se com o Código de 2009. Mais uma vez se percebeu que, na cabeça do Governo de Sócrates, pairava a mesma tese de que, da destruição da contratação coletiva, com a eliminação dos respetivos conteúdos (direitos conquistados), os sindicatos, colocados «em estado de necessidade»(5), ver-se-iam obrigados a aceitar o que os patrões quisessem impor-lhe, decorrendo daí um novo modelo de relações laborais. Não um modelo mais equilibrado, mas um modelo de baixos salários, com muita precariedade e ao jeito do patronato mais retrógrado representado pela CIP.
O Código de 2009 introduziu, ainda, novas normas visando a fragilização dos sindicatos. O objetivo era, uma vez mais (o juízo de valor é meu), o de fragilizar a parte sindical tornando mais fácil a eliminação das convenções coletivas(6).
O Governo PSD/CDS-PP, de Passos e Portas, deu sequência ao ataque, aprofundando-o, na linha inicialmente definida pelo Governo de Durão Barroso e prosseguida no Governo de Sócrates. Pela Lei 23/2012, de 25 de junho, suspendeu cláusulas de convenções coletivas, alterou e revogou outras, sempre no sentido de reduzir direitos e retribuições, no que constituiu uma intromissão, intolerável, no direito de contratação coletiva. O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 603/2013, declarou a inconstitucionalidade de algumas daquelas normas, mas sem a profundidade qua a violação da Constituição exigiria.
Pela Lei 55/2014, de 8 de maio, foi concretizado novo ataque visando acelerar a caducidade das convenções livremente negociadas, reduzindo o prazo para a caducidade, de cinco para três anos, e prevendo uma segunda redução para dois anos, decorrido que fosse um ano da publicação desta Lei. Ou seja, se o PSD e o CDS-PP se mantivessem no poder, a redução para dois anos já estaria efetivada.
Com este quadro, seria expectável que a contratação coletiva cedesse. Ou melhor, desaparecesse. Mas isso não aconteceu. Celebraram-se menos contratos com prejuízo evidente para os trabalhdores, mas as convenções, decorridos que são 12 anos de ofensiva, na sua esmagadora maioria resistem. E os sindicatos também! A força da contratação ganhou muitas batalhas.
Entretanto decorridos 12 anos, as condições políticas alteram-se, mas os desejos de eliminação das convenções mantém-se, como se mantém a ofensiva patronal.
Independentemente do que vier a passar-se nos próximos meses, uma coisa parerce certa: a contratação vai renascer, porque ela é necessária à melhoria das condições de trabalho, a uma melhor distribuição da riqueza com salários mais dignos e que sejam capazes de manter no país «a geração mais qualificada» que o nosso sitema de ensino produziu, que os portugueses pagaram e que é indispensavel ao nosso desenvolvimento e bem-estar.
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