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Brasil mobiliza-se contra a reforma da Previdência

A jornada nacional de luta contra a reforma da previdência mobilizou, esta segunda-feira, milhares de pessoas de norte a sul do Brasil. O dia ficou também marcado por críticas à intervenção militar no Rio de Janeiro, decretada pelo governo golpista.

Em São Paulo, mais de 20 mil pessoas manifestaram-se contra o projecto de entrega das pensões ao capital privado
Créditos / Mídia Ninja

O governo de Michel Temer tinha imposto o mês de Fevereiro como prazo-limite para a aprovação da reforma da Previdência - a chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 - e, mesmo não havendo a certeza de que dia 19 fosse a data da votação da proposta na Câmara dos Deputados, sindicatos, movimentos populares e outras organizações que integram a Frente Brasil Popular tinham afirmado que esta segunda-feira era «dia de parar o Brasil».

De acordo com o Brasil de Fato, ontem registaram-se cortes de estradas e encerramentos de agências bancárias, e houve paralisações em diversos sectores de actividade, como transportes, indústria metalúrgica, educação, banca, entre outros. Além disso, em vários estados realizaram-se actos em frente a agências do Instituto Nacional de Segurança Social, que, nalguns casos, foram ocupadas.

Manifestações em dezena e meia de estados

A maior manifestação do dia teve lugar na Avenida Paulista, junto ao Museu de Arte de São Paulo, onde se juntaram mais de 20 mil pessoas em protesto contra a reforma da Previdência e denunciando os planos de entrega da Segurança Social e das pensões ao capital privado.

De acordo com os organizadores, em Fortaleza (Ceará) a manifestação contra a retirada de direitos reuniu 15 mil pessoas. No Recife (Pernambuco), 5000 pessoas participaram na mobilização. Nos protestos de Brasília e Belo Horizonte (Minas Gerais) juntaram-se cerca de 3000 manifestantes.

Houve ainda manifestações nos estados do Rio Grande do Sul, Alagoas, Piauí, Paraná, Sergipe, Bahia, Rondónia, Rio Grande do Norte, Pará, Rio de Janeiro e Santa Catarina, refere o Brasil de Fato.

Intervir no Rio para colher réditos

Apesar de a reforma da Previdência ser central nos planos de Temer, a sua aprovação vinha sendo apontada como de difícil concretização no actual contexto, tendo em conta a impopularidade da medida e o facto de o Brasil estar a viver um «ano eleitoral».

No passado dia 16, a poucos dias da votação da reforma na Câmara dos Deputados, o presidente golpista aprovou um decreto de intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, colocando um general do Exército brasileiro a comandar a segurança dos cariocas e, ao fazê-lo, deitou por terra a possibilidade de ver aprovado até ao final de Fevereiro esse tal pilar do seu projecto neoliberal.

É que a dita reforma é uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287) e, de acordo com a Constituição brasileira, não é possível proceder a qualquer alteração na Constituição federal quando forem decretados estado de sítio, estado de defesa ou de intervenção.

Mas Temer não parece muito incomodado com a «impossibilidade de tramitação» do projecto neoliberal das reformas enquanto durar a intervenção. À direita, os partidos que o apoiam defendem a intervenção militar como via para pôr fim à «violência» e ao «tráfico de drogas» no estado, e sabem que, com tal discurso, podem colher apoios, dentro e fora da Câmara.

Os partidos à esquerda, na oposição, têm denunciado que a medida não visa lidar com as questões de «segurança pública» ou o miolo da «agenda social», mas que responde a desígnios «eleitoraleiros» de um «governo desacreditado».

Cortina de fumo e PEC 287

Gilmar Mauro, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e membro da Frente Brasil Popular, caracterizou a intervenção federal no Rio de Janeiro como uma «cortina de fumo», acrescentando que, «na verdade, escamoteia uma coisa que corre solta: a tentativa de compra de votos dos parlamentares para a aprovação».

«Quando tiver condições, o governo aprovará na íntegra aquilo que defende há muito tempo»

Para o dirigente do MST, quando «tiver condições, o governo aprovará na íntegra aquilo que já defende há muito tempo: a perda de direitos completa para a classe trabalhadora em benefício do grande capital», disse ao Brasil de Fato.

Por seu lado, Natália Szermeta, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo, afirmou que o governo está a fazer «um balcão de trocas» para aprovar a PEC 287: «Essa postura é absurda, própria de um governo golpista que tenta melhorar a sua popularidade com uma acção populista de farda, fazendo uma intervenção militar num estado que precisa de intervenção social.»

Ruptura do Estado de Direito

Já esta madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou o decreto de Temer que determinou a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, em vigor desde sexta-feira, com 340 votos a favor, 72 contra e uma abstenção. A medida tem de ser ainda aprovada no Senado.

Ontem, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) emitiu uma «Nota de repúdio ao decreto de intervenção federal-militar no Rio de Janeiro». No ponto 8 do documento, a organização brasileira afirma: «A intervenção ora decretada, tenha o real motivo que tiver, é uma medida autoritária, de ruptura definitiva com o cambaleante Estado Democrático de Direito e semelhante recurso, longe de resolver os problemas da "segurança pública", pois jamais enfrentadas as causas estruturais da crise, somente servirá para massacrar as populações da periferia equivocadamente reconhecidas pela classe média e pela mídia local como o "inimigo"».

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