Intervenção de abertura do XX Congresso do PCP

«Vale a pena lutar»

Jerónimo de Sousa abriu o XX Congresso do PCP com uma extensa intervenção, que abordou a situação internacional e nacional, nomeadamente a «brutal ofensiva» de anos de política de direita e a acção do PCP para a criação de uma nova solução política.

O XX Congresso do PCP decorre entre hoje e domingo
Créditos / Pedro Soares

Jerónimo de Sousa fez questão de iniciar a sua intervenção, interrompida várias vezes pelos aplausos dos delegados, convidados e demais presentes no Complexo Municipal dos Desportos – Cidade de Almada, com uma «saudação maior» aos militantes e organizações do Partido – «o grande colectivo partidário», como lhe chamou e que caracterizou como «principal obreiro do Partido que temos e do Partido que somos».

Foi esse colectivo que – disse – tomou nas mãos as linhas orientadoras propostas pelo Comité Central, elegendo os delegados e votando as «Teses – Projecto de Resolução Política», debatendo-as e reflectindo sobre elas, ao longo de meses, «em 2151 reuniões, plenários e assembleias, com a participação de mais de 20 mil militantes».

Aos delegados eleitos em representação desse colectivo lançou o repto de «debater com espírito crítico e autocrítico as nossas dificuldades e atrasos, aprofundar a discussão sobre a necessidade permanente de fazer e refazer a intervenção e a organização», mas sabendo que «nada apaga o facto de termos estado à altura das exigências que a realidade em movimento nos colocou e coloca», disse.


Álvaro Cunhal e Fidel Castro

O secretário-geral do PCP trouxe à colação a figura de Álvaro Cunhal, uma «referência incontornável para todos os que abraçam a luta libertadora contra todas as formas de exploração e opressão do homem e dos povos», e cujo centenário do nascimento os comunistas portugueses se tinham comprometido a assinalar. «Soubemos honrar a sua memória, mas acima de tudo trouxemos à actualidade o seu pensamento, a sua obra teórica, a sua acção política, toda a sua vida de combate pela liberdade, a democracia e o socialismo, o seu exemplo de revolucionário patriota e internacionalista», sublinhou.

A propósito do falecimento recente de Fidel Castro, Jerónimo de Sousa afirmou que se trata de um «momento de tristeza para os comunistas, revolucionários e progressistas de todo o mundo» e que o PCP presta e reafirma a homenagem à sua excepcional figura de patriota e revolucionário comunista evocando a vida inteiramente consagrada aos ideais da liberdade, da paz e do socialismo».

Para melhor honrar a memória do «camarada Fidel Castro», disse, há que «prosseguir a luta pelos ideais e projecto por que se bateu até ao fim da vida» e «fortalecer a solidariedade com Cuba e a revolução socialista, exigindo o incondicional respeito pela soberania da Ilha da Liberdade, o fim imediato do criminoso bloqueio norte-americano e a restituição ao povo cubano de Guantánamo».

Tempo de instabilidade e incerteza

Na abordagem à situação internacional, o líder comunista caracterizou-a como sendo de «grande instabilidade e incerteza, marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e por uma violenta ofensiva do imperialismo». Em simultâneo, apontou a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos que se desenvolve, «num confronto de incerto resultado imediato mas em que grandes perigos coexistem com grandes potencialidades de transformação progressista e revolucionária e em que a superação revolucionária do sistema capitalista e a alternativa do socialismo se tornam cada dia mais necessárias».

Viram-se confirmadas as análises do XIX Congresso relativas à evolução do sistema capitalista e ao aprofundamento da sua crise estrutural, «com o agravamento dos traços mais negativos da natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora do sistema, em que uma inaudita concentração do capital e da riqueza e o domínio do capital financeiro e especulativo sobre a economia são acompanhados da intensificação da exploração dos trabalhadores e da recolonização planetária e de um brutal crescimento das injustiças e desigualdades sociais».

Sobre a crise cíclica desencadeada em 2007/2008, o dirigente comunista disse que «continua sem fim à vista, com sérios efeitos sociais e políticos nos países capitalistas mais desenvolvidos e atingindo duramente os países “emergentes”, ao mesmo tempo que crescem os factores que deixam prever um novo pico de crise de grandes proporções».

«A sua evolução confirma a incapacidade do capitalismo para curar as suas taras e ultrapassar as suas contradições, nomeadamente, entre o capital e o trabalho», disse, acrescentando que «uma centralização monopolista à escala global sem precedentes estreita sempre mais a base de apoio ao capitalismo». Desta forma, «em termos históricos, amadurecem as condições objectivas para a superação revolucionária do capitalismo», destacou.


Ofensiva imperialista

Resistindo ao seu declínio, o sistema capitalista «desenvolve uma multifacetada ofensiva visando apropriar-se de mercados, matérias-primas e posições estratégicas», desestabilizando e submetendo «países que se oponham aos seus desígnios», violando a «soberania dos Estados e desencadeando «guerras de agressão que provocam incontáveis sofrimentos e destruições», realçou Jerónimo de Sousa, para acrescentar que «os EUA, a NATO e a União Europeia desempenham o principal papel na ofensiva belicista e intervencionista do imperialismo e assumem a responsabilidade pela generalização dos teatros de guerra e pelo perigo de generalização de conflitos de catastróficas proporções».

«A acção exploradora e agressiva do imperialismo é acompanhada por uma intensíssima barragem ideológica assente no domínio monopolista dos grandes meios de informação e propaganda», que, no entender do dirigente comunista, visa intoxicar a opinião pública e inverter «a própria realidade no confronto entre exploradores e explorados, entre agressores e agredidos, de modo a justificar a política da classe dominante e os seus crimes – como está a acontecer na Síria – e dificultar a solidariedade anti-imperialista».

Para além disso, a classe dominante recorre a «campanhas de falsificação e diversão anti-comunista», à «sistemática revisão da História», procurando roubar a memória do movimento operário, ocultar a natureza do capitalismo e a alternativa de emancipação social que representam o ideal e o projecto comunistas, salientou o secretário-geral do PCP.

No entanto, por mais que «esta ofensiva ideológica e demais poderosos meios de condicionamento» possam atrasar da luta de classes, não conseguem impedir o seu desenvolvimento, uma luta que se agudiza no actual quadro de aprofundamento da crise estrutural do capitalismo.

A este propósito, Jerónimo de Sousa salientou que «a complexa situação internacional em que se enquadra a nossa luta pela ruptura com a política de direita e por uma alternativa patriótica e de esquerda não pode fazer esquecer a realidade, que o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo comprova, de que vivemos na época histórica da passagem do capitalismo ao socialismo, que foi inaugurada pela Revolução de Outubro». «Por diferentes caminhos, fases e etapas todos os povos chegarão ao socialismo», disse.


O desastre da política de direita

Como o PCP sempre afirmou, «a política de direita de recuperação capitalista e latifundista, ao serviço do grande capital não só não tinha soluções para o desenvolvimento do País, como a sua aplicação em estreita articulação com o processo de integração capitalista na União Europeia, e invariavelmente prosseguida por sucessivos governos do PSD, PS e CDS, levaria ao continuado agravamento de todos os problemas nacionais, à crise e ao enfraquecimento da independência nacional». Jerónimo de Sousa deu ênfase à sua declaração afirmando que «a realidade portuguesa está aí para o comprovar». E apresentou múltiplos exemplos.

«Foi a política de direita – a política de classe do grande capital nacional, intimamente articulada com o capital estrangeiro – das privatizações, da liberalização e desregulação económicas, laborais e sociais, da restauração do latifúndio e da destruição da Reforma Agrária, da dependência externa, que criou a grave situação com que o País está hoje confrontado», disse o líder comunista.

Prosseguindo a sua caracterização, disse: «Foi essa política conduzida pela grande burguesia e ao seu serviço e de uma oligarquia financeira que a integra, que nas últimas quatro décadas, progressiva e metodicamente, foi impondo a subalternização dos interesses nacionais aos seus estritos e estreitos interesses pessoais e de classe».

A política de direita é inseparável do processo de integração capitalista europeu. «São duas faces de uma mesma opção de classe ditada pelos interesses do grande capital e das grandes potências, contrária, portanto, aos interesses do nosso povo e do nosso País», sublinhou.

Romper com o euro, construir outra Europa

A soberania portuguesa foi profundamente atingida. «Portugal está amarrado a um vasto conjunto de imposições e constrangimentos, ainda mais depois da adesão ao Euro, que estão na origem dos processos de extorsão, exploração e chantagem de que fomos vítimas», disse Jerónimo de Sousa, explicando que as nossas «políticas económica, social, orçamental e externa estão fortemente condicionadas pelos interesses do grande capital, das principais potências capitalistas da Europa e do imperialismo».

Quanto à União Europeia, afirmou que a experiência recente demonstra que a sua «matriz política e ideológica» é «impossível de ser democratizada, humanizada ou refundada». «É a sua natureza de classe – capitalista – que determina as suas políticas e opções», pelo que «qualquer política que favoreça os trabalhadores e o povo terá de se confrontar, inevitavelmente, com os constrangimentos da União Europeia e, desde logo, do Euro. E nesse embate, que já é visível, não temos dúvidas, Portugal tem de libertar-se de um conjunto de constrangimentos da União Europeia, desde logo e em primeiro lugar do Euro», enfatizou.

A este propósito, disse ainda que a «evolução da situação na União Europeia fala por si. Fala por si o aprofundamento dos seus pilares – neoliberal, federalista e militarista – e contradições, que conduziram a uma profunda crise que contém na história do processo de integração capitalista elementos novos. Hoje já poucos se atrevem a proferir os discursos da solidariedade, da coesão, da convergência e da democracia».

A questão que está colocada não é, então, a de «maquilhar, refundar ou democratizar a União Europeia. A questão que está colocada aos povos não é mudar alguma coisa para manter tudo na mesma, mas sim articular rupturas que permitam construir uma outra Europa», declarou.

«A outra Europa que queremos tem uma marca de classe. Visa o progresso e a convergência social, e não a divergência económica e a imposição da exploração. Visa a paz e não a afirmação imperialista e militarista de uma Europa cada vez mais fechada ao Mundo e rodeada de muros e cadáveres», disse Jerónimo de Sousa, acrescentando que «essa outra Europa será obra dos trabalhadores e dos povos e não uma imposição do grande capital e das grandes potências».

Política de esbulho do governo PSD/CDS-PP

O secretário-geral do PCP destacou as graves consequências que, a diferentes níveis, os quatro anos e meio de governo PSD/CDS-PP tiveram para o País, com a execução do Pacto de Agressão. Foram anos «marcados por uma política de agravamento da exploração, de concentração da riqueza, de desigualdades sociais e empobrecimento, e por uma crise económica e social» que «afectou de forma dramática uma parte muito significativa da sociedade portuguesa», disse.

A governação e a política de PSD e CDS-PP «conduziram ao acentuar do declínio, do retrocesso e da dependência do País», fizeram subir o desemprego para níveis elevadíssimos, generalizaram a precariedade e forçaram meio milhão de portugueses a emigrar; as situações de pobreza alastraram e a exploração dos trabalhadores intensificou-se, ao mesmo tempo que o grande capital cresceu e se verificou o agravamento do do domínio do capital monopolista sobre a vida nacional, nomeadamente por via da privatização de empresas públicas estratégicas.

Áreas como a Saúde, a Educação e a Segurança Social foram alvo de uma ofensiva sistemática por parte de um governo que frequentemente entrou em confronto com a Constituição da República e que pôs em causa direitos fundamentais dos portugueses. Jerónimo de Sousa foi exaustivo na enumeração dos danos, para referir, em seguida, que foi contra «esta política brutal de exploração e empobrecimento e seus executantes que se levantou uma ampla e forte acção de resistência e luta dos trabalhadores e do povo português», que haveria de ter expressão no voto de popular das eleições legislativas de 4 de Outubro do ano passado.

PCP ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País

Pela sua parte, disse, o PCP respondeu a essa exigência «dando expressão política à luta dos trabalhadores e do povo», contribuindo para a interrupção da acção destruidora do governo PSD/CDS» e procurando não desperdiçar a oportunidade de concretizar avanços, ainda que limitados.

Jerónimo de Sousa sublinhou precisamente as limitações da solução política que permitiu o afastamento da coligação PSD/CDS-PP do governo, afirmando que «a nova fase da vida política nacional não traduz um governo de esquerda, nem uma situação em que o PCP seja força de suporte ao governo por via de um qualquer acordo de incidência parlamentar que não existe».

A solução referida «permitiu a formação e entrada em funções de um governo minoritário do PS com o seu próprio programa, onde está presente um compromisso de reverter direitos e rendimentos esbulhados aos trabalhadores e ao povo, e inverter o rumo de desastre que vinha sendo imposto», destacou, acrescentando que, no actual quadro político, o PCP mantém total liberdade e independência políticas, agindo em função do que serve os interesses dos trabalhadores, do povo e do País».

Nesta fase da sua intervenção, o secretário-geral do PCP salientou a importância dos resultados já alcançados no quadro da actual solução política, pese embora ter noção de que são «limitados». «Avanços que são o resultado da luta dos trabalhadores e do nosso povo – disse. Mas avanços só possíveis também porque houve uma alteração na correlação de forças que abriu espaço à iniciativa do PCP e potenciou o peso, a influência e o papel» do partido. E salientou: «Ninguém tenha ilusões. A vida dos trabalhadores e do povo avança com a sua luta e se o PCP for cada vez mais forte!»

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