|Jakilson Pereira

O Estado da Educação na Amadora (Uma leitura crítica inspirada em Pierre Bourdieu)

A escola apresenta-se como neutra e meritocrática, mas, na prática, favorece quem já possui capital cultural. O sucesso, portanto, é menos fruto do esforço individual do que da origem social.

CréditosMário Cruz / Agência Lusa

Em Portugal, o Ministério da Educação e as autarquias promoveram políticas de apoio às escolas localizadas em contextos socioeconómicos desfavorecidos. Contudo, na Amadora, o planeamento municipal tem revelado falhas sucessivas. Não existem apoios consistentes às comunidades vulneráveis, capazes de ajudar as famílias a superar as barreiras impostas pela pobreza. Muitos pais saem de casa de madrugada para trabalhar e não conseguem acompanhar os filhos no percurso escolar.

A Câmara raramente encara esta realidade e não cria projetos-piloto capazes de responder às especificidades do território. Não há uma rede de suporte educativo articulada com o desporto e a arte, o que seria fundamental para valorizar os jovens do concelho. A Amadora é um dos municípios com maior potencial artístico e desportivo, mas os sucessivos executivos ignoram este fator, falhando em criar parcerias com as comunidades locais.

O resultado é que muitos jovens acabam rotulados como «Jovens NEE» (Necessidades Educativas Especiais), quando, na verdade, o que lhes falta não é capacidade, mas apoio e condições estruturais para inclusão, equidade e sucesso escolar. O projeto educativo atual exclui à partida estes jovens, desperdiçando as suas potencialidades.

«Na Amadora, o planeamento municipal tem revelado falhas sucessivas. Não existem apoios consistentes às comunidades vulneráveis, capazes de ajudar as famílias a superar as barreiras impostas pela pobreza. Muitos pais saem de casa de madrugada para trabalhar e não conseguem acompanhar os filhos no percurso escolar.»

O executivo do Partido Socialista (PS) tem apostado, durante anos, em políticas educativas erradas, e os resultados estão à vista de todos. Basta comparar com o concelho vizinho, Oeiras, onde os bairros têm registado maior progressão, mobilidade e ascensão social do que na Amadora.

Para compreender este processo de declínio da Amadora na área da educação, é também necessário analisar os efeitos do Programa Especial de Realojamento (PER, 1993), que identificava áreas urbanas degradadas em Lisboa e Porto.

Posteriormente, surgiram as chamadas «zonas urbanas críticas» e os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Ambos seguem a lógica de territórios vulneráveis, articulando políticas de habitação, inclusão social e educação. As Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), conceito oficial em França desde os anos 1980/1990 no âmbito das políticas urbanas, foram adaptadas em Portugal sob diferentes designações (PER, TEIP e bairros críticos), mas sempre com o mesmo objetivo: corrigir desigualdades territoriais.

Os contratos TEIP, na prática, direcionam a maioria para cursos profissionalizantes pouco valorizados e com escassa saída profissional, como cabeleireiro, jardinagem ou empregado de balcão — áreas muitas vezes desajustadas da realidade estratégica do município. Não há um alinhamento entre os planos estratégicos da Câmara e as necessidades reais do concelho, sobretudo no que diz respeito à formação e mão de obra qualificada.

Segundo Pierre Bourdieu

No livro Les Héritiers: Les étudiants et la culture (1964), escrito com Jean-Claude Passeron, Pierre Bourdieu analisa a relação entre origem social e sucesso escolar, mostrando como a escola, em vez de promover a igualdade de oportunidades, tende a reproduzir as desigualdades sociais.

Aplicando esta análise à Amadora, percebemos que:

1. Herdeiros culturais – Os filhos das classes médias e altas entram na escola já munidos de um «capital cultural» herdado da família: hábitos de leitura, vocabulário, referências culturais, modos de expressão. Estes recursos são justamente os que a escola valoriza, dando vantagem a estes estudantes.

2. Desigualdade mascarada de mérito – A escola apresenta-se como neutra e meritocrática, mas, na prática, favorece quem já possui capital cultural. O sucesso, portanto, é menos fruto do esforço individual do que da origem social.

3. Reprodução social – Ao premiar os «herdeiros», a escola contribui para a reprodução das elites e das desigualdades. Os alunos das classes populares, por não dominarem esse capital cultural, enfrentam barreiras adicionais.

4. Crítica à meritocracia escolar – O conceito de mérito desconsidera os pontos de partida desiguais. Assim, a escola legitima privilégios herdados como se fossem talentos naturais.

Em resumo: os «herdeiros» são os estudantes das classes favorecidas que chegam à escola já preparados para responder às exigências culturais do sistema. Isso perpetua a desigualdade social.

O Caso da Amadora

Muitas famílias pobres, com baixa escolaridade, foram induzidas a colocar os filhos em cursos profissionalizantes, por serem anunciados como de rápida saída profissional. No entanto, esses cursos são pouco valorizados e nem sempre correspondem às necessidades do mercado ou do concelho.

A evolução do projeto TEIP ilustra o falhanço das políticas educativas:

TEIP I (1996-2006): cerca de 35 escolas/agrupamentos em todo o país.

TEIP II (2006-2008): mais de 100 agrupamentos, incluindo vários na Amadora.

TEIP III (2008-): quase todos os agrupamentos da Amadora foram integrados.

TEIP IV (atual): confirma a tendência de aumento em vez de redução.

Na Amadora, os agrupamentos TEIP incluem:

Agrupamento de Escolas D. João V

Agrupamento de Escolas Mães d’Água

Agrupamento de Escolas Cardoso Lopes

Agrupamento de Escolas Fernando Namora

Agrupamento de Escolas Amadora Oeste

Agrupamento de Escolas José Cardoso Pires

Agrupamento de Escolas Seomara da Costa Primo

O aumento contínuo de escolas TEIP no concelho demonstra que as políticas não têm conseguido diminuir a vulnerabilidade educativa. Pelo contrário, cristalizam-na.

Conclusão e Proposta

Se nada for feito, os jovens da Amadora continuarão abandonados à sua sorte, muitos nas ruas, condenados a percursos que podem culminar na prisão. Isso não só destrói famílias e comunidades, como representa um custo económico muito mais elevado para o Estado do que investir em educação de qualidade.

É urgente reformular a política educativa municipal:

* Criar escolas profissionais de modelo dual, articuladas com o mercado de trabalho.

* Estabelecer projetos-piloto inovadores, envolvendo todos os intervenientes locais.

* Integrar educação, cultura, desporto e arte como pilares para o futuro dos jovens.

* Substituir a lógica de abandono por uma rede de suporte comunitário.

Só assim será possível combater a reprodução da desigualdade social e oferecer à juventude da Amadora um futuro digno, em uma Amadora para todos.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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