|Manuel Gouveia

Elevador da Glória: O neoliberalismo tenta disfarçar os seus crimes

Aqueles que hoje dizem que em Lisboa só se pode votar A ou B, são os mesmos que amanhã te dirão que a maioria está de acordo com a forma como a cidade é gerida, pois votou A ou B. 

CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

A Administração da Carris acaba de reconhecer que mentiu na sequência da tragédia ocorrida a 3 de Setembro. Lembramos que logo nesse dia se soube que o contrato de manutenção dos elevadores tinha terminado a 31 de Agosto. De imediato se colocou a questão: foi assinado um novo contrato? A resposta da Carris foi peremptória: sim, havia um novo contrato e tinha sido assinado a 20 de Agosto. Mas então, onde estava o contrato, que tem publicação obrigatória no site base.gov, onde não se encontrava? A empresa enviou então para a comunicação social um contrato, datado de 20 de Agosto, não rubricado e com as assinaturas tapadas por um quadrado negro. Este:

O problema foi quando se tornou público o contrato efectivamente assinado, que está rubricado e onde se percebe que as manchas que simulavam estar a tapar as assinaturas de facto estavam a tapar a ausência de assinaturas, pois são muito inferiores ao tamanho necessário para tapar as verdadeiras assinaturas. O primeiro contrato era uma montagem: a Carris enviou para a Comunicação Social um reprodução do contrato não assinado, mas colocando as caixas negras a tapar a zona das assinaturas para fingir que o mesmo estava assinado. Mas a Administração da Carris voltou a reafirmar «ter assinado um novo contrato a 20 de Agosto».

Entretanto, a 17 de Setembro é finalmente publicado o contrato na plataforma base.gov, já devidamente assinado e rubricado, e de facto o que lá se encontra é o segundo contrato aqui revelado, assim confirmando a montagem realizada pela Carris para a Conferência de Imprensa de dia 4 de Setembro. Mas mais grave: na sequência de um questionamento do Correio da Manhã, a Administração da Carris foi obrigada a reconhecer que o contrato só fora efetivamente assinado a 4 de Setembro, um dia depois da tragédia. Mas, garante, isso aconteceu apenas porque entre 20 de Agosto e 4 de Setembro esteve a reunir as 2 assinaturas necessárias, processo complicado pois estava-se «em período de férias» e o facto do mesmo só se ter realizado no dia seguinte à tragédia foi «uma coincidência».

Começa a ser insuportável a sucessão de mentiras em que a Administração da Carris se deixa enrolar sobre este contrato. E, claro, coloca-se a questão: alguém acredita que esta tentativa de esconder que o contrato não estava assinado a 3 de Setembro foi feita sem o conhecimento de Carlos Moedas? Se tivesse sido, a Administração da Carris já estava demitida!!!

Este tipo de atitude só pode ter uma resposta por parte do povo de Lisboa. Similar àquela que o povo espanhol deu quando o Governo do PP passou os dias seguintes à tragédia de Atocha a fingir que acreditava que esta tinha sido consequência de um atentado da ETA. Porque as mentiras sucessivas sobre o contrato de manutenção dos elevadores mostram que os gestores políticos da tragédia estavam, no dia 3 de Setembro, e nos seguintes, e hoje ainda, essencialmente preocupados em salvar o seu próprio pelo. 

«Alguém acredita que esta tentativa de esconder que o contrato não estava assinado a 3 de Setembro foi feita sem o conhecimento de Carlos Moedas? Se tivesse sido, a Administração da Carris já estava demitida!»

Dito isto, importa deixar sempre claro que não foi pela falta de assinatura num papel que o Elevador caiu. Pode ser por falta desse papel assinado que as seguradoras fujam às suas obrigações, mas o Elevador não caiu por causa de um papel não estar assinado. Caiu por um conjunto de factores que devem ser apurados, e sobre o qual é necessário esperar pelo apuramento técnico, e caiu por um conjunto de opções políticas, desde a de entregar a manutenção a serviços externos até à arrogância neoliberal de administradores surdos a todos os alertas dos trabalhadores da empresa.

Nos primeiros 100 anos da sua existência, um conjunto de trabalhadores da Carris assegurou, com sucesso, a manutenção dos elevadores. Foram, no essencial, substituídos por advogados, juristas, administradores e empresários, todos a regular o trabalho de um décimo dos trabalhadores e dos técnicos. Os critérios economicistas sobrepuseram-se à razão, à experiência, à segurança. As redundâncias passaram a ser um custo. Quando houve os primeiros incidentes, só se preocuparam em fugir às responsabilidades e em não aumentar custos. Este modelo neoliberal é um desastre: é o desastre.

Agora fala-se muito da necessidade de o GPIAAF [Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários] investigar e produzir um relatório. Mas, tal como o PCP já denunciou várias vezes na Assembleia da República, os anteriores relatórios sobre acidentes ferroviários incluíam sempre o alerta de que as anteriores conclusões não tinham sido tidas em conta. E não tinham sido tidas em contas porque o poder político (do PS ou do PSD) só se preocupa com os relatórios como um mecanismo de afastar o apuramento de responsabilidades para uma data indeterminada.

Por muito insuportável que Moedas se tenha tornado, e tornou-se, o que é verdadeiramente insustentável é esta política neoliberal, que PS e PSD vêm impondo à cidade (e ao país). Uma política neoliberal a que, em Lisboa, já se rendeu o BE, o Livre e o PAN, e que IL e CH só querem intensificar. É preciso que a justa indignação sentida por tantos não morra na praia das alternâncias, onde não se muda o que é preciso mudar porque se fica preso nas armadilhas do voto dito útil.

Porque, não haja dúvidas: aqueles que hoje dizem que em Lisboa só se pode votar A ou B, são os mesmos que amanhã te dirão que a maioria está de acordo com a forma como a cidade é gerida, pois votou A ou B. 

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