Houve esta semana mais um episódio deste imenso e insuportável «culebrón» que o Governo e a multinacional Vinci (a quem a ANA foi vendida ao desbarato) continuam a protagonizar, onde basicamente se pretende que se está a fazer algo, quando na realidade se está a deixar arrastar o processo, se está a adiar a entrada em funcionamento do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), e se está a tentar manter o actual aeroporto a funcionar o máximo de tempo possível.
Depois da Vinci e do Governo terem anunciado em Dezembro que o NAL iria custar dez mil milhões de euros, depois de o Governo ter anunciado em Abril que o NAL, com as infra-estruturas, iria custar 30 mil milhões de euros ao Orçamento do Estado, declaração pela qual toda a gente que olhe para Pinto Luz ainda hoje deveria começar a rir às gargalhadas, vem agora a Vinci afirmar que está a procurar uma solução mais barata, com menos valências. Veremos o que aí vem, e quando vier far-se-á a denúncia.
Mas, agora o que importa denunciar é que:
1. O NAL, que se não fora a privatização estaria inaugurado em 2017, continua a não ser construído, com o Governo e a Vinci a realizarem declarações periódicas para eleitor ver, mas sem avançar nada;
2. O aeroporto da Portela continua a ser utilizado, sem as mínimas condições, continua a prejudicar o país, e assim vai continuar todo o tempo em que este pingue-pongue durar1;
3. A Vinci, que com as receitas da ANA poderia pagar a construção de dois aeroportos e ainda assim chamar «o negócio do Século» à negociata realizada com Arnaut e o PSD/CDS, continua a construir um quadro mediático para que o povo português aceite entregar-lhe novamente as concessões das pontes sobre o Tejo, prolongar a concessão dos Aeroportos, aumentar ainda mais as taxas aeroportuários, assumir o custo de todas as infra-estruturas, financiar uma parte da obra e deixar o aeroporto da Portela a ser explorado pela multinacional.
De facto, as privatizações são maravilhosas, como nos dizem todos os dias a IL e o CH, irmanados nesta santa causa com os velhos acólitos do PS e do PSD.
Entretanto, os lucros crescem
Foi também publicado o Relatório e Contas 2024 da ANA, que veio confirmar o crescimento dos lucros e da operação. Os lucros cresceram para 517 milhões de euros. O crescimento da operação foi possível, no essencial, graças aos investimentos realizados pelo Estado no controlo aéreo, através da empresa pública NAV [Navegação Aérea de Portugal].
O que deveria espantar, mas já não espanta, é que a ANA hoje realiza uma operação que é o dobro da de 2012 (mais do dobro em passageiros, quase o dobro em aeronaves), mas tem menos trabalhadores que nessa altura (menos 16%). O aumento da exploração – menores salários, piores condições de trabalho, mais precariedade – é a marca dos aeroportos portugueses geridos pela Vinci, e uma das causas objectivas da sua degradação.
«O que deveria espantar, mas já não espanta, é que a ANA hoje realiza uma operação que é o dobro da de 2012 (mais do dobro em passageiros, quase o dobro em aeronaves), mas tem menos trabalhadores que nessa altura (menos 16%).»
Quanto ao investimento, ele cresceu ligeiramente face aos anos anteriores da gestão privada, mas sendo o ano de maior investimento realizado durante os 12 anos de gestão privada, os 105 milhões de investimento em 2024 são: um investimento menor que o realizado em cada um dos últimos 10 anos de gestão pública da ANA; e apenas 8,1% face ao volume de negócios, menos ainda que no ano anterior.
Mas, mais uma vez, esta quebra no investimento não nos pode espantar. Não só foi sempre assim com a gestão privada, como é a mesma receita que o Governo PSD/CDS aplica (tendo-a aprendido com o PS): em vez de investir, fazem-se anúncios de investimento; poupa-se uns trocos, que no caso da Vinci vão para os accionistas, no caso do Governo vão para o «excedente». O atraso, esse, é para dividir por todos – afinal vivemos em democracia.
- 1. Como não recordar o final do Amor em Tempos de Cólera, com a consciência que o Amor das multinacionais pelo dinheiro, se não é tão épico como o de Florentino Ariza por Fermina Daza, é seguramente maior: «— E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? — perguntou. Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites. — Toda a vida — disse.»
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