Na passada terça-feira a Comissão Técnica Independente (CTI) nomeada pela Assembleia da República, com a missão de «proceder à avaliação independente dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017, em território de Portugal Continental», entregou ao Presidente do Parlamento e aos Grupos Parlamentares o relatório do seu trabalho1.
O referido documento foi trabalhado ao longo dos últimos três meses por uma equipa, que tive a honra de integrar, com uma composição multidisciplinar.
«É importante que os senhores deputados do PSD e do CDS leiam com atenção este Relatório e identifiquem as responsabilidades, que lá estão plasmadas, dos Governos de que foram responsáveis»
Para a elaboração do relatório final foram feitas mais de uma centena de audições individuais, analisados dezenas de documentos de informação setorial, visitados os concelhos afetados pelos incêndios em apreciação e refletidos inúmeros dados estatísticos, oriundos de múltiplas e credíveis fontes.
Na discussão coletiva de toda a informação recolhida foram consensualizadas conclusões, técnica e cientificamente sustentadas, bem como construídas recomendações nas diversas áreas sobre as quais a CTI se debruçou. Com todo este trabalho foram também identificadas vulnerabilidades sistémicas, tanto no domínio da gestão do território como da proteção civil.
Este foi o documento entregue aos legítimos representantes dos portugueses na Casa da Democracia.
No final da cerimónia de entrega do documento a CTI, através do seu presidente, prestou declarações aos órgãos de comunicação social. Um ato normal nestas circunstâncias.
Os apressados comentários dos deputados do PSD e CDS
Entretanto, e em fila de espera, já estavam os deputados do PSD e do CDS que tinham acabado de receber o Relatório, para se pronunciarem sobre um documento que não leram, colando-o às suas teses de luta política como oposição.
Não questiono a legitimidade de dois partidos representados na Assembleia da República se pronunciarem sobre matéria tão relevante, no pleno exercício dos seus direitos parlamentares. O que me repugna é o oportunismo do PSD e do CDS, ao se apressarem a fazer comentários sobre um documento recebido minutos antes e sobre o qual, seriamente, não poderiam ter posição.
É importante que os senhores deputados do PSD e do CDS leiam com atenção este Relatório e identifiquem as responsabilidades, que lá estão plasmadas, dos Governos de que foram responsáveis.
O Relatório da CTI faz um conjunto de recomendações fundamentadas sobre diversos domínios desta problemática, a partir da identificação de erros da política de sucessivos Governos.
A situação do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)
A propósito da fragilização dos serviços do Estado, a CTI foca-se na situação vivida atualmente no Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e sublinha:
«A gestão pública deve e tem que se constituir exemplar a todos os níveis, sobretudo na garantia da valorização e salvaguarda de bens comuns e da segurança pública e privada. A má gestão de um bem público, com a dimensão e expressão a todos os níveis, das matas nacionais ou dos perímetros florestais, constitui um péssimo serviço, além de pôr em causa todas as vantagens defensáveis nos sistemas de intervenção do Estado. Não deve haver qualquer complexo em clarificar o papel da instituição responsável pelo setor florestal no Continente (atualmente o ICNF). Deve ficar claro se a instituição deve assumir apenas um papel regulamentador, ou se, pelo contrário, é necessário reestruturar completamente e reforçar significativamente este organismo para que possa cumprir cabalmente, de forma ágil, eficaz, e de proximidade, os desígnios de sustentabilidade dos recursos florestais tão necessários ao País.
Os acontecimentos de outubro de 2017, nas matas nacionais, terão que ser devidamente considerados, para que se proceda à indispensável reorganização das instituições responsáveis pelo setor, e à decisão sobre como deverá ser implementada a gestão das áreas públicas. É por isso necessário proceder a uma análise e reflexão profunda do que tem sido a instituição nos últimos anos, dos resultados práticos desse desempenho no território e nos cidadãos, e à definição e organização das suas responsabilidades futuras, sua implementação e capacidades necessárias» (Relatório CTI, 2018).
Esta e outras questões que o Relatório suscita, devem merecer particular atenção de todos quantos olham para o país e para a nobre ação política com seriedade.
- 1. Além deste relatório, disponibiliza-se aqui o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) sobre os incêndios de Junho de 2017.
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