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A propósito da taxa de subsolo – Uma certa forma de governação do PS

Apesar de a lei prever, expressamente, que as operadoras não podem fazer repercutir nos utentes a taxa cobrada às concessionárias, estas faziam exactamente isso, transferindo a taxa para os utentes.

A proposta do PCP permite baixar os valores da factura do gás natural
CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A Taxa de Ocupação de Subsolo (TOS) nasce de uma realidade que se foi impondo: estavam privatizadas a generalidade das empresas que utilizavam o subsolo nacional para distribuir e comercializar gás natural, elas geravam e acumulavam lucros gigantescos à custa dos utentes, e era de razoável justiça que pagassem aos municípios essa ocupação do subsolo. Até hoje, 62 municípios aprovaram uma TOS. 

Só que, onde os municípios aprovaram uma taxa, as empresas fizeram-na repercutir nos utentes, e, na realidade, em vez de se taxar as empresas estava-se a taxar os utentes.

A partir de 2017, por expressa previsão do Orçamento do Estado para 2017, os Operadores das Redes de Distribuição de gás natural deixam de poder cobrar essa taxa aos utentes. Passa a estipular a lei que a taxa deve ser paga pelas próprias operadoras, naturalmente reduzindo as suas margens de lucro. O PS, face ao quadro político em que o Orçamento do Estado para 2016 foi aprovado, viu-se obrigado a aceitar essa medida, mas deixou-lhe um penduricalho, um truque que utilizaria múltiplas vezes até se tornar uma das marcas da sua governação. Esse penduricalho destinava-se a impedir a entrada em vigor da medida, salvaguardando os interesses dos grandes grupos económicos. Desta vez o penduricalho seria um artigo a colocar a necessidade de promover outras alterações legislativas em paralelo1. Um belo truque, estabelecer o princípio e anular-lhe a eficácia simultaneamente.

«Só que, onde os municípios aprovaram uma taxa, as empresas fizeram-na repercutir nos utentes, e, na realidade, em vez de se taxar as empresas estava-se a taxar os utentes.»

E é assim que, apesar de a lei prever expressamente que as operadoras não podem fazer repercutir nos utentes a taxa que é cobrada às concessionárias, estas faziam exactamente isso, e transferiam a taxa para os utentes. E a Entidade Reguladora rapidamente se rodeou dos pareceres necessários a alimentar a confusão, e a dizer que o penduricalho obrigava a reflectir e a aprofundar e a ponderar e a ter em conta. Continuando os utentes a pagar a taxa que deveriam pagar as operadoras.

O PCP ainda apresentou um projecto de lei em 2018 para tentar desembrulhar esse nó, mas ele continuou bem embrulhado, e a proteger as operadoras em prejuízo dos utentes. O Governo começou então a mostrar como se podia transformar «o empurrar os problemas com a barriga» numa arte. Criou um grupo de trabalho para rever a lei que não era aplicada para que ela fosse aplicada. A cada x meses emitia um novo despacho, alargando o mandato do grupo de trabalho. De cada vez, uma declaração solene garantindo que agora é que os utentes iriam deixar de pagar a TOS. 

Até que, no final de 2021, o grupo de trabalho chega à conclusão… que não consegue chegar a uma conclusão, e, passado uns meses, o Ministério informa ter finalmente tomado uma decisão, e ter pronta uma proposta de lei para resolver «o problema» que ia agora ser discutida no Governo. E assim continua, a 20 de Julho de 2023, mais de outro ano depois, em profunda reflexão interna. As últimas notícias davam nota que a proposta se encontra «presentemente em circulação intergovernamental, que será submetido a procedimento legislativo governamental assim que possível».

Só que entretanto, em Julho de 2023, os munícipes continuam a pagar uma taxa que está proibida de lhes ser aplicada desde o Orçamento de Estado para 2017. Há quase sete anos!

O Supremo já decidiu, mas tudo continua na mesma 

Em 2022, apesar dos pareceres jurídicos que juravam o contrário, e dando mais uma vez o alerta que estes pareceres jurídicos não são lei, são um negócio, o Supremo Tribunal Administrativo condenou – por duas vezes – empresas a devolverem a dois utentes concretos toda a TOS que lhes tinha sido cobrada, considerando ilegal a sua cobrança aos utentes. 

«Até que, no final de 2021, o grupo de trabalho chega à conclusão… que não consegue chegar a uma conclusão, e, passado uns meses, o Ministério informa ter finalmente tomado uma decisão, e ter pronta uma proposta de lei para resolver "o problema" que ia agora ser discutida no Governo.»

Mas tudo continuou na mesma. Porque as decisões só têm poder executivo para o utente em concreto que recorreu aos tribunais e ultrapassou todos os passos necessários para chegar a uma decisão. Haja advogados e tribunais para que as muitas centenas de milhares de utentes atingidos percorram o caminho até receberem as taxas que nunca deveriam ter pago. E haja paciência para o ir fazendo regularmente, porque a devolução é para as taxas reclamadas, e como a prática continua, outra acção judicial vai ser necessário mover para a taxa do próximo mês. 

Porque o Governo continuou a nada fazer e o Estado de Direito transforma-se cada vez mais num Estado da Direita, onde as leis não precisam de ser cumpridas pelos mais poderosos. Pior, o Governo continuou a fingir ser possível nada fazer! Há uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo! Os utentes não têm que pagar TOS, essa é uma obrigação das operadoras que estão há sete anos a afrontar a lei e as decisões dos tribunais. E nem a ERSE nem o Governo mexem um dedo para fazer aplicar a lei.

E é assim que, sete anos depois, o Governo continua, todos os dias, a prometer que os utentes deixarão de pagar a TOS, sendo que os utentes de 62 concelhos continuam a pagá-la todos os meses. 

  • 1. «Podemos assim concluir que – contrariamente até ao que desejariam algumas forças políticas parlamentares, como é o caso do PCP que apresentou uma proposta de lei no sentido de imprimir retroactivamente eficácia operativa directa à norma do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, por via de uma alegada interpretação autêntica da mesma – o Governo e os municípios sempre interpretaram e assumiram que o disposto no n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 era um preceito normativo que carecia de alterações legislativas posteriores em outros diplomas legais – designadamente na lei das comunicações e no regime jurídico da distribuição de gás natural ou na lei do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto prevista e autorizada pelo artigo 86.º da Lei n.º 42/2016 – para poder produzir os seus efeitos jurídicos em concreto, o que, até ao momento, não sucedeu.» in Temas da Energia, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Estudo sobre a TOS.

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