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A precariedade dos investigadores em Portugal: da excelência à dependência

A precariedade sempre foi uma ferramenta usada pelo capital para transformar os trabalhadores em variáveis de ajustamento. A singularidade do sistema científico português está na dimensão do fenómeno.

Créditos / Orange Observer

A investigação em Portugal tem vindo a evoluir significativamente nas últimas décadas. Uma dimensão deste desenvolvimento pode ser aferida no número de doutorados que passou, de acordo com dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), de 19 mil em 2010, para 34 mil em 2019, um aumento de quase 80% em menos de uma década. Tendo começado relativamente tarde face a outros países europeus, Portugal, como bom aluno, logo tratou de aplicar o último grito das políticas neoliberais ao Ensino Superior e à ciência. Os resultados estão à vista.

De acordo com a DGEEC, trabalhavam nas instituições de Ensino Superior um total de 3938 investigadores, entre bolseiros, investigadores de carreira e investigadores a contrato. Destes, e sem contar com os bolseiros, que são de facto trabalhadores científicos a tempo inteiro (as bolsas exigem exclusividade), 2416 tinham um vínculo precário. A taxa de precariedade varia entre 74% e 79% consoante incluímos os bolseiros. Ou seja, a grande maioria dos investigadores portugueses, que trabalham afincadamente para encontrar soluções para os grandes desafios do presente e do futuro, não sabem em rigor qual será o seu futuro imediato, depois de acabar o seu contrato.


CategoriasNúmero
Bolseiros704
Investigadores de carreira818
Investigadores convidados2416
Total3938
% precários s/ bolseiros74,71%
% precários com bolseiros79,23%
Tabela 1 : Investigadores a trabalhar em Portugal nas Instituições de Ensino Superior (Fonte DGEEC, 2021)

Importa notar que estes números apenas abrangem as instituições de Ensino Superior, ficando de fora as chamadas Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL). As IPSFL são instituições de direito privado (fundações, associações, sociedades) criadas, principalmente, por universidades públicas, conseguindo assim o melhor dos dois mundos: um exército de investigadores precários a contribuir para melhorar os seus indicadores trabalhando numa espécie de offshore legal. Existem hoje dezenas de IPSFL dispersas por todo o país que empregam largas centenas de investigadores.

«A lógica vigente de contratualização da ciência através de projetos financiados pela FCT ou por fundos europeus desvia o trabalho dos investigadores para candidaturas complexas e morosas, orientadas quase exclusivamente pelo maior retorno financeiro possível.»

A precariedade sempre foi uma ferramenta usada pelo capital para transformar os trabalhadores em variáveis de ajustamento. A singularidade do sistema científico português está na dimensão do fenómeno que afeta a grande maioria dos investigadores e a normalidade com que as instituições de Ensino Superior encaram este descalabro social. A precariedade na ciência reflete-se em várias dimensões. No plano material representa um tormento para os trabalhadores científicos que ficam limitados nas suas opções de vida. Ao nível profissional, o atual sistema de contratualização do saber coloca-os quase sempre na dependência da boa vontade da hierarquia para ver os seus contratos renovados e numa posição de maior vulnerabilidade face a situações de abuso ou assédio. Para além dos investigadores, também a própria produção científica acaba por ser afetada. A lógica vigente de contratualização da ciência através de projetos financiados pela FCT ou por fundos europeus desvia o trabalho dos investigadores para candidaturas complexas e morosas, orientadas quase exclusivamente pelo maior retorno financeiro possível.

Muitos investigadores estão contratados de acordo com o Decreto-Lei 57/2016 (com as alterações da Lei 57/2017). Este prevê para uma parte deles a abertura obrigatória de concursos para lugares de carreira, no 1.º semestre do 6.º ano de contrato, conferindo-lhes assim uma oportunidade de integração, passando as instituições a arcar com o pagamento dos seus salários. Até aqui, as universidades e politécnicos só lucravam com os projetos, uma vez que os vencimentos eram pagos pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Com o aproximar do termo dos seis anos, muitas delas estão a preparar-se para se furtar às suas responsabilidades, com a chantagem do financiamento. Os próximos tempos serão por isso de luta por parte dos investigadores que não admitem mais um ciclo de precariedade. Os sindicatos da Fenprof já estão no terreno, preparados para mais uma grande batalha.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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