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Porta a Porta. «A habitação não pode servir como mercadoria para especular»

Protestos pelo direito à habitação saem à rua este sábado, em mais de 20 cidades, de Norte a Sul. Numa entrevista ao AbrilAbril, André Escoval, do movimento Porta a Porta, diz que o Governo precisa de acordar para o problema e inverter a política que está a deixar cada vez mais pessoas sem tecto.

Créditos / Porta a Porta

Soubemos recentemente que cada vez mais famílias se instalam em tendas na Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, enquanto outras avançam para a partilha de casa. Que realidades vos chegam?

As realidades que nos têm chegado são de diversa ordem. Esses dois exemplos são bastante claros do drama que se vive actualmente. Há outros mais conhecidos; da cama quente, os episódios mais trágicos de imigrantes a habitarem nos próprios carros, e depois há outra componente, muito larga, do problema da habitação, que vem do grande número de famílias com o futuro hipotecado, nomeadamente jovens que adiam a sua saída de casa, a sua emancipação e autonomia devido às dificuldades de acesso à habitação. É um problema muito vasto. O problema dos trabalhadores que, tendo um trabalho fixo, um salário em concreto, e mesmo assim não conseguem fazer face às despesas com a habitação, é talvez o elemento mais gritante daqueles que são afectados pelo problema da habitação em concreto.

No próximo sábado vão realizar-se acções pelo direito à habitação, em mais de 20 cidades, de Norte a Sul. Qual é o sentimento no terreno?

Nos últimos dias temos conhecido uma grande adesão de Norte a Sul do país às acções que vão realizar-se. Começou por ser Lisboa, logo de seguida juntou-se o Porto e depois foi um pouco a força de vontade das pessoas de se levantarem e dizerem não ao problema com que estamos confrontados que foi gerando esta onda, que é uma onda que parte do problema em concreto para se agir na resolução. Se calhar será uma manifestação histórica no nosso país: mais de 20 cidades com grandes acções a decorrer em simultâneo.

O Porta a Porta deu um contributo muito importante para este processo. Será dos poucos movimentos a nível nacional que, com uma estrutura organizada, participará nas 22 acções que estão convocadas. Enfim, temos feito o nosso papel na procura da unidade. Este é um problema que só se resolverá efectivamente pela luta da população em torno desta matéria. Nós vimos a reacção do Governo a seguir ao dia 1 de Abril, vemos agora estas medidas que antecipam o 30 de Setembro, de algum modo a procurar pôr água na fervura e a atirar areia para os olhos, mas a população, tendo em conta a dimensão do problema, já não se deixa equivocar com falsas soluções. E felizmente há esta adesão à luta que é fruto da organização e de muito trabalho unitário desenvolvido por muitos movimentos no terreno, onde o Porta a Porta, com esta dimensão nacional, tem um papel muito relevante.

Porque o problema da habitação deixou de ser exclusivo dos grandes centros urbanos...  

É um problema transversal a todo o País, se olharmos para os preços médios do arrendamento percebemos a dimensão do problema. É raro o distrito do País em que um salário mínimo basta para arrendar um T1, ora isto dá-nos a proporção da dificuldade. Os valores médios do arrendamento rondam os 700 euros hoje em dia, se tivermos em conta o todo nacional. A partir do salário mínimo percebemos a dimensão geral do problema, mas isto depois tem realidades diversas entre si. Por exemplo, um T2 em Lisboa custa cerca de 1800 euros, hoje em dia. Portanto, dois salários mínimos não fazem face à despesa com a habitação e isso tem trazido muita gente que até há pouco tempo não se via confrontada com o problema. 

No final de Agosto, o representante dos proprietários dizia não haver «justificação possível» para voltar a travar a actualização das rendas, em 2024. A verdade é que, e como já referido aqui, trabalhar deixou de ser suficiente para manter um tecto, mas ninguém fala da necessidade de se aumentarem os salários.

Ninguém fala do aumento dos salários, tal como ninguém fala de outro aspecto, é que a habitação é só uma componente das despesas fixas das famílias. Depois, como é que se faz face à alimentação, à educação, às questões de saúde, à vida propriamente dita? Nós temos dito e insistimos muito nesta ideia: o que devia estar hoje na ordem do dia da discussão não é quanto é que as rendas vão aumentar ou se vão aumentar, o que se exige ao Governo é uma política que faça efectivamente baixar os preços da habitação, e isso é obrigatoriamente baixar os custos com a prestação da casa, o crédito, e baixar os preços das rendas.

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Os professores também precisam de «Casa Para Viver»

A Fenprof/CGTP, estrutura sindical mais representativa do sector, apelou a que todos os professores aderissem às manifestações populares «Casa Para Viver», que se vão realizar este Sábado, em vários pontos do País.

Vários movimentos pelo direito à habitação realizaram hoje, 22 de Junho de 2023, uma acção de protesto em Lisboa com o mote «O + Habitação não serve a população!». O protesto foi convocado pela plataforma Casa para Viver, que agrega movimentos como o Porta a Porta – Casa para Todos. 
CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A 23 de Setembro, uma reportagem da SIC revelava a situação do professor de Educação Física Rui Garcia, residente em Ponte de Lima, que se viu forçado, este ano, a dar aulas a cerca de 400km de casa, em Elvas. Sem conseguir arranjar casa, com vínculo precário há décadas, o professor não encontrou outra solução que não viver numa carrinha, fazendo as refeições e a sua higiene no espaço da escola.

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Habitação: muita gente sem casa, tanta casa sem gente

Como é que uma crise na Habitação convive com as cerca de 160 mil casas vazias na zona da Grande Lisboa? Quando 1 em cada 10 casas está desabitada no Porto? Quando 14% de todas as casas em Portugal estão vazias, sem ocupação, sem locatários e sem função?  Portugal é dos países da OCDE com maior número de casas por mil habitantes, a situação não pode deixar de causar estranheza: como é que com tanta construção, continua a ser impossível encontrar habitação a preços acessíveis? Neste episódio do Megafone conversámos com o Tiago Mota Saraiva, Arquitecto, Luís Mendes, Geógrafo do IGOT e membro da direcção da Associação de Inquilinos Lisbonense, e Susana Mourão, Socióloga e Coordenadora do Plano Local de Habitação da Câmara Municipal de Évora.

Como é que uma crise na Habitação convive com as cerca de 160 mil casas vazias na zona da Grande Lisboa? Quando 1 em cada 10 casas está desabitada no Porto? Quando 14% de todas as casas em Portugal estão vazias, sem ocupação, sem locatários e sem função?  Portugal é dos países da OCDE com maior número de casas por mil habitantes, a situação não pode deixar de causar estranheza: como é que com tanta construção, continua a ser impossível encontrar habitação a preços acessíveis? Neste episódio do Megafone conversámos com o Tiago Mota Saraiva, Arquitecto, Luís Mendes, Geógrafo do IGOT e membro da direcção da Associação de Inquilinos Lisbonense, e Susana Mourão, Socióloga e Coordenadora do Plano Local de Habitação da Câmara Municipal de Évora. 


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Rui Garcia não é caso único. Todos os anos, milhares de professores são obrigados a deslocar-se dezenas (ou centenas) de quilómetros para ocupar uma posição numa escola, afastando-os das suas casas, das suas famílias e das suas comunidades. O preço especulativo das casas tem, na última década (desde a imposição da Lei Cristas, que desregulou o mercado imobiliário), sido um dos factores mais graves factores na precarização dos profissionais da educação.

Se aos custos proibitivos da habitação em Portugal, e o «aumento sem precedentes das taxas de juro», juntarmos «o preço dos combustíveis e a inflação que atinge fortemente os bens alimentares, conclui-se que muitos professores têm despesas superiores ao salário que auferem», denuncia a Federação Nacional dos Professores (Fenprof/CGTP-IN), em comunicado enviado ao AbrilAbril.

Vários jovens afastam-se da profissão pelo elevado custo de vida, considera a federação sindical, sendo muitos deles «obrigados a rejeitar as colocações que obtêm» por incapacidade financeira. Da parte do governo e das autarquias, «mesmo daquelas em que a falta de professores é mais sentida, nada é feito no sentido de garantir a colocação e fixação dos professores nas zonas em que o custo de vida é mais elevado, desde logo o da habitação».

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Professores: na falta de respostas não faltará luta

As organizações sindicais de docentes não desarmam e vão avançar com uma caravana pelo país intitulada «Pela Profissão Docente e pela Escola Pública». A  Estrada Nacional 2 será o caminho da luta. 

Centenas de professores concentraram-se, no dia 3 de Janeiro de 2023, em frente ao Ministério da Educação, Lisboa, enquanto uma delegação da Fenprof entregava um abaixo-assinado com mais de 43 mil assinaturas de docentes e educadores ao ministro João Costa, contra as propostas de alteração ao regimo de concursos apresentada pelo Governo PS. 
CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Depois de parar por duas vezes nas várias capitais de distrito com greves em simultâneo, os professores vão desta vez fazer o país de lés-a-lés numa caravana reivindicativa.  É a FENPROF que dá a conhecer a acção numa nota de imprensa assinada ASPL, FENPROF, Pró-ordem, SEPLEU, SINDEP, SIPE, SPLIU e SIPE. 

A caravana terá como lema «Pela Profissão Docente e pela Escola Pública» e irá arrancar de Chaves a dia 22 de Maio, terá sete etapas, e passará por 30 cidades até chegar a Faro no dia 30. Por onde passar irão desenvolver-se acções de contacto com as populações, concentrações e plenários de professores, entre outras actividades.

A ideia é ter um processo preparatório para as manifestações que irão ocorrer no dia 6 de Junho que terá como elemento central os resultados das negociações com o ministro da Educação que estão a ocorrer. 

Recorde-se que ontem a FENPROF abandonou a reunião de negociação suplementar que estava a ter com o ministro da Educação por considerar que havia uma «postura anti-democrática». Segundo a federação sindical da CGTP-IN, o ministro da Educação revelou que o documento que apresentou na primeira reunião de negociação não vai sofrer qualquer alteração, mesmo após a realização de três reuniões políticas e de uma outra de teor técnico, algo que a FENPROF caracteriza de «uma encenação».

Na senda da reacção após a saída da reunião, a FENPROF acusa o Ministério de «prosseguir com os procedimentos disciplinares contra os professores que fizeram a greve da Administração Pública a 17 de março, para a qual não estavam decretados serviços mínimos» e afirma que «irá apresentar ao DIAP de Lisboa todos os casos de que tem conhecimento de faltas injustificadas e processos disciplinares aplicados indevida e ilegalmente a estes professores e educadores».

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Por todas estas razões, a Fenprof e os sindicatos de professores que a integram anunciam a sua participação «nas manifestações pela habitação que se realizam no próximo sábado, dia 30 (15h), em Lisboa e noutras localidades do país». Até ao momentos, estão agendadas 20 manifestações em todo o país, organizadas por dezenas de associações que participam na plataforma Casa Para Viver.

«A Fenprof apela à participação dos professores nestas manifestações, não apenas aos que são directamente afectados por este grave problema, mas a todos, porque este é um problema que diz respeito a este grupo profissional, mas também a todos os portugueses e portuguesas».

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Esta era a discussão que nós precisávamos de travar hoje no nosso país. Aquilo a que estamos assistir, com este tempo que medeia entre a incerteza das medidas que o Governo vai tomar ou não, é a mais uma vaga de despejos, mais uma vaga de extinções de contratos, para os próprios senhorios anteciparem aquilo que é o movimento do Governo: famílias a serem postas na rua, hoje, para a mesma casa ser alugada amanhã, se calhar pelo dobro do preço, para fugirem a eventuais medidas que o Governo tome. Em contrapartida, por exemplo, quando o Governo quis terminar com as bonificações aos certificados de aforro não disse nada a ninguém, fez do dia para a noite e este problema não se colocou. Há, portanto, uma opção política de fundo a gerar este problema e nós precisamos de discutir como é que fazemos baixar os custos com a habitação, independentemente se é de renda ou se é de crédito, e não esta discussão em torno de quanto ou como é que vai subir, ou como é que estagnamos os preços no patamar em que estão. Ora, no patamar em que estão não podem estagnar porque já vimos as consequências directas na vida das pessoas.

Entretanto, continuamos a assistir a lucros escandalosos da banca, graças à subida das taxas de juro que asfixia cada vez mais famílias.

Foi muito curioso, nesta volta que a ministra da Habitação fez para supostamente ouvir os representantes dos proprietários e dos inquilinos, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Menezes Leitão, dizer que o conjunto de propostas do Governo que estavam em cima da mesa só deixavam uma das partes intocada e essa parte era a banca. São os próprios proprietários que já assumem isso, sem nenhum tipo de pejo; existirem 11 milhões de euros por dia fruto desse lucro diário que vem do crédito à habitação. As famílias a irem para a rua e a banca continuar a engordar é uma contradição insanável. O Governo só alterará a política da habitação quando decidir, efectivamente, colocar os lucros da banca em causa, e é isso que se exige nesta fase. 

Para além disso, o que é que o Governo deveria estar a fazer?

Aquilo que o Porta a Porta tem vindo a colocar em cima da mesa é que são necessárias medidas que façam baixar os custos com a habitação. No concreto dizemos que deveria ser fixado pelo Governo um limite de 35% do valor de pagamento das prestações nos créditos das famílias. Portanto, nenhuma família paga mais do que 35% do seu salário líquido na prestação ao banco. Isto para quê? Para permitir que as pessoas tenham vida, ao mesmo tempo que têm tecto, terem vida. E dizemos outra coisa, que isto era facilmente solucionável se o Governo determinasse que se aplica aos créditos hoje vigentes a prestação que vigorava no momento em que as taxas de juro começaram a subir, portanto, em Julho de 2022. Isto é das opções do próprio Governo, vimos agora medidas que não têm sequer este alcance, mas que o Governo aprovou em Conselho de Ministros. Tomar estas que nós propomos também só depende da decisão do Governo. É uma opção política. 

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Famílias cada vez mais expostas à subida das taxas de juro no que toca à habitação

O anúncio do BCE das subidas das taxas de juro confirmou que para as instituições europeias vale tudo. As taxas Euribor reflectem esse aumento e confirmam que as dificuldades vão aumentar, mas para quem trabalha.

Créditos / portugalbuyersagent.com

Para as famílias que estão a pagar créditos à habitação aos bancos adivinham-se já grandes dificuldades. Vem aí um aumento das prestações dos créditos pelo aumento das taxas euribor a 3 meses, 5 meses e 12 meses, o que aliado a uma inflação de 10% confirma que o futuro poderá ser dramático para muitas pessoas.

Num rápido exercício pode-se ver que num empréstimo de 150 mil euros, com um spread de 1%, quem optou pela Euribor a 3 meses, irá sentir um aumento de 76 euros na prestação, o que corresponde a uma subida de 14,88%. Quem optou pela Euribor a 6 meses sofrerá um aumento de 158,62 euros, mais 33%. Já quem tem um Euribor a 12 meses irá ver a sua prestação aumentada em 234 euros, um aumento de 51,9%. 

Portugal configura-se um país onde os créditos à habitação são na sua maioria indexados à taxa variável. Cerca de 90% dos contratos feitos estão assim dependentes da variação da Euribor que até à uns meses até se encontrava se encontrava negativa. 

O Governo prevê um conjunto de ajudas para atenuar a situação, como a renegociação dos créditos para a diminuição das prestações quando a taxa de esforço seja superior a 40%. Há no entanto o problema central que é o facto da Euribor não ser definida nos países nem com base na sua situação concreta. A taxa de Euribor é calculada pela European Banking Federation é definida com base nas referências dadas por vários bancos escolhidos por esta entidade. 

O European Banking Federation usa então na Alemanha o Deutsche Bank e DZ Bank; na Bélgica o Belfius; em Espanha o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, o Banco Santander, o CECABANK e o CaixaBank S.A.; em França o BNP - Paribas, o Crédit Agricole S.A., o  HSBC France, o Natixis / BPCE, o Société Générale; na Holanda o ING Bank; em Itália a Intesa Sanpaolo e o Unicredit; no Luxemburgo o Banque et Caisse d'Épargne de l'État e em Portugal a Caixa Geral De Depósitos (CGD). 

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Relativamente ao arrendamento, aquilo que nós dizemos é que deveria existir, tendo em conta o estado actual do mercado de arrendamento, uma garantia de renovação dos actuais contratos. Precisamos de dar estabilidade e perspectiva duradoura aos contratos que hoje existem, exactamente para não acontecer aquilo de que falávamos há pouco, que é caducar um contrato hoje para fazer o mesmo contrato amanhã, talvez até com a mesma família, pelo dobro do valor. O Governo deveria emitir uma proibição desta possibilidade e alargando o espectro dos contratos dávamos alguma estabilidade ao mercado do arrendamento. Deveríamos começar a discutir como é que se faz a regulação do mercado do arrendamento na perspectiva da fixação dos preços, é um debate que se impõe. Mas há também uma necessidade profunda de aumentarmos a oferta de património público no mercado de arrendamento, porque aumentando a oferta os preços também irão descer no imediato. Ou seja, continuamos a falar de medidas que só dependem do Governo, apesar de continuarmos a vê-lo dizer que são interesses que não podem ser postos em causa.

Nós temos uma concepção muito clara: o direito à habitação é um direito social de fundo. A habitação não pode servir como mercadoria para especular. Portanto, a função social da propriedade tem que ser posta à frente do lucro da banca. Enquanto o Governo não tomar esta opção de fundo ficam difíceis todas as soluções que é necessário tomar, sendo que na habitação não há uma única solução que resolva o problema, tem que ser o conjunto das medidas a fazer alterar o processo e é esse conjunto de medidas que temos vindo a pôr em cima da mesa. Estas duas, relativamente às rendas e aos créditos, são aquelas que são mais imediatas e necessárias, mas ao mesmo tempo é preciso defender o fim dos despejos e o pôr em causa a morada de família. Com este pacote Mais Habitação, o Governo foi muito célere a tomar medidas que facilitam os despejos. Hoje concretiza-se um despejo em menos de um mês e isso em nada protege as família. No nosso entender, essa é uma das medidas que precisa de ser imediatamente revogada porque são famílias que estamos a atirar diariamente para a rua, para os carros, para o regime de cama quente, para as casas partilhadas, pondo em causa a médio prazo a sociedade tal como a conhecemos. 

Menezes Leitão dizia, ainda a propósito da possibilidade de novo travão no próximo ano, que o problema da habitação «não se resolve com ideologia». Mas tem sido precisamente a lógica neoliberal a alimentar o drama com que as famílias estão confrontadas...

Como se a proposta que ele está a fazer não seja uma componente ideológica da reflexão e como se o Governo não estivesse também a tomar uma posição de fundo, ideológica, quando decide manter as coisas como estão. Essa tem sido a falácia que, sucessivamente, os governos têm vendido: que o mercado se regula, que encontrará as soluções e que isto irá lá pelo funcionamento do mercado. Ora, o que temos visto é que cada vez mais os fundos imobiliários, os especuladores e a banca acumulam lucros, os preços das casas continuam a subir, a oferta diminui e aqueles que precisam de casa vêem o seu problema cada vez mais agudizado. Não acreditamos nisso, entendemos que o Governo tem um dever constitucional de intervir na defesa da habitação como um bem essencial à vida humana, a tal função social da habitação e da propriedade, por isso entendemos que o Governo precisa de agir e há aqui uma questão que é de fundo, a função social da propriedade prevalece sobre a propriedade como mercadoria, como elemento gerador de riqueza.

«Na habitação não há uma única solução que resolva o problema, tem que ser o conjunto das medidas a fazer alterar o processo e é esse conjunto de medidas que temos vindo a pôr em cima da mesa.»

É óbvio que não podemos misturar tudo no mesmo saco. Uma família que aluga uma casa que recebeu de herança não é a mesma coisa que um proprietário que tem dez imóveis ou um fundo que tem um grande leque de propriedades a explorar. O Governo também tem ao seu alcance instrumentos para fazer essa diferenciação, até porque os pequenos proprietários estão a ser atingidos por esta medida. Os pequenos proprietários têm família, se calhar estão a tirar casas do mercado de arrendamento para dar casas aos seus. Não é tudo igual e o Governo deve agir no âmbito da Constituição da República, porque é isso que lhe compete.

A propósito de «não misturar tudo no mesmo saco», como é que olham para o debate em torno do alojamento local?

Muitas vezes, o Governo tem tentado pôr o problema no alojamento local, procurando uma antagonização de posições entre partes. Importa dizer que o alojamento turístico é um problema nas zonas de grave carência habitacional e aí ele deve ser posto em causa. Não em 2030, como o Governo colocou no programa Mais Habitação, mas desde já, porque as famílias precisam de habitação hoje, precisam de casa para morar e nos sítios de grave pressão urbanística é agora que a gente precisa de olhar para essa matéria. Mas, mais uma vez, com medidas diferenciadas.

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Custos com habitação aumentam mais 32% do que salários

Portugal foi o segundo país em que se registou, entre 2013 e 2018, a maior diferença entre a subida dos preços das casas e os dos rendimentos do trabalho.

Lisboa é a cidade onde os preços da habitação são mais elevados
Créditos / Pixabay

Num estudo elaborado pelo economista Eric Dor, da Escola de Negócios IÉSEG da Universidade Católica de Lille, em França, divulgado esta terça-feira pelo JN, concluiu-se que o ritmo médio de aumento acumulado dos valores da habitação no País, entre 2013 e 2018, foi de 32%.

Esta subida ultrapassa os aumentos verificados nos rendimentos de uma família média composta por dois adultos (com o salário médio) e dois filhos a cargo.

«Para avaliar se a aquisição de uma habitação se tornou demasiado onerosa num determinado país, tendo em conta o orçamento dos agregados familiares, convém comparar o aumento dos preços face ao dos rendimentos», lê-se no documento.

Portugal só é ultrapassado pela Irlanda, país onde a diferença entre os aumentos dos preços da habitação e a taxa de crescimento dos rendimentos líquidos de uma família «típica» ultrapassa os 60%.

Aumentos dos preços da habitação

No mesmo período (de 2013 a 2018), em Portugal, a taxa acumulada de crescimento anual do preço das casas foi de 38,6%, o que se traduz num aumento anual médio de 6,72%. Face o que se verifica em outros países da Europa, Portugal só é ultrapassado pela Irlanda, Hungria, Estónia e Suécia, que registam aumentos anuais entre os 7% e os 11%. No pólo inverso, surge a Itália com uma descida anual dos preços das casas em torno dos 2%.

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Aquilo que em Santa Maria Maior (Lisboa), em Lagos (Algarve) ou no Porto é um problema dada a dimensão que o turismo ganhou dentro destas cidades e o problema que causou em termos de habitação, não é igual, por exemplo, ao que acontece na Guarda, em Castelo Branco,ao Alentejo, onde o alojamento local tem sido um motor de desenvolvimento económico. Portanto, são precisas medidas que harmonizem a convivência destas duas necessidades, por um lado, o desenvolvimento do Interior, e tem-se provado que o investimento no Interior tem retorno. Portanto, é possível transferir licenças que hoje existam no quadro das cidades do litoral, onde o problema é mais grave, para o Interior, salvaguardando os interesses dos investidores nessa matéria, mas ao mesmo tempo criando soluções para a habitação pública e permanente, que é o que é necessário nesta fase. E também aí o Governo devia assumir um papel claro e não com tibiezas, onde fazendo de conta que toma medidas, atira qualquer medida para lá de 2030, e isso de modo nenhum nos deixa confortáveis, nem entendemos que sejam uma solução para o problema que vivemos actualmente.

Apesar de ser um direito constitucional, o Estado nunca foi um pilar forte em termos de habitação; 98% é assegurada por privados e a habitação pública existente (2%) restringe-se às camadas mais vulneráveis.

Isso é um paradigma que precisamos de alterar. Nós temos uma média de habitação pública na União Europeia que chega quase aos 20%, Portugal não chega aos 2% de oferta de habitação. Há aqui uma política de fundo. Temos visto a ministra fazer um périplo pelo país nos últimos dias a inaugurar um fogo aqui, outro ali, ora isto é uma política avulsa e uma política que procura dar resposta mediática a um problema que é concreto. O que se exige é que o Governo lance efectivamente um programa de construção de habitação pública para a sociedade, não só para os mais vulneráveis e desprotegidos nesta situação, mas para o conjunto da sociedade. Precisávamos de atingir, no mínimo, a média europeia de habitação pública e aquilo a que assistimos é nada, num quadro inclusive em que o Governo não nos sabe dizer hoje em dia qual é o número de devolutos que tem espalhados pelo País. Infelizmente temos assistido ao encerramento de muitos serviços públicos por este país fora; escolas, centros de saúde, repartições de finanças, etc. O Governo não tem este apanhado feito, não sabe quantos imóveis é que poderia ter em condições mais ou menos céleres de introduzir no mercado. Isto mostra do desnorte e da necessidade de inversão política que é necessário ter sobre esta matéria. 

O que esperam que aconteça depois deste sábado?

A nossa expectativa é que o Governo tenha noção do que está em causa e inverta esta política. Inverter a política não passa por medidas de cosmética, muito menos medidas de fachada. Olhamos para o quadro das medidas apresentadas no crédito à habitação e toda a opinião pública, no momento, disse: «Bem, mas não estamos a resolver nada, o que estamos a fazer é a onerar o futuro daqueles que têm um crédito para a frente.» Aqui não há meias-medidas que se possam tomar. O Governo precisa de acordar para a realidade do problema, pôr os lucros da banca em causa, salvaguardar os contratos de arrendamento existentes e começar a tomar medidas para que os preços da habitação baixem. Esta é a nossa expectativa, é nesse sentido que lutamos e que procuraremos desenvolver a nossa acção nos próximos tempos até que o Governo, de facto, inverta a situação. 

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