O antigo ministro do governo PSD/CDS foi ouvido esta quarta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP (CPI).
Um assumido defensor da privatização (ou não fosse ele próprio um feliz gestor de uma empresa pública privatizada) acabou por reconhecer que esta foi e é uma opção, que ele considera melhor. É que o processo de preparação de todas as privatizações começa com um cenário de inevitabilidade que é falso, como antes já tinha exposto o deputado Bruno Dias, recordando a privatização de 2012, que ou acontecia ou a TAP fechava, e nem aconteceu nem a TAP fechou.
Fundos da Airbus – o que são
Uma das questões muito trabalhadas foi a dos célebres «fundos da Airbus», o dinheiro que David Neeleman usou para comprar a TAP, e que recebeu da Airbus por conta de futuros negócios com a TAP. Ficou demonstrado que o empresário norte-americano «comprou o cão com o pêlo do próprio cão».
Bruno Dias recordou que na primeira proposta vinculativa, Maio de 2015, David Neeleman propunha-se pagar 132 milhões de euros pela transmissão do contrato dos A350 (os 12 aviões de longo curso que a TAP tinha contratados com a Airbus a um preço muito favorável por ter sido a primeira a encomendá-los). Isto contrariava a argumentação anterior de Pires de Lima (na Comissão de Economia) de que essa parte do negócio caíra porque a opção valia zero. Como Bruno Dias lhe recordou, agora sem contestação, uma opção de compra que vale 132 milhões em Maio não passa a valer zero em Junho. A questão foi outra, como a CPI pode constatar ao analisar toda a documentação: essa transmissão foi considerada de duvidosa validade, pois ficava à vista que a TAP estava a ser capitalizada com a compra de algo seu, ou seja, não estava a ser capitalizada. A transmissão da opção de compra desapareceu dos papéis, mas a TAP cedeu na mesma essa posição à Airbus.
A somar a esses 132 milhões de euros, David Neeleman recebeu uma comissão adiantada pela venda de 53 aviões da Airbus à TAP. Uma venda que aconteceu, formalmente, a 12 de Novembro, e foi transmitida à TAP a 13 de Novembro. Como Bruno Dias bem ilustrou, uma empresa pública compra 53 autocarros, comboios ou aviões, e a pessoa que vai às compras fica com o desconto de quantidade para si e usa-o para comprar a dita empresa. Aqui, Pires de Lima tentou defender-se com a ideia de que só seria crime se se pudesse provar de forma definitiva que os aviões tinham ficado mais caros (e há pareceres diferentes sobre isso, o que só por si diz muito das entidades vendedoras de pareceres). Mas o argumento parece não colher: em aviões que custam de 60 a 100 milhões de euros, uma variação de 2 milhões no preço inicial não é fácil de demonstrar de forma definitiva. A melhor prova dessa prática é exactamente o facto de David Neeleman ter recebido a comissão.
Fundos da Airbus – A falta de transparência
Como de costume, a parte onde Pires de Lima se saiu melhor é na responsabilização do PS. Aliás, esta é uma das características do «jogo» político que mantém o status quo: o PSD/CDS critica o PS com razão, o PS critica o PSD/CDS com razão, mas a política continua, no essencial, a ser sempre a mesma.
Hoje, é uma evidência que o Governo do PS conhecia os fundos da Airbus desde 2016 e não os tornou públicos para não dar força ao PCP, que então se batia pela reversão completa da privatização. Quem o admitiu foi Pedro Marques, quando assumiu que em Fevereiro de 2016, depois de uma entrevista de Neeleman o ter alertado, foi procurar a informação e encontrou-a. Se Pedro Nuno Santos, Mário Centeno e António Costa conheciam, é sujeito a discussão: os dois primeiros juram que não, o último ainda nada disse. Mas que Pedro Marques conhecia em 2016 e deveria de tal facto ter informado o seu primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o seu sucessor na pasta das Infraestruturas, isso é evidente. Já para não falar do povo português.
Mas Pires de Lima já foi capaz de precisar, nesta audição, onde tinha deixado a tal informação sobre os fundos da Airbus «à vista de todos»: estava num anexo ao parecer da Pricewaterhouse no meio dos documentos da caixa 14 dos documentos enviados pela Parpública ao Tribunal de Contas (ver caixa com o título «Documentos de Conclusão»). Acrescentamos nós que a caixa 13 tem uma pasta com o capítulo «Origem dos Fundos» que não fala dos fundos da Airbus. É este o conceito de transparência: num anexo de um parecer no conjunto de documentos da 14.ª caixa do conjunto de caixas enviado ao TC e com menção enganadora no índice.
Mais difícil foi explicar por que razão possuía uma carta – que usou na audição – de Fernando Pinto para o Governo português, duma altura em que já não era ministro. Esclareceu que lhe foi passada pela então secretária de Estado do Tesouro (desta vez nem o PSD nem o CH se indignaram com a «bandalheira» e a falta de respeito pela informação classificada...). Uma carta que a CPI sabia existir, mas não tinha ainda sido enviada para a CPI, dando-se assim o paradoxo, como sublinhou Bruno Dias, «que quem devia ter a carta não a tem, e quem não a devia ter tem-na». Recordamos que esta é a carta onde Fernando Pinto, então simultaneamente presidente da Comissão Executiva da TAP e gerente da Atlantic Gateway, diz que é fundamental acelerar a privatização.
Mas a falta de transparência não ficou por aqui. O deputado comunista recordou que não apenas a Auditoria do Tribunal de Contas é omissa sobre os fundos da Airbus, como o Relatório Final da Comissão de Acompanhamento da Privatização também nada diz sobre os fundos da Airbus. Pires de Lima diz que a culpa não é dele se não encontraram o anexo do parecer no meio dos documentos da caixa 14.
Por fim, Bruno Dias chamou a atenção para o facto de a carta de 15 de Setembro da Airbus à empresa de David Neeleman, a DGN, começar com a expressão «Pediram à DGN esclarecimentos...», e que esse pedido de esclarecimentos sobre os fundos da Airbus só podia vir ou da TAP, da Parpública ou do Governo, e isso contradiz o discurso de Sérgio Monteiro de que o governo só soube dos fundos da Airbus a 16 de Outubro. Pires de Lima não negou a evidência, mas jurou que o Governo só tomou conhecimento dos fundos da Airbus a 16 de Outubro. Isto apesar do Memorando de Entendimento de Neeleman com a Airbus ser de 15 de Junho e antes de 15 de Setembro alguém ter pedido esclarecimentos escritos à DGN e à Airbus!
Fomos Todos Enganados
No dia anterior, Pedro Nuno Santos, na Comissão de Economia, começou a desenvolver a tese de que «fomos todos enganados» por David Neeleman. A que Pires de Lima não aderiu totalmente («não quer crer em tal possibilidade»), mas lá foi admitindo que, se de facto o preço de compra dos aviões foi mais alto, então foram todos enganados. Mas aqui há uma ressalva muito importante a fazer, PS, PSD e CDS podem-se ter deixado enganar por David Neeleman. Mas quem mentiu ao povo português e lhe escondeu a verdade, quem assinou os contratos com David Neeleman, dizendo publicamente uma coisa mas sabendo bem que estavam a assinar outra completamente diferente, foram PS, PSD e CDS, e escusam de começar já a procurar álibis, agora que a CPI se aproxima das conclusões e que, a serem justas, só podem ser arrasadoras para a política de direita. Aliás, estão oito requerimentos sem resposta na Assembleia da República, dos anos 2015 e 2016, a solicitar acesso à documentação da privatização da TAP. Sempre negada pelo governo PSD/CDS e pelo Governo PS. Não fossem os deputados descobrir o anexo do parecer na caixa 14.