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O futebol a verde e vermelho

A subida de divisão do Estrela da Amadora e a descida de divisão do Marítimo da Madeira resume uma boa parte das tensões que vivemos perante a forma como se estrutura o futebol profissional em Portugal. 

CréditosHomem de Gouveia / Agência Lusa

O Bairro subiu à Primeira

A subida do Estrela da Amadora à Primeira Liga de futebol recoloca o bairro no patamar mais alto do futebol português. As características deste conjunto colocam em destaque as enormes tensões que podem existir entre identificação local, sociedades desportivas e as exigências do futebol profissional. Já não falamos aqui do Estrela da Amadora que nos anos 80 teve um crescimento meteórico dos Distritais de Lisboa à conquista da Taça de Portugal, mas seguramente uma parte dos adeptos têm ainda uma memória vívida desse período. Não é também já o Clube Desportivo Estrela que em 2018/19 se encontrava, num decrépito Estádio José Gomes, com o Clube de Futebol Os Belenenses, a contar para um Campeonato Distrital, num jogo que mereceria uma história escrita sobre ele. Mas boa parte dos adeptos que voltaram a estar no mesmo Estádio, já de cara lavada, na festa da subida, lembram-se bem desse dia. 

O atual Estrela da Amadora é uma sociedade desportiva, com 90% das suas ações a pertencerem a um fundo de investimento, e que resgatou a posse do Estádio José Gomes após acordo com a comissão de credores. Nasceu da fusão com o Club Sintra Football, o que lhe permitiu uma entrada direta para o Campeonato de Portugal em 2020/21. Quando voltar a estar na Primeira Liga, o Estrela da Amadora traz o bairro, na figura dos seus adeptos, da sua claque Magia Tricolor, da localização do seu estádio, para uma realidade que tem procurado manter toda esta gente fora das suas fronteiras. Depois da enchente vista no Estádio José Gomes no jogo do playoff frente ao Marítimo, com adeptos sentados pelas escadarias das bancadas, com a Magia Tricolor a transbordar para o relvado, ter-se-á pensado se tudo isto se poderia adaptar à realidade do futebol profissional. Mas a questão que devemos levantar é exatamente a contrária. Como é que o futebol profissional se poderá adaptar a esta vida que se reatou com o sucesso do seu clube?

A Madeira fora da Liga

«A maioria dos leões morre em combate uns com os outros», afirmou um dia, à National Geographic, o biólogo americano Craig Packer. Os trinta e oito anos de Marítimo na Primeira Divisão do futebol português terminaram de forma trágica num desempate por penáltis, com as bancadas do seu estádio perfeitamente cheias para festejar uma manutenção que lhes escapou num último instante. O Marítimo da Madeira SAD é controlado em 90% pelo clube, o que permite aos sócios terem uma intervenção ainda direta nos destinos da equipa. Depois de um longo reinado de Carlos Pereira à frente do clube, a chegada de Rui Fontes ao comando, em outubro de 2021, apenas confirmou a fragilização de um projeto desportivo que não se coadunava com a competitividade que encontrava na Liga Portuguesa. Não deixou de parecer dolorosamente irónico ver um conjunto de excelentes jogadores cair num playoff onde o coletivo dos madeirenses nunca apareceu com qualidade suficiente para vencer. A equipa não pôde contrariar o seu destino. 

Mas a verdade é que os Leões da Madeira caem no combate que geraram dentro de si. Este, como tantos outros clubes portugueses, sobrevive nos momentos de fluxo financeiro que permitem uma renovação dos seus plantéis dentro de uma linha competitiva que se tem tornado cada vez mais instável perante a entrada de financiadores e investimentos externos nos clubes da Liga. A queda de divisão é também um baque financeiro, com perdas no valor dos direitos televisivos que continua a ser a bóia essencial para manter estas estruturas à tona. O sofrimento dos adeptos na bancada tem uma razão de ser: percebem perfeitamente que pior do que não ver as melhores equipas visitarem o seu estádio na próxima temporada é o risco que sabem correr de isso não acontecer durante uma longa série de anos, com todas as consequências nefastas que isso pode ter. Mas também é fundamental perceber que a adesão às virtudes do futebol profissional cria uma certa sensação burguesa de manter sob controlo todo o tipo de acontecimentos. O que, numa área onde as grandes decisões dependem de uma bola, raramente é eterna. 

Estrela da Amadora e Marítimo, tal como o Paços de Ferreira, outros dos despromovidos da Primeira Liga, demonstram bem como é fundamental que o futuro do futebol português tenha um pensamento crítico sobre si mesmo. A concentração das atenções nos feitos financeiros de Liga ou Clubes não garante, de forma alguma, o sucesso das estruturas que precisam de vida para florescer. Olhando o número médio de adeptos dos clubes da Primeira e da Segunda Liga percebe-se que a grande maioria dos jogos em Portugal acontecem para bancadas vazias, nos estádios onde ainda há bancadas sequer. Essa ausência das pessoas permite todo o tipo de atropelos ou crueldades que se podem impor a comunidades de sentidos. Dois emblemas onde os adeptos têm palavra caem para a Segunda Liga. Um clube onde os adeptos lutam para manter identidade numa estrutura que tem frágeis ligações à sua terra sobe à Primeira Liga. Perceber o que acontece aqui, para além do jogo, é fundamental para ter uma ideia fiel daquilo que o jogo é. 


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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