|Duarte Caldeira

O «apagão» da comunicação pública 

Uma vez mais fica evidente que o Sistema de Proteção Civil carece de uma estratégia de comunicação de crise, que não esteja capturado pelo frenesim mediático de governantes.

CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

Pelas 11h33 do passado dia 28 de abril registou-se em todo o território do continente um corte total do fornecimento de eletricidade, circunstância que provocou uma generalizada perturbação na atividade de diversos setores, com particular incidência nas falhas nas telecomunicações, no trânsito, na rede de transportes e outros domínios do normal funcionamento do país. A situação atingiu em especial Portugal, Espanha e parte de França.

O «apagão» total motivou o acionamento de diversos planos de contingência, em serviços essenciais, tendo por objetivo fazer face a um evento inesperado, identificam as ações necessárias para que este impacte o mínimo possível a oferta de serviços à população.

Entretanto, quando a ocorrência assume uma maior escala, com graves repercussões na segurança de pessoas e de infraestruturas críticas, entramos no domínio da missão do Sistema de Proteção Civil, enquanto elemento coordenador das ações de resposta à situação criada pelo evento e consequente intervenção dos diversos agentes (forças e serviços), no contexto das missões de cada um.

Para o desempenho dos fins do sistema e cumprimento das respetivas missões, tanto dos referidos agentes, como das autoridades políticas, são elaborados Planos de Emergência de Proteção Civil, gerais ou especiais e de âmbito territorial (nacional, regional, distrital e municipal).

No referido processo de planeamento definem-se os momentos em que intervêm os técnicos e os operacionais, bem como os decisores políticos.

Porém, há um histórico em Portugal de apropriação da parte dos governantes das funções dos técnicos e dos operacionais, contaminando deste modo o espaço mediático, com a utilização abusiva da informação pública (uma das importantes dimensões da gestão de emergência), em especial quando os eventos se desenvolvem em períodos pré-eleitorais.

O que aconteceu no país no passado dia 28 de abril, foi um exemplo de tudo o que não se deve fazer do ponto de vista da credibilização do Sistema de Proteção Civil e do estabelecimento de uma relação permanente de confiança entre este e o conjunto dos cidadãos.

«Há um histórico em Portugal de apropriação da parte dos governantes das funções dos técnicos e dos operacionais, contaminando deste modo o espaço mediático, com a utilização abusiva da informação pública (uma das importantes dimensões da gestão de emergência), em especial quando os eventos se desenvolvem em períodos pré-eleitorais.»

 

Ao longo das 10 horas que o «apagão» durou, sucederam-se as comunicações de governantes, através da utilização dos canais disponíveis e que eram poucos. Destas intervenções, nada de substantivo resultou quanto ao que numa situação destas é fundamental, isto é, ajudar todos os cidadãos a adotarem os procedimentos adequados, privilegiando nestas circunstâncias a utilização eficaz das rádios, o único meio disponível na ocasião e com capacidade de atingir o maior número de cidadãos, em todos os pontos do país, como aliás posteriormente se veio a comprovar, através de declarações de dezenas de pessoas, através da Antena 1, da TSF e da Renascença, que se mantiveram no ar e com a emissão dedicada à situação vivida no país.

Na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), foram acionados os procedimentos organizativos inerentes à situação em presença, nomeadamente o Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON), com a função essencial de «assegurar o controlo da situação com recurso a centrais de comunicações integradas e a eventual sobreposição de meios alternativos», conforme estabelece a Lei de Bases da Proteção Civil. No entanto, falhou em toda a linha a comunicação pública. Falhou, não porque a ANEPC não soubesse da relevância desta variável da gestão de emergência, mas sim, porque o Governo decidiu centralizar em si toda a comunicação pública neste domínio.

Uma vez mais fica evidente que o Sistema de Proteção Civil carece de uma estratégia de comunicação de crise, que não esteja capturado pelo frenesim mediático de governantes, circunscrevendo a sua aparição pública nos domínios legalmente previstos nos instrumentos de gestão de emergência, que a Lei de Bases da Proteção Civil tipifica como «Direção Política» e que se diferencia da «Estrutura Operacional», igualmente tipificada no mesmo diploma.

Sobram ainda outras constatações. 

O SIRESP –  sistema essencial em situações de crise como a que se verificou – voltou a falhar.

Existe um Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, criado por lei, que visa «garantir a organização e preparação dos setores estratégicos do Estado para fazer face a situações de crise, tendo como fim assegurar, nomeadamente: O funcionamento regular dos serviços essenciais do Estado; A segurança e o bem-estar das populações». Este diploma tem quase cinco anos de vigência. Pergunta-se: na prática, para que serve?

«No entanto, falhou em toda a linha a comunicação pública. Falhou, não porque a ANEPC não soubesse da relevância desta variável da gestão de emergência, mas sim, porque o Governo decidiu centralizar em si toda a comunicação pública neste domínio.»

 

Em 2001, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, foi determinada a constituição da «Reserva Estratégica de Proteção Civil», para «manter, em permanência e em condições de operacionalidade, um depósito de bens e de equipamentos destinados ao apoio a situações de emergência, em território nacional ou no estrangeiro, no âmbito da proteção civil e da ajuda humanitária». Cabe perguntar: esta reserva tem a devida dotação de geradores, essenciais para enfrentar uma situação do tipo da que o país viveu?

Perguntas, muitas perguntas que se devem fazer a propósito das consequências do «apagão» e das vulnerabilidades que este revelou.

Mais uma oportunidade para se levar a sério o Sistema de Proteção Civil, adotando-se políticas públicas competentes, baseadas em evidências e conhecimento, e não em retóricas propagandísticas.

O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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