Não é nova a tentativa de branquear o Estado Novo, através da criação de um museu dedicado à figura de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho da mais longa ditadura fascista da Europa.
Segundo o semanário Expresso, o chamado Centro Interpretativo do Estado Novo vai abrir ainda este ano, com as obras a começarem em Agosto. O espaço será o da antiga escola-cantina Salazar, ao lado da casa onde viveu o ditador, em Santa Comba Dão.
A iniciativa avança pela mão do presidente da Câmara Municipal, Leonel Gouveia (PS), que afirmou não se destinar a um «santuário para nacionalistas» mas onde também não se quer «diabolizar o estadista».
Em declarações ao AbrilAbril, Domingos Abrantes, resistente antifascista e ex-preso político, lembrou que este objectivo já está há muito tempo em cima da mesa, por parte dos «saudosistas do fascismo», acrescentando que o significado da iniciativa não pode ser menorizado. «Está em linha de continuidade com uma ofensiva que se tem vindo a intensificar de branqueamento do fascismo», alertou.
Rebatendo o argumento de que um museu sobre Salazar possa ser neutro, afirmou que «é difícil imaginar que se possa tratar de um museu com vista ao esclarecimento do povo português e, sobretudo das novas gerações, em relação ao que foi o fascismo, a repressão, o obscurantismo, os assassinatos, durante 48 anos, do qual esta figura, não sendo única, é em grande parte responsável».
Sublinhou que, ao contrário do que se procura com o Museu do Aljube, em Lisboa, e com o Museu Nacional da Resistência e Liberdade, em Peniche, este não se anuncia como um espaço de denúncia dos crimes e da política de Salazar, apoiada pelos grandes grupos económicos e financeiros. «Aliás, chamam-lhe apenas Estado Novo, nunca falam em fascismo, e o Estado Novo é fascismo», afirmou.
Assembleia da República condenou a criação do museu Salazar
Já em 2008 havia chegado à Assembleia da República uma petição dinamizada pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), com cerca de 16 mil subscritores, que condenava a abertura deste museu.
No texto afirmava-se que o espólio para o acervo museológico – não contando com o que existe na Torre do Tombo – não teria qualquer relevo para o estudo objectivo da história deste período, e que com objectos de uso pessoal do ditador não se construía um centro de estudos. «Este projecto assume o objectivo de materializar um pólo de saudosismo fascista e de revivalismo do regime ilegal e opressor, derrubado pelo 25 de Abril de 1974», lê-se no documento.
Fruto desta petição, viria a ser aprovado por unanimidade o relatório final no sentido de dever a Assembleia da República «condenar politicamente qualquer propósito de criação de um museu Salazar e apelar a todas as entidades, e nomeadamente ao Governo e às autarquias locais, para que recusem qualquer apoio, directo ou indirecto, a semelhante iniciativa». No mesmo relatório ficou expresso que «a Assembleia da República não pode ter uma posição neutral entre a ditadura e a democracia», já que a Constituição da República portuguesa «proíbe as organizações que perfilhem a ideologia fascista».
Para Domingos Abrantes, a condenação expressa na petição de 2008 «mantém-se mais actual do que nessa altura, uma vez que desde então assistimos ao renascer em toda a parte das forças fascistas, que se assumem com maior ou menor timidez».
Considerando esta iniciativa um «insulto às vítimas do fascismo», o ex-preso político deixa o apelo a que se intensifique «a luta contra o que isto significa, em nome da liberdade e dos que sacrificaram as suas vidas para que o povo português pudesse viver melhor».
Historiadores não acompanham a iniciativa
Ao Expresso, o historiador Fernando Rosas transmite também a ideia de que este projecto «será uma forma de tentar atrair turismo político e não de aprofundar a História do regime», e alerta para os exemplos de Predappio, onde nasceu Benito Mussolini, e do Vale dos Caídos, onde se encontra sepultado Francisco Franco, que se transformaram em locais de culto dos neofascistas de toda a Europa.
A historiadora Irene Pimentel referiu igualmente ao semanário que não faz a «mínima ideia» de como vai ser feito e que acredita existir uma «estratégia de elogio da personalidade» do ditador.