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Merkel merece que a condecoremos?

A mulher que esteve 16 anos a liderar os destinos da Alemanha e a condicionar os nossos, profetizando que Portugal tinha de passar pela recessão, vai ser condecorada por Marcelo Rebelo de Sousa. 

Protesto da CGTP-IN contra a visita da chanceler alemã Angela Merkel a Portugal, que foi recebida com várias manifestações em vários pontos da cidade e do país 
CréditosManuel de Almeida / EPA

Seguindo as pegadas de Emmanuel Macron, o Presidente da República anunciou na última quinta-feira que vai condecorar a ex-chanceler da Alemanha «pela sua extraordinária contribuição para a União Europeia, desbravando novos caminhos de construção de solidariedade, bem-estar e diálogo entre os Estados-membros, para o bem dos povos da Europa e para além, num quadro de multilateralismo activo».

Não fosse Marcelo o Presidente de Portugal e diríamos que não sabia nada do que foi a vida dos portugueses quando confrontados com o estrangulamento da política económica da União Europeia com a liderança alemã.

Os tempos de má memória da troika vão ficando distantes, mas há consequências que permanecem bem vivas e têm a mão, umas vezes vísivel, outras invísivel, de Angela Merkel, enquanto responsável por definir o desastroso programa, dedicado a alienar muitas das empresas estratégicas (TAP, ANA, EGF, Fidelidade, REN), reforçar a dependência nacional e pôr Portugal a empobrecer. 

Quando os «credores» se foram finalmente embora, os níveis de emprego só encontravam paralelo nos anos 80 do século passado. Entretanto, meio milhão de portugueses abandonaram o país, comprometendo ainda mais o saldo demográfico nacional. Segundo contas do Laboratório de Demografia da Universidade de Évora, perderam-se até 19 mil bebés com a emigração da troika.

Mais pobres e mais dependentes, foi desta forma que os países do directório de Bruxelas quiseram vincar o nosso retrato. Para o conseguirem usaram a receita perigosa a que todos os dias nos sujeitam: a desinformação. Quem não se lembra de Angela Merkel afirmar que Portugal tinha mais dias de férias do que a Alemanha? Ou que o aumento da idade da reforma no nosso país era uma das receitas para pagar a dívida, e que na Espanha, Grécia e Portugal não se devia poder reformar mais cedo do que no seu país? 

Recorrendo à táctica de opor trabalhadores a trabalhadores, por vezes de forma xenófoba, a semântica de Merkel foi sofrendo oscilações. Depois de ter atirado a matar contra os países do Sul da Europa, fazendo crer que foi um pretenso trabalho bem remunerado e com direitos um dos responsáveis pela crise do euro, Merkel acabou a passar-nos a mão pelo pelo, gabando a «coragem» com que enfrentámos as medidas de austeridade e argumentando com a «solidariedade» dos germânicos. Quando, afinal, foram os trabalhadores e os povos, o português e outros, a salvar a dívida do grande capital alemão.

Ao contrário do que diz Marcelo, a actuação de Merkel não se pautou pela solidariedade porque não é de solidariedade que se constrói o projecto anti-democrático do euro. «Não podemos ter uma moeda única onde uns têm muitas férias e outros poucas», atiçava Merkel. Então e os salários? E a prometida convergência económica? E o pleno emprego? E a coesão social e territorial? E as tantas promessas nunca cumpridas para quem trabalha e trabalhou, mas nunca adiadas para o grande capital? Talvez na resposta a estas questões encontremos a verdadeira justificação para a condecoração, mas ela está nos atímpodas da «construção de solidariedade, bem-estar e diálogo entre os Estados-membros», ou «o bem dos povos da Europa».

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