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|anticolonialismo

Mário Pádua: na morte de um «homem bom»

Médico, comunista, desertor de uma guerra injusta e construtor de mundos novos. A denúncia dos crimes do colonialismo é apenas uma parte da história de um «imprescindível» que lutou toda a vida.

Mário Moutinho de Pádua (1936-2023)
Mário Moutinho de Pádua (1936-2023)Créditos / PCP

Pepetela, o escritor angolano, terá feito uma das mais completas descrições da humanidade de Mário Pádua: «antes de ser um combatente corajoso e de ideias firmes, alguém que sempre se bateu pelos seus ideais, é um homem bom, um homem que conhece as fraquezas dos outros e procura ajudá-los, que percebe as tibiezas e as traições, mas não se vinga delas, apenas desejando a justiça para os injustiçados de todas as sociedades, indiferentemente da cor da pele, do sexo, ou classe social».

Nascido em 1936, Mário Moutinho de Pádua formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra, tendo aderido ao PCP durante os seus estudos (1959). Integra a primeira leva de combatentes a participar na Guerra Colonial (1961), sendo destacado em Angola.

Torna-se, então, o primeiro oficial português a desertar de Angola, em Outubro de 1961, acompanhado pelo cabo Alberto Pinto, também militante do PCP. Ao cumprir esse valoroso acto de valentia e coragem, Pádua «seguiu disciplinadamente a orientação partidária», abandonando o projecto inicial de deserção individual, e integrando-se «no contingente para que foi mobilizado com a tarefa de realizar trabalho de esclarecimento político e fomentar a deserção colectiva». «Cumpriu com honra», considera o resistente antifascista Albano Nunes, numa recente edição do livro Guerra em Angola. Diário de Um Médico em Campanha.

À experiência da violência do fascismo português, Mário Pádua acrescenta um conhecimento em primeira mão da brutalidade da criminosa guerra colonial: Era «um regime político sustentado na tortura, no medo de exprimir o pensamento e, naturalmente, na corrupção mais ou menos oculta», descreve nesse livro. Em Angola e nos restantes países vítimas, a arbitrariedade de um governo fascista, «que alguns procuram suavizar com a designação de autoritário», juntou-se, inevitavelmenta, ao «racismo inerente ao colonialismo para produzir a crueldade normalizada a que assisti».

No Congo Zaire, para onde fugiu, conhece os cárceres do regime controlado pelos assassinos do líder da resistência anti-colonial Patrice Lumumba, onde é exposto a enormes violências e privações dos quais é resgatado pela «acção solidária de militantes do MPLA», refere a nota de pesar do PCP. No ano seguinte, 1962, envia um relatório à ONU onde denuncia os inúmeros crimes cometidos pela fascismo português em África.

Mário Pádua, ressalva Pepetela, ao longo da sua vida e nos seus livros, «não insiste em queixas contra os maus tratos e as injustiças sofridas, não só por parte dos congoleses mas também dos angolanos, militantes ou refugiados. Ele compreende a razão de muita desconfiança, pois conhecia como o colonialismo (português, belga, francês ou inglês) rachava a humanidade em partes com ressentimentos quase impossíveis de ultrapassar».

A sua vida aventurosa e solidária leva-o, anos depois, à recém-independente Argélia, integrando a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN). Em 1966, a convite de Amílcar Cabral, parte para a Guiné, para dar o seu apoio ao PAIGC enquanto médico, onde pode conviver com os solidários médicos  cubanos e vietnamitas, companheiros na luta contra o colonialismo e imperialismo.

«Tempos duros, em que lutou para salvar as vítimas da guerra colonial, guineenses de todas as idades, mas, também, soldados portugueses feridos  que os guerrilheiros do PAIGC transportavam, percorrendo longas distâncias até ao posto médico na fronteira com o Senegal», informa o PCP. 

Posteriormente, e até ao 25 de Abril, Mário Moutinho de Pádua especializa-se na área Hematologia Clínica em Paris, prestando apoio médico a inúmeros militantes do PCP no exílio. Retornado ao seu país, derrotada a longa noite fascista, exerce funções no Grupo de Apoio à Reforma Agrária, uma organização de médicos que, todos os fins-de-semana, se deslocavam ao Alentejo para prestar cuidados de saúde aos trabalhadores rurais e às suas famílias.

Mário Pádua acreditava, afirma Pepetela, «que o ser humano era generoso por natureza e portanto capaz de se erguer acima de todas as divisões e ódios, causados por razões objectivas de domínio e exploração», tendo-o demonstrado, humildemente, sem esforços ao longo de uma vida aventurosa e totalmente dedicada à solidariedade do homem pelo homem, afirmando a sua dignidade.

Décadas após estas experiências junto dos movimentos de libertação africanos, o médico e revolucionários recusou sempre qualquer pretensão de julgar e condenar a evolução destes processos: «quem tem de corrigir os desacertos das novas nações e decerto tarde ou cedo o farão, são os africanos na sua terra». O nosso papel, dos portugueses, deve, sim, ser o de «uma ajuda desinteressada e fraterna que decorre das responsabilidades que a Portugal, ou melhor, a alguns portugueses, compete assumir no colonialismo e na guerra colonial».

«Alguns ex-colonos rejubilam-se com as dificuldades, as guerras civis, os erros, a corrupção, o enriquecimento súbito e descomunal de dirigentes e pretendem que nada de semelhante ocorria no tempo colonial» denunciou, numa recente edição de um dos seus livros (Edições Avante!). «Esquecem o baixíssimo nível da instrução antes de 1974, o acesso problemático da minoria dita assimilada às carreiras superiores, o enriquecimento de fazendeiros graças ao trabalho forçado, a desigualdade de oportunidades, as humilhações de base racial, a subalternização dos africanos no seu próprio país».

«Esteve sempre, até à sua morte, seguro que a luta por um mundo mais  justo vencerá, empenhado na luta pela construção de uma democracia avançada vinculada aos valores de Abril na luta pelo socialismo e o comunismo», salienta o PCP.

Mário Moutinho de Pádua morreu aos 87 anos de idade. Era, actualmente, membro da Presidência do Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC), membro da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) e pertencia ao Organismo de Direcção do Sector da Saúde da Organização Regional  de Lisboa do Partido Comunista Português (PCP).

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