Informa o jornal Público que a «Concessão da Fertagus vai ser prolongada mas sem mais oferta nem Oriente. Prorrogação do contrato visa a reposição do equilíbrio financeiro decorrente dos efeitos da covid através de compensação, em prazo de concessão, e não em dinheiro. É a terceira vez que o Estado prolonga o contrato da Fertagus no eixo suburbano entre Setúbal e Lisboa, em vez de abrir concurso para uma nova concessão. Desta vez, a justificação prende-se com a necessidade de compensar a empresa pelos elevados prejuízos que teve durante a pandemia, quando a procura desceu a pique e os comboios andaram quase vazios durante o confinamento.»
Não duvidamos que é mesmo isto que está negociado entre o Governo PS e a Fertagus. Mas importa fazer algumas correcções ao cenário que está a ser pintado.
Em primeiro lugar, a Fertagus não teve prejuízos durante a pandemia. E quem o informa é o próprio grupo Barraqueiro, detentor da Fertagus, que nos seus Relatórios e Contas informa que o resultado líquido da Fertagus foi, nos últimos quatro anos, o seguinte:
Ou seja, a Fertagus teve lucros todos os anos. E portanto, não só são inexistentes os «avultados prejuízos» como houve lucros. Mas a razão porque tão facilmente se acredita naquela mentira é simples: de facto, todos temos noção que durante a pandemia as empresas de transportes enfrentaram grandes dificuldades. Porque escapou a Fertagus a essas dificuldades?
Muito simplesmente porque o Estado já financiou essa diferença. O facto de o Relatório e Contas da Fertagus não ser publicado desde 2019, escondendo do escrutínio público as contas detalhadas da empresa (o que no caso de uma PPP é mais uma ilegalidade) torna mais difícil demonstrar de onde vem o dinheiro. Mas, mais uma vez, socorrendo-nos das contas da Barraqueiro SGPS, vemos a evolução dos «Subsídios à Exploração» atribuídos pelo Estado ao Grupo Barraqueiro:
Foi a AML (Área Metropolitana de Lisboa) e o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária) quem financiou a Fertagus durante a pandemia, por via das compensações ao passe social. E é por isso que a Fertagus não teve prejuízos durante a pandemia.
Mas a notícia do Público tem ainda outro mérito importante: informa (o que raramente se faz na imprensa «de referência») que os comboios «da» Fertagus não pertencem à Fertagus, são do Estado, mais precisamente da Sagsecur. Mas também introduz, com mestria, a nova reivindicação da Fertagus, a de que quer quatro comboios da CP para poder aumentar a oferta.
Não que as coisas sejam ditas com tanta clareza. Não são. Aliás, a palavra CP nunca aparece. Mas primeiro é-nos dito que é preciso mais comboios (o que é verdade) para aumentar a oferta (o que é uma necessidade) principalmente quando avançarem as obras de modernização da Linha de Cintura (e até antes). Depois é-nos dito que a empresa não consegue comprar comboios daqueles (aliás, até agora não comprou qualquer comboio), nem o próprio Estado conseguiria atempadamente comprar esses comboios. E a coisa fica no ar...
«O que resulta evidente é que a Fertagus está a lançar a escada para receber mais material circulante da CP (...).»
Ora, aonde é que estão 10 UQE [Unidade Quádrupla Eléctrica] iguaizinhas às «da Fertagus»? Pois. Na CP. Que originalmente comprara todas estas UQE, antes de um governo (do Partido Socialista, claro) ter ordenado que parte desse material fosse destinado à Fertagus. O que resulta evidente é que a Fertagus está a lançar a escada para receber mais material circulante da CP – seja quando esta começar a receber o novo material circulante (do famoso e enrolado concurso dos 117 comboios), seja mesmo antes, arranjando-se uma desculpa qualquer para a redução da oferta na Linha da Azambuja que esse material hoje assegura.
E se é necessário confrontar o governo com a sua disponibilidade para apoiar esta negociata – prolongar a concessão por via de prejuízos que não existiram e ainda oferecer mais uns comboios à concessionária – é ainda mais importante ficar com mais esta edificante ilustração do que são as privatizações e as PPP, e lutar pela integração do serviço, dos comboios e dos trabalhadores da Fertagus na CP Lisboa assim que acabar a concessão em 2024. Como já foi proposto na Assembleia da República, mas chumbado por PS, PSD, IL e CH. Tão diferentes que eles são!
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